Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 204/2014-T
Data da decisão: 2014-09-26  Selo  
Valor do pedido: € 8.054,48
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS – Prédio em propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

1.      Relatório

A - Geral

 

1.1.            A, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Rua … Tábua; B, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Rua … Tábua; C, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Rua … Porto; D, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Rua … Porto; E, titular do número de identificação fiscal …, com residência fiscal na Avenida … Tábua e F – CABEÇA DE CASAL DA HERANÇA DE, titular do número de identificação fiscal …, representado por G, titular do número de identificação fiscal …, com residência na Rua … Santo Tirso (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram, no dia 28.02.2014, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto do Selo do ano de 2012 e com data de 22.03.2013, referentes à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativos a prédio de que são proprietários, como adiante melhor se verá.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 10.03.2014, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação dos Senhores Dra. G e Dr. I para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 07.05.2014.

 

1.5.            No dia 13.05.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 11.06.2014 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição dos Requerentes

 

1.7.            Os Requerentes são os legítimos proprietários de um prédio em propriedade total ou vertical, sito no Porto, na Rua … números …, … e …, com o artigo matricial …, da União das freguesias de …, com 5 (cinco) pisos e 6 (seis) divisões com utilização independente, com um valor patrimonial total de € 1.251.453,28 (um milhão duzentos e cinquenta e um mil quatrocentos e cinquenta e três euros e vinte e oito cêntimos), a que corresponde a caderneta que os Requerentes anexam ao seu pedido como documento n.º 2, cujo teor se tem por reproduzido (o Prédio).

 

1.8.            Em Março de 2013, os Requerentes foram notificados das liquidações de Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) que se encontram listadas no quadro do art.º 7.º do requerimento de pronúncia arbitral (anexadas sob a designação conjunta de documento n.º 1 do dito requerimento, cujo teor se tem por reproduzido), as quais se basearam no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”), na verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e na subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do art.º 6.º da mesma Lei, cuja data limite de pagamento se reporta ao final do mês de Abril de 2013.

 

1.9.            Posteriormente, foram os Requerentes também notificados dos documentos para pagamento de IS que se encontram listados no quadro do art.º 8.º do requerimento de pronúncia arbitral (anexados sob a designação conjunta de documento n.º 1 do dito requerimento, cujo teor se tem por reproduzido), com data limite de pagamento reportada ao final do mês de Novembro de 2013.

 

1.10.        Os Requerentes, ainda que inconformados com as liquidações em crise, procederam ao pagamento do tributo que lhes era exigido, no montante global de € 8.054,48 (oito mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos), como se comprova pelo documento anexo ao requerimento de pronúncia arbitral com o n.º 3, cujo teor se tem por reproduzido.  

 

1.11.        Fundamentam os Requerentes o seu pedido no “vício de erro sobre os pressupostos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e vício de violação de Lei”.

 

1.12.        O vício de erro sobre os pressupostos de direito, sustentam os Requerentes, radica na circunstância de não resultar da lei a correspondência do valor patrimonial tributário (de ora em diante designado “VPT”) de um prédio composto por várias fracções independentes à soma do VPT dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, até porque, nos termos do n.º 3 do art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, sendo consequentemente objecto de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) separada. 

 

1.13.        A Requerida, porém, para efeitos de liquidação de IS, não se limitou a proceder à soma aritmética do VPT de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio. Para esse apuramento, expurgou da pretensa unidade constituída pelo Prédio as partes dele que se mostram, nos termos da respectiva caderneta predial, afectas a fins diversos dos habitacionais, ficcionando para o Prédio um “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto”, conceito “que não encontra qualquer suporte na letra ou no espírito da Lei”, de € 1.115.229,52 (um milhão cento e quinze mil duzentos e vinte e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).

 

1.14.        Advogam também os Requerentes estarmos perante o vício de violação de lei, uma vez que “a norma que subjaz às liquidações de Imposto do Selo é inconstitucional, por violação do princípio, constitucionalmente tutelado, da igualdade”, quando interpretada com o sentido e o alcance pretendidos pela Requerida, que distingue arbitrariamente prédios que hajam sido constituídos em propriedade horizontal e os prédios em propriedade total com andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

1.15.        Entendem ainda os Requerentes que as liquidações em apreço padecem do vício de erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que os primeiro, segundo e quarto andares do Prédio não se encontram funcionalmente afectos à habitação, mas a serviços, sendo, na verdade, escritórios (os Requerentes remetem para documento que não consta dos autos).

 

1.16.        Por fim, entendem os Requerentes que os actos de liquidação sub judice enfermam de vício de forma por carecerem da fundamentação legalmente exigida, uma vez que “foram notificados de vários documentos para pagamento identificados com diferentes números”, deles não constando “o número da liquidação que se lhes encontra subjacente”.

 

 

C – Posição da Requerida

 

1.17.        A Requerida, na sua resposta, manifesta o entendimento de que um prédio em regime de propriedade total é, para todos os efeitos, um único prédio, não podendo considerar-se que cada uma das suas partes ou fracções susceptíveis de utilização independente constitua um “prédio” para estes efeitos, sendo certo que o legislador, pela verba 28.1 pretendeu tributar “os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária”.

 

1.18.        Sustenta ainda a Requerida não haver nenhuma discriminação arbitrária quando o legislador opta por conceder tratamento tributário diferenciado a duas realidades também diversas, a propriedade total ou vertical, por um lado, e a propriedade horizontal, por outro, uma vez que são “realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente”.

 

 

D – Conclusão do Relatório

 

1.19.        Tendo a Requerida proposto que fosse dispensada a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), e na ausência de oposição por parte dos Requerentes, o tribunal arbitral, por despacho de 28.07.2014, entendeu não haver utilidade processual na realização da dita reunião, uma vez que as partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 30.09.2014.

 

1.20.        O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

1.21.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

1.22.        A cumulação de pedidos efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que os actos de liquidação contestados assentam na mesma base factual e apelam à aplicação das mesmas regras de direito.

 

1.23.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      Os Requerentes são legítimos proprietários, mas não os únicos, do Prédio referido no ponto 1.7. supra (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.      O Prédio encontra-se constituído em propriedade total ou vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3.      O Prédio tem andares ou divisões não afectos a habitação, (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral), havendo três andares que são escritórios (art.º 65 do pedido de pronúncia arbitral, não impugnado pela Requerida).

 

2.1.4.      A Requerida, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, procedeu à soma aritmética dos valores patrimoniais de cada um dos andares ou divisões que na respectiva caderneta predial eram dados como estando afectos a habitação (docs. n.ºs 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.5.      Assim, a Requerida atribuiu ao Prédio, para efeitos de aplicação da verba 28.1 da TGIS, o “valor patrimonial do prédio – total sujeito a imposto” de € 1.115.229,52 (um milhão cento e quinze mil duzentos e vinte e nove euros e cinquenta e dois cêntimos) – (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.6.      Os Requerentes foram notificados das liquidações de IS a que se refere o quadro que consta do art.º 1.º do pedido de pronúncia arbitral (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.7.      Os Requerentes procederam ao pagamento do tributo que lhes era exigido, no montante de € 8.054,48 (oito mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) (doc. n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa, que devam considerar-se não provados.

 

3.      Matéria de direito

 

3.1. Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que a questão a apreciar é, no fundo, a de saber se um prédio constituído em propriedade total ou vertical, mas com andares ou divisões com utilizações independentes, é um “prédio com afectação habitacional” para efeitos da aplicação do art.º 1.º do CIS e da verba 28.1 da TGIS, aditada pelo art.º 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

 

3.2. A verba 28.1 da TGIS

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que conta com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5 %.»

 

 

Com a epígrafe “disposições transitórias”, o art.º 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e com relevo para o que cumpre decidir, estabeleceu o seguinte:

1 — Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

 

a) O facto tributário verifica -se no dia 31 de outubro de 2012;

 

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

 

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

 

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

 

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

 

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

 

i)                    Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii)                  Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii)                Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

 

Como se constata, a verba 28.1 refere-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.3. A “propriedade vertical” e a aplicação da verba 28.1 da TGIS

 

Sem prejuízo do interesse, não apenas dogmático, da fixação do sentido e do alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”, forçoso é, antes do mais, dar resposta à questão de saber se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, podem ser somados os VPT de cada um dos andares ou divisões com utilização independente de um determinado edifício, como fez a Requerida relativamente ao Prédio.

 

 

a)      A matriz predial de imóveis em propriedade total ou vertical e a cobrança do Imposto Municipal sobre Imóveis

 

Importa desde já esclarecer que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição predial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”, conforme se pode ler no n.º 2 do art.º 12.º do CIMI. Também o IMI, nos prédios sujeitos ao regime da propriedade total, dá relevo típico a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente (art.º 119.º, n.º 1 do CIMI).

 

Ou seja, resulta claro que o legislador, no CIMI, não pretendeu ater-se ao rigor da forma jurídica dos direitos reais incidentes sobre os prédios, mas antes à utilização que lhes é dada, nomeadamente nos casos em que um prédio, juridicamente falando, é composto por diferentes andares ou partes susceptíveis de utilização independente.

 

Dir-se-á, não sem razoabilidade, que o legislador, para efeitos de tributação em sede de IMI, optou por conferir autonomia, independência, a cada uma das partes ou a cada um dos andares de um único prédio, desde que umas e outros se mostrem de utilização independente, ao ponto de prever a inscrição individualizada na matriz de cada uma dessas partes independentes e de impor à tributação em sede de IMI uma cobrança também ela autónoma. Mau grado a existência jurídica de um único prédio, é o próprio legislador que não apenas recomenda mas impõe a consideração autónoma de cada uma das partes independentes, para efeitos de tributação do património.

 

b)     A aplicação da verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes independentes

 

Se é assim para o IMI, como se procurou demonstrar, não pode deixar de ser assim também para o IS, nomeadamente para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS.

 

Aliás, este problema, caso o imposto, IMI ou IS, fosse puramente proporcional, não existiria ou seria inócuo, porquanto o somatório das partes haveria de corresponder necessariamente ao todo. Não é esse, porém, o caso dos autos.

 

Como se viu, o IS a que faz apelo a verba 28.1 da TGIS só se mostra devido relativamente aos prédios com afectação habitacional e, nestes, apenas aos que apresentem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

A Requerida, num exercício que se compreende, lobrigou o absurdo que resultaria da aplicação da taxa de imposto ao VPT de um prédio, se este fosse calculado na base do somatório de todas as partes independentes que o compõem. Expurgou, então, no caso em análise, as partes que matricialmente estavam afectas a fins não habitacionais, logrando alcançar, para efeitos da verba 28.1 um VPT diferente daquele que resulta da aplicação dos critérios de determinação da matéria colectável para efeitos de tributação em sede de IMI. 

 

Dizer-se que se entende o exercício levado a cabo pela Requerida não significa, porém, concluir pelo seu acerto, porquanto parece indevida a desconsideração da autonomia de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, impondo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS, uma unidade que sendo indiscutível em termos de direitos reais o não é em sede de tributação sobre o património imobiliário.

 

Atentos a letra e o espírito da lei, não se vislumbra que seja intenção do legislador fazer aplicar a verba 28.1 da TGIS a cada uma das partes de um prédio quando apenas do somatório de todas elas resulta um VPT igual ou superior ao da bitola legal. 

 

c)      A ratio legis da verba 28.1 da TGIS

 

O que se deixa dito acima não ignora o confessado propósito do proponente da alteração legislativa já referida. A interpretação que aqui se acolhe está de harmonia com o que parece ter sido a inequívoca intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[2]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresenta esta proposta de lei referindo, sem tibiezas, a expressão “casas”. “Casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”, note-se. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa adoptada, resulta com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS não pode ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos cada um dos andares, divisões ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio, quando apenas do respectivo somatório resulta um VPT igual ou superior ao que prevê a mesma verba. Na verdade, nenhuma das “casas” do Prédio a que vimos fazendo referência, apresenta, de per se, “valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

 

d)     Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que está ferida de ilegalidade a liquidação de IS com base na verba 28.1 da TGIS relativamente a cada um dos andares ou partes susceptíveis de utilização independente do Prédio, por não poder a mencionada verba ser interpretada no sentido de poder ela ser aplicada a andares ou partes susceptíveis de utilização independente de um prédio em propriedade total ou vertical, quando apenas do somatório de cada um desses andares ou partes se logra obter um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros), não ultrapassando o VPT de cada um dos ditos andares ou partes essa fasquia legal.  

 

 

3.4. Questões prejudicadas

 

Os Requerentes levantaram a questão da inconstitucionalidade das normas da subalínea i) da alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e da verba 28.1 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pelo mesmo diploma, caso elas fossem interpretadas no sentido de que o IS ali previsto poderia incidir sobre cada um dos andares ou partes independentes do Prédio.

 

Uma vez que o tribunal arbitral não acolheu o entendimento da aplicabilidade da verba 28.1 da TGIS ao caso vertente, surge prejudicada e processualmente inútil a apreciação dessa questão, bem como a dos outros vícios alegados pelos Requerentes. 

 

 

 

4.      Decisão

 

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais.

 

 

5.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 8.054,48 (oito mil e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos).

 

 

6.      Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 26 de Setembro de 2014

 

 

O Árbitro

 

 

 

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(Nuno Pombo)



[1] A redacção da presente decisão arbitral obedece à ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.