Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 252/2022-T
Data da decisão: 2023-01-06  IRS  
Valor do pedido: € 88.822,74
Tema: IRS – rendimentos de capitais – troca automática de informações – ónus da prova.
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Sumário

I. A simples menção de que a tributação se enquadra no artigo 72.º, n.º 1, alínea d) do código do IRS, sem a prévia qualificação e quantificação dos rendimentos perante a norma de incidência prevista no artigo 5.º do Código do IRS, não é suficiente para dar cumprimento ao dever de fundamentação formal e material a que a AT se encontra adstrita na sua atuação;

II. Para fazerem fé nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 76.º da LGT, as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado têm de estar fundamentadas, basear-se em factos sólidos e critérios objetivos, o que não pode ser comprovado por ser desconhecido o teor de tais informações que nunca foram reveladas pela AT;

III. A mera suspeita da existência de rendimentos não declarados não inverte por si só as regras do ónus da provaprevistas no artigo 74.º da LGT, continuando a recair sobre a AT a obrigação de demonstrar os pressupostos fáctico‑jurídicos que legitimam a sua atuação corretiva;

IV. De forma a dar integral cumprimento ao princípio do inquisitório, impunha-se à AT o recurso aos mecanismos de trocas de informações como forma de confirmar a veracidade dos elementos declarados pelos Requerentes e de afastar a dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários (artigo 100.º n.º 1 do CPPT), sob pena de violação do princípio do inquisitório e da verdade material, desdobramentos dos princípios da legalidade e da igualdade, previstos nos artigos 103.º, n.º 3, 13.º e 266.º n.º 2 da CRP.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Filipa Barros e Francisco Melo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído a 23 de junho de 2022, acordam no seguinte:

 

 

I – RELATÓRIO

 

1.    A 08 de abril de 2022, A..., titular do número de identificação fiscal ... (doravante Requerente) e B..., titular do número de identificação fiscal ..., residentes na Rua ..., n.º ...,  ..., ...-... Porto (doravante, em conjunto Requerentes) apresentaram, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2.º e dos artigos 10 e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), requerendo a anulação dos seguintes atos: 

a.     Indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º ...2021... (IRS 2016), notificado através do Ofício n.º 2022... de 21/03/2022 (junto ao PPA como documento n.º 1 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido), reclamação graciosa essa deduzida contra os atos de liquidação adicional de IRS n.º 2020..., de compensação n.º 2020... e de acerto de contas n.º 2020... (junto ao PPA como documento n.º 2 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido), com o valor total a pagar de €35.472,57; e

b.     Liquidação adicional de IRS n.º 2021... (IRS 2017), de compensação n.º 2021... e de acerto de contas n.º 2021... (junta ao PPA como documento n.º 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido), com o valor total a pagar de €53.350,17.

2.    As liquidações de IRS em referência ascendem a um montante total de €88.822,74.

3.    Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo os Requerentes procedido à nomeação de árbitro, foram designados, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado. 

4.    O presente Tribunal foi constituído no dia 26 de julho de 2022, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação do Tribunal Arbitral que se encontra junta aos presentes autos.

5.    A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 30 de setembro de 2022, defendendo-se por impugnação. 

6.    Atendendo a que não existia necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos, nem matéria de exceção sobre a qual as partes carecessem de se pronunciar antecipadamente, e que no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis ao abrigo do disposto nas alíneas c) e e) do artigo 16.º do RJAT, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT. 

7.    Por despacho de 03 de outubro de 2022, o Tribunal decidiu determinar o prosseguimento do processo para alegações escritas de facto e de direito, a apresentar pelas partes no prazo simultâneo de quinze dias.

8.    Adicionalmente, o Tribunal indicou o dia 23 de dezembro de 2022 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data o Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

9.    No dia 24 de outubro de 2022, a Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas. 

10. Em 14 de novembro de 2022, por despacho do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foi informado o Tribunal da substituição do Árbitro adjunto, Exmo. Senhor Dr. Tito Barros Caldeira pelo Exmo. Senhor Dr. Francisco Melo. 

11. Em 18 de Novembro de 2022, o Tribunal Arbitral determinou, a suspensão dos presentes autos até à formalização e comunicação da aceitação do encargo pelo Dr. Francisco Melo, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT.

12. Tendo ocorrido no dia 19 de dezembro de 2022 a aceitação das funções de Árbitro pelo Dr. Francisco Melo, a dia 20 de dezembro de 2022, o Tribunal determinou a retoma da tramitação dos autos, tendo designado o dia 23 de janeiro como data para a prolação da decisão arbitral. 

 

II. Os Requerentes sustentam o seu pedido, em síntese, no seguinte:

 

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação dos atos de liquidação de IRS, referente aos anos de 2016 e 2017, no montante global de €88.822,74 (oitenta e oito mil oitocentos e vinte e dois euros e setenta e quatro cêntimos), no seguinte: 

a)        Os Requerentes encontram-se radicados em Portugal há décadas, detendo património imobiliário junto de entidades não domiciliadas e sem estabelecimento estável em Portugal;

b)       Ao abrigo do Regime de Regularização Tributária (doravante, abreviadamente RERT III) os Requerentes procederam à entrega da competente declaração de regularização tributária, tendo regularizado elementos patrimoniais detidos fora de Portugal, no valor global de €4.987.479,21, o que conduziu ao pagamento de imposto no montante total de €374.060,94;

c)        Em 2016, o Requerente movimentou a crédito uma conta de depósitos detida num banco em Jersey (National Westminster) no valor de £80.000,00, tendo este movimento sido designado como “Automated Credit”. Por sua vez, em 2017, a mesma conta bancária evidenciou um movimento a crédito no valor de £150.000,00;

d)       Os Requerentes alegam que os depósitos à ordem junto da instituição financeira em Jersey, no montante de £300.047,64, fazem parte do conjunto dos elementos patrimoniais regularizados em 2012, ao abrigo do mencionado RERT III e, por conseguinte, foram sujeitos a tributação à taxa de 7,5%, em Portugal, quando da submissão da declaração de regularização tributária, na qual o referido depósito (entre outros) foi devidamente identificado e reportado, não obstante, ter ocorrido uma alteração da denominação social da entidade fiduciária;

e)        Tendo em vista o esclarecimento da questão, os Requerentes solicitaram à entidade pagadora que elucidasse a proveniência dos valores depositados na sua conta, bem como se as mesmas correspondem a uma componente de juro ou rendimento de capital, tendo sido esclarecido que as mesmas têm origem no património que foi objeto de regularização e que não integram qualquer componente de rendimento de capital;

f)         Não obstante o referido, quer relativamente ao ano de 2016, quer relativamente ao ano de 2017, os Requerentes foram sujeitos a um procedimento de liquidação adicional, atendendo a que alegadamente, e de acordo com um mecanismo de troca de informações internacional, terão auferido rendimentos que não foram declarados no anexo J da sua declaração de IRS dos anos em questão;

g)        Os Requerentes defendem que em fase de processo gracioso juntaram elementos de prova bastantes, de modo a demonstrar que não houve qualquer omissão de rendimentos quer na declaração de 2016, quer na declaração de 2017. Não obstante o referido, e com base numa argumentação que os Requerentes qualificam de inexistente, a AT questionou os esclarecimentos apresentados considerando “improvável” não ter ocorrido um acréscimo de rendimentos nas contas bancárias onde foram realizados os pagamentos, dada a distância temporal entre a data da regularização tributária (18/06/2012) e as datas das referidas transferências (17/11/2016);

h)       Os Requerente acusam a AT de transigir com a verdade tributária, ao referir que as autoridades estrangeiras comunicaram “rendimentos”, quando as comunicações se referem a um mero reporte de movimentos bancários, sem que as Autoridades Fiscais tenham procedido à qualificação da natureza do “pagamento” realizado. Ora, assim sendo, não tendo essa qualificação sido reportada pelas autoridades fiscais estrangeiras, não há qualquer valor probatório atribuível à tese da alegada requalificação de movimentos bancários em rendimentos de capital, como pretende a AT;

i)          Admite-se, no entanto, que as declarações de rendimentos apresentadas nos anos em referência não continham a identificação das contas bancárias detidas no estrangeiro, sendo certo que tal omissão declarativa, entretanto corrigida, nunca justificaria, segundo os Requerentes, a liquidação adicional de imposto aqui em causa;

j)         Adicionalmente, os Requerentes imputam aos atos de liquidação adicional os vícios de violação do dever de fundamentação previstos no artigo 77.º da LGT, por omissão da indicação das disposições legais aplicáveis e por não ter logrado demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional dos alegados rendimentos;

k)       Os Requerentes defendem que a AT não apresenta prova da informação recebida por parte das Autoridades Fiscais de Jersey, nem clarifica o que lhe foi informado, no entanto, infere de imediato que deveriam ter sido declarados e tributados, em Portugal, enquanto rendimentos de capital, os montantes de £80.000,00 e £150.000,00, o que leva os Requerentes a concluir que a ideia da AT se sustenta no facto de terem decorrido quatro anos desde a entrega da declaração de regularização tributária submetida ao abrigo do RERT III em 2012 e os movimentos registados na sua conta no Banco G... em 17/11/2016 e 16/11/2017, procedendo à liquidação adicional, sem mais;

l)         Além do mais, referem que ao contrário do que vem invocado pela AT na sua fundamentação, a taxa aplicada no ato de liquidação de IRS não foi a de 28%, mas sim a taxa agravada de 35%, o que se comprova pelas liquidações de IRS – “imposto relativo a tributações autónomas”, o qual apresenta o resultado da aplicação de 35% sobre os alegados rendimentos de €80.000,00 e de €167.209,50, dando tal situação lugar a uma manifesta incongruência entre a fundamentação e a liquidação, impossibilitando o conhecimento dos motivos que conduziram à aplicação da taxa agravada de 35%;

m)      O argumento apresentado pela AT na resposta à impugnação, de que se tratou de um lapso de escrita, constitui fundamentação sucessiva que não deve ser relevada nesta sede;

n)       Sem prescindir de tudo o que foi dito, os Requerentes impugnam ainda a aplicação da sobretaxa extraordinária aos rendimentos em questão, uma vez que, a partir do próprio enquadramento feito pela AT – subsumir os alegados rendimentos auferidos pelos Requerentes na alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, como se indica, em coerência, a taxa a que os mesmos deveriam estar sujeitos ascenderia a 28% – com a exclusão da aplicação da sobretaxa, nos termos n.º 1 do art.º 72.º-A do Código do IRS, por não estarem os referidos rendimentos sujeitos a englobamento.

 

III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

 

a)    Rebate a Requerida os argumentos dos Requerentes, começando por aduzir que está em causa a tributação de rendimentos provenientes de países com regime fiscal claramente mais favorável, cuja obtenção chegou ao conhecimento da AT através da troca automática de informações fiscais internacionais;

b)   Defende a AT que a troca de informações fiscais internacionais revelou que os Requerentes, em 2016, obtiveram rendimentos de capital no valor de €80.000,00, em Jersey e, muito embora tenham apresentado declaração de rendimentos Modelo 3 referente a IRS de 2016, não incluíram no Anexo J os rendimentos obtidos no estrangeiro;

c)    Analisado o exercício do direito de audição concedido aos Requerentes, entendeu a AT, através da Informação emitida pela Direção de Serviços de Relações Internacionais, que estes não juntaram elementos que permitam confirmar de forma inequívoca os factos alegados em sua defesa;

d)   Nesta sequência, lembra, a propósito da idoneidade da informação proveniente das autoridades fiscais estrangeiras, citando a posição defendida pela União Europeia, bem como pela OCDE, no sentido de que “a troca de informações fiscais entre os Estados-Membros constitui um dos principais instrumentos de combate à fraude e à evasão fiscal.”;

e)    Refere ainda, quanto ao valor probatório da informação recebida, nos termos do n.º 4 do art.º 76º da LGT “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”;

f)     A AT considera que em face do disposto na lei vigente, a informação prestada pelas Autoridades Fiscais estrangeiras no âmbito da troca de informação é válida e suficiente para inverter o ónus da prova, uma vez que “se identificou a instituição financeira, o n.º da conta, o titular e os valores de saldo”. Neste contexto, cabe aos Requerentes demonstrar que os rendimentos que as autoridades fiscais estrangeiras comunicaram são falsos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 74º da LGT, pois o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca;

g)    Relativamente ao dever de fundamentação das correções e consequente liquidação adicional de imposto, entende que AT que o artigo 77.º n.º 1 e 2 da LGT estabelece os requisitos gerais de fundamentação e que estes deveres se encontram cumpridos, pois no ofício através do qual o sujeito passivo foi notificado do teor da fundamentação que serviu de base à emissão do documento oficioso (e que deu origem à liquidação reclamada), foi junto o Despacho proferido pelo Diretor Adjunto da DF Porto em 05-11-2020, a informação da DSRI e a nota de alterações ao IRS do ano de 2016;

h)    Sobre a aplicação da taxa de 35% (taxa agravada) aos rendimentos que foram objeto de um ato de liquidação do qual constava a sujeição à taxa de 28%, rebate a AT que está em causa um mero “erro de escrita” e não a ilegalidade da liquidação por falta de fundamentação, ou fundamentação sucessiva, como pretendem os Requerentes;

i)     Ora, sendo os rendimentos de fonte estrangeira, de acordo com o art.º 72.º do Código do IRS, os rendimentos de capitais devidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, como é o caso de Jersey, são tributados autonomamente à taxa de 35%;

j)     No que respeita à tese dos Requerentes de que o ato de liquidação é manifestamente ilegal por violar a própria lógica estabelecida no RERT III, e configurar um comportamento abusivo da AT, refere em sentido contrário, que em 18/06/2012 os Requerentes procederam à entrega da declaração de regularização tributária, tendo pago o correspondente imposto e que em 2016 a conta bancária do Banco de Jersey evidencia um movimento a crédito o qual não se encontra justificado de forma inequívoca, não se podendo “aceitar sem margem de dúvida, que esses €80.000,00, transferidos/creditados em 2016, integram o valor de um saldo bancário com mais de 4 anos face a essa transferência.”;

k)   Quanto à aplicação da sobretaxa extraordinária impugnada pelo Requerente tendo por base que o rendimento em causa não estaria sujeito a englobamento, refere a AT que “o art.º 72º‑A do CIRS, com a epígrafe Sobretaxa Extraordinária, aditado pela Lei n.º 49/2011, de 07/09, dispunha que: Sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do art. 22º, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.ºs 3, 4, 6 e 10 do art. 72º, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida, incide a sobretaxa extraordinária de 3,5%.”;

l)      Acrescenta ainda que com a redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o art.º 72º passou a ser composto por 12 números;

m)  Ora, a “01-01-2016 entrou em vigor e produziu efeitos a Lei n.º 159-D/2015, de 30/12, que veio estabelecer o seguinte: - a extinção da sobretaxa aplicável em sede de IRS (art. 1º) - a sobretaxa deixa de incidir sobre os rendimentos auferidos a partir de 01-01-2017 (art. 2º n.º 1) - para os rendimentos auferidos em 2016, a sobretaxa aplicável observa o disposto na tabela da qual consta, entre outros, que para rendimento coletável superior a €80.000,00 se aplica a taxa de 3,5% (art. 2º n.º 2) - as taxas previstas incidem sobre a parte do rendimento coletável de IRS que resulte do englobamento nos termos do art. 22º do CIRS, acrescido dos rendimentos sujeitos às taxas especiais constantes dos n.ºs 3, 6, 11 e 12 do art. 72º do mesmo Código, auferido por sujeitos passivos residentes em território português, que exceda, por sujeito passivo, o valor anual da retribuição mínima mensal garantida (art. 3º).”;

n)   E que sendo rendimentos obtidos em Jersey, no ano de 2016, encontram-se sujeitos a sobretaxa uma vez que, “à data 01-01-2016, o n.º 12 do art. 72º do CIRS refere: “Os rendimentos de capitais, tal como são definidos no art. 5º e mencionados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 71.º, devidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, quando não sujeitos a retenção na fonte nos termos do n.º 13 do art. 71º, são tributados autonomamente à taxa de 35%;

o)    Quanto à liquidação de IRS, no valor de €167.209,50, cuja transferência bancária data de 16/11/2017, a Requerida reitera os argumentos supra expostos para a liquidação de IRS de 2016;

p)   Com efeito, considera que não foram apresentados elementos de prova bastante que revelem que o montante em causa fazia parte do acervo patrimonial incluído no depósito à ordem por si detido no C... Limited, declarado e tributado em Portugal no âmbito do RERT III;

q)   Uma vez mais, a Requerida sublinha como elemento fundamental justificador da liquidação adicional controvertida, que a declaração de regularização tributária data de 18/06/2012 e a referida transferência de € 167.209,50 data de 16/11/2017, distancia temporal que não permite, sem qualquer outro meio de prova adicional aceitar sem margem para dúvida que os valores transferidos integram um saldo bancário com mais de 4 anos face à referida regularização;

r)    Em suma, a AT considera ser legítimo questionar se tais valores transferidos das contas bancárias detidas pelo Requerente em Jersey (no montante de €80.000,00 e de €167.209,50), não foram acrescidos ao saldo existente entre a data da declaração de regularização bancária e o registo bancário das transferências (em 2016 e 2017 respetivamente), recaindo sobre os Requerentes o ónus de comprovar a natureza dos movimentos em causa;

s)    Conclui, pedindo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação de IRS.

 

 IV. Saneamento

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

V. Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de pronúncia arbitral e alegações do Requerente, e Resposta da Requerida, bem como a prova documental junta pelo Requerente, e o Processo Administrativo (doravante PA) instrutor) consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

a.      Factos dados como provados 

 

Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:

 

A.   O Requerente (A...) é um cidadão inglês que recentemente adquiriu nacionalidade portuguesa, detendo património mobiliário pelo menos desde 18/06/2012, em entidades não domiciliadas e sem estabelecimento estável em Portugal;

B.   Os Requerentes declararam todo o seu património mobiliário existente a essa data fora do território nacional ao abrigo do regime excecional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrassem em território português em 31/12/2010 (doravante abreviadamente designado “RERT III”), criado pelo artigo 166.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012); (cfr. doc. n.º 4 junto com o PPA e PA);

C.   Em 18/05/2012, os Requerentes procederam à entrega da competente declaração de regularização tributária no âmbito da qual declararam ser titulares/beneficiários efetivos, consoante aplicável, dos seguintes elementos patrimoniais:

1)     Ações no valor de £1.364.741,33, depositados em D... (Channel Islands), St. Peter Port, Guernsey, no valor em euros de €1.585.525,80;

2)    Obrigações no valor de £760.782,51, depositados em D... (Channel Islands), St. Peter Port, Guernsey, no valor em euros de €883.860,02;

3)    Unidades de Participação em Fundos de Investimento no valor de £1.452.290,30, depositados em D... (Channel Islands), St. Peter Port, Guernsey, no valor em euros de €1.687.238,22;

4)    Depósito à ordem no valor de £96.236,72, em D... (Channel Islands), e St. Peter Port, Guernsey, no valor em euros de €111.805,66;

5)    Depósito à ordem no valor de £300.047,64 em C... Limited (..., Jersey), no valor em euros de €348.588,60; e

6)    Participação de 4,901955% no E..., já dissolvido no ano de 2011, no valor de £318.874,23, no valor em euros de €370.460,91; (Cfr. Doc. n.º 4, junto com o PPA e PA);

D.   No total, o valor dos elementos patrimoniais objeto de regularização ascendeu a €4.987.479,21 o que conduziu ao pagamento de imposto no montante de total de €374.060,94; (Cfr. Doc. n.º 4, junto com o PPA e PA);

E.   Em 17/11/2016, uma conta de depósito com n.º ... do Banco G.. (National Westminster), em Jersey, de que os Requerentes eram titulares, foi movimentada a crédito, no valor de £80.000,00; (cfr. cópia do extrato bancário que titula este movimento, junto como documento n.º 5 do PPA);

F.    O movimento referido no ponto E “Automated Credit”, encontra-se descrito como “F... Trustees ... FP 17/11/16, ...2140842227... 0R D... Trustees ...”; (cfr. documento n.º 5 junto com o PPA);

G.   Em 16/11/2017, a mesma conta bancária evidencia um movimento a crédito, no valor de £150.000,00 (cfr. cópia do extrato bancário que titula este movimento, junto como documento n.º 6 do PPA);

H.   O movimento referido no ponto G encontra-se descrito como “F... Ltd Ato … Trust ... Jersey JE1 1RB” (cfr. documento n.º 6 junto com o PPA);

I.     Em 15/10/2008, a entidade “F... Ltd” depositária do património mobiliário dos Requerentes alterou a sua designação social para “C... Limited”, conforme Certificado do Registo Comercial de Alteração de Denominação de Sociedade Anónima; (cfr. cópia do Certificate of Incorporation junto como documento n.º 7 do PPA e PA);  

J.    O depósito à ordem realizado pelo Requerente junto do C... Limited no montante de £300.047,64 (correspondente a €348.588,60) consta da lista de um dos elementos patrimoniais regularizados pelos Requerentes em 2012, ao abrigo do RERT III, tendo sido liquidado e pago imposto, à taxa de 7,5% sobre este valor (cfr. documento n.º 4 junto com o PPA);

K.   Na declaração de regularização tributária, submetida a 18/06/2012 pelos Requerentes, o depósito no montante de £300.047,64 encontrava-se identificado como reportando-se ao “C... Limited”, uma vez que a entidade fiduciária havia alterado a sua denominação a 15/10/2008; (cfr. certificado do registo comercial emitido pelo Jersey ..., junto como documentos n.º 4 e 7 ao PPA);

L.   Os extratos bancários que identificam movimentos a crédito, no montante de £80.000,00 e £150.000,00, relativamente a 2016 e 2017, respetivamente, encontram-se realizados pelo ordenante F... Trust, a 17/11/2016 e 16/11/2017, uma vez que o Banco em questão – o Banco G...– não atualizou a denominação da entidade ordenante, fazendo alusão ao F... Trust, a qual alterou a sua denominação social para C... Trust (cfr. documentos n.º 4 e 7 juntos ao PPA);

M.  A transferência realizada em 2016 pelo F... Trust, no valor de £80.000,00, provém de fundos que integram o depósito à ordem titulado pelos Requerentes, que foi declarado e tributado em Portugal, em 2012, no valor total de £300.047,64, ao abrigo do RERT III (cfr. documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o PPA);

N.   A transferência realizada em 2017 pelo F... Trust, no valor de £150.000,00, provém de fundos que integram o mesmo depósito à ordem referido no ponto M reportado e tributado em Portugal ao abrigo do RERT III (cfr. documentos n.ºs 4 e 6 juntos com o PPA);

O.   Os Requerentes solicitaram informação à entidade pagadora das transferências no valor de £80.000,00 e de £150.000,00 –C... Limited – no sentido de obter clarificação quanto à proveniência dos valores creditados na sua conta bancária e se os mesmos correspondem no todo ou parte, a frutos das importâncias depositadas. (cfr. documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o PPA);

P.    Por declaração emitida a 30/03/2022, o C... Limited, na qualidade de trustee do H... Trust, responsável pela distribuição a qualquer beneficiário e responsável em caso de incumprimento do regime legal dos trusts, prestou relativamente às importâncias de £80.000,00 e de £150.000,00, a seguinte informação: 

i)               As importâncias de £80.000,00 e de £150.000,00, transferidas a 17/11/2016 e 16/11/2017, são provenientes de fundos regularizados pelo Requerente a 18/06/2012;

ii)             Correspondem a montantes aportados ao H... Trust em data anterior a 31/12/2010;

iii)           Não integram qualquer componente de juro ou de outro rendimento de capital; 

(cfr. cópia das declarações emitidas pela C... Limited, juntas como documentos n.ºs 8 e 9 ao PPA);

Q.   No que respeita ao ano de 2016, os Requerentes receberam a 09/07/2020 por correio eletrónico um e-mail com o assunto “Rendimentos obtidos no estrangeiro: falta de anexo J na declaração de IRS de 2016”; (cfr. cópia de e-mail junto como documento n.º 10 ao PPA);

R.   No e-mail dirigido pela AT aos Requerentes resulta a intenção de iniciar um procedimento de liquidação adicional relativo ao IRS de 2016, atendendo a que: [d]e acordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países, no ano de 2016 terá auferido rendimentos no estrangeiro que não foram declarados no anexo J da sua declaração de IRS desse ano” mais se referindo que na falta de regularização da situação será “elaborada uma declaração de IRS oficiosa onde serão incluídos os valores dos rendimentos auferidos no estrangeiro adicionando-se os valores já declarados” (cfr. documento n.º 10 junto com o PPA);

S.    Em resposta ao e-mail recebido, em 21/07/2020 os Requerentes endereçaram uma carta ao Serviço de Finanças do Porto ..., esclarecendo que o valor recebido na sua conta bancária junto do Banco G..., em 17/11/2016, no valor de £80.000,00, resulta de fundos provenientes de um depósito à ordem na C... Limited, e cujo montante total ascendia a £300.047,64, o qual foi objeto de regularização em 2012, através da adesão ao RERT III, e pelo qual foi pago o imposto devido (vide registo CTT RH...PT, junto ao PA);

T.   Por ofício n.º 2020..., de 20/07/2020, os Requerentes foram notificados para exercer o direito de audição, ao abrigo do artigo 60.º da LGT (cfr. cópia da notificação para exercício de audição prévia, junto como documento n.º 11 ao PPA);

U.   Sendo a notificação para o exercício do direito de audição a reprodução do teor do anterior e-mail enviado aos Requerentes, em 29/07/2020, os Requerentes apresentaram nova carta, dirigida à Direção de Finanças do Porto, reproduzindo o teor da anterior carta enviada. (cfr. documento n.º 12 junto com o PPA);

V.   Analisado o exercício do direito de audição e os documentos juntos pelos Requerentes, a Requerida solicitou apreciação à Direção de Serviços de Relações Internacionais (DSRI), tendo esta prestado a Informação n.º 1967, com despacho de 27/10/2020, concluindo que os Requerentes não juntaram elementos que permitissem confirmar de forma clara e inequívoca o alegado (cfr. PA); 

W. Por ofício n.º 2020..., de 12/11/2020 da Direção de Finanças do Porto – Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, os Requerentes foram notificados do teor da fundamentação que serviu de base à emissão do documento oficioso para efeitos de alteração dos rendimentos declarados no ano de 2016, tendo junto o Despacho proferido pelo Diretor Adjunto da DF Porto em 05-11-2020, a informação da DSRI e a nota de alterações ao IRS. (cfr. PA);

X.   Foi recolhida a declaração oficiosa /DC – Mod. 3 de IRS/2016 (...-2016-...) com os anexos A, C, F, H e J, declaração que deu origem à liquidação n.º 2020... que apurou um valor de imposto a pagar no montante de €34.376,64 (impostos e juros), com data limite de pagamento a 20-01-2021. (cfr. PA);

Y.   Os Requerentes prestaram garantia bancária tendo em vista a suspensão do Processo de Execução Fiscal instaurado para cobrança coerciva da dívida. (cfr. documento n.º 15 junto com o PPA);

Z.   Em 14/02/2022, os Requerentes procederam ao pagamento do valor da liquidação, acrescido de juros de mora no valor global de €36.362,14. (cfr. documento n.º 16 junto com o PPA);

AA.                 Relativamente à liquidação de IRS de 2017, no dia 27/02/2021, os Requerentes receberam na caixa de correio eletrónico um e-mail com o assunto “Apoio à regularização voluntária de rendimentos obtidos no estrangeiro conhecidos pela AT, referentes aos anos de 2017 e/ou 2018.” (cfr. documento n.º 17 junto com o PPA);

BB.                  Tal como em relação aos rendimentos de 2016, do e-mail dirigido pela AT aos Requerentes resulta a intenção de iniciar um procedimento de liquidação adicional relativo ao IRS de 2017 e/ou 2018, atendendo a que: [d]e acordo com os elementos disponibilizados por administrações fiscais de outros países, a AT teve conhecimento que nos anos de 2017 e/ou 2018 terá auferido rendimentos no estrangeiro que não foram declarados no anexo J da sua declaração de IRS...”(cfr. documento n.º 17);

CC.                 Através da comunicação realizada pelo e-balcão, em 02/03/2021, os Requerentes foram informados da obrigação de reporte da existência de contas bancárias detidas no estrangeiro, e de que “não se verificou a existência de rendimentos para declarar em anexo J...” (cfr. cópia da troca de correspondência junta no PPA como documento n.º 18);

DD.                  Em resposta ao pedido da AT, os Requerentes remeteram os esclarecimentos tendentes a justificar que o valor recebido na sua conta bancária junto do Banco G..., em 16/11/2017, no valor de £150.000,00, resulta de fundos provenientes de um depósito à ordem na C... Limited, e cujo montante total ascendia a £300.047,64, o qual foi objeto de regularização em 2012, através do RERT III, e pelo qual foi pago o imposto devido, tendo submetido como meio de prova a declaração de regularização tributária entregue a 18/06/2012 ao abrigo do RERT III, e a evidência de que a entidade C... Limited cujo depósito à ordem havia sido regularizado ao abrigo do RERT III, é a designação atual da entidade fiduciária F... Limited; (cfr. PA); 

EE.                 Por Ofício n.º 2021... de 13/07/2021, os Requerentes foram notificados para exercer o direito de audição ao abrigo do artigo 60.º da LGT, tendo para este efeito remetido carta à Direção de Finanças do Porto com data de 30/07/2021. (cfr. documentos n.º 19 e 20, juntos com o PPA);

FF.                  Analisado o exercício do direito de audição e documentos juntos, foi solicitada apreciação à Direção de Serviços de Relações Internacionais (doravante DSRI) tendo esta prestado a Informação n.º 19867, com despacho de 27-10-2020, concluindo, com interesse para a decisão o seguinte: 

“(...)

2. Ora, não obstante reconheça o valor de €80.000,00, comunicado pelas autoridades fiscais de Jersey, o contribuinte alega que o mesmo não se trata de rendimento passível de tributação mas sim de uma transferência de parte de um elemento patrimonial incluído no depósito no depósito à ordem no valor de £300.047,64, correspondente a €348.588,60, por si detido em C... Limited, declarado e tributado em Portugal no âmbito do RERT III.

3. Tal transferência, comprovada através do extrato bancário do Banco G..., indica que o crédito teve origem numa outra entidade, denominada F... .

4. Todavia, e de acordo com os elementos probatórios apresentados, nomeadamente o “certificate of incorporation – change of name of limited company”, confirma-se que a entidade fiduciária F... alterou a sua denominação em 15/10/2008, para C... Limited.

5. Pelo que se confirma que estamos perante diferentes denominações, é certo, mas legalmente registadas de forma sequencial, no tempo para a mesma entidade. 

6. No tocante ao facto de, conforme alega o contribuinte, o valor constante do descritivo da operação bancária realizada em 2016, no montante de €80.000,00, fazer parte do montante de €348.588,60 por si detido em C... Limited”, não existem elementos que o permitam confirmar de forma clara e inequívoca. 

7. De facto, a declaração de regularização tributária data de 18/06/2012 e a referida transferência de €80.000,00, data de 17/11/2016.

8. Ora tal distância temporal não permite, sem qualquer outro meio de prova adicional, aceitar sem margem de dúvida, que esses €80.000,00, transferidos/creditados em 2016 integram o valor de um saldo bancário com mais de 4 anos face a essa transferência.

9. Sendo legítimo questionar se tal valor não foi acrescido ao saldo existente, entre a data da declaração de regularização tributária (18/06/2012) e o registo bancário da transferência/crédito do €80.000,00 (em 17/16/2016).

10. (...)” (cfr. PA);    

GG.                Em 27/07/2021 os Requerentes submeteram declaração de substituição de rendimentos respeitante ao ano 2017, tendo procedido à identificação das contas bancárias detidas no estrangeiro, no anexo J (cfr. documento n.º 13 junto com o PPA);

HH.                 Em 26/11/2021, por Ofício n.º 2021..., os Requerentes foram notificados da fundamentação do ato de liquidação adicional de IRS de 2017, emitido pela Equipa 4, Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa da Direção de Finanças do Porto, que deu origem à liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 2017, no valor de €53.350,17. (cfr. documento n.º 21 junto com o PPA);

II.    Os Requerentes procederam ao pagamento do imposto resultante da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2017 (cfr. documento n.º 22, junto com o PPA);

JJ. A fundamentação dos atos de liquidação adicional de IRS de 2016 e de IRS de 2017 é idêntica, acompanhando do sentido da Informação n.º 1967, prestada pela DSRI;

KK.                Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações oficiosas emitidas referentes ao IRS de 2016 e ao IRS de 2017, concluindo-se em ambos os casos pela manutenção dos atos de liquidação de IRS; (Cfr. PA)           

LL.                 Apreciando os argumentos apresentados pelo sujeito passivo em sede de Reclamação Graciosa, e com especial interesse para decisão, a AT pronunciou-se, em síntese, nos termos seguintes:

  “(...)

      Quanto à alegada inversão do ónus da prova e vício de falta de fundamentação 

15. (...)

16. Consultado o sistema informático da AT – Sistema Integrado de Troca de Informações para o ano 2016, consta relativamente a A..., NIF ... com morada na Rua...– Porto , informação DAC2/CRS, proveniente de Jersey, Informação Bancária – Instituição Financeira com a denominação social H...  Trust, Conta Financeira n.º ..., com saldo no valor de 5.048.687,00 EUR e pagamentos no valor de 80.000.00 EUR

Sendo que 

17. O s.p. através de email de 09-07-2020 enviado pela AT e do Ofício n.º 2020... de 20-07-2020 da Direção de Finanças do Porto – Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, foi notificado de que “a AT tomou conhecimento através da troca automática de informações fiscais internacionais que para o ano de 2016, obteve rendimentos em Jersey, sendo que consta em seu nome outros rendimentos de capitais – código E22, no valor de rendimento €80.000,00, e entidade pagadora H... Trust”

Cumpre referir que,

18. A propósito da idoneidade da informação proveniente de autoridades fiscais estrangeiras e citando a posição defendida pela União Europeia, bem como pela OCDE, “a troca de informações fiscais entre os Estados-Membros constitui um dos principais instrumentos de combate à fraude e à evasão fiscal.”

19. Os ficheiros recebidos de outros Estados no âmbito da troca automática de informações contém dados de todas as pessoas fiscalmente residentes em Portugal e que obtiveram rendimentos no país que remete a informação e, como tal, são protegidos pelo sigilo fiscal, pelo que não podem ser disponibilizados nem mesmo a ou outros serviços da AT. 

20.(...)

21. Deste modo fica demonstrado face ao disposto na lei vigente a informação recebida das Autoridades Fiscais estrangeiras no âmbito da troca de informação é válida, uma vez que se identificou a instituição financeira, o n.º da conta, o titular e os valores de saldo e pagamento. 

22.(...)

23.(...)

24. (...)

25. (...)

26. Ofício através do qual o s.p. foi notificado do teor da fundamentação que serviu de base à emissão do documento oficioso (que deu origem à liquidação reclamada) para efeitos da alteração dos rendimentos declarados no ano de 2016, nos termos do n.º 4 do art. 65.º do CIRS, ao qual foi junto o Despacho proferido pelo Diretor Adjunto da DF do Porto em 05-11-2020, a informação da DSRI e a nota de alterações ao IRS do ano de 2016. 

27. Assim, ao terem os serviços da AT notificado o s.p. das notas demonstrativas da liquidação e de acerto de contas, não cometeram qualquer erro de facto ou de direito que firam de ilegalidade a liquidação ora reclamada, nos termos do art. 99.º, por força do art. 70.º n.º1 ambos do CPPT.

(...)

Quanto à alegada ilegalidade do ato tributário de liquidação 

30. o s.p. alega que 

- segundo a AT, o movimento a crédito da conta bancária detida pelo s.p. configura um rendimento tributável (na integra) como rendimento de capitais enquadrado na categoria E, e resulta da fundamentação que “os rendimentos da categoria E de 80.000,00 vão ser tributados autonomamente à taxa especial de 28% por força do disposto no artigo 72.º n.º 1 al. d) do CIRS”

- ao contrário do que vem invocado pela AT na sua fundamentação, a taxa aplicada no acto de liquidação de IRS referente a 2016 não foi 28%, mas sim a taxa agravada de 35%, ... a AT não pode fundamentar um determinado acto tributário, com base na aplicação de taxa de 28% depois vir a aplicar-lhe a taxa agravada de 35% sem qualquer justificação ou fundamento que o sustente, ...revela manifesta incoerência entre a fundamentação e a liquidação e conduz a que o s.p. desconheça por completo quais os motivos que conduziram à aplicação da taxa agravada de 35%.

31. (...)

32.(...)

33. A Portaria n.º 150/2004 de 13 de fevereiro, procedeu à publicação da lista dos país, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis, sendo que dela faz parte Jersey (Ilhas do Canal).

34. Consta da fundamentação que os rendimentos da categoria E de 80.000,00 vão ser tributados autonomamente à taxa especial de 28% por força do disposto no artigo 72º n.º 1 al. d) do CIRS, no entanto trata-se de erro de escrita uma vez que, por lapso, foi escrita coisa diversa da que se queria escrever, sendo erro manifesto pois é de fácil deteção, isto é, as circunstancias em que é feita permitem a sua imediata identificação. 

35. (...)

36. (...) 

37. De acordo com os documentos juntos verifica-se que o s.p. em 18-06-2012 procedeu à entrega da declaração de regularização tributária no âmbito da qual declarou ser titular / beneficiário efetivo de elementos patrimoniais detidos fora de Portugal no total de €4.987.479,21, tendo pago imposto (7,5%) no valor de €374.060,94.

38. Em 17-11-2016 a conta bancária evidencia um movimento a crédito de €80.000,00, no entanto o s.p. alega que 

-essa transferência /credito não corresponde a qualquer rendimento passível de tributação 

- esse valor transferido foi declarado e tributado em Portugal, em 2012 ao abrigo do RERT III

39.(...)

40. A declaração de regularização tributária data de 18-06-2012 e a referida transferência de €80.000,00 data de 17-11-2016, sendo que tal distância temporal não permite, sem qualquer outro meio de prova adicional, aceitar sem margem de dúvida, que esses €80.000,00 transferidos /creditados em 2016, integram o valor de um saldo bancário com mais de 4 anos face a essa transferência.

41. Pelo que se questiona se tal valor não foi acrescido ao saldo existente, entre a data da declaração de regularização tributária 18-06-2012 e o registo bancário da transferência / crédito dos €80.000,00, em 17-06-2016. 

(...)

Quanto à alegada inaplicabilidade da sobretaxa extraordinária 

(...)

49. À data de 01-01-2016, o n.º 12 do art. 72.º do CIRS refere:    

“a) Os rendimentos de capitais, tal como são definidos no artigo 5.º e mencionados nas alíneas a) , b) e c) do n.º 1 do artigo 71, devidos por entidades não residentes sem estabelecimento estável em território português, que sejam domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, quando não sujeitos a retenção na fonte nos termos do n.º 13 do art. 71.º, são tributados autonomamente à taxa de 35%;.

50. Como já referido supra, estamos perante rendimentos obtidos em Jersey em 2016, figurando Jersey na lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada claramente mais favoráveis. 

Assim,

51. O rendimento de €80.000,00 está sujeito a sobretaxa de acordo com art. 2.º n.º 2 e art. 3.º n.º 1 da Lei n.º 159-D/2015 de 30/12, uma vez que estará sujeito a sobretaxa a parte do rendimento coletável de IRS que resulte de englobamento nos termos do art. 22º do CIRS, acrescido dos rendimentos sujeitos à taxa especial constante do n.º 12 do artigo 72º do CIRS. 

Pelo que,

52. Não assiste razão ao s.p. quanto à alegada inaplicabilidade de sobretaxa extraordinária.                    

    previstas na Diretiva 2011/16/EU, transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei 61/2013 e/ou no âmbito da troca de informações financeiras prevista no Decreto-Lei 64/2016, que, para o ano de 2016 obteve rendimentos em Jersey. (...) 

(cfr. projeto de decisão, junto como documento n.º 23 no PPA);  

MM.              Os Requerentes foram notificados da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de liquidação de IRS, através do Ofício 2022..., emitido pela Direção de Finanças do Porto 7131, datado de 21-03-2022;

NN.                 No dia 8 de abril de 2022, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do presente Tribunal Arbitral (cfr. requerimento eletrónico submetido no CAAD). 

 

b.             Factos dados como não provados

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que importam para a decisão, e discriminar a matéria provada da não provada. 

Para este efeito, foi invocado pela AT um facto que o presente Tribunal Arbitral não pode dar como provado face à ausência de documentação junta aos autos e de quaisquer diligências instrutórias realizadas pela AT no âmbito do processo inspetivo tendo em vista a averiguação da realidade tributária. Tal facto, reporta-se à afirmação de que as Autoridades Fiscais de Jersey tenham identificado que os Requerentes obtiveram rendimentos, constando em seu nome rendimentos de capitais alegadamente relacionados com os movimentos a crédito/pagamentos registados na conta bancária de Jersey nos montantes de €80.000,00 e de €167.209,50, nos anos de 2016 e 2017 respetivamente.

 

 

VI- Do Direito

 

1.             Delimitação das questões a decidir 

Como fundamento do pedido anulatório, os Requerentes começam por invocar o vício procedimental autónomo, consubstanciado na ilegalidade do ato tributário de liquidação por ausência de fundamentação, na medida em que esta carece de base legal, violando assim o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT.

Adicionalmente, caberá apreciar o pedido principal dos Requerentes, no sentido de aferir se a AT fez prova dos factos constitutivos legitimadores da sua atuação corretiva aos rendimentos declarados pelos Requerentes, em sede de IRS, em 2016 e 2017. Em concreto, discute-se se as transferências bancárias reportadas pelas autoridades fiscais de Jersey no âmbito da troca automática de informações, no valor de £80.000,00 e de £150.000,00, realizadas em 2016 e 2017, respetivamente, deverão, ou não, ser objeto de tributação em Portugal, enquanto rendimentos de capital (Categoria E), por se reportarem a elementos patrimoniais mobiliários que não se encontravam incluídos nas declarações de regularização tributária entregues pelos Requerentes ao abrigo do RERT III, em 18/06/2012. 

 

Vejamos cada uma das questões.

 

1)    Da ilegalidade da liquidação por violação do dever de fundamentação

No seu pedido os Requerentes invocam o vício de falta de fundamentação formal e substancial, alicerçada no disposto nos artigos 77.º n.º 2 da LGT. 

Para sustentar a alegada falta de fundamentação, observam os Requerentes que os atos de liquidação de IRS de 2016 e 2017 não se encontram sustentados na lei, não tendo sido invocadas pela AT as disposições legais aplicáveis, por inexistência de fundamento legal que permita tributar transferências, “com base numa alegada dúvida sobre se tais montantes provêm ou não de fundos incluídos no depósito à ordem objeto de regularização tributária ao abrigo do RERT III.”  

Adicionalmente, os Requerentes imputam também ao ato de liquidação o vício de fundamentação superveniente ou a posteriori, na medida em que quer no RIT, quer em sede de direito de audição, e a partir do enquadramento legal feito pela própria AT, os alegados rendimentos auferidos pelos Requerentes encontram-se sujeitos à taxa de 28%, sendo explicitado o seu cabimento na alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS.  

Porém, na notificação do ato de liquidação de IRS, os rendimentos em causa no valor de €80.000,00 (em 2016) e de €167.209,50 (em 2017) foram tributados à taxa agravada de 35% sob a justificação de “imposto relativo a tributações autónomas”, vindo a AT justificar a situação enquanto “erro manifesto pois é de fácil deteção, isto é, as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação”. 

Em síntese, os Requerentes entendem existir uma manifesta incoerência entre a fundamentação do ato e a liquidação, assim como a ausência de fundamento legal (conclusão que é de direito) na medida em que não ficaram demonstrados os factos constitutivos do direito à liquidação adicional dos alegados rendimentos auferidos pelos Requerentes, ao abrigo dos artigos 74.º e 75.º da LGT, porquanto as correções ao rendimento tributável baseiam-se em meras dúvidas e suposições.  

 

Vejamos.

 

O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia o seguinte princípio: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.” Por seu turno, o artigo 77.º da LGT concretiza este princípio constitucional. 

Face ao estatuído no n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto.

Ademais, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo no sentido de equivaler “(...) à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”.

As disposições vindas de enunciar firmam os requisitos substanciais a que deve obedecer a fundamentação dos atos administrativos em geral, neles se devendo incluir, necessariamente, os atos tributários de liquidação.

A fundamentação do ato de liquidação mais não é do que a forma de a “AF exteriorizar os motivos porque procedeu àquela liquidação e não a qualquer outra, de uma forma clara, congruente e racional de molde a constituir a base que suporta a decisão.”.[1]

O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o itinerário cognoscitivo e valorativo para a AT ter decidido no sentido em que decidiu.

Segundo a jurisprudência do STA, deve considerar-se “fundamentado o ato quando ele se insira num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível por um destinatário normal colocado na posição em que se encontra o seu real destinatário.”.[2]

Com efeito, esclarece a jurisprudência daquele Tribunal que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.[3]

Ora, a doutrina tem entendido que a fundamentação é obscura quando os seus termos não permitam conhecer de modo claro o desenvolvimento do processo intelectual e valorativo em que assenta a decisão.

Tem também entendido que existirá fundamentação contraditória quando a decisão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos por ela invocados.

Finalmente, sustenta a melhor doutrina e abundante jurisprudência que a fundamentação é insuficiente nos casos em que não expõe os fundamentos de facto e de direito em que a decisão se deve apoiar.

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que apesar do RIT permitir aos Requerentes apreender os argumentos apresentados pela AT, e de assim os rebater a sua resposta, não só a AT não demonstrou os pressupostos legais da sua atuação, como também e, por conseguinte, não fundamentou formalmente (de facto e de direito), nem materialmente, as liquidações adicionais que efetuou sobre os rendimentos tributáveis dos Requerentes relativamente aos anos de 2016 e de 2017.

Com efeito, os atos de liquidação adicional visaram tributar alegados rendimentos de capitais auferidos pelo Requerente em Jersey e não declarados na Modelo 3 de IRS. Na fundamentação do ato que consta do RIT, e que foi reiterada na resposta da Requerida, é referido que a AT, através de troca automática de informações fiscais internacionais com as autoridades de Jersey, teve conhecimento que os Requerentes obtiveram rendimentos de capitais no valor de €80.000,00 no ano de 2016 e no valor de €167.209,50 no ano de 2017, sendo estes rendimentos de capitais titulados por duas movimentações a crédito (dois pagamentos) numa conta de depósito num banco em Jersey detida pelos Requerentes.

Concretamente, a AT refere que obteve informação sobre os alegados rendimentos por via do mecanismo de troca de informações, ao abrigo do qual as autoridades de Jersey teriam identificado “a instituição financeira, o número da conta, o titular e os valores de saldo e pagamento” a ela referentes.

Não obstante o referido, em momento algum a AT revelou o teor desta informação (nem ao contribuinte nem ao Tribunal), sob o pretexto de que a mesma está sujeita a sigilo fiscal por conter dados de outros contribuintes. Sucede que nos termos do n.º 4 do artigo 64.º da LGT se dispõe que “[o] dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.

Para além de não revelar o concreto teor da informação na qual sustenta os atos de liquidação, a AT não justificou o modo segundo o qual qualificou e quantificou os rendimentos em causa nos termos da norma de incidência prevista no artigo 5.º do Código do IRS, mencionando apenas que a tributação se enquadrava no artigo 72.º, n.º 1, alínea d) do Código do IRS.

Assim, a AT limitou-se a referir que os rendimentos foram regularizados ao abrigo do RERT III em 18-06-2012 e que as transferências ocorreram em 17-11-2016 e em 16-11-2017, sendo que o mencionado hiato temporal justificava a dúvida quanto à natureza destes montantes, não permitindo, “sem qualquer outro meio de prova adicional”, confirmar de forma clara e inequívoca e sem margem de dúvida que os montantes transferidos/creditados em 2016 e 2017 integravam o valor de um saldo bancário com mais de 4 anos face a essa transferência. Por essa razão, entendeu a AT que seria “legítimo questionar se tal valor não foi acrescido ao saldo existente”. 

Desconsiderando todos os elementos probatórios aportados pelos Requerentes, quer em sede de RIT, quer em sede de resposta à reclamação graciosa, a AT não revelou, em momento algum, quais os concretos documentos analisados ou quais as informações recebidas ou ainda quais as diligências encetadas para suportar as liquidações adicionais efetuadas.[4]

Nesta linha de atuação, entendeu a AT que a aludida “dúvida” ou “reticência”, teria de ser objeto de contraprova pelos Requerentes nos termos do artigo 76.º, n.º 4 da LGT que dispõe que “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.

Acontece que para fazerem fé nos termos do n.º 1 daquele artigo as informações prestadas têm de estar fundamentadas, basear-se em factos sólidos e critérios objetivos, o que não se pode ter como cumprido, desde logo porque é desconhecido o concreto teor das informações prestadas pelas autoridades fiscais de Jersey.[5]

Finalmente, enquanto no RIT se indica e se fundamenta que a tributação dos alegados rendimentos de capital será feita à taxa especial de 28%, “por força do disposto no artigo 72.º n.º 1 al. d) do CIRS”, no ato de liquidação os rendimentos em causa são tributados autonomamente à taxa de 35%, sendo indicado em sede de resposta ao presente pedido de pronúncia arbitral, que se trata de “um lapso de escrita de fácil deteção”. 

Ora, conforme se tem entendido na jurisprudência, a fundamentação deve ser contemporânea do ato, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando o Tribunal impedido de valorar razões de facto e de direito ou novos argumentos que sejam invocados pelas partes na pendência do processo impugnatório, sendo estas de desconsiderar.[6]   

Em suma, do que se expõe, tanto basta para que as correções em causa inquinem as subsequentes liquidações adicionais de vício de forma por falta de fundamentação, de facto e de direito, conducente à sua anulação. 

Acresce que os Requerentes também assacam à liquidação adicional o vício substantivo de erro sob os pressupostos de direito, por incumprimento das regras de repartição do ónus da prova, previstas nos artigos 74.º n.º 1 e 76.º n.ºs 1 e 4.  

Vejamos em seguida. 

 

2)    Ónus da prova - Qualificação dos movimentos a crédito realizados numa conta bancária em Jersey

A segunda questão a dirimir nos autos passa por aferir se a AT cumpriu o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados, in casu, de que existem indicadores suficientes que legitimam a sua atuação corretiva promovendo alterações aos rendimentos líquidos declarados pelos Requerentes.  

Naturalmente, a análise subsequente deverá ser realizada em face da fundamentação externada e não de qualquer outra acrescentada para justificar o ato corretivo. 

No caso, a AT, partindo de uma consulta ao Sistema Integrado de Troca de Informações para os anos de 2016 e de 2017, detetou movimentos nas contas bancárias detidas pelos sujeitos passivos em causa, em Jersey, passíveis de configurarem rendimentos de capital, não declarados em Portugal, no âmbito do RERT III, defendendo por esta via, e apesar de não ter realizado quaisquer outros procedimentos inspetivos, que se operou uma inversão do ónus da prova (artigo 74.º n.º 1 da LGT), cabendo aos Requerentes a demonstração dos factos constitutivos dos direitos invocados.  

 Apresentando declarações emitidas pelo C... Limited, os Requerentes esclareceram que os movimentos realizados a crédito (dois pagamentos) no montante de €80.000,00, em 2016, e de €167.209,50, em 2017, nas contas bancárias que detêm em Jersey – reportados à AT no âmbito da troca automática de informações fiscais internacionais – não integram qualquer componente de juro ou de rendimento de capital, passível de tributação, em Portugal, em sede da categoria E do IRS. 

Defendem que se encontra devidamente demonstrado nos autos que os referidos movimentos bancários respeitam a valores mobiliários que integram parte dos depósitos à ordem declarados e tributados em Portugal, em 2012, ao abrigo do programa RERT III, regime ao qual aderiram e que não impunha o repatriamento para território nacional dos elementos regularizados.  

Acresce, segundo os Requerentes, que a tese defendida pela AT não se encontra demonstrada em nenhum documento junto aos autos, estando arvorada num conjunto de dúvidas, deduções, e presunções supostamente lógicas que, porém, falecem perante a incapacidade de comprovação da realidade material que se lhes encontra subjacente, tanto assim, que se apresenta como único motivo para justificar os atos de liquidação adicional de IRS o hiato temporal de 4 anos verificado entre a declaração de regularização tributária e os movimentos a crédito ocorridos em 2016 e 2017.

Ora, também neste ponto entendemos que assiste razão aos Requerentes. Por um lado, as correções em causa não observam a exigência de fundamentação contida nos preceitos invocados (n.º 1 do artigo 74.º e n.º 4 do artigo 76.º da LGT). Por outro lado, a AT não apresentou elementos de prova suficientes que sustentem a materialidade dos atos tributários que emitiu e, por conseguinte, não se operou, ao contrário do que afirma, uma inversão do ónus da prova.

Como se deixa entrever a AT não imputa aos Requerentes quaisquer factos concretos que consubstanciem uma omissão de rendimentos tributáveis em Portugal. 

Com efeito, sem proceder aos expedientes disponíveis para obter das autoridades fiscais de Jersey todas as informações suscetíveis que permitissem determinar a proveniência e natureza das transferências reportadas, a AT limitou-se a concluir que a informação em causa, cujo teor é desconhecido, dada a sua proveniência, era suficiente e idónea operando uma inversão do ónus da prova nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LGT.

Contudo, as correções ao rendimento tributável dos Requerentes não se encontram sustentadas em nenhum documento ou meio de prova junto aos autos que justifique a sua legalidade. Na verdade, da leitura do conjunto dos elementos exteriorizados pela AT ao longo do procedimento administrativo, e perscrutando o mesmo no sentido de aí encontrar a fonte das conclusões da AT, em termos factuais, apenas encontramos, dúvidas, generalidades, desconsideração de toda a prova apresentada pelos Requerentes, não sendo possível encontrar um elenco de factos suscetíveis de conduzir à liquidação impugnada.

Desde logo, inexistem elementos juntos aos autos que evidenciem qual a natureza dos pagamentos, ficando também por explicar se ocorreu uma efetiva variação no património mobiliário dos Requerentes, em que datas, e qual o montante da variação. Ora, tais factos tributários não podem ser presumidos a partir de meros movimentos nas contas bancárias.

Em concreto, a única informação constante do PA diz respeito a “ficheiros recebidos de outros Estados”, reportando-se tal registo à identificação da instituição financeira, ao número de conta, aos titulares da conta bancária e aos valores de saldo e de pagamento. 

Sublinhe-se que alegando questões de sigilo fiscal em relação a outros contribuintes, a AT não juntou aos autos nenhuma comunicação recebida por parte das Autoridades Fiscais de Jersey, nenhum documento evidenciando o alegado acréscimo de saldos nas contas que foram objeto do regime excecional de regularização tributária, tendo, no entanto, a possibilidade de solicitar informação individualizada sobre os contribuintes em causa, e de apresentar elementos qualitativos pertinentes que pudessem ser utilizados para efeitos de prova sem, naturalmente, colocar em causa a proteção de dados pessoais quer dos Requerentes quer de outros contribuintes. 

Não ausência de suporte factual, e face ao conteúdo dos ficheiros recebidos, foram extraídas ilações pela AT apenas com base no facto de uma “tal distância temporal não permite, sem qualquer outro de meio de prova adicional, aceitar sem margem para dúvida” que os valores transferidos em 2016 e 2017, “integram o valor de um saldo bancário com mais de 4 anos face a essa transferência”, conforme resulta das afirmações constantes do RIT.  

 

Ora, conforme resulta do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.” 

Sobre o ónus da prova tem sido entendido que “(…) em regra, a administração tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos.[7]

Acresce que sobre a questão da distribuição do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação corretiva e ao sujeito passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.[8]

Parece resultar claro, de acordo com a norma e entendimentos supra transcritos, que o ónus da prova recaia sobre AT. 

 Vem, no entanto, a AT invocar a inversão desta regra, como base no disposto no artigo 76.º n.º 1 e n.º 4 da LGT.

Vejamos: 

Artigo 76.º

Valor probatório

1 - As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei.

2 – (...)

3 – (...)

4 - São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.” 

Conforme resulta patente, a AT não provou os factos tributários que invoca, nem quanto à sua ocorrência, menos quanto à qualificação dos mesmos. Ao invés, limitou-se a dar como certa uma informação insuficiente, obtida no âmbito da troca automática de informações, sem realizar quaisquer diligências oficiosas (a que estava vinculada pelo princípio do inquisitório) e que lhe permitissem averiguar a natureza dos movimentos bancários em causa, aplicando meramente um juízo presuntivo desfavorável aos contribuintes. 

É certo que as declarações Modelo 3 de IRS dos Requerentes não gozavam da presunção de veracidade e boa-fé prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, já que apresentavam omissões e inexatidões que ilidiam a referida presunção, nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 75.º da LGT, não obstante os Requerentes terem assumido e corrigido os erros em causa. 

Contudo, tal facto não aproveita à AT, posto que face ao regime de repartição do ónus da prova previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, ainda estamos no domínio dos pressupostos factuais que à AT cabe demonstrar para legitimar a sua atuação corretiva. 

Repare-se, a AT suspeita da proveniência dos fundos que se discutem nos autos. Mas não diligenciou, ou se o fez, não o demonstra, no sentido de apresentar provas que sustentem a tese da omissão dos rendimentos declarados pelos Requerentes.[9] Para além das alegadas dúvidas, nada de novo ou substancial foi acrescentado ao processo inspetivo.  

Posteriormente, os Requerentes apresentaram, em sede de impugnação arbitral, as declarações emitidas pelo C... Trustee revelando que aquelas importâncias provêm de um depósito à ordem objeto de regularização em 2012, que totalizava o montante de € 348.588,60.  

Ora, a AT deveria, no uso dos seus poderes inspetivos, apurar junto das autoridades fiscais em Jersey se a declaração emitida C... Limited tem ou não correspondência com a realidade, designadamente ao abrigo do citado ATI Portugal /Jersey sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal, o que mais uma vez não fez.   

Pois bem, considerando que a falsidade de um documento é suscetível de implicar responsabilidade criminal de quem o emitiu e de quem o utilizou, entende-se que não há razões, sem mais, para não aceitar que os documentos referidos, emitidos por uma entidade bancária, não correspondem à realidade.

A isto acresce que a eventual falsidade de documento é fundamento de recurso de revisão, nos termos do artigo 293.º, n.º 2, do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pelo que, se se vier a comprovar que ocorreu falsidade, não haverá obstáculo a que AT retire dela as suas consequências.

Apesar de se tratar de documentos particulares que não fazem prova plena das declarações neles contidas, nem por isso se deve desconsiderar o valor probatório por eles revelados, ainda para mais quando a AT não chegou a impugnar direta e efetivamente o respetivo teor. 

Nesta linha, entende-se que os documentos elaborados pelo C... Limited, na qualidade de trustee do H... Trust, demonstram que os pagamentos a que alude a AT são (i) provenientes de fundos regularizados pelo Requerente em 2012, (ii) que correspondem a montantes imputados a data anterior a 2010 e que (iii) os pagamentos não integram qualquer componente de juro ou outro rendimento de capital.

Em suma, a AT tinha ao seu dispor a faculdade de provocar a aplicação dos mecanismos de trocas de informações e, através deles, confirmar a veracidade dos elementos declarados pelos Requerentes. 

Não o tendo feito, prescindiu de mais inquisitório (artigo 58.º da LGT) no sentido da segurança probatória e deixou permanecer a dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários imputados aos Requerentes (artigo 100.º n.º 1 do CPPT), incorrendo na violação do princípio do inquisitório e da verdade material, desdobramentos dos princípios da legalidade e da igualdade, previstos nos artigos 103.º, n.º 3, 13.º e 266.º n.º 2 da CRP.[10]

Deste modo, e face a todo exposto, incorreu a liquidação a que se refere o presente processo em erro nos pressupostos de facto e, consequente erro de direito, devendo, como tal, ser anulada.

 

3)    Pagamento de juros indemnizatórios e de indemnização pela prestação indevida de garantia 

Os Requerentes pedem ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal, assim como no pagamento de indemnização pela prestação indevida de garantia, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º e 100.º ambos da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

i)   Pagamento de juros indemnizatórios 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por o efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Ora, no caso dos autos encontra-se provado que os Requerentes procederam ao pagamento dos montantes de IRS liquidado pela AT. 

No que diz respeito ao IRS de 2016 tal pagamento ocorreu em 14/02/2022, no valor de €36.362,14 (vide doc. n.º 16 junto ao PPA) e no que respeita ao IRS de 2017 os Requerentes procederam ao pagamento da liquidação adicional no valor de €53.350,17 em 11/01/2022, (vide doc. n.º 22 junto com o PPA).   

Termos em que se considera ser devido, na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRS, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que os Requerentes pagaram indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

ii)  Indemnização por garantia indevida 

 

Os Requerentes pedem também que a AT seja condenada a pagar indemnização pela prestação de garantia indevida.

Determina o artigo 53.º da LGT que:

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida;

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo;

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente;

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou”.

 

Por sua vez, o artigo 171.º do CPPT prevê que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a matéria conexa com a condenação no pagamento de garantia indevida, estando o direito a esta indemnização dependente da decisão que recair sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação impugnado.

Ora, uma vez que a legalidade da “dívida exequenda” é discutida e decidida no processo arbitral, é também este processo o meio próprio para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

No caso em apreço, o pedido é julgado procedente e determinada a anulação das liquidações impugnadas, o que tem ínsito o reconhecimento de um vício de violação de lei imputável aos serviços da AT, pois foram estes que emitiram as liquidações adicionais anuladas, reconhecendo-se assim aos Requerentes o direito a indemnização por garantia indevida.

Assim, uma vez que foi instaurado processo de execução fiscal, e encontrando-se provado o pagamento da constituição da garantia bancária para solicitar a suspensão do processo de execução fiscal por parte dos Requerentes, (vide doc. n.º 22), devem ser estes indemnizados em conformidade com o limite máximo previsto no n.º 3 do artigo 53.º da LGT, a determinar em sede de execução do presente acórdão.

VII - Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal: 

a)      Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular os atos de liquidação adicional emitidos relativamente ao IRS de 2016 e de 2017, por manifesta ilegalidade, perfazendo um montante total de €88.822,74;

b)      Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios; 

c)      Julgar procedente o pedido de pagamento de indemnização pela prestação de garantia indevida;

d)      Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

***      

 

VIII- Valor do Processo 

 

Fixa-se o valor do processo em €88.822,74, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

IX. Custas 

 

Custas no montante de €2.754,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

Lisboa, 6 de Janeiro de 2023

 

Os Árbitros

 

 

Carla Castelo Trindade 

 

 

Filipa Barros

(Relatora)

 

 

Francisco Melo

 

 

 

 

 



[1] Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.º 04410/10 de 25 de janeiro de 2011.

[2] Acórdão do STA, proferido no processo n.º 1051/09, de 17 de novembro de 2010.  

[3] A título de exemplo, vide os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de fevereiro de 2006.

[4] No âmbito dos pressupostos legitimadores da atuação corretiva da AT vide, entre outros, Acórdão do TCA do Sul, processo n.º 1096/04.1BTSNT de 12/07/2021.   

[5] Quanto à força probatória das informações oficiais fornecidas por autoridades fiscais estrangeiras, vide, entre outros, Acórdão do TCA do Norte, processo n.º 00007/04.9BEMDL

[6] Vide, designadamente, Acórdão do STA, processo n.º 043/16 de 27/06/2016, Acórdão do TCA do Sul, processo n.º 06660/13 de 25/01/2018.

[7] Vide neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária. Anotada e comentada, encontro da escrita: Lisboa, 4.ª ed., 2012, p. 656.

[8] Entre outros, vide, Processo Arbitral n.º 236/2014-T de 4 de Maio de 2015; processo arbitral 206/2020-T de 12 de Novembro, Acórdão do STA proc. N.º 0951/11 de 26 de fevereiro de 2014. 

[9] Resulta do artigo 5.º do ATI Portugal Jersey, o seguinte: 

 

“1-(...)

2 — Se as informações na posse da autoridade competente da Parte requerida não forem suficientes de modo a permitir-lhe satisfazer o pedido de informações, a referida Parte tomará, por sua própria iniciativa, todas as medidas adequadas para a recolha de informações necessárias a fim de prestar à Parte requerente as informações solicitadas, mesmo que a Parte requerida não necessite, nesse momento, dessas informações para os seus próprios fins fiscais.

3 — Mediante pedido específico da autoridade competente da Parte requerente, a autoridade competente da Parte requerida prestará as informações visadas no presente artigo, na medida em que o seu direito interno o permita, sob a forma de depoimentos de testemunhas e de cópias autenticadas de documentos originais.

4 — Cada Parte providenciará no sentido de que as respectivas autoridades competentes, em conformidade com o disposto no presente Acordo, tenham o direito de obter e de fornecer, a pedido:

a)     As informações detidas por um banco, por outra ins- tituição financeira, e por qualquer representante legal que aja na qualidade de mandatário ou de fiduciário, incluindo nominees e trustees;

b)     (...)”

[10] Vide, entre outros, nesse sentido processos arbitrais n.º 799/2019-T de 29 de Novembro de 2020 e n.º 570/2021-T de 28 de janeiro de 2021.