Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 283/2022-T
Data da decisão: 2023-01-02  IMI  
Valor do pedido: € 36.623,34
Tema: IMI. Erro na determinação do VPT de terrenos para construção. Pedido de revisão oficiosa de liquidação subsequente.
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SUMÁRIO:

 

I – O ato de avaliação do qual decorre a fixação do VPT é um ato destacável, suscetível de impugnação contenciosa direta.

II – Existindo erro dos serviços na determinação do VPT do terreno para construção de que decorreram as liquidações de IMI contestadas, em valor superior ao devido, sempre poderia o contribuinte, ainda que o não tivesse feito antes, invocar tal erro, nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT, e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI.

III – Decorre da conjugação do segmento final do artigo 54.º, do CPPT, com o disposto na alínea a) do artigo 99.º, do mesmo Código, que ainda que os atos destacáveis não tenham sido objeto de impugnação autónoma, qualquer ilegalidade de que padeçam não deixará de constituir fundamento de impugnação judicial do ato de liquidação subsequente.

IV – A impugnabilidade direta dos atos destacáveis tem “presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia”.

V – A intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI do ano de 2016 obsta ao conhecimento da sua (i)legalidade, por consubstanciarem caso decidido ou resolvido, ainda que o pedido de constituição do tribunal arbitral tenha sido apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o disposto na alínea d) do artigo 102.º, do CPPT.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.  RELATÓRIO

Em 21 de abril de 2022, A..., SA, com o NIPC..., e com sede na ..., n.º ..., ..., ...‐..., em Lisboa, (adiante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22 de abril de 2022 e automaticamente notificado à AT e, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, encargo aceite no prazo aplicável, sem oposição das Partes.

 

  1. Objeto do pedido:

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 30 de novembro de 2021 com vista à anulação parcial dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) a que correspondem as notas de cobrança n.ºs 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019... e  2019..., referentes aos anos de 2016 a 2019 e, como objeto mediato, as mesmas liquidações de IMI, cuja anulação parcial se pretende, pelo montante global de € 36 623,34.

Pede ainda a Requerente a condenação da Requerida na restituição do imposto pago em

excesso, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

 

B. Síntese da posição das Partes

a. Da Requerente:

A Requerente invoca a ilegalidade das liquidações de IMI dos anos de 2016 a 2019, cuja anulação parcial pretende, com os fundamentos seguintes:

 

  1. No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. As liquidações de IMI que se impugnam tiveram por base os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular à data dos factos, fixados segundo a fórmula erroneamente adotada pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, em violação do artigo 45.º, do Código do IMI.
  3. Na sequência da jurisprudência reiterada do STA, e no decorrer do ano 2020, a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.
  4. Porém, a AT não retificou as liquidações de IMI de anos anteriores, que apuraram imposto superior ao legalmente devido, por erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito na determinação da matéria tributável, imputável à AT.
  5. Resulta expressa e diretamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º, do Código do IMI, que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”.
  6. Do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de IMI (erro na determinação do VPT dos prédios) resulta uma coleta superior ao legalmente devido, estando assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa das liquidações emitidas.
  7. Sendo a AT responsável pela determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros são “erros imputáveis aos serviços” que justificam a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT.
  8. Em resultado da aplicação ilegal dos coeficientes previstos no artigo 38.º, do Código do IMI, os terrenos para construção objeto de tributação de IMI nos anos in casu tinham, à data das liquidações sub judice, valores patrimoniais tributários superiores àqueles que lhes seriam fixados caso tais coeficientes não tivessem sido considerados na fórmula de cálculo destes valores.
  9. Por conseguinte, é de concluir que foi efetuada uma liquidação (e pagamento) de IMI em excesso nos seguintes montantes: a) na liquidação de IMI relativa ao ano 2016, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 9 400,32; na liquidação de IMI relativa ao ano 2017, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 9 414,55; c) na liquidação de IMI relativa ao ano 2018, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 8 693,13 e, d) na liquidação de IMI relativa ao ano 2019, foi liquidado IMI em excesso no montante total de € 9 115,34.
  10. Enfermando os atos tributários de liquidação em crise de manifesta ilegalidade, por resultarem da interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devem os mesmos ser parcialmente anulados.
  11. A aplicação dos coeficientes de avaliação previstos no artigo 38.º, do Código do IMI, na determinação do VPT de terrenos para construção é contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.
  12. A Requerente procedeu ao pagamento indevido do valor do IMI, pelo que requere o reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado e o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º e 100.º da LGT.
  13. A título subsidiário, a Requerente requer que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º, do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º, do mesmo Código deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, com todas as consequências legais.

 

 

b. Da Requerida

Notificada pelo despacho arbitral de 5 de julho de 2022, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta na qual veio defender a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral, com os seguintes fundamentos:

 

  1. A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas dos atos que fixaram o VPT, pois aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.
  2. O que está em causa é apenas o ato destacável de fixação do VPT, cujos vícios não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
  3. A origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito à fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção; contudo, a Autoridade Tributária já acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º, do CIMI, e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º, do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.
  4. No dia 30 de novembro de 2021, o Requerente apresentou ao abrigo do disposto artigo 78.º, da Lei Geral Tributária, um Pedido de Revisão Oficiosa das liquidações de IMI identificadas no PPA.
  5. Considera a Requerida que a pretensão da Requerente não pode proceder porquanto: (i) − Não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais; (ii) − Mas, se assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa não são tempestivos; (iii) − O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica; (iv) − Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo; (v) − A Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.
  6. Os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários nem atos de apuramento da matéria tributável, para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 78.º, da LGT, respetivamente, nem o artigo 78.º, da LGT, dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte.
  7. Não estamos na presença de qualquer erro no ato de liquidação, efetuada com base no VPT constante na matriz predial, nos termos do artigo 113.º do CIMI, não sendo, por isso, invocável o fundamento da injustiça grave ou notória do n.º 4 do artigo 78.º, da LGT.
  8. Mesmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo de «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, concluindo-se que o pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-11-2021 sempre seria intempestivo.
  9. A avaliação constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.
  10. Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
  11. Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.
  12. De referir ainda que, no caso do prédio urbano com o artigo ... da freguesia de ..., uma vez que as avaliações que fundamentaram as liquidações contestadas já cessaram os seus efeitos, face à eficácia de uma nova avaliação realizada em 2020.07.31, não podem ser objeto de anulação, por já não existirem na ordem jurídica.
  13. Pede a Requerente que seja desaplicada no caso concreto a norma pretensamente extraída do artigo 45.º, do CIMI, por violação do princípio da legalidade tributária; no entanto, o que importa referir nesta sede é a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.
  14. A prevalecer a argumentação da Requerente, essa acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT, face àqueles que o fizeram tempestivamente.
  15. A atual interpretação dada pela AT à forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do STA, pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38.º ou do 45.º, do CIMI na avaliação dos terrenos para construção.
  16. O pedido formulado pela Requerente não está fundamentado na lei e o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade.
  17. No caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, pois à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei vinculadamente; porém, caso o pedido de pagamento de juros fosse julgado procedente, o mesmo seria enquadrável no nº 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT.
  18. Nestes termos, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

Mais pediu a Requerida, face ao teor dos documentos já juntos pela Requerente, dispensa de junção do processo administrativo.

 

Não havendo factos controvertidos nem tendo sido requerida a produção de prova adicional, foi, pelo despacho arbitral de 26 de setembro de 2022, dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, bem como a junção do processo administrativo, e as Partes convidadas a apresentar alegações escritas, pelo prazo simultâneo de 15 dias, com indicação de que nelas a Requerente se poderia pronunciar sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida.

 

Foi estabelecido que a decisão arbitral seria proferida dentro do prazo indicado no n.º 1 do artigo 21.º, do RJAT, e notificada a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral remanescente.

 

Por requerimento de 18 de outubro de 2022, veio a Requerente informar não pretender produzir alegações, orais ou escritas, por se encontrar já exposta e definida a sua posição no respetivo pedido de pronúncia arbitral.

 

A Requerida também não apresentou alegações.

 

Pelo despacho arbitral de 28 de novembro de 2022, foram as Partes notificadas para, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, querendo, sobre a tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI do ano de 2016, se analisada à luz do disposto no artigo 78.º, n.º 1 – segunda parte, da LGT, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 89.º, do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, não invocada nem pela Requerente nem pela Requerida.

 

Nenhuma das Partes se pronunciou sobre a questão para que foram notificadas.

 

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 5 de julho de 2022, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro;
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março;
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

Na sentença, o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as
suas decisões (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral
tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta ao pedido de pronúncia arbitral (PPA) e do processo administrativo (PA), fixa-se como segue:

 

A – Factos provados

  1. Em 31 de dezembro de cada um dos anos a que respeita o imposto (2016, 2017, 2018 e 2019), a Requerente era proprietária dos seguintes prédios urbanos, classificados como terrenos para construção, sitos na freguesia e concelho de ..., distrito de Leiria (...) – (cfr. Doc.s n.ºs 3 e 4 juntos ao PPA);
    1. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 1 – cl Serviços);
    2. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 11 – cl Habitação);
    3. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 5 – cl Habitação);
    4. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 6 – cl Habitação);
    5. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 17 – cl Habitação);
    6. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 18 – cl Habitação);
    7. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 19 – cl Habitação);
    8. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 20 – Habitação);
    9. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 21 – cl Habitação);
    10. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 22 – cl Habitação);
    11. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 23 – cl Habitação);
    12. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 24 – cl Habitação);
    13. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 25 – cl Habitação);
    14. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 26 – cl Habitação);
    15.  Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 27 – cl Habitação);
    16. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 28 – cl Habitação);
    17. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 29 – cl Habitação);
    18. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 30 – cl Habitação);
    19. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 31 – cl Habitação);
    20. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 32 – cl Habitação);
    21. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 33 – cl Habitação);
    22. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 34 – cl Habitação);
    23. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 35 – cl Habitação);
    24. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 36 – cl Habitação);
    25. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 37 – cl Habitação);
    26. Prédio urbano inscrito sob o artigo ... (Lote 38 – cl Comércio);
  2. Na determinação dos VPT dos terrenos identificados, a Requerida usou a fórmula seguinte (Doc. 3 junto ao PPA):

 

 

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das liquidações de IMI ora contestadas, referentes, entre outros, aos prédios identificados (Doc. n.º 2 junto ao PPA):
    1. Liquidação emitida em 02-03-2017, referente ao ano de 2016 – notas de cobrança n.º 2016 ... (1.ª Prestação, no valor global de € 14 642,93); n.º 2016 ... (2.ª Prestação, no valor global de € 14 642,92) e n.º 2016 ... (3.ª Prestação, no valor global de € 14 642,89);
    2. Liquidação emitida em 07-03-2018, referente ao ano de 2017 – nota de cobrança n.º 2017 ... (1.ª Prestação, no valor global de € 14 524,98);
    3. Liquidação emitida em 06-04-2018, referente ao ano de 2017 – notas de cobrança n.º 2017 ... (2.ª Prestação, no valor global de € 14 522,63) e n.º 2017 ... (3.ª Prestação, no valor global de € 14 522,62):
    4. Liquidação emitida 23-03-2019, referente ao ano de 2018 – notas de cobrança n.º 2018 ... (1.ª Prestação, no valor global de € 12 834,05); 2018 ... (2.ª Prestação, no valor global de € 12 834,05) e n.º 2018 ... (3.ª Prestação, no valor global de € 12 834,05);
    5. Liquidação emitida em 08-04-2020, referente ao ano de 2019 – notas de cobrança n.º 2019 ... (1.ª Prestação, no valor global de € 12 270,20); 2019 ... (2.ª Prestação, no valor global de € 12 270,19) e n.º 2019 ... (3.ª Prestação, no valor global de € 12 270,18);
  2. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMI identificadas, dentro dos respetivos prazos de cobrança voluntária (Doc. n.º 2 junto ao PPA);
  3. No decurso do ano de 2020, a Requerente apresentou pedidos de avaliação de todos os prédios identificados (Doc. n.º 4, junto ao PPA);
  4. Todos os mencionados prédios foram avaliados, a maioria dos quais em 27 de maio de 2021 (à exceção dos artigos ... e ..., avaliados em 31 de julho de 2020 e em 30 de janeiro de 2021, respetivamente), segundo a fórmula

 

em que “A afetação só releva para os efeitos de ajustamento da área (Caj – Art. 40.º-A do CIMI)” e o “Coeficiente de Localização (CL) não foi considerada no cálculo do Vt” (cfr. Doc. n.º 4, junto ao PPA);

  1. As diferenças entre os VPT em vigor entre 2016 e 2018, os determinados em 2019 e os apurados nas últimas avaliações efetuadas a cada um dos prédios urbanos identificados constam da tabela infra (cfr. Doc.s n.ºs 3, 4 e 5 juntos ao PPA):

1. Artigo matricial

2.  VPT 2016 a 2018

3. VPT 2019

4. VPT após reavaliação

5. Diferença 2016 a 2018

6. Diferença 2019

...

921 660,00

935 484,90

610 390,00

- 311 270,00

- 325 094,90

...

2016:  632 550,00

2017:  637 294,13

2018:  396 820,00

396 820,00

276 560,00

2016: - 355 990,00

2017: - 360 734,13

2018: - 120 260,00

- 120 260,00

...

352 790,00

358 081,85

257 010,00

- 95 780,00

- 101 071,85

...

352 790,00

358 081,85

257 010,00

- 95 780,00

- 101 071,85

...

393 190,00

399 087,85

297 050,00

- 96 140,00

- 102 037,85

...

393 190,00

399 087,85

297 050,00

- 96 140,00

- 102 037,85

...

394 440,00

400 356,60

297 990,00

- 96 450,00

- 102 366,60

...

199 580,00

202 573,70

150 780,00

- 48 800,00

- 51 793,70

...

199 580,00

202 573,70

150 780,00

- 48 800,00

- 51 793,70

...

200 660,00

203 669,90

151 590,00

- 49 070,00

- 52 079,90

...

199 580,00

202 573,70

150 780,00

- 48 800,00

- 51 793,70

...

289 020,00

293 355,30

218 350,00

- 70 670,00

- 75 005,30

...

268 250,00

272 273,75

202 660,00

- 65 590,00

- 69 613,75

...

227 370,00

230 780,55

171 780,00

- 55 590,00

- 59 000,55

...

227 370,00

230 780,55

171 780,00

- 55 590,00

- 59 000,55

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

221 410,00

224 731,15

167 270,00

- 54 140,00

- 57 461,15

...

330 620,00

335 579,30

249 780,00

- 80 840,00

- 85 799,30

...

1 096 830,00

1 113 282,45

682 460,00

- 414 370,00

- 430 822,45

...

1 564 340,00

1 587 805,10

949 690,00

- 614 650,00

- 638 115,10

 

2016 - 3 133 440,00

2017 - 3 138 184,13

2018 - 2 897 710,00

- 3 038 448,10

 

  1. A taxa de IMI aplicável aos prédios urbanos sitos no concelho da localização dos imóveis identificados manteve-se inalterada, em 0,3%, nos anos de 2016 a 2019 (cfr. Doc. n.º 2, junto ao PPA);
  2. Das diferenças entre os VPT dos prédios identificados antes e após a sua reavaliação, resultaram as seguintes diferenças de coleta: 2016: + € 9 400,32; 2017: + € 9 414,55; 2018: + € 8 693,13 e, 2019: + € 9 115,34, no montante global de € 36 623,34 (cfr. Doc.s n.ºs 2, 3, 4 e 5, juntos ao PPA);
  3. Em 30 de novembro de 2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das suprarreferidas liquidações de IMI, ao abrigo do disposto nos artigos 115.º, alínea c) e 129.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CIMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, requerendo a respetiva anulação parcial pelos valores indicados no ponto precedente (Doc. n.º 1 junto ao PPA);
  4. À data do pedido de pronúncia arbitral a Requerente não tinha sido notificada da decisão do procedimento de revisão oficiosa (facto admitido por acordo das Partes).

 

B – Factos não provados

Não existem factos com interesse para a decisão da causa que devam considerar-se como não provados.

 

C – Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe antes o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada.

 

Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. o artigo 596.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Os factos dados como provados decorrem da análise crítica dos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral, que a Requerida não contestou, e da posição assumida pelas Partes nos respetivos articulados.

 

III.2 DO DIREITO

  1. 1 As questões decidendas

As questões a decidir nos presentes autos consistem em saber, por um lado, (i) se sendo o ato de determinação do valor patrimonial tributário um ato destacável, suscetível de impugnação autónoma que, não tendo sido sindicado atempadamente pelos meios administrativos e judiciais próprios se consolidou na ordem jurídica, não pode ser invocado na apreciação da legalidade do ato tributário de liquidação subsequente, impedindo o conhecimento do mérito da causa com base em tal fundamento ou (ii) se, pelo contrário, o erro  na determinação do valor patrimonial tributário, na medida em que influenciou o cálculo do imposto apurado com base nesse valor, constitui fundamento para a apreciação da legalidade e anulação parcial das liquidações de IMI que constituem objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral.

 

Importa ainda aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI ora impugnadas, apresentado pela Requerente em 30 de novembro de 2021.

 

 

  1. Do ato de determinação do valor patrimonial tributário como ato destacável.

A primeira parte da questão contém uma alusão implícita à exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato impugnado (artigo 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), ou seja, à inimpugnabilidade do(s) ato(s) de liquidação de IMI, com base em vícios do(s) ato(s) de fixação do valor patrimonial tributário, exceção que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância.

 

No contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que apenas permite a impugnação contenciosa autónoma de atos interlocutórios do procedimento se estes forem diretamente lesivos dos direitos dos contribuintes ou quando exista disposição expressa em sentido diferente, “sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”.

 

O ato de fixação do valor patrimonial tributário de um imóvel não é, em si mesmo, um ato diretamente lesivo (não obstante seja classificado como tal pelo artigo 95.º, n.º 2, alínea b), da Lei Geral Tributária (LGT)), pois o sacrifício patrimonial exigido ao contribuinte apenas ocorre com a liquidação do imposto efetuada com base nesse VPT; contudo, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º, da LGT, a avaliação direta, como é o ato de determinação do VPT dos prédios urbanos (artigo 15.º, n.º 2, do CIMI), é suscetível, “nos termos da lei” de impugnação contenciosa direta, desde que esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão.

 

Também o artigo 134.º, do CPPT, prevê a possibilidade de impugnação do ato de fixação do VPT, sem efeito suspensivo da liquidação subsequente e “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”, meios administrativos que a Requerida restringe ao pedido de uma segunda avaliação direta, nos termos dos artigos 75.º e ou 76.º, do CIMI, da qual cabe impugnação judicial, nos termos definidos no CPPT (artigo 77.º, do CIMI).

 

Em face das normas legais mencionadas, não restam dúvidas de que o ato de avaliação do qual decorre a fixação do VPT é um ato destacável, suscetível de impugnação contenciosa direta.

 

Todavia, a questão que nos ocupa é, sobretudo, a de saber se, para além da possibilidade de impugnação direta do ato de fixação do VPT, tal ato é um ato definitivo que, na falta de impugnação judicial, se consolidou na ordem jurídica, precludindo o direito de, com fundamento na errada determinação daquele VPT, poder ser deduzida impugnação judicial da liquidação do imposto a que serviu de base.

 

É o que se averiguará de seguida.

 

 

  1.  Da (in)impugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário

Não está em causa nos autos determinar a existência de erro na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção sobre que incidiram as liquidações de IMI contestadas pela Requerente, erro decorrente da utilização dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, na redação em vigor à data dos factos, porquanto este vem assumido pela Requerida, ao admitir que “a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38.º ou do 45.º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.” (artigo 60.º da Resposta).

 

Assumido tal erro pela Requerida, fica igualmente prejudicado o conhecimento da questão da inconstitucionalidade da norma pretensamente extraída pela AT do artigo 45.º, do CIMI, na redação vigente à data das liquidações impugnadas, por aplicação analógica dos critérios previstos no artigo 38.º, do mesmo Código[1].

 

Importa, no entanto, saber se o erro na determinação do valor patrimonial tributário, que influenciou o cálculo do imposto apurado, se reflete na legalidade das liquidações de IMI ora impugnadas.

 

A Requerida, como já foi referido, entende que não, por considerar que as liquidações ora impugnadas, enquanto atos de aplicação da taxa à matéria tributável, não padecem de qualquer erro e que o ato de fixação do valor patrimonial tributário, já consolidado na ordem jurídica enquanto ato destacável, não é suscetível de revisão oficiosa, porquanto o artigo 78.º, da LGT, se reporta expressamente à revisão dos atos tributários.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

Determina o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, que os atos tributários podem ser revistos oficiosamente pela entidade que os praticou, “no prazo de quatro anos após a liquidação”, com fundamento em erro dos serviços, entendendo-se como tal o erro que “concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente, mas à A. Fiscal, mais devendo tal erro revestir carácter relevante, gerando um prejuízo efetivo, em virtude do errado apuramento da situação tributária do contribuinte, daí derivando o seu carácter essencial”.[2]

 

Apesar de a revisão oficiosa dos atos tributários ser da competência da entidade que os praticou, nada impede que o impulso para a sua revisão caiba ao contribuinte, como decorre do disposto no n.º 7, do artigo 78.º, da LGT, norma que faz referência ao efeito interruptivo do respetivo prazo, do pedido por aquele dirigido ao órgão competente para a sua realização (cfr. ainda os artigos 49.º, n.º 1, da LGT e 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT).

 

No pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos de 2016 a 2019,  apresentado pela Requerente ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, apelou esta ainda para o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, norma que impõe à AT o poder-dever de proceder à revisão oficiosa das liquidações “Quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido”, não distinguindo o legislador entre o erro na própria liquidação ou na determinação do VPT que lhe serviu de base, determinante da quantificação da coleta respetiva, poder-dever esse que decorre dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a AT tem de observar na globalidade da sua atividade, conforme os artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 55.º, da LGT.

 

Existindo erro dos serviços na determinação do VPT dos terrenos para construção de que decorreram as liquidações de IMI contestadas, em valor superior ao devido, sempre poderia o contribuinte, ainda que o não tivesse feito antes, invocar tal erro, nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT, e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI[3], como a Requerente efetivamente fez, estando a AT obrigada a rever oficiosamente tais liquidações[4].

 

Da omissão do dever de decidir o caso concreto dentro do prazo de quatro meses estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, resultou a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos de 2016 a 2019 apresentado pela Requerente, ficando aberta a via contenciosa, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo. 

 

O meio processual adequado à reação contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos referidos atos tributários, estando em causa a apreciação da legalidade de atos de liquidação, ainda que com fundamento em vícios de um ato destacável, é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral tributário, enquanto meio alternativo àquele (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte), da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).

 

De facto, tanto a jurisprudência como a doutrina têm vindo a entender que aproveita ao contencioso tributário o princípio “pro actione” ínsito no artigo 7.º, do CPTA, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, que, sob a epígrafe de “promoção do acesso à justiça”, impõe ao julgador que interprete as normas processuais “no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”, assim “permitindo minimizar a rigidez das normas processuais, decorrente do princípio da tipicidade”.[5]

 

Ora, interpretar a lei significa determinar o seu sentido e alcance, a fim de permitir a sua correta aplicação a um caso concreto, partindo do respetivo texto (elemento gramatical) e lançando mão dos elementos lógicos (histórico, sistemático e racional ou teleológico), mas “não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).

 

 Decorre da conjugação do segmento final do artigo 54.º, do CPPT com o disposto na alínea a) do artigo 99.º, do mesmo Código (elemento sistemático), que ainda que os atos destacáveis não tenham sido objeto de impugnação autónoma, qualquer ilegalidade de que padeçam não deixará de constituir fundamento de impugnação judicial do ato de liquidação subsequente[6].

 

De igual modo, o elemento racional ou teleológico aponta no sentido de que o erro na determinação do valor patrimonial tributário constitui fundamento de impugnação da liquidação subsequente, pois, de acordo com a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 760/2020-T, a impugnabilidade direta dos atos destacáveis tem “presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida).

 

Pelos motivos expostos, julga-se improcedente a exceção de inimpugnabilidade das liquidações de IMI objeto dos autos, com os fundamentos invocados pela AT.

 

1.4 Da (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa

Nos sua Resposta (artigos 25.º e seguintes), vem a AT fazer referência à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a admitir-se que o mesmo pudesse ser havido como pedido de revisão da matéria tributável, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, a formular dentro dos “três anos posteriores ao do ato tributário”.

 

Contudo, pelos motivos anteriormente expostos, o erro dos serviços na determinação do VPT constitui fundamento para revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação a que serviu de base, desde que verificados os pressupostos a que alude o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT, designadamente que, encontrando-se o imposto pago, o pedido de revisão oficiosa seja apresentado “no prazo de quatro anos após a liquidação”, prazo este que se justifica “com a necessidade de segurança jurídica e de evitar as perturbações que resultariam para os cofres do estado de terem de devolver a todo o tempo qualquer imposto pago indevidamente”.[7]   

 

O poder-dever de proceder à revisão oficiosa das liquidações de IMI, imposto à Requerida pelo artigo 115.º, do Código do IMI, não prejudica o disposto no artigo 78.º, da LGT, o que vale por dizer que a revisão das referidas liquidações, oficiosamente ou a pedido do contribuinte, apenas poderá ocorrer se suscitada dentro dos prazos ali previstos.

 

No procedimento tributário, os prazos são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil (artigos 20.º, n.º 1, do CPPT e 57.º, n.º 3, da LGT), de acordo com cuja alínea c) “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data (…)”.

Por seu turno, cada liquidação de IMI, ainda que o respetivo pagamento possa ser fracionado em duas ou três prestações, nos termos do artigo 120.º, do Código do IMI, é única e efetuada anualmente em relação ao VPT e ao sujeito passivo inscritos na matriz predial a 31 de dezembro do ano a que respeita o imposto, nos meses de fevereiro e abril do ano seguinte (cfr. o artigo 113.º, n.º 2, do CIMI, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, de 31/12 e que, na redação anterior, fazia referência aos meses de fevereiro e março).

 

No caso concreto dos autos, como consta do ponto 3.a. do probatório supra, as liquidações de IMI referentes ao ano de 2016 foram emitidas em de 2 de março de 2017, encontrando-se, em 30 de novembro de 2021, data do pedido da sua revisão oficiosa, excedido o limite temporal previsto no n.º 1 do artigo 78.º, da LGT que, encontrando-se pago o imposto, é de quatro anos a contar da data da liquidação, não sendo aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 129.º, do Código do IMI, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º Lei n.º 2/2020, de 31 de março, com menção expressa aos “prazos de reclamação e de impugnação”.

 

A intempestividade do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI do ano de 2016 obsta ao conhecimento da sua (i)legalidade, por consubstanciarem caso decidido ou resolvido[8], ainda que o pedido de constituição do tribunal arbitral tenha sido, como foi, apresentado dentro do prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, em conjugação com o disposto na alínea d) do artigo 102.º, do CPPT.

 

A inimpugnabilidade das liquidações de IMI do ano de 2016 constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, obsta a que o tribunal conheça, quanto a elas, do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (artigo 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea i), do CPTA).

 

Improcede, deste modo, o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMI do ano de 2016, procedendo, pelos motivos já apontados, quanto às liquidações dos anos de 2017, 2018 e 2019.

 

 

  1. Da restituição do indevido, acrescido de juros indemnizatórios

Determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária

a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse

 sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que incluiu “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

 

De igual modo, o n.º 1 do artigo 100.º, da LGT, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º, do RJAT, estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

 

O restabelecimento da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, obriga, por um lado, à restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente e, por outro, ao pagamento de juros indemnizatórios, sendo caso disso.

 

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, cujo n.º 1 estabelece que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

 

Porém, a amplitude do direito a juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, enquadrando-se na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, caso tenha decorrido mais de um ano sobre a data do pedido de revisão oficiosa [9].

 

No caso concreto em análise, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 30 de novembro de 2021, apenas são devidos juros indemnizatórios sobre o valor do imposto referente aos anos de 2017, 2018 e 2019 pago em excesso pela Requerente.

 

 

IV. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o tribunal arbitral singular:

 

  1. Julgar improcedente a matéria de exceção suscitada pela Requerida;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMI do ano de 2016 e, nessa medida, absolver a AT da instância;
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019, determinando a sua anulação parcial pelas quantias € 9 414,55, € 8 693,13 e € 9 115,34, respetivamente;
  4. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, sobre os montantes ora anulados e a restituir.

 

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 36 623,34 (trinta e seis mil, seiscentos e vinte e três euros e trinta e quatro cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil, oitocentos e trinta e seis euros), a suportar em 25,67% pela Requerente e em 74,33% pela Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 2 de janeiro de 2023.

 

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.

 



[1] Tal como foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21-11-2019, Processo 01646/13.2BELRA, “O que pode e deve ser objecto de fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).”.

[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23.03.2017, processo n.º 1349/10.0BELRS.

[3] No sentido de que o pedido de revisão oficiosa é meio idóneo de impugnação administrativa da errónea determinação do VPT, cfr. Joaquim Freitas da Rocha, “Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 195, segundo o qual “(…) antes de recorrer a Tribunal, o sujeito impugnante deverá auscultar a Administração tributária uma vez mais. De que forma? Basicamente, pedindo um segundo acto de avaliação – possibilidade que, por exemplo no caso de bens imóveis, se encontra prevista nos arts. 71.º e ss. do CIMI – ou utilizar, se outro não existir, o procedimento de revisão dos actos tributários, previsto no art. 78.º da LGT. Só após a decisão desfavorável no âmbito destes últimos procedimentos (isto é, decisão que mantenha o valor fixado em sede de primeira avaliação) é que se abre a via contenciosa.”.

[4] Neste sentido, cfr. o Acórdão Tribunal Central Administrativo Sul – Secção do Contencioso Tributário, de 31.10.2019, processo n.º 2765/12.8BELRS, no qual se decidiu que “A errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.”.

[5] Cfr. Rui Duarte Morais, “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, Almedina, 2012, pág. 252 e Decisão arbitral de 02.07.2021, processo n.º 760/2020-T.

[6] Escrevem Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário – Volume I”, Almedina, 2017, pág. 490: “(…) os vícios dos actos destacáveis são arguíveis na discussão da legalidade do acto final ainda que não tenham sido objecto de impugnação autónoma, não se podendo porém duplicar meios sob pena de os eventuais vícios do acto destacável serem uma questão prejudicial da impugnabilidade do acto definitivo.”

[7] Cfr. o Acórdão proferido pelo STA em 13-03-2013, Processo n.º 01183/12.

[8] Cfr., neste sentido, embora referindo a reclamação graciosa, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.04.2009, no processo n.º 0125/09, de acordo com cuja decisão “Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, (…), a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.”.

[9] Cfr. neste sentido, entre outros, o Acórdão do Pelo da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal
Administrativo, de 11/12/2019, processo 058/19.9BALSB: “Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (cfr. art. 78.º, n.º 1, da LGT) e vindo o ato a ser anulado (parcialmente), mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano apósa apresentação daquele pedido, e não desde a data do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].