Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 279/2022-T
Data da decisão: 2023-01-02  IMI  
Valor do pedido: € 32.178,36
Tema: IMI –VPT dos terrenos para construção.
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SUMÁRIO

 

I.               No caso de liquidação de IMI em excesso devida a erro imputável aos serviços, a revisão do ato tributário considera-se tempestivamente apresentada, nos termos do artigo 78.º, n.º1, da LGT, quando o pedido é efetuado no prazo de quatro anos contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto.

II.             Mesmo não tendo havido impugnação do ato de fixação do VPT, é possível impugnar as liquidações de IMT operadas com base num VPT fixado segundo critérios ilegais.

III.           Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não eram aplicáveis, à data dos factos, os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

I.           Relatório

A... S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede na ... ..., ..., ..., ...-... ... (doravante “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), para se pronunciar sobre a ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, dos atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre os Imóveis (“IMI”), no montante global de € 32.178,36.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”). 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 21 de abril de 2022, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 5 de julho de 2022.

Em 22 de setembro de 2022, a Requerida apresentou a Resposta, concluindo que o PPA deve ser julgado improcedente.

Em 3 de outubro de 2022, a Requerente apresentou resposta à matéria de exceção invocada pela Requerida 

Por Despacho de 13 de outubro de 2022, o Tribunal considerou dispensável a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a junção do processo administrativo, por não haver qualquer controvérsia na matéria de facto, tendo indicado a possibilidade de alegações escritas facultativas no prazo de dez dias, não tendo qualquer das partes usado dessa faculdade.

 

II.        Saneamento

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade.

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). 

É admissível a cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que a procedência dos pedidos depende da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

III.      Matéria de Facto

 

1.    Factos Provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A.   A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI: 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019 ..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., 2020..., referentes aos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 387.956,17. (cf. Documento n.º 2 junto com o PPA)

B.    As referidas liquidações de IMI incluíam terrenos para construção cujos valores patrimoniais tributários (“VPT”) estavam fixados com a aplicação de coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto (cf. cadernetas prediais urbanas juntas com o documento n.º 3 do PPA).

C.    A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMI supra identificadas (alegado pela Requerente e não contestado pela AT).

D.   O Requerente apresentou, no dia 30 de novembro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, um pedido de Revisão Oficiosa dos referidos atos de liquidação, não tendo obtido qualquer resposta da AT até à data de entrada do PPA (cf. Documento n.º 1 junto com o PPA).

 

2.    Factos não Provados 

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

3.    Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal fundou-se unicamente nas alegações das partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.

IV.      Matéria de Direito 

A Requerente alega a ilegalidade das liquidações identificadas, uma vez que, em parte, tiveram por base VPT dos terrenos para construção que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto.

Na sua resposta a Requerida levanta algumas questões prévias que cumpre analisar, antes de se entrar na questão da legalidade das liquidações. 

 

1.    Sobre a intempestividade do pedido de revisão oficiosa

A questão levantada pela Requerida é, resumidamente, a seguinte: o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, caso se decida pela aplicabilidade do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, sendo que a determinação dos VPT tem uma antiguidade muito anterior. Por isso, tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI e a data da respetiva avaliação dos terrenos para construção ou mesmo os atos de liquidação relativos a período ocorrido há mais de 3 anos, conclui-se que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo.

A Requerente considera ter plena aplicação o artigo 78.º, n.º 1, da LGT, como forma de reação às liquidações de IMI em causa, tendo o pedido de revisão oficiosa dado entrada dentro dos quatro anos aí previstos.

Analisando:

Esta matéria tem sido objeto de posições divergentes por parte do CAAD, tendo o signatário, nos processos em que interveio, seguido a posição acolhida pelo TCAS no âmbito do Acórdão proferido no Proc. 2765/12.BELRS, de 31.10.2019, que se transcreve parcialmente abaixo:

(…) da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal”.

De facto, dispõe o artigo 78.º, n.º 1 da LGT que “a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”

O n.º 4 da norma citada dispõe que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”

Quanto a esta matéria considera-se que o prazo de revisão oficiosa aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os atos de liquidação do IMI, ainda que com base em erro de direito quanto à fixação da matéria tributável.

E, no pressuposto de que essa ilegalidade deriva de um erro imputável aos serviços, o que se analisará mais à frente, a revisão do ato tributário, nos termos do citado artigo 78.º, n.º1, da LGT, tem de ser admitida, tendo o pedido de revisão sido tempestivo, dado que foi apresentado a 30 de novembro de 2021, sendo de notar que, nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI, na redação dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março, “os prazos de reclamação e de impugnação contam-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última ou da única prestação do imposto”.

Sendo o primeiro ano em causa o de 2016, com data limite de pagamento da última prestação de IMI o mês de novembro de 2017, conclui-se assim pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa para todas as liquidações objeto do presente PPA.

 

2.    Sobre a consolidação do ato tributário que determinou o VPT e a não impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT

Alega a Requerida que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, o qual, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, que a posterior liquidação tem de acolher. Assim, não tendo a Requerente colocado em causa o VPT obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer, na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

Alega ainda a Requerida, na esteira do que antecede, que, uma vez que os vícios da fixação do valor patrimonial não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica, não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

A Requerente discorda da posição da Requerida, defendendo que a falta de impugnação do ato de determinação do VPT não prejudica a possibilidade de impugnação dos atos de liquidação que o tiverem por base. 

Analisando:

Nesta matéria, este Tribunal revê-se no entendimento proferido no já citado Acórdão do Tribunal Central Administrativo de que: “o ato de fixação do VPT (…) é encarado, de forma pacífica, como ato administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável. É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor. De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir”.

De notar que esta posição foi igualmente seguida em inúmeras decisões do Tribunal Arbitral. Acompanha-se as razões apontadas na decisão do processo n.º 760/2020‐T, que se transcreve abaixo:

“A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto -, mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta.

Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida)

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)”.

Efetivamente, ressalvando o respeito pela posição contrária, a posição acima transcrita é a única que assegura a tutela judicial efetiva, na medida em que impede que se perpetuem liquidações de IMI que assentem numa base tributável ilegalmente determinada pela AT. 

Improcede assim a alegação da Requerida.

 

3.    Sobre a inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais

Alega ainda a Requerida que, como resulta da letra da lei, o artigo 78.º da LGT não abrange os atos de avaliação patrimonial, que não são atos tributários, nem são atos de apuramento da matéria tributável, não havendo assim possibilidade de utilização da revisão oficiosa como meio de reação.

Esta alegação improcede, na medida em que, como é claro, a revisão oficiosa apresentada pelo Requerente teve como alvo os atos de liquidação de IMI e não as avaliações do VPT.  É verdade que o vício que se aponta ao ato de liquidação respeita a uma alegada ilegalidade cometida pela AT na fixação do VPT, mas tal não invalida que seja o ato de liquidação que é posto em causa com o pedido de revisão oficiosa.

4.    Ilegalidade das liquidações de IMI

O Requerente sustenta que os coeficientes de afetação, de localização, de qualidade e conforto, e de vetustez não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, por não fazerem parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data do facto tributário relevante para efeitos das liquidações de IMI em causa.

Analisando:

O artigo 45.º do Código do IMI, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e que esteve em vigor até à alteração introduzia pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, dispunha o seguinte:

Artigo 45º

Valor Patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 – O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas

3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º

4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos teros do nº 4 do artigo 40º.

5 – Quando o documento comprovativo da viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente (aditado pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro).

Por seu lado, os números 3 e 4 do artigo 42º do Código do IMI dispõem que:

“3 – Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidade, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços e transportes públicos

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 – O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º.”

A norma acima citada, a qual prevê as regras de cálculo do VPT para terrenos de construção, não acolhia efetivamente quaisquer coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto.  

Estes coeficientes encontravam-se unicamente previstos no artigo 38º do Código do IMI, o qual não é aplicável na determinação do VPT dos prédios que tenham sido classificados como terrenos para construção.

Esta matéria já foi objeto de inúmeras decisões arbitrais, bem como pelo STA. O Acórdão proferido pelo STA, no Processo n.º 016/10, de 3 de julho de 2019, conclui que “na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros, o coeficiente de qualidade e conforto. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45º do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45º do CIMI, mas não outras características ou coeficientes”.

Cite-se outras decisões no mesmo sentido, como a proferida pelo STA no âmbito do Proc. 170/16.6BELRS, de 23 de outubro de 2019, onde se decidiu que: “I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq). II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. III – O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio, indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto”.

Em face da letra da lei e da referida orientação jurisprudencial, é de concluir que, na avaliação de terrenos para construção, não deveriam ter sido considerados, nem aplicados na determinação do VPT desses prédios, os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, entre eles os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.

Pelo exposto, deve proceder, integralmente, o pedido efetuado pela Requerente de anulação parcial dos atos de liquidação de IMI e de reembolso do imposto indevidamente pago, devendo o imposto pago a mais ser determinado pela AT em execução da sentença, tendo por base a presente decisão arbitral. 

Conforme determina a alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”

Desta forma, em resultado da anulação parcial do ato tributário, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

Fica prejudicada a análise da questão suscitada pela Requerente de inconstitucionalidade da norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, bem como a contra-alegação produzida pela Requerida, uma vez que o Tribunal não acolhe essa interpretação.

Não colhe igualmente o argumento da Requerida de que a posição da Requerente acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária, privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT, face àqueles que o fizeram tempestivamente. Efetivamente, não se vislumbra em que medida a posição de que os atos de liquidação de IMI são contestáveis quando tenham por base uma determinação ilegal do valor tributável põe em causa o princípio da igualdade entre contribuintes. 

A Requerida invoca ainda a proibição legal de prolação de pronúncia arbitral conforme a equidade, invocação que também não colhe, dado que o que está em causa no presente processo, e que fundamenta a decisão, é a determinação do valor tributável assente em critérios ilegais, e não uma decisão com base em juízos de equidade.

5.    Juros indemnizatórios

A Requerente peticiona igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. A alínea c) do n.º 3 da norma citada estabelece que são também devidos juros indemnizatórios “quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

Deste modo, considerando que o pedido de revisão foi apresentado em 30 de novembro de 2021, os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir de 30 de novembro de 2022 até ao reembolso integral.

V.         Decisão

De harmonia com o supra exposto, decide o Tribunal Arbitral: 

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando a ilegalidade parcial e anulação das liquidações de imposto contestadas;

b)    Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no reembolso do imposto pago em excesso, devendo o respetivo montante ser quantificado em execução da presente decisão arbitral; 

c)    Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, a contar desde 30 de novembro de 2022 até ao reembolso integral do imposto pago em excesso. 

 

VI.      Valor do Processo 

Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se o valor do processo em € 32.178,36, valor este indicado pela Requerente como constituindo o valor cuja anulação se pretende, valor esse não contestado pela Requerida.

VII.    Custas 

Custas no montante de € 1.836,00 a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT. 

Notifique-se.

Lisboa, 2 de janeiro de 2023

O Árbitro,

                                                       

Jorge Belchior de Campos Laires