DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Fernando de Jesus Amado dos Santos e Prof.ª Doutora Eva Dias Costa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-05-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., ..., ... e ..., (em diante abreviadamente designada como “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação actos de liquidação de IRC com os n.º 2021 ... e 2021 ... e respetivos actos de liquidação de Juros Compensatórios com os n.º 2021 ... e 2021 ..., relativos aos anos 2018 e 2019, respetivamente, bem como dos actos de Liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (em diante “IVA”), com os n.º 2021 ... e 2021 ... e respetivos atos de liquidação de Juros Compensatórios com os n.º 2021 ... e 2021 ..., igualmente relativos aos anos de 2018 e 2019, respetivamente, no montante total de € 62.504,03.
A Requerente pede ainda juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09-03-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 02-05-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 20-05-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Em 08-11-2022 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
Apenas a Requerente apresentou alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A) A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente relativa a IVA e IRC e aos anos de 2018 e 2019, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs 012021... e 012021..., respectivamente;
B) Nessa inspecção a Requerente foi notificada do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
C) Na sequência da notificação referida, a Requerente exerceu o direito de audição, nos termos que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
D) Posteriormente a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1. IRC -Gastos não aceites
(...)
III.1.2. Fornecedor B...
(Ver ponto IX)
O sujeito passivo tem na contabilidade diversos gastos relativos a alimentação, telefone, transportes, combustíveis e outros gastos que lhe foram debitados pela empresa B..., da qual a empresa portuguesa é dominante com uma participação social de 90%.
As faturas referem "reembolso de despesas conforme acordo", e têm anexados os documentos que pretendem justificar as despesas.
Apresenta-se de seguida alguns exemplos do tipo de documentos anexos relativos ao débito de despesas da B... à A..., S.A.
(...)
Repare-se que dos documentos de despesas apresentados, não se extrai que respeitem aos funcionários do sujeito passivo, verificando-se que alguns deles não identificam, sequer, o cliente, e outros apenas indicam B... .
Os registos contabilísticos efetuados com base nestes documentos são:
Instado a esclarecer, o sujeito passivo afirma que "a A..., S.A. tinha nos anos de 2018 e 2019 a decorrer uma obra no Gana, para a qual subcontratou a B... . A faturação existente respeita à mão-de-obra e à faturação de reembolso de despesas inerentes à mesma. A referida obra foi contratada à A..., S.A. por uma empresa italiana". Trata-se do cliente C..., que contratou a A..., S.A. para a construção de 3 hospitais e uma policlínica no Gana.
Olhando ao contrato de subempreitada celebrado entre a A..., S.A. e a B... Limited, verifica-se que inclui todos os custos inerentes e necessários à realização do contrato (anexo 2).
The price includes the costs inherent to the labor needed for the performance of subcontracted works and is VAT exclusive
Os gastos suportados na faturação emitida por B... relacionada com o contrato de subempreitada mencionado estão contabilizados na conta 62193, e ascendem a €153.623,95 em 2018 e €69.753,28 em 2019.
Portanto, não se percebe a razão da emissão autónoma de faturas relativas a débito de despesas suportadas no Gana, quando ambas as entidades celebraram um contrato de subempreitada que abrange todos os custos necessários à sua concretização, custos estes já debitados através das faturas contabilizadas na conta 62193 que têm subjacente o referido contrato.
Nestes termos, é nosso entendimento que os gastos contabilizados através dos documentos nºs (identificador SAFT) 2018-12-28 2018... ... e 2019-11-13 2019... não são necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, conforme definido no artigo 23°, n° 1 do CIRC.
Assim, propõe-se a correção ao lucro tributável do período de 2018 no valor de €50.363,45 e ao lucro tributável do período de 2019 no montante de €99.740,31.
III.2. IRC -Tributação autónoma de ajudas de custo
(Ver ponto IX)
O sujeito passivo tem registado na contabilidade (contas 63105 e 63205) ajudas de custo no valor de €106.055,00 em 2018 e €250.699,00 em 2019.
Este tipo de despesas está sujeito a tributação autónoma à taxa de 5% por aplicação do artigo 88°, n°9 do CIRC que determina que "são tributados autonomamente à taxa de 5%, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário".
Contudo, verifica-se que o valor que a empresa sujeitou a tributação autónoma, foi de apenas €31.483,10 em 2018 e de €30.140,95 em 2019.
Para justificar a não tributação autónoma o sujeito passivo apresentou, após solicitação, algumas faturas e respetivos autos de medição que pretendem justificar a faturação das ajudas de custo aos clientes, afastando a obrigação de tributação autónoma, nos termos definidos no referido artigo 88º, nº 9 do CIRC. Exibiu ainda, após solicitação, alguns mapas de controlo interno das referidas ajudas de custo e os contratos/Orçamentos subjacentes à realização dos trabalhos.
Analisamos de seguida os elementos remetidos relativos a 3 clientes: C..., D... e E... .
A análise cinge-se a uma fatura por cliente, mas os restantes documentos enviados (faturas, autos de medição, ...) apresentam os mesmos elementos descritos.
Cliente C...
Junta-se em anexo 3, e a título de exemplo, a fatura nº 3.1.20190282, o correspondente relatório de quantidades/auto de medição e a lista das ajudas de custo imputadas à obra no período a que a fatura respeita (outubro de 2019).
Ora, como se verifica pela consulta aos documentos anexados, a fatura apresenta um item faturado de valor de €107.627,27, referente a prestações de serviços e fornecimento de materiais de acordo com o relatório de quantidades/auto medição anexo à fatura e contrato, sendo referido no descritivo da fatura que "inclui ajudas de custo no valor de €12.050,00 euros". O relatório de quantidades/auto medição anexo apura o referido valor faturado, tendo uma discriminação, por rúbricas e valores parciais, dos serviços prestados/fornecimento de materiais e seu transporte, percebendo-se que nenhuma das rúbricas respeita às ajudas de custo.
Acresce que analisado o contrato referido na fatura, verificou-se, conforme excerto abaixo, que refere expressamente no final do seu subponto 4.2.11. que o fornecedor (a A..., S.A.) é o empregador exclusivo de, em geral, todo o pessoal utilizado para a execução das obras e o fornecedor tem a responsabilidade em relação a esse pessoal (...). Mais particularmente, ele tem a responsabilidade de pagar integralmente e dentro do prazo todas as remunerações e compensações de qualquer natureza, etc sendo que todas elas deverão ser suportadas exclusivamente por ele.
4.2.11 The Supplier is the exclusive employer of, ln general, all personnel used for the execution of the Works and the Suppler bears the responsibility, towards such personnel, that no labor legislations of Ghana are violated grossly negligent or willfully, more particularly in respect of the occupation of foreigners whose employment is strictly forbidden if the legal prerequisites are not satisfied. He is the sole responsible towards such personnel and towards any third party for their accurate observance and for the fulfillment of all kinds of obligations deriving from them and from the labor relationship between him and the above personnel. More particularly he bears the responsibility to pay in full and on times all legal or contractual remuneration fees, compensations of any nature etc. all of which shall be borne exclusively by him.
Cliente D...
Junta-se em anexo 4, a título de exemplo, a fatura nº 3.1.20180204, relativa à manutenção preventiva às instalações elétricas das lojas D..., no valor global de €19.000,00, e o auto de medição 1.5 anexo à fatura.
A fatura indica que "inclui ajudas de custo no valor de 2. 700, 00 euros".
Tanto a fatura como o auto de medição identificam as lojas D… onde foi feita a intervenção, a um preço unitário de €500,00 por loja, nenhuma delas contendo uma rúbrica alusiva às ajudas de custo.
A manutenção efetuada está suportada no contrato celebrado em abril de 2017, entre a A..., S.A. e o D... .
Neste contrato é dito que os custos para a inspeção e/ou manutenção incluem o valor das deslocações e dos materiais de desgaste e de limpeza, e indicam o valor unitário para cada tipo de instalação intervencionada.
C. Custos da manutenção
1. Os custos para a inspeção e/ou manutenção incluem os valores das deslocações e dos
materiais de desgaste e limpeza.
Salvo indicação contrária no ponto 1.4, os preços indicados já incluem todos os custos acessórios, tais como estadia, produtos de limpeza. abastecimento de água e segurança.
Portanto, como se verifica pelos documentos apresentados pelo sujeito passivo (seja o contrato, o auto de medição ou a fatura), o valor das ajudas de custo (que poderá ser diferente conforme a deslocação necessária, ou até existirem manutenções feitas no mesmo dia) não se encontra faturado adicionalmente ao valor da prestação de serviço, pois no contrato considera-se que este valor já incluirá todos os custos acessórios, sendo o custo unitário faturado de€500,00, uniforme para todas as manutenções às diversas lojas espalhadas pelo país.
Cliente E...
Junta-se em anexo 5, a título de exemplo, a fatura nº 3.1.20180247, relativo à prestação de serviços nas novas instalações ...-Évora, que respeita ao auto de medição nº 1.6, no valor de €10.961,57 e ao auto de medição n° 2.1, no valor de €369,96, totalizando a fatura o valor de €11.331,53.
É dito na fatura que inclui ajudas de custo no valor de 1.563,75€. Numa primeira vista, dir-se-á que o valor das ajudas de custo respeita apenas ao auto de medição n° 2.1, e, se assim fosse, as ajudas de custo seriam de valor superior ao valor total do auto de medição. Contudo, nenhum dos autos, que discriminam o valor faturado, indicam qualquer rúbrica a título de ajudas de custo.
Para este cliente, o sujeito passivo exibiu ainda o contrato, celebrado em março de 2018, e o orçamento que deram origem à faturação. No caso do orçamento, constituído por 82 páginas, verifica-se a discriminação pormenorizada dos materiais/serviços a incorporar na obra e não se logrou identificar nenhuma rúbrica relativa às ajudas de custo. Já o contrato refere que a subempreiteira se obriga à execução de todos os trabalhos em conformidade com a proposta anexa e que inclui o fornecimento de mão-de-obra, equipamentos e materiais necessários para o cumprimento dos prazos estabelecidos pela direção da obra.
1º
A segunda outorgante, enquanto subempreiteira, obriga-se, perante a primeira outorgante, à execução de todos os trabalhos em conformidade com a proposta em
anexo.
A proposta é por PREÇO GLOBAL, sendo os valores lotais apresentados na proposta
em anexo, meramente indicativos.
A proposta inclui erros e omissões do projeto existente à dala da negociação.
INCLUÍDO
- Meios de Elevação
- Fornecimento de mão-de-obra, equipamentos e materiais, necessários para cumprimento dos prazos estabelecidos pela direção de obra
Conclusão
Quando o nº 9 do artigo 88º do CIRC exceciona de tributação autónoma as ajudas de custo faturadas a clientes, significa que as ajudas de custo têm que corresponder a uma das parcelas (ou itens, ou referências) que integram o descritivo da fatura (ou no caso da empresa em análise do relatório de quantidades/auto de medição que acompanha a fatura), não bastando afirmar no corpo do documento que os valores faturados incluem ajudas de custo.
Como se demonstrou, o sujeito passivo não prevê no contrato o débito das ajudas de custo incorridas, pelo contrário, não são da responsabilidade do cliente, e não individualiza as mesmas nas faturas nem nos autos de medição anexos, referindo apenas na fatura que os valores faturados incluem ajudas de custo.
É sabido que os valores faturados aos clientes pretendem incluir todos os gastos suportados pela empresa, como sejam as depreciações, os gastos com pessoal, os gastos de financiamento, entre outros, pelo que o simples facto de referir nas faturas que o valor faturado inclui ajudas de custo não é suficiente para excluir a tributação autónoma destas despesas, tendo que se encontrar efetivamente faturadas em adição ao preço dos serviços prestados e fornecimentos efetuados.
Contabilisticamente o sujeito passivo não regista um ganho autónomo pelas referidas ajudas de custo alegadamente debitadas, apenas o ganho das prestações de serviços de instalações elétricas, expresso nas faturas.
Nestes termos, propõe-se uma correção de €3.728,60 [(€106.055,00€31.483,10)5%] em
2018 e €11.027,90 [(€250.699,00-€30.140,95)5%] em 2019, a título de tributação autónoma, por aplicação nº 9 do artigo 88° do CIRC.
III.3. IVA
(Ver ponto IX)
O sujeito passivo tem na sua contabilidade 2 faturas-recibo de ato isolado, uma em 2018 e outra em 2019, ambas emitidas por F..., NIF ... .
As faturas contêm os seguintes elementos:
Instado a esclarecer, o sujeito passivo afirmou que F... é colaborador da A..., S.A., a quem presta serviços de mão-de-obra de pedreiro nas obras realizadas pela empresa.
As prestações de serviço de pedreiro, enquadram-se nas prestações de serviço de construção civil a que alude a alínea j), do n° 1, do artigo 2° do CIVA, cabendo ao adquirente dos serviços a liquidação do IVA.
Por outro lado, o nº 8 do artigo 19° do CIVA determina que "nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação".
Assim, a A..., S.A. não poderia ter deduzido o IVA destas faturas, no valor de €4.600,00 em agosto de 2018 e €5.152,00 em agosto de 2019.
No que concerne à fatura emitida em 2019, acrescenta-se que apenas tem a descrição
"prestação de serviço", o que não permite conhecer a natureza do serviço prestado, um dos requisitos da alínea b) do nº 5 do artigo 36° do CIVA que determina a formalidade das faturas.
No caso concreto, a exigência desta formalidade prende-se com o facto de ser necessário identificar quem é o sujeito passivo do imposto, não se tratando, por isso, de mera preterição de uma formalidade.
Portanto, no caso da fatura emitida em 2019 o IVA também não seria dedutível por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 19° do CIVA que determina que só confere direito à dedução o IVA mencionado nas faturas emitidas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
Em face do exposto, propõe-se a correção de IVA no período de 2018/08 no valor de €4.600,00 e no período de 2019/08 no montante de €5.152,00.
(...)
VII. Indicação das infrações verificadas
(...)
VIII.2. Juros compensatórios
São devidos juros compensatórios nos termos e para os efeitos do artigo 35° da Lei Geral
Tributária (LGT) com referência aos impostos em que foi retardada a liquidação/entrega de IRC e IVA.
(...)
IX. Direito de audição -fundamentação
(...)
IX.2 Resposta obtida
No dia 2021/09/16 deu entrada nesta Direção de Finanças um documento onde é exercido o direito de audição tendo sido apresentados os argumentos que a seguir se indicam.
Junto com o direito de audição foi enviada procuração em que A..., S.A. declara constituir seu bastante procurador o "Exmo. Senhor Dr. G...", advogado da sociedade H..., R.L., com escritório no ..., n° ..., ..., ...-... Leiria.
IX.2.1 Gastos não aceites -deslocações e estadas
"A questão aqui em causa tem que ver com o pagamento pelo SP de despesas efetuadas pelo advogado da empresa – Dr. G... -quando este se encontrava ao serviço da empresa."
O SP acrescenta que "naturalmente e como aliás resulta do contrato de avença que se junta como doc. Nº 1, as despesas realizadas para a execução do contrato sempre correriam por conta do adquirente do serviço, no caso, o SEMPRE e que "ser ela própria a suportar diretamente os custos com os seus prestadores de serviços ou os mesmos lhes serem posteriormente imputados, do ponto de vista substancial e no que ao cálculo do imposto diz respeito, é absolutamente indiferente."
Por outro lado, "importa referir que o Dr. G... não é só prestador de serviços (através da sua sociedade profissional) como tem, igualmente, uma relação societária com a empresa, sendo o seu Presidente da Mesa da Assembleia Geral, tudo conforme doc. 2 que se junta. E não se diga que, neste caso, a relação societária não é suficiente porque, se assim não for, também os membros dos demais órgãos sociais teriam que pagar as suas despesas e imputá-las ao SP - o que não faz qualquer sentido".
Refere ainda que "a viagem e estadia em causa foi realizada, não de forma autónoma pelo prestador de serviços e presidente da AG, mas sim "em comitiva" o que obrigou a que, quer as reservas quer os pagamentos das mesmas, tivesse que ser realizado em grupo e não de forma individual".
Conclui afirmando que "a proposta de correção configura um manifesto excesso de zelo e uma tentativa da AT de incrementar um lucro ao SP, que a sociedade não teve dado que "ainda que os custos tivessem sido diretamente suportados pelo prestador do serviço, os mesmos seriam obviamente imputados ao SP nos termos do contrato de avença celebrado, razões pelas quais o SP não pode aceitara proposta de correção."
IX.2.2 Gastos não aceites -despesas B...
No que respeita aos gastos de despesas debitadas pela B... refere o sujeito passivo que o "que foi lançado na contabilidade foram faturas pela execução dos trabalhos, faturas essas cujo montante era determinado pelo montante das despesas que a entidade subempreitada ia suportando com a execução do contrato".
Acrescenta que nos termos do contrato celebrado entre ambas as entidades, "a B... deveria realizar os trabalhos subcontratados pelo valor máximo de 800.000€".
E que "atendendo à relação de grupo existente, a faturação dos trabalhos era feita na exata medida e no exato montante dos custos que a sociedade subempreiteira tinha para a realização da subempreitada. E, portanto, o custo da subempreitada para o SP corresponde ao exato montante que a B... despendeu para a realização dos trabalhos, a saber:
203.987,40€ em 2018 e 169.493,59 em 2019".
Refere ainda o sujeito passivo que "em nada releva para a presente situação se as despesas/custos apresentados pela B... estão corretos ou incorretos, porque tais custos apenas se destinaram a justificar o montante da faturação pelos serviços prestados".
Conclui que "o gasto tem que ser aceite na medida em que diz respeito ao preço da subempreitada e que é um custo essencial para que o sujeito passivo pudesse obter o rendimento que obteve e pagar o imposto que pagou".
IX.2.3 Tributações autónomas -Ajudas de custo
Argumenta o sujeito passivo que "a AT não coloca em causa que as ajudas de custo tenham sido faturadas aos clientes, mas entende que as mesmas têm que ser objeto de tributação pelo facto de - nos contratos, autos de medição e faturas - essas ajudas de custo não terem uma rúbrica própria, mas apenas a menção de que os valores faturados incluem as ajudas de custo".
Refere o sujeito passivo que o artigo 88º, n.º do CIRC prevê que não haja tributação autónoma quando as ajudas de custo são faturadas aos clientes, mas que "nada é referido que esta isenção apenas se aplica no caso de faturação individualizada e segregada do preço".
Acrescenta que "o próprio software de faturação não tem nenhuma rúbrica própria para as ajudas de custo o que "obriga" a que o SP faça menção de que o preço incluía ajudas de custo e determina o seu valor concreto".
Para concluir, o sujeito passivo afirma que "mais uma vez a AT utiliza uma justificação
meramente formal para tentar tributar aquilo que o legislador não quis tributar, in casu, as ajudas de custo faturadas a clientes, razão pela qual entende o SP que não deve procedera proposta de correção".
IX.2.4 IVA-dedução indevida
No que respeita ao IVA afirma o sujeito passivo que "se conclui que a AT quer cobrar o IVA em duplicado" uma vez que o prestador de serviços, F... (pedreiro contratado pela A...), "emitiu a fatura/recibo (11 de 03108/2018) de ato isolado com IVA e não com autoliquidação", e que a A... entregou o IVA ao prestador de serviços, que por sua vez o entregou ao Estado.
Refere ainda que "pretende agora a AT cobrar "novo" valor do IVA mediante a não aceitação de uma dedução relativamente ao IVA para por um SP de IVA" reforçando que "mais uma vez a AT pretende com recurso a um argumento meramente formal obter um resultado manifestamente ilegal que é receber duas vezes o IVA da mesma operação."
Relativamente à fatura/recibo nº 12 de 04/08/2019 afirma o sujeito passivo que compreende o argumento da AT de que a mera referência a "prestação de serviços" em vez da correta especificação dos mesmos é relevante para a determinação do sujeito passivo do imposto, "o que também é inolvidável é que o IVA da prestação de serviços foi liquidado e entregue ao Estado".
Conclui afirmando que "por estas razões que nos parecem por demais evidentes, também o SP não pode aceitar a proposta de correção relativamente ao IVA, na medida em que o Estado recebeu o seu tributo."
IX.2.5 Conclusão
"A proposta de correções promovida pela AT assenta em motivos de ordem meramente formal, demitindo-se completamente da análise da factualidade tributária do prisma substancial, i.e., da verificação da realidade dos factos e a sua integração naquilo que o legislador fiscal quis definir.
Não se olvida a importância da forma, mas quando essa forma é utilizada para o desvirtuamento da pretensão do legislador, não se poderá aceitar.
Certo é que em todas as operações o SP pagou os montantes que lhe eram exigíveis."
IX.3 Apreciação dos fundamentos apresentados pelo contribuinte
Em face dos argumentos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição, apresenta-se de seguida a nossa apreciação, para cada uma das temáticas em causa.
IX.3.1 Gastos não aceites -deslocações e estadas
(...)
Face a este contexto e à qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia Geral, propõe-se a anulação da correção ao lucro tributável de 2018 proposta no ponto III.1.1, no valor de €2.205,24.
IX.3.2 Gastos não aceites -despesas B...
O sujeito passivo alega que todos os valores debitados, nos anos de 2018 e 2019, por B... à empresa portuguesa respeitam ao contrato de subempreitada celebrado em 2018/06/01, contrato que prevê um valor máximo de €800.000,00 e que "atendendo à relação de grupo existente, a faturação dos trabalhos era feita na exata medida e no exato montante dos custos que a sociedade subempreiteira tinha para a realização da subempreitada.
Alega ainda que "nada releva para a presente situação se as despesas/custos apresentados pela B... estão corretos ou incorretos, porque tais custos apenas se destinaram a justificar o montante de faturação pelos serviços prestados".
Se por um lado, não é possível comprovar se os custos debitados se relacionam ou não com a subempreitada, sendo certo que o próprio sujeito passivo descredibiliza esse facto com a sua argumentação de "apenas se destinaram a justificar o montante de faturação pelos serviços prestados", não podemos concordar com o afirmado pelo sujeito passivo, na medida em que os documentos de suporte aos gastos contabilizados devem ser os legalmente previstos e permitir verificar a realidade dos gastos, a sua relação com a atividade exercida e com os rendimentos obtidos em cada período de tributação. O que quer dizer que não é indiferente o tipo de documento apresentado, nem a utilização de faturas com informação incorreta ou indevidamente emitidas.
No caso do fornecedor B... verifica-se a existência de 2 tipos de documentos:
► um relativo ao "reembolso de despesas conforme acordo", aqui em apreço, que tem como documento de suporte fatura processada em programa informático de faturação e contabilizado em diversas contas de gastos atendendo à natureza das despesas debitadas: alimentação, telefone, transportes, combustíveis, entre outras (sendo as contabilizadas em conta de compras consideradas gastos no apuramento do custo das matérias consumidas).
► o outro respeita a prestação de serviços executados na construção dos hospitais, e tem como suporte os documentos oficiais do "GHANA REVENUE AUTHORITY", que se encontra contabilizado na conta 62193.
A descrição desta fatura remete para o contrato de subempreitada (anexo 2) que na sua cláusula 1 ª define que:
Clause 1ª
OBJECT
The Contractor, as the MEP contractor for the project, 3 District Hospitals 1 Polyclinic in Ghana, hires the Subcontractor for the labor of MEP works in Ghana.
Ora, o contrato de subempreitada prevê a realização de "MEP works" (mechanical, electrical and plumbing - mecânica, elétrica e hidráulica, em português) nos quais estão incluídos todos os custos inerentes e necessários à realização do contrato, conforme dispõe o nº 3 da cláusula 3%.
Quando assim não acontece o contrato de prestação de serviços prevê expressamente quais as despesas não incluídas no valor do contrato.
E os documentos oficiais do "GHANA REVENUE AUTHORITY" respeitam à faturação dos
serviços previstos no mesmo contrato, como se acaba, uma vez mais, de demonstrar, não fazendo sentido faturar débitos de encargos à parte, em documento distinto, mas invocando afinal continuar a ser faturação pelos serviços prestados no âmbito do contrato.
Em face do exposto, de novo se reforça que não se percebe a razão da emissão autónoma de faturas relativas a débito de despesas suportadas no Gana (cuja relação com os rendimentos do sujeito passivo não foi comprovada, referindo o sujeito passivo "nada releva para a presente situação se as despesas/custos apresentados pela B... estão corretos ou incorretos"), quando ambas as entidades celebraram um contrato de subempreitada que abrange todos os custos necessários à sua concretização, resultando na faturação através das faturas oficiais do ''GHANA REVENUE AUTHORITY", que têm subjacente o referido contrato e foram já contabilizadas na conta de gastos 62193.
Assim, será de manter a correção proposta no ponto III.1.2, acrescendo ao lucro tributável do período de 2018 o valor de €50.363,45 e ao lucro tributável do período de 2019 o montante de €99.740,31.
IX.3.3 Tributações autónomas -Ajudas de custo
O sujeito passivo invoca no direito de audição que o artigo 88°, n° 9 prevê a exclusão de
tributação autónoma das ajudas de custo quando estas são faturadas a clientes, nada referindo o artigo que, para o efeito, a faturação terá que ser "individualizada e segregada do preço", como pretende a AT ao não aceitar a menção nas faturas de que inclui ajudas de custo, e obrigando a que os autos de medição, contratos e faturas tenham uma rúbrica própria.
Refere ainda que "a AT não coloca em causa que as ajudas de custo tenham sido faturadas aos clientes, mas entende que as mesmas têm que ser objeto de tributação pelo facto de – nos contratos, autos de medição e faturas -essas ajudas de custo não terem uma rúbrica própria, mas apenas a menção de que os valores faturados incluem as ajudas de custo".
Ora, tais constatações são incorretas, pois o que a AT coloca em causa é exatamente a faturação efetiva das ajudas de custo suportadas aos clientes. A AT não obriga a uma rubrica própria de faturação dessa ajuda de custo, podendo a fatura referir apenas que o valor faturado inclui o montante determinado de ajudas de custo, mas esse montante tem de ser efetivamente adicionado ao preço da prestação de serviço. Contudo, no caso em apreço tal não acontece, pois o preço da prestação de serviço/venda não contempla esse valor de ajuda de custo, conforme leitura dos autos de medição/relatórios/orçamentos/contratos. Veja-se por exemplo no contrato com o cliente C... que menciona expressamente que a A..."tem a responsabilidade de pagar integralmente e dentro do prazo todas as remunerações e compensações de qualquer natureza, etc sendo que todas elas deverão ser suportadas exclusivamente por ele."
O que se tentou explicar foi, que tratando-se de entidades que visam o lucro, é natural que se fature atendendo à totalidade dos gastos que se estime incorrer e a obtenção de uma margem de lucro, mas tal não basta para, nos termos do n.°9 do ar.° 88.°, afastar a tributação autónoma destas despesas, tendo que se encontrar efetivamente faturadas em adição ao preço dos serviços prestados e fornecimentos efetuados. Se tal bastasse, a norma era desprovida de sentido.
Se bastasse ao fornecedor referir que a fatura inclui ajudas de custo sem que neste preço constasse expressa uma verba para ajudas de custo, significava que, por exemplo, se dois fornecedores apresentarem o mesmo orçamento/auto para uma prestação de serviços (ex.€10.000,00), um poderia ter de incorrer em pagamento de ajudas de custo (ex.° €800,00) e o outro não, sendo que seria o mesmo preço pelo serviço prestado, só que um fornecedor passaria a referir que o seu preço da prestação de serviço inclui ajudas de custo, de forma a afastar tributações autónomas. Daqui resulta, salvo melhor opinião, a falta de faturação de €800,00 do preço da prestação de serviços, contemplado no orçamento.
Esta situação verifica-se claramente na fatura n.º.1.20180204 emitida ao D... (anexo 4), em que o preço é fixo, independentemente das ajudas de custos suportadas poderem variar.
Vai no mesmo sentido o contrato celebrado com a C..., em que a A..., S.A. não pode exigir ao cliente valores adicionais e específicos para pagamento destas despesas.
Sabe-se que, com a tributação autónoma de determinadas despesas, o legislador procura responderá difícil questão do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações mais atraentes por razões fiscais (no caso em questão, pagamento de remunerações sob a forma de ajudas de custo, afastadas de tributação em IRS), entendimento também acolhido pela doutrina. A existência deste tipo de normas, acaba por abranger de forma objetiva todo o universo aí enquadrado, afastando o tratamento subjetivo de caso a caso.
É por isso que se afirma que a expressão "não faturadas a clientes" constante no nº 9 do artigo 88° do CIRC obriga a que os operadores económicos façam prova da faturação efetiva (enquanto elemento autónomo e integrante do valor faturado) das ajudas de custo, não bastando a mera menção na fatura de que inclui ajudas de custo com a indicação de respetivo valor.
Por tudo o exposto, mantém-se a correção proposta no ponto 111.2, no montante de €3.728,60 [(€106.055,00€31.483,10)5%] em 2018 e €11.027,90 [(€250.699,00-€30.140,95)5%] em 2019, a título de tributação autónoma de ajudas de custo, por aplicação n.º do artigo 88º do CIRC.
IX.3.4 IVA-dedução indevida
A argumentação do sujeito passivo assenta no facto da AT pretender cobrarem duplicado o IVA da mesma operação: uma ao prestador dos serviços que liquidou o IVA nas faturas emitidas e o entregou ao Estado e outra ao adquirente destes mesmos serviços mediante a não aceitação do IVA deduzido.
Ora, o que está em causa é determinar quem é o sujeito passivo do imposto nas aquisições de serviços de construção civil, uma vez que as operações em causa consistem em serviços de pedreiro.
Como já se afirmou no ponto III.1.3. deste relatório, a alínea j) do n° 1 do artigo 2° do CIVA determina que o sujeito passivo destas operações é o adquirente, SP do imposto que pratique operações que confiram, total ou parcialmente, direito à dedução do IVA, cabendo-lhe a ele a liquidação do IVA.
Estabelece ainda o CIVA que o prestador destes serviços de construção civil deve averbar nas faturas emitidas a indicação IVA - autoliquidação (n° 13 do artigo 36º), evitando-se assim a duplicação do imposto.
Refira-se que a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo neste tipo de operações tem subjacente o combate à fraude e evasão fiscal, por se tratar de um setor onde se denota propensão para a mesma.
Foi aliás por este motivo que o CIVA, no n° 8 do artigo 19°, estatui que "nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação", evitando assim a evasão fiscal, com um critério objetivo, afastando a análise caso a caso.
Portanto, não está em causa a cobrança em duplicado do IVA incidente sobre a mesma operação, mas sim o cumprimento do disposto no CIVA em matéria de direito à dedução do imposto, que determina que, nas aquisições de serviços de construção civil por SP que pratique operações que conferem direito à dedução de IVA, só confere direito à dedução o IVA que tenha sido por eles autoliquidado.
Acresce, no que concerne à fatura emitida em 2019, que apenas tem a descrição "prestação de serviço", que, além de constituir infração ao disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 36° do CIVA por não permitir conhecer a natureza do serviço prestado, também se torna indispensável no caso concreto para identificar o sujeito passivo do imposto, não sendo por isso, uma mera preterição de uma formalidade, facto reconhecido pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição quando afirma no ponto 41: "embora se compreenda o argumento da AT e a relevância na determinação do sujeito passivo do imposto" (sublinhado nosso).
Em face do exposto, mantém-se a correção proposta em sede de IVA no período de 2018/08 no valor de €4.600,00 e no período de 2019/08 no montante de €5.152,00.
IX.3.5 Conclusão
Da apreciação do direito de audição resulta a anulação da correção proposta a título de
deslocações e estadas, no montante de €2.205,24.
Relativamente às restantes correções entendemos que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo não são suficientes, conforme se expôs nos pontos anteriores, pelo que se mantêm as correções propostas conforme a seguir se indica.
E) Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IRC com os n.ºs 2021 ... e 2021 ... e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios com os n.ºs 2021 ... e 2021 ..., relativos aos anos 2018 e 2019, de que resultaram os valores a pagar de € 16.888,84 (2018) e € 34.925,63 (2019) (documentos n.ºs 1 e2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) Em 23-12-2021, a Requerente pagou a quantia de € 16.888,84, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao ano de 2018 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
G) Em 02-01-2022, a Requerente pagou a quantia de € 34.925,63, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao ano de 2019 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) Ainda na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA com os n.ºs 2021 ... (2018) e 2021 ... (2019) e respectivos actos de liquidação de Juros Compensatórios com os n.ºs 2021 ... (2018) e 2021 ... (2019), de que resultaram os valores a pagar de € 4.599,91 e € 537,36 (2018) e € 5.152,00 e € 400,29 (2019), respectivamente (documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
I) Em 06-12-2021, a Requerente pagou as quantias de € 4.599,91 e € 537,36, relativas às liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2018 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
J) Em 06-12-2021, a Requerente pagou as quantias de € 5.152,00 e € 400,29, relativa às liquidações de IVA e juros compensatórios relativas ao ano de 2019 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
K) A B... Limites (doravante “B...”) foi criada por exigência das autoridades do Gana que não permitiam que fossem efectuadas obras sem recrutamento de pessoal local (depoimentos de I... e J...);
L) Trata-se de obras da Requerente que teve de ter a colaboração da B... (depoimento de K...);
M) A B... é a subempreiteira local que realiza grande parte das obras da Requerente no Gana (depoimento de I...);
N) A obra em causa no Gana foi efectuada pela Requerente para um cliente italiano, C... S.R.L (C...), e consistia na construção de três hospitais e de uma policlínica (depoimento de I...);
O) A Requerente, antes de fazer a obra, fez uma estimativa do valor global, mas veio a verificar-se que o valor facturado foi inferior ao que estava previsto como máximo, designadamente porque a Requerente conseguiu obter preços de aquisição inferiores aos que previa (depoimento de I... e de J...);
P) O que foi facturado foi o que foi gasto realmente (depoimento de I...);
Q) Uma factura respeitava à mão de obra utilizada no Gana que foi sujeita a IVA (depoimento de I...);
R) Outra factura respeita a despesas que foram incorridas no Gana, que foram facturadas à Requerente sem nenhuma margem sem IVA, precisamente pelo mesmo valor, conforme foi acordado entre a Requerente e a B... (depoimentos de I..., J... e K...);
S) Quando trabalhadores da Requerente foram trabalhar ao Gana as despesas foram imputadas à A... (depoimento de K...);
T) As facturas foram feitas remetendo para o auto de medição respectivo (depoimento de I...);
U) A Requerente pagou as ajudas pelas deslocações dos trabalhadores (depoimentos de I... e K...);
V) As ajudas de custo estão incluídas no auto de medição (depoimentos de I... e K...);
W) Não há nenhuma linha no auto de medição relativa às ajudas de custo porque quando orçamentaram a obra no preço da instalação já está incluído o serviço (depoimento de I...);
X) Quando contrata a obra, a Requerente já inclui o valor das ajudas de custo se a obra implicar deslocações (depoimento de I...);
Y) As despesas de ajudas de custo teriam de ser pagas à B... para fazer a obra (depoimento de I...);
Z) Por força do contrato em que se baseou a realização das obras, cerca de 60% do material tinha de ser adquirido em Itália, país da empresa financiadora C... e havia materiais que tinham de ser comprados no Gana (J...);
AA) O contrato entre a Requerente e a B... tem o teor que consta do documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
BB) O contrato entre a Requerente e a C... demorou cerca de um ano a negociar, havendo despesas com o contrato anteriores à sua celebração (depoimento da testemunha J...);
CC) O contrato entre a Requerente e a C... tem o teor que consta do documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido):
DD) O contrato entre a Requerente e a D... tem teor que consta do documento n.º 17 cujo teor se dá como reproduzido;
EE) O contrato de sub-empreitada entre a Requerente e a E...– ..., SA tem o teor que consta do documento n.º 19 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
FF)Nas facturas juntas aos autos relativas aos casos analisados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (C..., D... e E...) fazem-se referências aos valores de ajudas de custo incluídos nos preços dos serviços prestados e a Requerente possui listagens das ajudas de custo associadas aos serviços prestados (documentos n.ºs 14, 20, 21, 22, 23 e 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
GG) Em 03-08-2018, o F... emitiu a factura-recibo n.º 11, que consta do documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, com o descritivo «Mão de obra de pedreiro nas v/obras», com o valor base de € 20.000,00, IVA de € 4.600,00, retenção na fonte de IRS no montante de € 2.300,00 e «importância recebida» de € 22.300,00;
HH) Em 07-08-2018, a Requerente pagou ao referido F... a quantia de € 22.300,00, através de transferência bancária (documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
II) Em 04-08-2019, o F... emitiu a factura-recibo n.º 12, que consta do documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, com o descritivo «prestação de serviço obra 2019», com o valor base de € 22.400,00, IVA de € 5.152,00, retenção na fonte de IRS no montante de € 2.576,00 e «importância recebida» de € 24.976,00;
JJ) Em 29-10-2019, a Requerente pagou ao referido F... a quantia de € 19.976,00 para pagamento parcial da factura-recibo n.º 12, através de transferência bancária (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
KK) Em 087-06-2019, a Requerente pagou ao referido F... a quantia de € 15.000,00, em que se inclui a quantia de € 5.000,00 para pagamento parcial da factura-recibo n.º 12, através de transferência bancária (documento n.º 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
LL) O F... é pedreiro e emitiu as facturas-recibo referidas relativas a serviços de construção civil (depoimento de I...);
MM) O F... fez entrega ao Estado do IVA liquidado (depoimentos de I... e K... e afirmações da Requerente, no artigo 104.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionadas);
NN) Em 09-03-2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Não se provou que os gastos debitados através das facturas contabilizadas na conta 62193, nos valores de €153.623,95 em 2018 e €69.753,28 em 2019, que têm subjacente o contrato de sub-empreitada, constituam tudo o que a Requerente tinha de pagar à B... no âmbito da cláusula 3.ª do contrato.
Na verdade, o montante daqueles gastos é muito inferior ao montante máximo de € 800.000,00 acordado entre a Requerente e a B..., pelo que, embora resulte da prova produzida que as despesas suportadas foram inferiores a este montante, afigura-se perfeitamente crível que, como diz a Requerente, aquelas facturas contabilizadas na conta 62193, nos valores de € 153.623,95 em 2018 e € 69.753,28, não sejam os únicos custos suportados pela Requerente e que, além destes, tenha suportado também os de € 50.363,46 em 2018 e € 99.740,31, perfazendo os valores globais de €203.987,40€ em 2018 e 169.493,59 em 2019, ainda assim muito abaixo do valor máximo previsto.
Por outro lado, afigura-se que não constitui fundamento para duvidar que as referidas despesas nos montantes de € 50.363,46 em 2018 e € 99.740,31 foram efectuadas o facto de terem sido facturadas autonomamente, pois não existe qualquer exigência legal ou contabilística de que as despesas globais previstas no contrato tenham de ser objecto de uma única factura para cada ano.
Para além disso, a testemunha I..., que colabora na contabilidade da Requerente, esclareceu que a existência de duas facturas relativas a cada período foi efectuada por uma parte das despesas respeitar à mão de obra utilizada no Gana, que foi sujeita a IVA, enquanto as restantes despesas (nos referidos montantes de € 50.363,46 em 2018 e € 99.740,31 em 2019) foram facturadas à Requerente sem nenhuma margem e sem IVA.
2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo e ainda, nos pontos indicados, com base nos depoimentos das testemunhas.
A testemunha I... é técnica de contabilidade e colabora na contabilidade da Requerente desde 2013.
A testemunha J... trabalha em consultadoria com a Requerente desde 2013.
A testemunha K... é contabilista certificado e trata da contabilidade da Requerente desde 2005.
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento pessoal dos factos dados como provados com base nos seus depoimentos.
Relativamente às referências a ajudas de custo nas facturas e à existência de listagens, embora só algumas estejam juntas aos autos, considerou-se provado que o mesmo sucede quanto às restantes facturas, uma vez que há acordo das partes, já que a Requerente diz isso nas alegações (página 8) e Autoridade Tributária e Aduaneira refere no RIT que «a análise cinge-se a uma fatura por cliente, mas os restantes documentos enviados (faturas, autos de medição, ...) apresentam os mesmos elementos descritos» (ponto III.2. IRC).
Quanto à entrega ao Estado do IVA liquidado nas facturas-recibo emitidas pelo F..., considerou-se provado por ser de facto afirmado pela Requerente no artigo 104.º do pedido de pronúncia arbitral, que já afirmara também no exercício do direito de audição sobre o projecto de RIT, que não foi questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nem no presente processo nem no RIT, apesar de a Autoridade Tributária e Aduaneira, como credora destinatária das quantias liquidadas dispor da informação para o contestar se não correspondesse à realidade.
3. Matéria de direito
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa aos períodos de 2018 e 2019, em que efectuou correcções em sede de IRC e IVA.
Uma das correcções, referida no ponto III.1.1. do Relatório da Inspecção Tributária, foi anulada na sequência do exercício do direito de audição, como se vê pelo seu ponto IX.3.1.
Assim, são objecto do presente processo as correcções referidas nos pontos:
– III.1.2 e IX.3.2. do RIT, relativa a gastos não aceites relativos a despesas da B...;
– III.2. e IX.3.3. do RIT, relativa tributação autónoma de ajudas de custo;
– III.3. e IX.3.4. do RIT, relativa a dedução de IVA.
3.1. Questão dos gastos não aceites relativos a despesas da B...
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções nos valores de €50.363,45 e €99.740,31, relativas aos períodos de 2018 e 2019, respectivamente, que não aceitou como gastos, pelas seguintes razões, em suma:
– o sujeito passivo tem na contabilidade diversos gastos relativos a alimentação, telefone, transportes, combustíveis e outros gastos que lhe foram debitados pela empresa B..., da qual a empresa portuguesa é dominante com uma participação social de 90%;
– as faturas referem "reembolso de despesas conforme acordo", e têm anexados os documentos que pretendem justificar as despesas.
(...)
– dos documentos de despesas apresentados, não se extrai que respeitem aos funcionários do sujeito passivo, verificando-se que alguns deles não identificam, sequer, o cliente, e outros apenas indicam B...;
– o sujeito passivo explicou que essa facturação se reporta a uma obra para a construção de 3 hospitais e uma policlínica no Gana, que lhe foi contratada pela C..., e para a qual subcontratou a B..., e respeita à mão-de-obra e à faturação de reembolso de despesas inerentes à mesma;
– o contrato de subempreitada celebrado entre a A..., S.A. e a B... Limited, incluí todos os custos inerentes e necessários à realização do contrato, que estavam já debitados através das faturas contabilizadas na conta 62193, nos valores de €153.623,95 em 2018 e €69.753,28 em 2019, que têm subjacente o referido contrato;
– por isso, é entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que os gastos contabilizados através dos documentos nºs (identificador SAFT) 2018-12-28 2018... e 2019-11-13 2019... não são necessários para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, conforme definido no artigo 23°, n° 1 do CIRC.
A Requerente defende o seguinte, em suma:
– no contrato de subempreitada estabeleceu-se um preço máximo de 800.000,00€, pelo que todos os gastos tidos pela B... com a execução dos trabalhos e no âmbito dessa execução, teriam de ser justificados e facturados à Requerente, por forma ao controlo do mesmo quanto ao preço máximo;
– a Requerente lançou na contabilidade as faturas apresentadas por B... e relacionados com o contrato de subempreitada celebrado, faturas essas cujo montante era determinado pelo total das despesas que a entidade subempreitada ia suportando com a execução do contrato;
– a Requerente apenas tinha esse contrato com a B... pelo que a descrição “reembolso das despesas conforme acordo” é suficiente, dispensando a referência explícita ao contrato de subempreitada;
– os custos aqui em causa estejam incluídos no contrato, mas a B... não podia deixar de os apresentar ao Sujeito Passivo, para justificar o valor faturado no âmbito da execução dos trabalhos;
– tendo tais faturas sido emitidas autonomamente porquanto o foram à medida que iam sendo realizadas, na exata medida e montante da execução dos trabalhos;
– não sendo despesas do Sujeito Passivo, mas sim a faturação por serviços prestados no âmbito do contrato de subempreitada, incluídas no preço máximo do contrato;
– a fatura emitida pela B... ao Sujeito Passivo, relativa aos gastos tidos na execução dos trabalhos subempreitados, contém todos os elementos do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, apenas não faz referência explicita ao contrato de subempreitada.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT, dizendo ainda, o seguinte, em suma:
– sendo que os documentos oficiais do “GHANA REVENUE AUTHORITY” respeitam à faturação dos serviços previstos no contrato, não faz sentido faturar débitos de encargos à parte, em documento distinto, mas invocando afinal continuar a ser faturação pelos serviços prestados no âmbito do contrato;
– fica por demonstrar a relação com os rendimentos do sujeito passivo, das faturas que suportam o débito de despesas “suportadas” no Gana (veja-se o Documento 12 constituído por 40 páginas que, como a própria Requerente informa trata-se de uma amostra, porque na íntegra as despesas faturadas, só no ano de 2018, ascendem a 302 páginas), quando ambas as entidades celebraram um contrato de subempreitada que abrange todos os custos necessários à sua concretização, resultando na faturação através das faturas oficiais do “GHANA REVENUE AUTHORITY”, que têm subjacente o referido contrato e foram já contabilizadas na conta de gastos 62193;
– o ónus da prova das despesas recai sobre a Requerente;
– nas despesas anexas às facturas com a descrição “reembolso das despesas conforme acordo” que integram o Documento 12 junto aos autos, verifica-se que são em número significativo as despesas com data anterior à data do contrato, 01-06-2018, referindo-se a título de exemplo que a primeira despesa apresentada remonta a 02-01-2018.
A Requerente celebrou com a B... um contrato de sub-empreitada e tem registadas na sua contabilidade facturas com a referência «reembolso de despesas conforme acordo» emitidas pela B..., nos montantes de € 50.363,46, em 2018 e € 99.740,31, em 2019, facturas essas que têm anexados os documentos relativos às despesas e foram contabilizadas através dos documentos n.ºs (identificador SAFT) 2018-12-28 2018... e 2019-11-13 2019... .
A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dessas despesas como gastos, invocando que «não se percebe a razão da emissão autónoma de faturas relativas a débito de despesas suportadas no Gana, quando ambas as entidades celebraram um contrato de subempreitada que abrange todos os custos necessários à sua concretização, custos estes já debitados através das faturas contabilizadas na conta 62193 que têm subjacente o referido contrato».
O único fundamento de direito invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para a não aceitação da dedutibilidade daquelas despesas nos montantes de € 50.363,46, em 2018 e € 99.740,31, em 2019, foi o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, que estabelece que «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
Assim, não foi fundamento destas correcções em sede de IRC qualquer requisito formal das facturas, designadamente os exigidos pelo n.º 4 do mesmo artigo 23.º, a que se refere a Requerente.
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que facturas contabilizadas na conta 62193 se reportem a «todos os custos necessários à sua concretização», como pressupuseram os Serviços de Inspecção Tributária.
Por outro lado, quanto a afirmação de não se perceber «a razão da emissão autónoma de faturas relativas a débito de despesas suportadas no Gana», a explicação foi dada pela testemunha I..., que esclareceu que a existência de duas facturas relativas a cada período foi efectuada por uma parte das despesas respeitar à mão de obra utilizada no Gana, que foi sujeita a IVA, enquanto as restantes despesas (nos referidos montantes de € 50.363,46 em 2018 e € 99.740,31 em 2019) foram facturadas à Requerente sem nenhuma margem e sem IVA.
Assim, tem de se concluir que as correcções aqui em causa enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto, ao pressupor que as facturas contabilizadas na conta 62193 incluem todos os custos necessários à concretização da sub-empreitada.
Refira-se, finalmente, que como pertinentemente a Autoridade Tributária e Aduaneira diz na sua Resposta, há documentos de suporte das facturas emitidas pela B... com datas anteriores às da celebração do contrato de sub-empreitada, o que poderia suscitar dúvidas sobre a sua relação com este contrato.
No entanto, para além de a testemunha J... ter explicado que as despesas começaram a existir cerca de um ano antes, com deslocações relativas às negociações coma C..., consta-se que esse eventual fundamento para não aceitação da dedutibilidade das despesas não foi invocado no RIT, pelo que constitui fundamentação a posteriori¸ que não é admissível quando não é praticado um novo acto com base nela ( [1] ).
A isto acresce que a anterioridade das despesas em relação ao contrato apenas poderia justificar a desconsideração da relevância fiscal das que fossem anteriores e não de todas, pelo que as correcções efectuadas sempre enfermariam de erro de quantificação.
Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, justificando-se a anulação das liquidações de IRC impugnadas, nas partes em que têm como pressupostos estas correcções, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.2. Questão da tributação autónoma relativa a ajudas de custo
A Requerente tem registado na contabilidade (contas 63105 e 63205) ajudas de custo no valor de €106.055,00 em 2018 e €250.699,00 em 2019.
O artigo 88.º, n.º 9, do CIRC estabelece que «são ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário».
A Requerente sujeitou a tributação autónoma os valores de apenas €31.483,10 em 2018 e de €30.140,95 em 2019.
A Autoridade Tributária e Aduaneira analisou a facturação relativa a três clientes da Requerente (a C..., D... e E... SA), dizendo que «a análise cinge-se a uma fatura por cliente, mas os restantes documentos enviados (faturas, autos de medição, ...) apresentam os mesmos elementos descritos».
Relativamente à factura da C... a Autoridade Tributária e Aduaneira refere o seguinte, em suma:
Ora, como se verifica pela consulta aos documentos anexados, a fatura apresenta um item faturado de valor de€107.627,27, referente a prestações de serviços e fornecimento de materiais de acordo com o relatório de quantidades/auto medição anexo à fatura e contrato, sendo referido no descritivo da fatura que "inclui ajudas de custo no valor de €12.050,00 euros". O relatório de quantidades/auto medição anexo apura o referido valor faturado, tendo uma discriminação, por rúbricas e valores parciais, dos serviços prestados/fornecimento de materiais e seu transporte, percebendo-se que nenhuma das rúbricas respeita às ajudas de custo.
No que concerne ao cliente D..., refere-se no RIT o seguinte, em suma:
A fatura indica que "inclui ajudas de custo no valor de 2. 700, 00 euros".
Tanto a fatura como o auto de medição identificam as lojas D... onde foi feita a intervenção, a um preço unitário de €500,00 por loja, nenhuma delas contendo uma rúbrica alusiva às ajudas de custo.
A manutenção efetuada está suportada no contrato celebrado em abril de 2017, entre a A..., S.A. e o D... .
Neste contrato é dito que os custos para a inspeção e/ou manutenção incluem o valor das deslocações e dos materiais de desgaste e de limpeza, e indicam o valor unitário para cada tipo de instalação intervencionada.
(...)
Portanto, como se verifica pelos documentos apresentados pelo sujeito passivo (seja o contrato, o auto de medição ou a fatura), o valor das ajudas de custo (que poderá ser diferente conforme a deslocação necessária, ou até existirem manutenções feitas no mesmo dia) não se encontra faturado adicionalmente ao valor da prestação de serviço, pois no contrato considera-se que este valor já incluirá todos os custos acessórios, sendo o custo unitário faturado de€500,00, uniforme para todas as manutenções às diversas lojas espalhadas pelo país.
Quanto ao cliente E..., refere-se no RIT o seguinte, em suma:
É dito na fatura que inclui ajudas de custo no valor de 1.563,75€. Numa primeira vista, dir-se-á que o valor das ajudas de custo respeita apenas ao auto de medição n° 2.1, e, se assim fosse, as ajudas de custo seriam de valor superior ao valor total do auto de medição. Contudo, nenhum dos autos, que discriminam o valor faturado, indicam qualquer rúbrica a título de ajudas de custo.
Para este cliente, o sujeito passivo exibiu ainda o contrato, celebrado em março de 2018, e o orçamento que deram origem à faturação. No caso do orçamento, constituído por 82 páginas, verifica-se a discriminação pormenorizada dos materiais/serviços a incorporar na obra e não se logrou identificar nenhuma rúbrica relativa às ajudas de custo. Já o contrato refere que a subempreiteira se obriga à execução de todos os trabalhos em conformidade com a proposta anexa e que inclui o fornecimento de mão-de-obra, equipamentos e materiais necessários para o cumprimento dos prazos estabelecidos pela direção da obra.
Na sequência dessa análise, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu fazer correcções de €3.728,60 [(€106.055,00€31.483,10)5%] em 2018 e €11.027,90 [(€250.699,00-€30.140,95)5%] em 2019, a título de tributação autónoma, por aplicação n.º 9 do artigo 88° do CIRC, pelas seguintes razões, que esclareceu na sequência do exercício do direito de audição, em suma:
– o que a AT coloca em causa é exatamente a faturação efetiva das ajudas de custo suportadas aos clientes. A AT não obriga a uma rubrica própria de faturação dessa ajuda de custo, podendo a fatura referir apenas que o valor faturado inclui o montante determinado de ajudas de custo, mas esse montante tem de ser efetivamente adicionado ao preço da prestação de serviço;
– contudo, no caso em apreço tal não acontece, pois o preço da prestação de serviço/venda não contempla esse valor de ajuda de custo, conforme leitura dos autos de medição / relatórios / orçamentos / contratos;
– por exemplo no contrato com o cliente C... menciona expressamente que a A..."tem a responsabilidade de pagar integralmente e dentro do prazo todas as remunerações e compensações de qualquer natureza, etc sendo que todas elas deverão ser suportadas exclusivamente por ele.";
– tratando-se de entidades que visam o lucro, é natural que se fature atendendo à totalidade dos gastos que se estime incorrer e a obtenção de uma margem de lucro, mas tal não basta para, nos termos do n.°9 do ar.° 88.°, afastar a tributação autónoma destas despesas, tendo que se encontrar efetivamente faturadas em adição ao preço dos serviços prestados e fornecimentos efetuados. Se tal bastasse, a norma era desprovida de sentido;
– verifica-se na fatura n.º.1.20180204 emitida ao D... (anexo 4), em que o preço é fixo, independentemente das ajudas de custos suportadas poderem variar;
– no contrato celebrado com a C..., em que a A..., S.A. não pode exigir ao cliente valores adicionais e específicos para pagamento destas despesas;
– a tributação autónoma de determinadas despesas, o legislador procura responderá difícil questão do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações mais atraentes por razões fiscais (no caso em questão, pagamento de remunerações sob a forma de ajudas de custo, afastadas de tributação em IRS);
– a expressão "não faturadas a clientes" constante no nº 9 do artigo 88° do CIRC obriga a que os operadores económicos façam prova da faturação efetiva (enquanto elemento autónomo e integrante do valor faturado) das ajudas de custo, não bastando a mera menção na fatura de que inclui ajudas de custo com a indicação de respetivo valor.
No presente processo, a Requerente defende o seguinte, em suma:
– todas as facturas continham a descrição “Inclui ajudas de custo” e o respectivo valor;
– as ajudas de custo faturadas aos clientes “são os encargos a esse título debitados aos clientes e incluídos no valor (global) da factura, não mais que isso” (acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.03.2015, processo n.º 00005/04.2BEPNF);
– só nos casos em que o preço acordado com o cliente não incluísse tais ajudas de custo é que faria sentido lhes fazer referência nas faturas emitidas;
– estando as ajudas de custo contidas no preço contratado, basta para concluir que as ajudas de custos foram faturadas ao cliente (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 24.06.2021, processo n.º 1954/05.6BELS);
– os casos em que o preço acordado entre as partes não inclua ajudas de custo – como se verifica no caso em apreço, com os clientes E... e C...-, faz sentido fazer referência ao mesmo nas faturas emitidas, bastando isso para que se entenda que as ajudas de custo foram faturadas ao cliente e, consequentemente não tributadas;
– caso o preço acordado entre as partes inclua ajudas de custo – como acontece, nos casos analisados pela Administração Tributária, com o cliente D... (cf. doc. n.º 17 já junto) -, não é necessária a sua referência nas faturas, mas também não é proibida;
– existem registos de listagens de ajudas de custo associados aos serviços prestados, em 2019 e 2018;
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT, dizendo ainda, em suma:
– no caso em apreço, existe apenas a simples menção nas faturas emitidas “Inclui Ajudas de Custo no valor de X Euros”, desacompanhada de meios complementares de prova de que aqueles valores foram cobrados ao cliente a título efetivo de ajudas de custo, e não incluídas dentro do valor global da fatura, em face do que não podem as mesmas ser aceites;
– sendo posição da Administração Tributária que deve apresentar-se perfeitamente claro, quer perante terceiros, quer perante o próprio cliente, que o valor das ajudas de custo acresce ao valor da prestação de serviços, sob pena de se esvaziar de conteúdo a norma ínsita no nº 9 do artigo 88º do CIRC, e se tornar de nenhum valor ao nível da sua razão de ser: o combate à evasão fiscal.
O artigo 88.º, n.º 9, do CIRC estabelece o seguinte, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro:
9 - São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos efetuados ou suportados relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário.
A tributação autónoma de ajudas de custo foi introduzida no CIRC pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2005, passando a estar prevista, então, do n.º 9 do artigo 81.º.
A finalidade desta tributação autónoma, como refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, é combater a evasão fiscal, designadamente a fuga a tributação em IRS de remunerações camufladas pagas a título de ajudas de custo, como se infere do afastamento da tributação autónoma quando existir tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário.
Como decorre do texto desta norma, a tributação autónoma apenas se aplica a encargos «não faturados a clientes».
Esta expressão permite concluir pela exigência de referência às ajudas de custo nas facturas emitidas aos clientes a quem os serviços foram prestados, mas não permite concluir que seja necessário para afastar a tributação autónoma que sejam discriminados nas facturas outros elementos.
Por outro lado, não é requisito das facturas relativas às prestações de serviços, a discriminação de cada um dos custos necessários para os prestar, como se infere do n.º 4 do artigo 23.º do CIRC, que elenca os requisitos mínimos dos documentos comprovativos de gastos.
No caso em apreço, como se diz no RIT, a Requerente «apresentou, após solicitação, algumas faturas e respetivos autos de medição que pretendem justificar a faturação das ajudas de custo aos clientes, afastando a obrigação de tributação autónoma, nos termos definidos no referido artigo 88º, nº 9 do CIRC. Exibiu ainda, após solicitação, alguns mapas de controlo interno das referidas ajudas de custo e os contratos/Orçamentos subjacentes à realização dos trabalhos».
A Autoridade Tributária e Aduaneira apenas analisou uma factura por cada cliente, mas assegura que «os restantes documentos enviados (faturas, autos de medição, ...) apresentam os mesmos elementos descritos».
Constata-se que, em cada uma das facturas analisadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira é indicado o valor das ajudas de custo.
Nestas condições, é de concluir que as ajudas de custo foram facturadas aos clientes, como vem entendendo o Tribunal Central Administrativo Sul relativamente a situações afins que se colocam relativamente à utilização deste mesmo conceito na alínea h) do n.º 1 do artigo 23.ºA do CIRC, não só no acórdão de 24-06-2021, processo n.º 1954/05.6BELSB (citado pela Requerente), mas também nos acórdãos de 11-11-2021, processo n.º 529/09.5BESNTe de 09-06-2022, processo n.º 209/10.9BESNT.
Aliás, mesmo que não se considerasse provado que as ajudas de custo tivessem sido facturadas aos clientes da Requerente, sempre se teria de concluir, como se diz naquele acórdão de 24-06-2021, invocado pela Requerente, que «não exigindo a lei que as faturas discriminem as ajudas de custo, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT), cabendo-lhe coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes».
Pelo exposto, as correcções efectuadas relativas a ajudas de custo que a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não facturadas aos clientes e sujeito a tributações autónomas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que justificam a anulação das liquidações de IRC, quanto a estas tributações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Correcções em sede de IVA
A Requerente tem na sua contabilidade duas facturas-recibo de acto isolado, uma em 2018 e outra em 2019, ambas emitidas por F..., NIF ..., relativas a serviços de mão-de-obra de pedreiro nas obras realizadas pela empresa.
A Requerente deduziu o IVA liquidado naquelas facturas-recibo, nos valores de € 4.600,00 e € 5.152.00, respectivamente, o que não foi aceite pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que efectuou correcções, com fundamento em indevido exercício do direito à dedução, pelas seguintes razões:
As prestações de serviço de pedreiro, enquadram-se nas prestações de serviço de construção civil a que alude a alínea j), do n° 1, do artigo 2° do CIVA, cabendo ao adquirente dos serviços a liquidação do IVA.
Por outro lado, o nº 8 do artigo 19° do CIVA determina que "nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação".
Assim, a A..., S.A. não poderia ter deduzido o IVA destas faturas, no valor de €4.600,00 em agosto de 2018 e €5.152,00 em agosto de 2019.
No que concerne à fatura emitida em 2019, acrescenta-se que apenas tem a descrição
"prestação de serviço", o que não permite conhecer a natureza do serviço prestado, um dos requisitos da alínea b) do nº 5 do artigo 36° do CIVA que determina a formalidade das faturas.
No caso concreto, a exigência desta formalidade prende-se com o facto de ser necessário identificar quem é o sujeito passivo do imposto, não se tratando, por isso, de mera preterição de uma formalidade.
Portanto, no caso da fatura emitida em 2019 o IVA também não seria dedutível por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 19° do CIVA que determina que só confere direito à dedução o IVA mencionado nas faturas emitidas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
Em face do exposto, propõe-se a correção de IVA no período de 2018/08 no valor de €4.600,00 e no período de 2019/08 no montante de €5.152,00.
A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de correcções, alegando, em suma, que «a A... entregou o IVA ao prestador de serviços, que por sua vez o entregou ao Estado» e que «é inolvidável é que o IVA da prestação de serviços foi liquidado e entregue ao Estado», pelo que há uma cobrança de IVA em duplicado relativamente a cada uma das prestações de serviços.
A Autoridade Tributária e Aduaneira manteve estas correcções, dizendo o seguinte, em suma:
Estabelece ainda o CIVA que o prestador destes serviços de construção civil deve averbar nas faturas emitidas a indicação IVA - autoliquidação (n° 13 do artigo 36º), evitando-se assim a duplicação do imposto.
Refira-se que a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo neste tipo de operações tem subjacente o combate à fraude e evasão fiscal, por se tratar de um setor onde se denota propensão para a mesma.
Foi aliás por este motivo que o CIVA, no n° 8 do artigo 19°, estatui que "nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação", evitando assim a evasão fiscal, com um critério objetivo, afastando a análise caso a caso.
Portanto, não está em causa a cobrança em duplicado do IVA incidente sobre a mesma
operação, mas sim o cumprimento do disposto no CIVA em matéria de direito à dedução do imposto, que determina que, nas aquisições de serviços de construção civil por SP que pratique operações que conferem direito à dedução de IVA, só confere direito à dedução o IVA que tenha sido por eles autoliquidado.
Acresce, no que concerne à fatura emitida em 2019, que apenas tem a descrição "prestação de serviço", que, além de constituir infração ao disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 36° do ClVA por não permitir conhecer a natureza do serviço prestado, também se torna indispensável no caso concreto para identificar o sujeito passivo do imposto, não sendo por isso, uma mera preterição de uma formalidade, facto reconhecido pelo sujeito passivo no exercício do direito de audição quando afirma no ponto 41: "embora se compreenda o argumento da AT e a relevância na determinação do sujeito passivo do imposto" (sublinhado nosso).
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente diz o seguinte, em suma, sobre as correcções sem sede de IVA;
– reconhece que, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira, deveria ser aplicada a regra da inversão do sujeito passivo;
– mas, não houve prejuízo para o erário público e a rectificação das facturas inexatas já não pode ser solicitada (29.º, n.º 7, e 78.º, n.º 3 e 5 do CIVA) por já ter decorrido o prazo de dois anos e, por isso, não pode pedir o reembolso do IVA a que teria direito;
– não sendo possível o reembolso do IVA liquidado a mais ao prestador de serviços e vindo agora a Administração Tributária cobrar “novo” valor do IVA, mediante a não aceitação da dedução do IVA pago por um sujeito passivo de IVA, estamos perante um caso de duplicação de colecta;
– quanto a fatura relativa ao ano de 2019 continha no seu descritivo “Prestação de serviço obra 2019”, constituindo o elemento “obra”, suficiente para a determinação da taxa aplicável e do sujeito passivo, cumprindo-se, assim, o objetivo da al. b) do n.º 5 do artigo 36.º CIVA.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no RIT, invocando jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e arbitral, dizendo ainda, em suma:
– importa recordar que este regime foi criado com o intuito de evitar a fraude fiscal, pelo que a liquidação do IVA das prestações de serviços tem, efetivamente, de obedecer à regra de inversão do sujeito passivo sendo o imposto liquidado pelo adquirente;
– se a AT não pudesse impor a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, o regime de inversão do sujeito passivo instituído pelo DL n.º 21/2007, de 29 de janeiro, para prevenir a fraude fiscal, poderia não produzir os efeitos para os quais foi concebido.
Nos processos arbitrais está em causa apreciar a legalidade dos actos tal como foram praticados (art. 2.º, n.º 1, do RJAT), limitando-se os poderes de cognição dos Tribunais, quanto a vícios geradores de anulabilidade, aos «vícios arguidos», como resulta do teor expresso do artigo 124. º, n.º 1, do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Os «vícios arguidos» geradores de anulabilidade a considerar são os invocados no pedido de pronúncia arbitral, pois é quanto a esses que foi observado o prazo de impugnação previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
Designadamente, não é de apreciar possíveis vícios apenas invocados apenas nas alegações, fora do prazo de arguição de vícios geradores de anulabilidade, como é o caso do princípio da prevalência da substância sobre a forma, a que a Requerente apenas alude nas alegações. De qualquer modo, quanto ao princípio da substância sobre a forma, há que dizer que, no âmbito do IVA prevêem-se várias formalidades legais que se justificam pela necessidade de controle da legalidade da autoliquidação do imposto e do exercício do direito à dedução, de cujo cumprimento os sujeitos passivos não podem dispensar-se por seu puro arbítrio, mesmo nos casos em que do seu não cumprimento não resulte prejuízo para a arrecadação de impostos. ( [2] )
Por outro lado, a Requerente não discute o enquadramento da situação no n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou, em primeira linha, a não aceitação do direito à dedução.
Esta norma estabelece que «nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».
Assim, decorre desta norma que, nestes casos de inversão do sujeito passivo de IVA, o direito à dedução restringe-se ao que tiver sido liquidado pelo adquirente dos serviços.
No caso dos autos, a obrigação de liquidação e pagamento do imposto competia à Requerente, adquirente dos serviços de construção civil prestados pelo F..., pelo que, não tendo a Requerente efectuado a liquidação do imposto, decorre desta norma que não tinha direito à dedução que efectuou do IVA liquidado pelo F... nas faturas-recibo referidas.
Assim, enquadrando-se a situação dos autos na hipótese normativa do n.º 8 do artigo 29.º do CIVA, o afastamento da restrição ao direito a dedução que nela se prevê só pode ocorrer se houver outra norma que permita considerar ilegal a restrição.
Neste caso, a Requerente não questiona a constitucionalidade desta norma ou a sua compatibilidade com o Direito da União Europeia, defendendo a sua não aplicação apenas com fundamento em duplicação de colecta.
No que concerne ao outro fundamento invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para considerar indevido o exercício do direito à dedução de IVA relativamente à factura-recibo de 2019, que é a invocada falta de requisitos da factura-recibo, apenas importará apreciá-lo se se concluir que não é de aplicar aquele n.º 8 do artigo 19.º, pois este tem potencialidade para afastar o direito à dedução do IVA suportado pela Requerente relativamente às duas facturas-recibo.
3.3.1. Questão da duplicação de colecta
Há acordo das Partes quanto à irregularidade da emissão das facturas-recibo pelo F..., com liquidação de IVA, porquanto, tratando-se de prestação de serviços de construção civil, deveria ser aplicado regime de inversão do sujeito passivo, devendo o IVA ser liquidado ela Requerente, por força do disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 2. ° do CIVA, pois é ela o sujeito passivo do IVA, sem prejuízo do direito à dedução.
No entanto, a Requerente invoca que, neste caso, não sendo possível o reembolso do IVA liquidado a mais ao prestador de serviços e vindo agora a Administração Tributária cobrar “novo” valor do IVA, mediante a não aceitação da dedução do IVA pago por um sujeito passivo de IVA, se gera uma situação de duplicação de colecta.
A duplicação de colecta está prevista no artigo 205.º do CPPT, como fundamento de oposição à execução fiscal.
De harmonia com o n.º 1 deste artigo 205.º «haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo».
A duplicação de colecta é doutrinal e jurisprudencialmente considerada uma «heresia» no nosso sistema fiscal ( [3] ), devendo ser conhecida oficiosamente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelos Tribunais, nos termos o artigo 175.º do mesmo Código.
Sendo proibida por lei a duplicação de colecta, quando ela deriva da emissão de uma nova liquidação e está pago por inteiro tributo liquidado, relativamente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, constitui ilegalidade dessa nova liquidação, susceptível de ser invocada em processo de impugnação judicial, que pode ter como fundamento «qualquer ilegalidade» (artigo 99.º do CPPT).
Uma confirmação de que a invocação da duplicação de colecta não se restringe ao processo de execução fiscal, encontra-se no n.º 6 do art. 78.º da LGT em que se prevê a possibilidade de revisão do acto tributário com esse fundamento.
Como decorre do n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, aplicado às situações em que são impugnados actos de liquidação, haverá duplicação de colecta quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
No caso em apreço, porém, não se verifica uma situação deste tipo.
Na verdade, houve relativamente a cada uma das prestações de serviços efectuadas pelo F..., uma única liquidação de IVA, que foi a feita por este, pois a Requerente não efectuou qualquer liquidação, como sujeito passivo, na situação de inversão referida.
Assim, as liquidações adicionais que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou na sequência da inspecção referida nos autos, não têm como pressupostos (facto tributário) as operações de prestações de serviços, mas sim a dedução de IVA considerada indevida, como resulta claramente do RIT, baseada no artigo 19.º, n.º 8, do CIVA e também na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo quanto à liquidação referente ao ano de 2019:
Por outro lado, o nº 8 do artigo 19° do CIVA determina que "nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito à dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação".
Assim, a A..., S.A. não poderia ter deduzido o IVA destas faturas, no valor de €4.600,00 em agosto de 2018 e €5.152,00 em agosto de 2019.
(...)
Portanto, no caso da fatura emitida em 2019 o IVA também não seria dedutível por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 19° do CIVA que determina que só confere direito à dedução o IVA mencionado nas faturas emitidas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.
(...)
não está em causa a cobrança em duplicado do IVA incidente sobre a mesma operação, mas sim o cumprimento do disposto no CIVA em matéria de direito à dedução do imposto, que determina que, nas aquisições de serviços de construção civil por SP que pratique operações que conferem direito à dedução de IVA, só confere direito à dedução o IVA que tenha sido por eles autoliquidado.
Assim, o facto tributário em que se baseiam as liquidações de IVA, que é ter existido dedução indevida por a tal obstarem alínea a) do n.° 2 e o n.º 8 do artigo 19° do CIVA, não é o mesmo em que se basearam as autoliquidações de IVA efectuadas pelo F... que é a prestação de serviços de construção civil.
Por isso, não se referindo as liquidações impugnadas «ao mesmo facto tributário» não se verifica um dos requisitos da duplicação de colecta, expressamente indicado no artigo 205.º do CPPT, pelo que é errado o enquadramento que a Requerente dá à situação que descreve.
Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de anulação baseado em vicio de duplicação de colecta.
3.3.2. Questão da verificação dos requisitos formais quanto à factura relativa a 2019
Como se referiu, tendo-se concluído que o direito à dedução do IVA suportado pela Requerente com as duas facturas-recibo emitidas pelo F... é afastado pelo n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, torna-se inútil apreciar se esse afastamento resultaria também da aplicação da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 19.º, conjugada com o artigo36.º do mesmo Código.
Sendo autónomos os fundamentos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para sustentar as correcções efectuada, tendo cada um deles com potencialidade para sustentar as correções efetuadas, o facto de se considerar que tem suporte legal um deles leva a concluir que fica prejudicado, por inútil, o conhecimento do outro, como decorre dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Na verdade, como vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, quando um acto administrativo ou tributário tem mais que um fundamento, cada um deles com potencialidade para, só por si, assegurar a legalidade de um acto tributário (ou administrativo) é irrelevante que um deles seja ilegal, pois "o tribunal, para anular ou declarar a nulidade da decisão questionada, emitida no exercício de actividade vinculada da Administração, não se pode bastar com a constatação da insubsistência de um dos fundamentos invocados, pois só após a verificação da improcedência de todos eles é que o tribunal fica habilitado a invalidar o acto". ( [4] )
Pelo exposto, não se toma conhecimento do vício de violação da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 19.º, conjugada com o artigo36.º do mesmo Código que a Requerente imputa à liquidação de IVA relativa ao ano de 2019.
3.4. Falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios
3.4.1. Liquidações de juros compensatórios relativos às liquidações de IRC
As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de imposto (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que as que têm como pressupostos as liquidações de IRC impugnadas enfermam dos mesmos vícios de violação de lei que afectam estas, pelo que se justifica também a sua anulação.
3.4.2. Liquidações de juros compensatórios relativos às liquidações de IVA
Pelo que se disse, no que concerne às liquidações de IVA não se verificam vícios de violação de lei que a Requerente lhes imputou, mas a Requerente imputa às liquidações de juros compensatórios vícios de falta de fundamentação, porque, em suma, na sua fundamentação não há «qualquer referência à existência de culpa imputável, pressuposto fundamental da pretensão de liquidação de juros compensatórios».
A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».
O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [5] )
Mas, por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 77.º da LGT, «a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
A indicação das disposições legais aplicáveis é, pois, um requisito mínimo da fundamentação dos actos tributários.
O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estabelece que «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.
Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. ( [6] )
Mas, como também tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». Isto, não propriamente porque a culpa se presuma, mas por ser «algo que em regra ou prima-facie, se liga ao carácter ilícito -típico do facto respectivo». Por isso, no plano da prática, demonstrado o enquadramento de uma conduta na previsão legal de um ilícito-típico, perguntar pela culpa «é no fundo perguntar se a culpa se encontra ou não em concreto excluída». ( [7] )
É a esta luz que há que apreciar a questão da falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios.
No RIT refere-se o seguinte, quando a juros compensatórios:
VIII.2. Juros compensatórios
São devidos juros compensatórios nos termos e para os efeitos do artigo 35° da Lei Geral
Tributária (LGT) com referência aos impostos em que foi retardada a liquidação/entrega de IRC e IVA.
Aparentemente, a imputação da responsabilidade por juros compensatórios, genericamente fundamentada de direito no RIT com o artigo 35.º da LGT, teria como fundamento o seu n.º 1, que é a norma que prevê a «são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
No entanto, nas demonstrações de acerto de contas relativas às liquidações de juros compensatórios de IVA, que constam dos documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, refere-se que, afinal, os juros compensatórios terão sido liquidados com fundamento em «recebimento indevido», o que tem enquadramento possível não no n.º 1, mas sim no n.º 2 daquele artigo 35.º que estabelece que «são também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido».
Não é claro, assim, relativamente ao IVA, se as liquidações de juros compensatórios se basearam no «recebimento indevido», de que se falta nas demonstrações de acerto de contas, ou do retardamento da liquidação ou entrega de IVA, que se entendeu no RIT ter ocorrido.
Por outro lado, quanto à imputação de culpa, inclui-se também no RIT o quadro que consta do ponto «VII. Indicação das infracções verificadas» em que se refere na parte relativa ao IVA o seguinte:
Está ínsita nesta imputação da prática de uma infracção a imputação de culpa de infracção associada aos respectivos tipos de ilícito.
No entanto, não é perceptível retirar destas normas a imputação de culpa a nível de «recebimento indevido» que terá sido, afinal, o fundamento dos juros compensatórios liquidados, pois o n.º 2 do artigo 114.º do RGIT, com remissão para o seu n.º 1, refere-se a «não entrega, total ou parcial, (...) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei» e não a situações de «recebimento indevido».
Por outro lado, o n.º 5 do mesmo artigo 114.º do RGIT contém seis normas indicando situações «puníveis como falta de entrega da prestação tributária», pelo que a mera indicação deste número não permite perceber em qual das situações culposas a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que o exercício indevido do direito à dedução efectuado pela Requerente se enquadra. Para além disso, o «recebimento indevido» de que a Autoridade Tributária e Aduaneira fala nas demonstrações de acerto de contas referidas nem sequer está previsto em qualquer das normas daquele n.º 5 do artigo 114.º.
Perante o exposto, tem de se concluir que a Requerente tem razão quanto à falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações de IVA, pois não é feita de forma expressa e acessível, como exige o n.º 3 do artigo 268.º da CRP, uma imputação clara de culpa pelo «recebimento indevido», designadamente com indicação das normas legais em que se baseia.
Justifica-se, assim, a anulação das liquidações de juros compensatórios relativos às liquidações de IVA, por falta de fundamentação.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede que da anulação das liquidações sejam retiradas as necessárias consequências legais, designadamente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
4.1. Reembolso de quantias pagas
Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente efectuou os seguintes pagamentos, relativamente às liquidações que são anuladas:
– em 23-12-2021, pagou a quantia de € 16.888,84, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao ano de 2018;
– em 02-01-2022, pagou a quantia de € 34.925,63, relativa às liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao ano de 2019;
– em 06-12-2021, pagou a quantia de € 537,36, relativa à liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação de IVA do ano de 2018;
– em 06-12-2021, pagou a quantia de € 400,29, relativa à liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação de IVA do ano de 2019.
Como consequência da anulação da liquidação de IRC e respectivas liquidações de juros compensatórios e ainda das liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações de IVA, a Requerente tem direito a ser reembolsada das quantias indevidamente pagas, no montante global de € 52.751,12 (€ 16.888,84 + € 34.925,63 + € 537,36 + € 400,29).
4.1. Juros indemnizatórios
O direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso em apreço, conclui-se que há erros nas liquidações de IRC e respectivas liquidações de juros compensatórios que se consideram imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as emitiu por sua iniciativa.
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados com base nas quantias pagas relativamente a essas liquidações de IRC e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 51.814,47 (€ 16.888,84+ 34.925,63).
No que concerne às liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações de IVA, a anulação baseia-se apenas em falta de fundamentação.
Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa tem tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.
Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.
Na linha desta jurisprudência, sendo procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de juros compensatórios relativas às liquidações de IVA apenas com fundamento em vícios de falta de fundamentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios, quanto a estas liquidações.
Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios contados desde 23-12-2021 com base na quantia de € 16.888,84, e contados desde 02-01-2022 com base na quantia de € 34.925,63 (datas em que foram feitos cada um dos pagamentos), até ao reembolso dessas quantias, calculados, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
5. Decisão
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação de liquidações;
b) Anular as liquidações de IRC com os n.ºs 2021 ... e 2021 ... e respectivos actos de liquidação de juros compensatórios com os n.ºs 2021 ... e 2021..., relativos aos anos 2018 e 2019, de que resultaram os valores a pagar de € 16.888,84 (2018) e € 34.925,63 (2019);
c) Anular as liquidações de juros compensatórios com os n.ºs 2021 ... (2018) e 2021... (2019), de que resultaram os valores a pagar de 537,36 (2018) e € 400,29 (2019);
d) Julgar parcialmente procedente pedido de reembolso quanto ao valor de € 52.751,12 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar esta quantia à Requerente;
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios nos termos referidos no ponto 4.1. deste acórdão e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos aí referidos;
f) Julgar improcedentes os demais pedidos e absolver deles a Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 62.504,03, indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 15,6% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 84,40%.
Lisboa, 02-01-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Relator)
(Fernando de Jesus Amado dos Santos)
(Eva Dias Costa)
( [1] ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: de 11-2-93, do Pleno, processo n.º 026389, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 103; de 4-11-93, processo n.º 031798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6007; e de 03-02-94, processo n.º 032325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 791.
No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-1999, processo n.º 023720; e 19-12-2007, recurso n.º 0874/07.
[2] Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-11-2010, proferido no processo n.º 0436/10, para cuja fundamentação se remete.
[3] TEIXEIRA RIBEIRO, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 120.º, página 278, e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-1989, processo n.º 011877.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-5-2000, processo n.º 39073, publicado em Apêndice ao Diário da República de 09-12-2002, página 4229.
Na mesma linha, pode ver-se o acórdão do acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2004, processo n.º 28055, em que se entendeu que "tendo o acto contenciosamente impugnado uma pluralidade de fundamentos, a invalidade de um deles não obsta a que o tribunal conheça dos restantes e só no caso de concluir pela invalidade de todos eles pode e deve julgar o acto nulo ou anulável".
[5] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos do STA: de 4-11-1998, processo n.º 40618; de 10-3-1999, processo n.º 32796; de 6-6-1999, processo n.º 42142; de 9-2-2000, processo n.º 44018; de 28-3-2000, processo n.º 29197; de 16-3-2001, do Pleno, processo n.º 40618; de 14-11-2001, processo n.º 39559; de 18-12-2002, processo n.º 48366.
[6] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 20-3-1996, processo n.º 20042, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-3-1998, página 1067;
– de 2-10-1996, processo n.º 20605, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-1998, página 2707;
– de 18-2-1998, processo n.º 22325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-11-2001, página 553;
– de 3-10-2001, processo n.º 25034, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 492, página 1615, e publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2080;
– de 29-1-2003, processo n.º 1647/02, publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 164;
– de 12-3-2003, processo n.º 26800, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 506, 219 e publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 545;
– de 19-11-2008, processos n.ºs 325/08 e 576/08;
– de 11-3-2009, processo n.º 961/08.
[7] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 13 -5 -1998, proferido no recurso n.º 021721, publicado em Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, página 206;
– de 23-09-1998, processo n.º 022612, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-2001, página 2505;
– de 05-05-1999, processo n.º 023729;
– de 19-11-2008, processo n.º 0325/08; e
– de 23-04-2013, processo n.º 01195/12.
Neste sentido, relativamente ao direito criminal, FIGUEIREDO DIAS, Pressupostos da Punição, em Jornadas de Direito Criminal, página 69.