Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 97/2022-T
Data da decisão: 2023-01-03  IVA  
Valor do pedido: € 60.150,41
Tema: IVA – Direito à dedução – Despesas de transporte e locação – Despesas de estacionamento.
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Sumário:

 

            As despesas suportadas com os lugares de estacionamento localizados no local a partir do qual se exerce a atividade profissional não constituem custos de transporte ou viagem do sujeito passivo e seu pessoal em representação da empresa, não estando abrangidas pela exclusão do direito à dedução previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA. 

 

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (árbitro-presidente), Professor Doutor Gustavo Gramacho Rozeira e Professor Doutor João Pedro Rodrigues (relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, acordam na seguinte:

 

 

Decisão Arbitral

 

I. Relatório

 

1.     A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede no ..., Edifício ..., ...-... ..., veio nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 1 alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista, à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que tinha por objeto a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao período de outubro de 2020, no valor de € 60 150,41.

 

2. O pedido de constituição foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, tendo seguido a sua normal tramitação.

O Tribunal foi constituído no dia 4 de maio de 2022.

A AT, respondeu, por impugnação, defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.

Considerando a questão a resolver e as posições das Partes, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações finais.

Em 28 de outubro de 2022 foi proferido despacho de prorrogação do prazo previsto para a decisão final. 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 10.º, n.º 1, do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades, nem existindo obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

II. Fundamentação

 

4. Matéria de facto

4.1. Factos Provados

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

4.1.1. A Requerente é uma sociedade comercial, sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA (CIVA).

4.1.2. A Requerente tem a sua sede no Aeroporto ..., ....

4.1.3. O grupo empresarial onde a Requerente se insere tem a sua sede no Aeroporto ... e dedica-se à exploração do sector de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, execução de trabalhos de manutenção e engenharia para a sua frota e para terceiros, prestação de serviços de assistência em escala ao transporte aéreo e catering para aviação, operando regularmente em Portugal Continental e Regiões Autónomas, Europa, África, Atlântico Norte, Atlântico Médio e Atlântico Sul. 

4.1.4. Em outubro de 2020, foram emitidas pela B..., S.A., as seguintes faturas:

4.1.5. Tais faturas mencionam na descrição a referência a “Avença estacionamento – Avença Semest. Staff Individ.”, “Avença Mensal Staff Individual”, “Avença Trim. Staff Invididual”, bem como o n.º do parque a que as mesmas se referem, sendo relativas a espaços de estacionamento localizados no Aeroporto ... em ... .

4.1.6. Os referidos lugares de estacionamento são destinados aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente (comandantes, copilotos, comissários e demais tripulantes) que operam a partir desse aeroporto, quando aqueles se encontrem a exercer as suas funções a bordo das referidas aeronaves.

4.1.7. No dia 17 de novembro de 2020, a Requerente apresentou a declaração de IVA com o n.º..., tendo aí autoliquidado imposto no valor de 1 650 388,42 €.

4.1.8. Em 9 de setembro de 2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra a mencionada autoliquidação, aí alegando ter liquidado IVA em excesso, no montante de 60 150,41 €, por não ter deduzido o imposto suportado na aquisição de serviços à sociedade B..., S.A., quanto aos lugares de estacionamento.

4.1.9. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 19 de novembro de 2021, proferido na sequência da “Informação n.º ...-ISC/2021”, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

4.1.10. O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 19 de fevereiro de 2022 no CAAD.

 

4.2. Factos não provados 

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

4.3. Motivação da decisão relativa à matéria de facto

Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto relevante para a decisão tomando em consideração a pretensão formulada.

No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida, e nos factos que não foram questionados pelas partes.

 

5. Matéria de direito

 

5.1. Questão Decidenda

A questão a decidir é a de saber se o IVA suportado pela Requerente com a aquisição de prestações de serviços relativas à cedência de lugares de estacionamento no Aeroporto ..., em ..., que são utilizados pelos membros das tripulações das aeronaves da Requerente que operam a partir desse local, se encontra, ou não, abrangido pela hipótese da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, que exclui do direito à dedução o imposto contido nas “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”.

 

5.2. Fundamentos de direito

5.2.1. Enquadramento do direito à dedução do IVA

O direito à dedução do IVA suportado constitui um elemento essencial sobre o qual repousa estrutural e funcionalmente o Imposto sobre o Valor Acrescentado. Com efeito, como é consabido, o IVA opera através do método subtrativo indireto por mor do qual um sujeito passivo do imposto poderá deduzir ao valor do imposto que liquida nas suas operações económicas (“outputs”) o valor do IVA que suportou, a montante, nas aquisições de bens e serviços realizadas no exercício da sua atividade (“inputs”), repercutindo-se sobre o adquirente final dos bens ou serviços a carga tributária correspondente ao consumo efetuado – cf., sobre as características gerais do IVA, José Xavier de Basto, A tributação do consumo e a sua coordenação a nível internacional -  Lições sobre a harmonização fiscal na Comunidade Económica Europeia, CCTF n.º 164, Lisboa 1991, p. 39-73 e, considerando em particular o direito à dedução do imposto, Maria Odete Oliveira, João Seixas Cambão, “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito à dedução no Imposto sobre o Valor Acrescentado”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, n.º 6, 2015, pp. 42-78, e Clotilde Celorico Palma, “IVA: Dedução de despesas de transportes de trabalhadores”, Revista Eletrónica de Fiscalidade da AFP, n.º 1, 2022, pp. 1-40.

 A essencialidade do direito à dedução do IVA remonta à Primeira Diretiva 67/227/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, onde se assumiu o objetivo de “criar, por etapas, um sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado”, onde se dispunha que “[e]m cada transação, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço” (artigo 2.º). Esta dimensão estruturante do imposto foi assumida nas diretivas que se seguiram, constituindo o mecanismo da dedução do imposto uma garantia da neutralidade inscrita no ADN do modelo comum de IVA[1].

Em consonância, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sempre tem assinalado que: “o direito a dedução previsto no artigo 168.o, alínea a), da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Exerce‑se imediatamente em relação à totalidade do IVA que incidiu sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.° 25 e jurisprudência referida)”; “o regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.° 26 e jurisprudência referida)”; “na medida em que o sujeito passivo, agindo nessa qualidade na data em que adquire um bem ou um serviço, utilize esse bem ou serviço para os fins das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem ou serviço (Acórdão de 2 de maio de 2019, Grupa Lotos, C‑225/18, EU:C:2019:349, n.° 27 e jurisprudência referida)” – cf. §§ 22 a 24 do Acórdão de 17 de setembro de 2020, Super Bock Bebidas, processo C-837/19.

Não obstante constituir uma peça central do funcionamento do IVA, o direito à dedução encontra condicionalismos e limitações. Desde logo, por razões endógenas à estrutura do imposto, o direito à dedução pressupõe a existência de uma relação direta e imediata entre uma operação realizada a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução (Acórdãos de 8 de junho de 2000, Midland Bank, processo C-98/98, n.° 24; de 22 de fevereiro de 2001, Abbey National, processo C-408/98, n.º 26, e de 8 de fevereiro de 2007, Investrand, processo n.º C-435/05, n.° 23), ou, na falta dessa relação direta e imediata, a consideração de que os custos dos serviços em causa são parte das despesas gerais de um sujeito passivo e, nessa medida, constituem elementos constitutivos do preço dos bens ou dos serviços por aquele fornecidos, entendendo-se que existe aí uma relação direta e imediata com o conjunto da atividade económica do sujeito que autoriza a dedução do IVA suportado nos inputs (Acórdãos de 8 de junho de 2000, Midland Bank, processo C-98/98, n.° 31, e de 26 de maio de 2005, Kretztechnik processo C-465/03, n.° 36). De outra sorte, existem ainda limitações ou exclusões cuja razão de ser repousa numa lógica anti-abuso, aliada às limitações do controlo eficaz das autoridades tributárias, como sucede no âmbito de bens ou serviços que sejam suscetíveis de uma utilização não exclusivamente profissional (cf., v.g., os considerandos da Proposta de diretiva do Conselho que altera a Diretiva 77/388/CEE no que diz respeito ao regime do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (98/C 219/11) COM(1998) 377 final - 98/0209(CNS)). Neste caso, as limitações respaldam-se no artigo 176.º da Diretiva IVA.

O artigo 176.º da Diretiva IVA, tal como se dispunha no artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva, estabelece que “[o] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados- Membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão”.

Uma vez que o Conselho ainda não determinou quais as despesas que não conferem direito à dedução, a regulamentação das limitações ou exclusões do direito à dedução encontra-se abrangida pela cláusula de “standstill”,prevista na segunda parte do citado artigo 176.º, mantendo-se “todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional”, como referiu o TJUE no Acórdão de 17 de setembro de 2020, Super Bock Bebidas, processo C-837/19, n.os 27 a 30.

No entanto, a aplicação da cláusula de “standstill”, tal como resulta da jurisprudência do TJUE, não está isenta de constrangimentos. Desde logo, reconhece-se que a mesma não atribui aos Estados “um poder discricionário absoluto de excluir todos os bens e serviços ou a quase totalidade destes do direito a dedução do IVA e de esvaziar, assim, do seu conteúdo, o regime criado pelo artigo 11.°, n.° 1, da Segunda Directiva. A referida faculdade não tem por objecto, portanto, exclusões gerais e não dispensa os Estados‑Membros da obrigação de precisar suficientemente quais os bens e serviços para os quais está excluído o direito a dedução (v., neste sentido, acórdãos Royscot e o., já referido, n.os 22 e 24, e de 14 de Julho de 2005, Charles e Charles‑Tijmens, C‑434/03, Colect., p. I‑7037, n.os 33 e 35)” – cf. Acórdão de 30 de setembro de 2010, Oasis East, processo C-395/09, n.º 23. Por outro lado, “[q]uanto ao alcance do regime derrogatório previsto no artigo 17.°, n.° 6, da Sexta Directiva, o Tribunal de Justiça decidiu, todavia, que esta disposição pressupõe que as exclusões que os Estados‑Membros podem manter eram legais em virtude da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (JO 1967, 71, p. 1303, a seguir «Segunda Directiva»), anterior à Sexta Directiva (v. acórdão de 5 de Outubro de 1999, Royscot e o., C‑305/97, Colect., p. I‑6671, n.° 21, e acórdão X Holding e Oracle Nederland, já referido, n.° 40)”, sendo que “[a] este respeito, o artigo 11.° da Segunda Directiva estabelecia, no seu n.° 1, o direito a dedução e, ao mesmo tempo, previa, no seu n.° 4, que os Estados‑Membros podiam excluir do regime de dedução certos bens e serviços, designadamente os que fossem suscetíveis de ser, exclusiva ou parcialmente, utilizados para as necessidades privadas do sujeito passivo ou do seu pessoal” – cf. Acórdão de 30 de setembro de 2010, Oasis East, processo C-395/09, n.os 21 e 22. Em terceiro lugar, refere ainda o TJUE que “uma vez que se trata de um regime que constitui uma derrogação ao princípio do direito a dedução do IVA, esse regime é de interpretação restritiva (v. acórdão Metropol e Stadler, já referido, n.° 59, e acórdão de 22 de Dezembro de 2008, Magoora, C‑414/07, Colect., p. I‑10921, n.° 28)” - cf. Acórdão de 30 de setembro de 2010, Oasis East, processo C-395/09, n.º 24.

 

5.2.2.O regime do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA

Não sendo pacífica a questão de saber se as limitações ou exclusões previstas no artigo 21.º do Código do IVA são, ou não, justificáveis por aplicação da cláusula de standstill – v. Maria Odete Oliveira, João Seixas Cambão, “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito à dedução no Imposto sobre o Valor Acrescentado”, cit., pp. 57-71 e o Acórdão do TCA Sul de 27 de outubro de 2021, tirado no processo n.º 1113/05.8 BELSB, disponível em http://www.dgsi.pt –, sempre se deverá entender que o artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, constitui transposição do primeiro parágrafo do artigo 176.º da Diretiva IVA, na parte em que considera excluídas do direito à dedução “as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação”, estabelecendo o legislador uma “presunção” de que as despesas em causa “não têm carácter estritamente profissional” – cf., nestes termos, Maria Odete Oliveira, João Seixas Cambão, “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito à dedução no Imposto sobre o Valor Acrescentado”, cit., p. 60; v., também, Clotilde Celorico Palma, “IVA: Dedução de despesas de transportes de trabalhadores”, cit., pp. 38-40. Nesta ótica, a previsão do artigo 21.º, n.º 1, alínea c), do Código do IVA, encontra suficiente acolhimento na mencionada Diretiva, não se vislumbrando qualquer contradição com o direito europeu.

Firmada tal conclusão, importa apurar, previamente a quaisquer outras considerações sobre o regime legal, se a concreta factualidade assente nestes autos é passível de reconduzir-se à previsão da norma legal que exclui o direito à dedução nos casos de “despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal, incluindo as portagens”.

Ora, a questão da dedutibilidade do IVA com a utilização de lugares de estacionamento foi já considerada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 5 de novembro de 2020, tirado no processo n.º 2500/10.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt. Refere-se nesse aresto:

“(...)

Estão em causas facturas relacionadas com os lugares de estacionamento das viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa, ora recorrida/impugnante. A tese que fez vencimento na instância é a de que se trata de rendas associadas ao arrendamento da sede da empresa e, nessa medida, mostram-se ligadas ao exercício da actividade económica da mesma, pelo que são despesas cujo imposto incorrido deve ser dedutível, o que determinaria a ilegalidade da correcção, por violação do direito à dedução do imposto suportado.

A sentença decidiu com acerto.

É certo que as despesas referidas no preceito do artigo 21.º do CIVA, constituindo exclusões do direito à dedução e estando sujeitas ao princípio do não retrocesso (cláusula de standstill), têm sido aceites pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] como exclusões do direito à dedução, atendendo a que se trata de despesas que, pela sua natureza e características, podem ser utilizadas para fins privados, consubstanciando um consumo final. 

Sem embargo, no caso em exame, estão em causa despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.º 3 do probatório).

Na Informação Vinculativa da DGCI, referente ao Processo n.º 1486, despacho do substituto legal do Director-Geral, de 28.01.2011, referente a “Direito à dedução – lugares de estacionamento”, a consulente solicitou informação sobre qual o enquadramento legal em IVA da disponibilização de lugares de estacionamento situados no campus empresarial onde se encontra o edifício que integra o espaço destinado à sua actividade», numa situação em que os lugares de estacionamento «se destinavam, embora não exclusivamente, ao parqueamento das viaturas da sua rede comercial e de assistência técnica, das quais a maioria é de mercadorias, bem como às viaturas dos seus clientes e fornecedores». Na Informação vinculativa citada, a AT fixou a orientação seguinte: «i) De acordo com os argumentos da consulente e tendo em consideração a actividade declarada em sistema, o espaço de estacionamento afigura-se necessário ao exercício da sua actividade, pelo que pode em princípio, conferir o direito à dedução por enquadramento no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CIVA. // ii) Todavia, face à exclusão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º, importa acautelar que a atribuição de lugares de estacionamento a funcionários, colaboradores, titulares de cargos de direcção ou outros que se subsumam nesta norma, limita aquele direito na proporção dos lugares atribuídos para esse fim».

Por seu turno, no caso em exame nos autos, o estacionamento referido está situado no mesmo edifício da sede da impugnante e era utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.os 1 e 2 do probatório), pelo que o imposto suportado respeita a despesas relacionadas com o exercício da actividade da impugnante (“despesas afectas à exploração”), não sendo as mesmas recondutíveis ao disposto no artigo 21.º/1/c), do CIVA (“Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal”). De onde se retira que o imposto suportado em apreço é dedutível por parte da empresa/impugnante, como sucedeu no caso. A correcção em exame, ao decidir diferentemente, enferma de erro e não pode ser mantida na ordem jurídica. 

(...)”.

 

Nesse caso, o Tribunal concluiu que a despesa com lugares de estacionamento, mesmo quando os mesmos sirvam viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa, não são despesas de transporte ou despesas de viagens de negócios, na medida em que se referem a lugares de estacionamento que se encontram localizados no edifício onde se encontra a sede do sujeito passivo, constituindo, consequentemente, uma “despesa relacionada com o exercício da atividade da impugnante”.

Este critério desvela uma summa divisio que se afigura pertinente para a resolução do caso sub judicio, porquanto, no que se refere às despesas de estacionamento, permite a destrinça entre aquelas que tenham conexão com o local da sede e de exercício da atividade do sujeito, que são semel pro semper despesas com o local em que se desenvolve a atividade económica e aqueloutras que sejam suportadas no âmbito de viagens do sujeito passivo e do seu pessoal.  E este critério é o que mais se adequa aos cânones metodológicos firmados pelo TJUE em matéria de determinação das exclusões do direito à dedução de que se deu conta supra e que não autorizam uma extensão da norma para abarcar despesas que não são despesas de transporte e viagens efetuadas em representação da empresa, mas custos relacionados com o local a partir do qual é desenvolvida a atividade económica sujeita a IVA. 

No caso concreto, comprovou-se que a Requerente tem a sua sede no Aeroporto de..., operando a partir daí para diversos destinos e que os lugares de estacionamento são destinados aos membros das tripulações das aeronaves da Requerente que operam a partir desse aeroporto, quando aqueles se encontrem a exercer as suas funções a bordo de tais aeronaves. Ora, de acordo com o critério adotado, deve concluir-se que as despesas suportadas com os lugares de estacionamento localizados no perímetro onde a Requerente tem a sua sede e a partir do qual exerce a sua atividade profissional de transporte aéreo constituem despesas que são suportadas por referência ao local de exercício de atividade e não custos de transporte ou viagem do sujeito passivo e seu pessoal em representação da empresa, caindo, assim, no âmbito das despesas relacionadas com a exploração económica do sujeito passivo. Por outro lado, o facto de nos encontrarmos perante uma empresa que tem por objeto o transporte aéreo de passageiros e mercadorias não altera esse juízo, considerando-se que o escopo da norma não vai para além do âmbito de despesas representação, por ser nestas que existe a possibilidade de consumos estranhos à atividade da empresa.

Consequentemente, concluindo-se que o caso concreto não preenche a hipótese da norma, tornam-se desnecessárias ulteriores considerações.

 

III. Decisão

 

6. Decisão 

Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

a)       Julgar procedente o pedido, determinando-se a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que teve por objeto a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao período de outubro de 2020, no valor de € 60 150,41; e consequentemente,

b)       Condenar a Requerida nas custas processuais infra determinadas.

 

7. Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atribui-se ao processo o valor de € 60 150,41.

 

8. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448,00, em consonância com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

            Lisboa, 3 de janeiro de 2023,

 

 

O Árbitro-Presidente

 

(Victor Calvete)

 

Os Árbitros-Vogais,

 

(Gustavo Gramacho Rozeira)

 

(João Pedro Rodrigues – Relator)

 

 

 

            

 

 



[1] É por esse motivo que alguns autores referem que o exercício do direito à dedução pode mesmo qualificar-se “como obrigação imposta ao sujeito passivo, sob pena de se desvirtuarem as características do imposto e as vantagens que a sua construção jurídica apresenta no funcionamento da economia” – nesse sentido, v. Maria Odete Oliveira, João Seixas Cambão, “Exclusões, restrições, limitações e outras complicações em matéria de direito à dedução no Imposto sobre o Valor Acrescentado”, cit., pp. 47-48, em resposta à questão de saber se o exercício do direito à dedução constitui uma faculdade ou um dever do sujeito passivo do imposto.