DECISÃO ARBITRAL
SUMÁRIO:
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A errónea fixação de um valor patrimonial tributário, não obstante a sua previsão legal como ato destacável, pode ser apreciada em processo de impugnação de liquidação que o assumiu como matéria coletável quando esteja em causa erro de direito na determinação da lei aplicável.
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Segundo a lei vigente à data dos factos, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não eram aplicáveis os coeficientes previstos na norma do artigo 38.º do CIMI.
DECISÃO ARBITRAL
Carla Almeida Cruz, árbitro das listas do CAAD, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 29-06-2022, elabora nos seguintes termos a decisão arbitral no processo identificado.
1. RELATÓRIO
A...– FUNDO DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO (doravante abreviadamente designado por “Requerente”), com o número de identificação fiscal..., aqui representado pela sociedade gestora B...– SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. (“Sociedade Gestora”), com o número de identificação fiscal ... e com morada na Rua ... n.º ..., ..., ...‐... Lisboa, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, constante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, (doravante, abreviadamente designado de “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, visando a declaração de ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 25-11-2021, com vista à anulação parcial dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), com as notas de cobrança nºs 2016..., 2016..., 2016..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018... e 2018... com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante parcial de € 5.380,51.
A Requerente, no requerimento de pronúncia arbitral, peticiona que:
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Seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa acima identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);
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Se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de IMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
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Seja a AT condenada a reembolsar ao Requerente do valor de IMI pago em excesso, no montante de € 5.380,51, relativamente às liquidações sub judice e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
A título subsidiário, a Requerente requer ainda que:
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Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.
A Requerente, para fundamentar o pedido que deduz, alega em síntese, que:
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As liquidações cuja declaração de ilegalidade peticiona, tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto.
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Posteriormente, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários de alguns dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, contudo não procedeu à revisão das liquidações de IMI dos anos anteriores (anos 2016 a 2018), mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efectivamente devido.
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Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de IMI das liquidações, resultam diferentes valores patrimoniais tributários em montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto.
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Os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos pela Requerente nos anos 2016 a 2018 ainda consideravam a aplicação errónea dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, denotando‐se erro na interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço.
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Nos encontramos perante um erro nos pressupostos de facto e direito do qual resulta em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto e da qual resulta uma colecta ilegal de tributo, no montante de € 5.380,51, cuja restituição peticiona.
A Requerente considera ainda que a determinação do VPT de terrenos para construção deverá ser efectuada exclusivamente com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários), defendendo que a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI (“CIMI”), no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do CIMI deverem atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios, sempre será inconstitucional, por atentar contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.
A Requerente juntou 5 (cinco) documentos, não tendo requerido a produção de quaisquer outros meios de prova.
É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20-04-2022 e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) em 27-04-2022.
Nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral, com árbitro singular, a signatária, que manifestou a aceitação do encargo, no prazo legal.
Em 09-06-2022 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado intenção de recusar a designação do árbitro, nos termos previstos nas normas do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e nas normas dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, e em conformidade com a disciplina constante do artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29-06-2022.
A Requerida, através de despacho arbitral proferido em de 04-07-2022, foi notificada para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.
Em 19-09-2022, a Requerida, apresentou a sua Resposta, na qual se defendeu por exceção e por impugnação, tendo suscitado as questões da i) intempestividade do pedido de revisão oficiosa, ii) consolidação do ato tributário que determinou o VPT, iii) impugnabilidade dos ato de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT, e iv) inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais, peticionando a final pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a sua consequente absolvição de todos os pedidos.
Por despacho de 22-09-2022, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e determinada a notificação das partes para produzirem alegações escritas, tendo a Requerente sido também notificada para, em sede de alegações, exercer o contraditório quanto à matéria da exceção invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua Resposta.
Em 11-10-2022, a Requerente comunicou ao tribunal que não pretendia produzir alegações, por considerar que a sua posição já constava devidamente exposta na petição inicial.
Em 25-10-2022, a AT comunicou ao tribunal que não pretendia produzir alegações finais escritas, dando por integralmente reproduzido todo o aduzido na resposta que apresentou. Informou ainda da impossibilidade de obtenção do processo administrativo (“PA”), tendo requerido a dispensa da respetiva junção e dando como bons os documentos juntos pela Requerente, relativos à identificação do ato impugnado e dos imóveis em causa.
2. SANEAMENTO
A Autoridade Tributária suscitou a exceção da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, matéria que será analisada mais adiante, onde se conclui no sentido da tempestividade deste pedido.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, nem existe qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre decidir.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. MATÉRIA DE FACTO
3. 1.1. Factos provados
Com relevância para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente, à data da ocorrência dos actos tributários de liquidação de IMI, cuja declaração de ilegalidade aqui peticiona, era proprietária dos prédios urbanos, que constituem terrenos para construção, identificados no documento nº 2 junto com a petição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde constam designadamente, os prédios com as seguintes inscrições matriciais [cf. documentos nºs. 2 e 5 juntos à P.I.[1]]:
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... (com o código de freguesia ...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia ...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia ...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia ...);
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... (com o código de freguesia...);
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... (com o código de freguesia...).
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A Requerente, com referência aos referidos terrenos para construção, foi notificada dos seguintes actos tributários de liquidação de IMI [cf.. documento n.º 2 junto à P.I.];
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Liquidações com os nºs. 2016..., 2016... e 2016..., referentes ao ano 2016, no montante total de € 298.773,42;
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Liquidações com os nºs. 2017..., 2017... e 2017..., referentes ao ano 2017, no montante total de € 232.786,78;
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Liquidações com os nºs. 2018..., 2018 ... e 2018..., referentes ao ano 2018, no montante total de € 189.342,53.
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A Requerente procedeu ao pagamento, das liquidações de IMI identificadas no antecedente ponto B);
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As liquidações de IMI identificadas em B) tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula adoptada à data pela AT, que considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto [cf.. documento n.º 4, junto à P.I.];
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Posteriormente às liquidações identificadas em B), os referidos prédios da Requerente, foram objeto de reavaliação pela AT em 2020, que corrigiu o cálculo e a fixação dos respetivos valores patrimoniais tributários, deixando de aplicar tais coeficientes, nos termos que constam no documento 5 junto à P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
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A AT, relativamente aos prédios da Requerente que foram objecto da reavaliação, não rectificou as respectivas colectas de IMI referentes aos anos anteriores de 2016 a 2018, verificando-se as diferenças de IMI, descritas nas tabelas que constam do documento 5 junto com a P.I., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no valor de € 3.192,61, relativamente ao ano de 2016, de € 1.954,89, relativamente ao ano de 2017, e de € 233,00, relativamente ao ano de 2018, num total de € 5.380,51;
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Relativamente ao conjunto dos terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI identificados em B), se expurgados os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos, que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações, resultam valores patrimoniais tributários de montantes inferiores, àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto [cf. documento n.º 5, junto à P.I.];
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Os terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI identificados em A), tinham, à data daquelas liquidações, valores patrimoniais tributários, em montantes inferiores àqueles que lhe seriam fixados, caso a AT não tivesse considerados na fórmula de cálculo destes valores, os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, tendo nesta sequência sido efetuada uma liquidação e pagamento em excesso de IMI, no montante de € 5.380,51, cuja restituição é peticionada nesta ação [cf. documento n.º 5, junto à P.I.];
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A Requerente em 25-11-2021, apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de IMI, identificados em B) [cf. documentos n.ºs 1 e 3, juntos com a P.I.];
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Até à data em que a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo, a AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa;
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Em 18-04-2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo [cf. sistema informático de gestão processual do CAAD].
3.1.2. Factos considerados não provados
Não foram considerados como não provados nenhuns dos factos alegados, com efetiva relevância para a boa decisão da causa.
3.1.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto, pelo que no tocante à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e, portanto, admitidos por acordo, bem como na análise crítica da prova documental que consta dos autos, designadamente os documentos juntos pelo Requerente, cuja correspondência à realidade não é contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, com natureza meramente conclusiva, ainda que tenham sido apresentadas como factos, por serem insuscetíveis de comprovação, sendo que o seu acerto só pode ser aferido em confronto com a fundamentação da decisão da matéria jurídica, constante do capítulo seguinte.
Finalmente, importa sublinhar que a questão essencial a decidir é de direito e assenta na prova documental junta aos autos pela Requerente, não contestada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3.2. MATÉRIA DE DIREITO
3.2.1. Das questões a decidir
Atenta a posição das partes, são as seguintes, as questões a decidir:
Das exceções e questões prévias suscitadas pela Requerida:
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Intempestividade do pedido de revisão oficiosa (11º a 13º da Resposta);
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Consolidação do ato tributário que determinou o VPT (14º a 24º da Resposta);
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Impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT (25ºa 40º da Resposta);
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Inadmissibilidade da revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais (41º a 46º da Resposta).
Do pedido da Requerente:
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Declaração de ilegalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 25-11-2021, com vista à anulação parcial dos actos de liquidação de IMI, com as notas de cobrança nºs. 2016..., 2016..., 2016 ..., 2017..., 2017..., 2017..., 2018..., 2018... e 2018... com referência aos anos de 2016, 2017 e 2018, no montante parcial de € 5.380,51;
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Condenação da Requerida no reembolso à Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 5.380,51, acrescido de juros indemnizatórios.
Considerando que a Requerida suscitou várias questões prévias, suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal começará em primeiro lugar por apreciar tais questões, passando seguidamente, caso se pronuncie pela respetiva improcedência, a apreciar o pedido deduzido pela Requerente, nos termos do disposto no artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT.
3.2.2. Da (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa
A Requerida, na sua resposta, invocou a exceção da intempestividade do pedido de revisão oficiosa, tendo alegado que o prazo não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido dos 3 anos posteriores ao do ato tributário, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT e que tendo o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI sido calculado com base em valores patrimoniais tributários fixados entre 2016 e 2018, tem de se concluir pela intempestividade do pedido de revisão.
Vejamos.
A Requerente apresentou em 25-11-2021 o pedido de revisão oficiosa a solicitar a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017 e 2018, por considerar que estão em causa atos de liquidação que tiveram por base um valor patrimonial tributário ilegal, por aplicação indevida dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, isto é, foi aplicada a fórmula matemática prevista no artigo 38.º do CIMI, quando os terrenos para construção devem ser avaliados à luz dos normativos do artigo 45.º do CIMI, in casu, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
A Requerente solicitou a revisão dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016, 2017 e 2018, e não a revisão do valor da matéria tributável dos terrenos para construção, pedido de revisão que, esse sim, apenas poderia, à luz do normativo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, ser formulado nos três anos posteriores ao do ato tributário, pedindo a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
O que esteve em causa no pedido de revisão apresentado ao abrigo do artigo 78.º da LGT foi a anulação dos atos de liquidação de IMI compreendidos entre os anos de 2016 e 2018, e não a revisão da matéria tributável apurada – valor patrimonial tributário, pelo que a matéria controvertida é enquadrável no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, visto que os atos de liquidação são ilegais, porquanto tiveram por base um valor patrimonial tributário que enferma de vícios por errada aplicação da lei, em concreto, aplicação da fórmula matemática prevista no artigo 38.º do CIMI, quando a avaliação dos terrenos para construção deve ser realizada com base nos normativos do artigo 45.º na redação vigente à data dos factos.
Nesta medida, importa concluir pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.
Com efeito, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o pedido de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e este visava a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2016 a 2018, pelo que assim sendo o objeto mediato é a apreciação da legalidade dos atos de liquidação, sobre cujo mérito nos pronunciaremos de seguida.
Com efeito, em face da jurisprudência do STA, não apenas o pedido de revisão apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa, mas também o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços apresentado no prazo de 4 anos, aproveitam ao sujeito passivo para efeitos de lançar mão da impugnação judicial em caso de indeferimento tácito – (cf. proc.º 01950/13, de 02.06.2014). O pedido de revisão oficiosa do ato tributário constitui um meio de garantia que acresce aos demais, nomeadamente à reclamação graciosa. Sendo tempestiva a utilização de tal, a decisão sobre ele proferida ou a omissão de decisão, decorrido o prazo legal, abrem a possibilidade de recurso contencioso/arbitral, desde que respeitado o referido prazo de 90 dias previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.
Assim e visto que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente tem por objeto a anulação de atos de liquidação e não a revisão dos atos de fixação do valor patrimonial tributário, importa, portanto, concluir pela tempestividade do pedido de revisão oficiosa em relação a todos os atos de liquidação impugnados.
Em face do exposto, impõe-se concluir que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, pelo que improcede a exceção da intempestividade, invocado pela Requerida.
3.2.3. Da consolidação do ato tributário que determinou o VPT e da impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT
Relativamente à questão da consolidação do ato tributário, a Requerida, vem suscitar esta questão, defendendo em síntese que:
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O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.
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A impugnação do procedimento avaliativo não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação.
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Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
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Que a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.
Para sustentar a sua tese, a AT, invoca o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 633/14 de 15/2/2017, e as Decisão Arbitrais proferidas nos processos n.sº 40/2021-T e 510/2021-T, concluindo que no caso em apreço os atos de liquidação não podem ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT, por se encontrar consolidada a fixação do respetivo valor patrimonial tributário.
Relativamente à questão da impugnabilidade do ato de liquidação, a Requerida defende, em síntese, que:
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Os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis.
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Não é, nem legal nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.
Para sustentar a sua posição, a Requerida, invoca, de entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 10.05.2017, no processo n.º 0885/16, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.10.20118, proferido no processo n.º 1808/12.0BEPRT, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 25.04.2010, proferido no processo n°03586/09 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 12.02.2008, proferido no processo n°02125/07, e ainda os Acórdãos do Tribunal Arbitral nºs 540/2020-T e nº. 487/2020-T, de 10 de Maio, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, concluindo que, no caso em apreço os atos de liquidação não podem ser anulados com fundamento em erros nas avaliações dos prédios, por se encontrar consolidada a fixação do respetivo valor patrimonial tributário.
A Requerente, por seu turno, defende que os actos tributários de liquidação de IMI podem ser impugnados com fundamento na errónea fixação dos valores patrimoniais tributários, e que a susceptibilidade de impugnação autónoma dos actos instrumentais/destacáveis de fixação destes valores não obsta à possibilidade de impugnação do acto conclusivo do procedimento assente no fundamento acima referido.
Importa apreciar.
A propósito desta questão, acompanhamos o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 31/10/2019 (Benjamim Barbosa), proferido no processo nº 2765/12.8BELRS, que determinou o seguinte:
“O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável. É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.
De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir. Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].
Acompanhamos também a posição expressa na decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, em 02-07-2021, no processo n.º 760/2020‐T, onde se refere que:
“A nosso ver, a questão não é a de saber se a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto - mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta.
Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que prevêem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.
Estas razões serão, essencialmente, três:
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O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.
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A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.
Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida).
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Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).
Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação. Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.
Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.
Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso – como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação). Num quadro interpretativo da lei que procura dar relevância à sua conformidade com os princípios constitucionais, não podemos subscrever, como constituindo uma regra sem exceções, o pensamento do distinto Autor em que a Requerida, no essencial, se louva. Como referido no citado acórdão do TCA, há que não esquecer que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de um tributo, que foi exigido à Requerente.”
Subscrevemos e aderimos na íntegra à douta fundamentação constante da decisão arbitral citada, sendo assim de concluir que assiste à Requerente o direito de impugnar com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente na errónea quantificação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis em questão, não nos parecendo, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva que a Requerente fique impedida de invocar a ilegalidade das liquidações, com fundamento no facto de ter ocorrido previamente uma fixação do valor patrimonial.
Termos em que se julgam improcedentes as exceções da consolidação do ato tributário que determinou o VPT e da inimpugnabilidade dos atos de liquidação invocadas pela AT.
3.2.4. Inadmissibilidade da revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais
A Requerida na sua Resposta, vem ainda sustentar que a norma do artigo 78.º da LGT, não abrange a revisão de atos de avaliação patrimonial, na medida em que estes não são atos tributários para os efeitos aí previstos (n.º 1 do artigo 78.ºda LGT), nem são atos de apuramento da matéria tributável (art. 78.º, 3, idem).
Este tema foi já objeto de tratamento pelos tribunais arbitrais, acompanhando-se de perto a argumentação e fundamentação constante das decisões proferidas no âmbito dos processos 487/2020-T, 504/2020-T e 813/2021-T.
Nos termos do disposto no artigo 15.º do CIMI, “a avaliação dos prédios urbanos é direta” e, como tal, “suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta” (artigo 86.º, 1, da LGT).
Por sua vez, nos termos do artigo 86.º, 2, da LGT, “a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão”.
Estando em causa a avaliação de prédios urbanos, o sujeito passivo que discorde com o resultado da avaliação direta pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que tenha sido notificado do primeiro (artigo 76.º, 1, do CIMI).
É sobre a segunda avaliação que cabe impugnação judicial, nos termos do artigo 77.º, 1, do CIMI. Esta reação judicial impugnatória é enquadrada pela norma do artigo 134.º do CPPT, que prevê que os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade, incluindo o erro de facto ou de direito na fixação. Para o efeito, essa reação impugnatória tem de ocorrer no prazo de três meses, estipulando o n. 7 da referida norma, que a impugnação não tem efeito suspensivo e só pode “ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.
Como se refere na decisão arbitral 52/2022-T:
“Ora, num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), temos que a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT.
A “estabilidade” na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça resultaria na nada mais do que permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), o que não é de aceitar.”
No caso concreto, as ilegalidades imputadas pela Requerente aos atos de liquidação de IMI incidem apenas sobre as suas bases de incidência, à fixação do VPT desses terrenos, porque, de acordo com a causa de pedir, foram calculadas de acordo com uma fórmula incorreta. Daqui resulta que a Requerente pretende a anulação das liquidações de IMI por vicio do VPT. Encontrando-se o objeto do processo configurado desta forma, teremos forçosamente de aplicar a jurisprudência citada supra. Não porque a Requerente tenha impugnado diretamente o ato de fixação do VPT, pois dirige o seu pedido aos atos de liquidação, mas porque o fundamento (único) que invoca para a invalidade (parcial) destes atos de liquidação respeita apenas ao VPT fixado.
No entanto, como se refere na citada decisão arbitral 487/2020-T, "apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de avaliação de valores patrimoniais, os nºs. 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».". Estamos perante uma 'válvula de escape' do sistema, ao positivar um poder-dever de revisão oficiosa aos atos tributários ilegais.
No caso em apreço, há que concluir que se verificam os pressupostos previstos no artigo 78º da LGT, que admitem a revisão dos atos tributários em questão, pelo que improcede o pedido da Requerida de inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.
Apreciadas as exceções e demais questões suscitadas pela AT na sua Resposta, importa agora analisar o pedido formulado pela Requerente, o que passaremos de seguida a fazer.
3.2.5. Da ilegalidade das liquidações de IMI
A Requerente considera que a coleta de IMI para cada um dos terrenos para construção descritos supra foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido, em virtude de a AT ter aplicado uma fórmula errada de cálculo dos valores patrimoniais tributários, na qual considerou critérios não previstos no artigo 45.º do CIMI.
A Requerida, por seu turno sustenta que acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção relevar a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, mas que por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
A jurisprudência consolidada do STA aponta no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, que constitui a norma específica que regula essa matéria, pelo que não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do Código do IMI.
Acompanhamos e subscrevemos integralmente esta orientação.
No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º do Código do IMI.
O artigo 38.º do CIMI, contém as regras para determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, dispondo, na parte que mais interessa considerar, que:
“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez. (…)”
Por seu turno, o artigo 45º do CIMI contém as regras para determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
O artigo 45.º do CIMI, na redação da Lei 64-B/2011, 30 de Dezembro, vigente à data dos factos tributários em apreciação neste processo dispunha o seguinte:
“Artigo 45.º
Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção
1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.”
Da análise da norma do artigo 45.º do CIMI, resulta evidente que esta não prevê a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto aos terrenos para construção, os quais estão apenas previstos no art. 38.º CIMI, como aplicáveis aos prédios urbanos. Assim sendo, a utilização destes coeficientes corresponde a uma aplicação analógica de uma norma de incidência, a qual é vedada pelo princípio da tipicidade fiscal.
Relativamente à aplicação do coeficiente de qualidade e conforto, acompanhamos o Acórdão STA Pleno de 21/9/2016 (Ascensão Lopes), processo 0183/13, que uniformizou a jurisprudência, no sentido de que:
"Na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados".
Essa tem sido a posição unânime da jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo. Veja-se, a título de exemplo e de entre outros, os Acórdãos proferidos no âmbito do processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021, do processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019, do processo n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019, do processo n.º 016/10.9BELLE, de 3 de julho de 2019, do processo n.º 0398/08.2BECTB, de 14 de novembro de 2018, do processo n.º 0986/16, de 16 de maio de 2018, e do processo n.º 01461/17, de 31 de janeiro de 2018.
Todos os acórdãos enumerados, relativos ao tema da avaliação de terrenos para construção, regulado pelo artigo 45.º do Código do IMI, julgam não ser de aplicar os coeficientes ou características que não se encontrem especificamente previstas neste preceito, nomeadamente os contemplados no artigo 38.º deste Código, suscetíveis de alterar a base tributária e de interferir na incidência do imposto, por tal configurar aplicação analógica.
Considera-se, também, ser de afastar o coeficiente de localização, em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI, pois, de outro modo tal fator [de localização] relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção (vide, também neste sentido, a decisão arbitral proferida em 24-06-2021, no âmbito do processo n.º 500/2020-T).
A propósito desta questão, acompanhamos também o entendimento plasmado no acórdão (do Pleno) do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de julho de 2019, proferido no processo n.º 016/10, que refere que:
“Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.”
Em relação ao coeficiente de localização, a mesma posição foi expressa no Acórdão STA de 5/4/2017 (Casimiro Gonçalves), processo 01107/16, onde se considerou que:
"(…) na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n° 3 do art. 45° do CIMI"
Relativamente à aplicação aos terrenos para construção, dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, nos Acórdãos STA de 9/10/2019 (Ascensão Lopes), processo 0165/14.4BEBRG, e de 23/10/2019 (José Gomes Correia), processo 0170/16.6BELRS, considerou-se que:
"(…) os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)".
No mesmo sentido, também na decisão arbitral de 22/7/2021 (Rui Duarte Morais), proferida no processo 760/2020-T, se entendeu que:
"independente das opções legislativas posteriores, também entendemos que a afetação, a qualidade e o conforto são realidades só apreciáveis perante um imóvel construído e não perante um terreno para construção, relativamente ao qual apenas poderão ser tidas em conta expetativas (que poderão não vir a ser concretizadas)".
Nestes termos, e atento todo o exposto, há que concluir pela ilegalidade das liquidações impugnadas, uma vez que a Requerida não devia ter aplicado aos terrenos para construção acima identificados os coeficientes de localização, qualidade e conforto e de afetação que geraram a liquidação de imposto em excesso, pelo que se julga procedente o pedido de anulação (parcial) dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, no montante de € 5.380,51, formulado pela Requerente.
3.2.6. Do reembolso do imposto pago em excesso e pagamento de juros indemnizatórios
Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afeta as liquidações parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que o praticou sem o necessário suporte factual e legal.
Assiste assim, direito à Requerente a ser reembolsada da quantia de € 5.380,51, que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do ato anulado.
Relativamente aos juros, tal como tem sido entendimento, que acompanhamos, seguido nos mais recentes arestos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (processos 058/19.9BASLB e 051/19.1BASLB, ambos de 11/12/2019; processo n.º 0630/18.4BALSB, de 20/05/2020, processo 040/19.6BALSB e processo 038/19.4BALSB), os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, e não desde a data do pagamento indevido do imposto.
Deste modo e considerando que o pedido de revisão foi apresentado em 25-11-2021, os juros indemnizatórios contar-se-ão a partir do termo do ano posterior à apresentação da referida revisão, ou seja a partir de 25-11-2022.
Assim, o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios será 25-11-2022 data em que se completou um ano sobre a formulação do pedido de revisão oficiosa das liquidações, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, 3, alínea c) e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
4. DECISÃO
Nos termos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido formulado pela Requerente, e em consequência:
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Anular parcialmente os actos tributários de liquidação de IMI referentes a 2016, 2017 e 2018, melhor identificados em B) dos factos provados, respeitantes a terrenos para construção, no montante de € 5.380,51;
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Condenar a Requerida no reembolso à Requerente do imposto pago em excesso, no montante de € 5.380,51;
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Condenar a Requerida no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, contados a partir de 25-11-2022, calculados sobre o montante de € 5.380,51.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
5. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 5.380,51, (cinco mil, trezentos e oitenta euros e cinquenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex-vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de dezembro de 2022.
O Árbitro
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(Carla Almeida Cruz)
[1] Petição inicial do Requerente.