Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 226/2022-T
Data da decisão: 2022-12-29  IVA  
Valor do pedido: € 159.615,03
Tema: IVA – Direito à dedução; Despesas de aluguer e manutenção dos motociclos
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     Sumário:

I - O artigo 21.º do Código do IVA (no que às despesas de aluguer e manutenção dos motociclos diz respeito) está abrangido pela cláusula standstill. Ou seja, por permissão de direito da União Europeia, esses temas têm exclusão do direito à dedução do IVA.

II - O legislador nacional não alterou o disposto no artigo 21.º do Código do IVA desde a entrada de Portugal na União Europeia – em relação à matéria dos autos.

III - A exclusão do direito à dedução (nas despesas relativas a veículos [motociclos]) é clara, precisa e determinada. E tem um racional compreensível: dada a natureza destas despesas, a dificuldade (quase impossibilidade) da sua correta afetação à parte profissional ou à esfera pessoal.

IV - Assim, a disposição do artigo 21.º do Código do IVA não é desproporcionada ao intento pretendido e ao funcionamento do regime do IVA. E, por isso, não viola igualmente o princípio da neutralidade do imposto.

V - Para além de que a Requerente não provou que as despesas com as viaturas (motociclos) têm uma total afetação empresarial – nem que seja por utilização pessoal dos seus funcionários, que escapa ao controlo da empresa, pelo que deverá ser negado o direito à dedução.

 

Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Tomás Cantista Tavares e Hélder Faustino, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

  1. A Requerente A…, UNIPESSOAL, LDA. (adiante abreviadamente designada por “A…” ou “Requerente”), com sede na Rua …,  Frielas, titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (“NIPC”) n.º …, matriculada na conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, vem requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL E PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL sobre a decisão de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa apresentado contra a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º …, referente ao período de 03/2021, submetida a 12 de maio de 2021, – bem como sobre a ilegalidade da referida autoliquidação (Doc. n.º 1 e n.º 2,) o que faz ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, nos termos e com os seguintes fundamentos:
    1. Em termos materiais, o exercício do direito à dedução pelo sujeito passivo pressupõe o suporte do imposto na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, ficando, por via disso, o sujeito passivo autorizado a deduzir ao IVA de que é devedor o IVA que suportou no âmbito de tais aquisições.
    2. Na sua essência, o direito à dedução do imposto visa libertar o agente económico do ónus do IVA (devido ou pago) no âmbito do desenvolvimento da sua atividade económica, sob condição de tal atividade estar igualmente sujeita a IVA, contribuindo, deste modo, para a prossecução do princípio da neutralidade fiscal.
    3. Ora, no momento da atribuição ao sujeito passivo de um crédito fiscal, no montante do imposto suportado com a aquisição de bens e serviços necessários ao exercício da sua atividade económica, o princípio da neutralidade fiscal fica plenamente salvaguardado.
    4. Ancorando-se na aplicação do artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, a Autoridade Tributária rejeitou o direito à dedução do imposto suportado pela Requerente, no montante global de € 159.615,03, atinente a despesas de aluguer e manutenção dos motociclos utilizados para desenvolvimento da sua atividade económica, na qual se inclui a utilização e exploração de motociclos para realização de entregas ao domicílio, nos períodos compreendidos entre junho de 2017 e março de 2021.
    5. Defende a Requerente a ilegalidade da autoliquidação de imposto por preterição da cláusula de standstill prevista nos artigos 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.
    6. Com efeito, a cláusula de standstill prevista nos artigos 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA não legitima as exclusões do direito à dedução do imposto previstas no artigo 21.º, n.º 1, do Código do IVA, uma vez que a legislação atinente ao Imposto de Transações não as contemplava.
    7. Salvo disposição em sentido contrário plasmada nas referidas diretivas, quaisquer despesas suportadas por sujeito passivo de IVA só podem ser excluídas do direito à dedução mediante deliberação unânime do Conselho, sob proposta da Comissão, a qual, até à presente data, ainda não teve lugar.
    8. Assim, na situação em apreço, tal exclusão só se afigurará admissível se a Diretiva IVA – sucedânea da Sexta Diretiva – expressamente o permitir por força da aplicação de uma outra sua disposição.
    9. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz dos artigos 17.º, n.º 7, da Sexta Diretiva e 177.º da Diretiva IVA, constata-se, pois, que a introdução no ordenamento jurídico português do regime ínsito no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA não ficou a dever-se a motivos de índole conjuntural, isto é, a razões temporárias destinadas a impedir flutuações de conjuntura.
    10. Com efeito, a disposição em apreço – impedindo a dedução da totalidade do imposto suportado com a locação e utilização de motociclos – vigora em Portugal desde 1 de janeiro de 1986 e, por conseguinte, desde a redação inicial do Código do IVA prevista no Decreto-Lei n.º 394/84, de 26 de dezembro.
    11. Por outro lado, até à presente data, o Estado português não solicitou qualquer «consulta do Comité do IVA», nos termos do artigo 17.º, n.º 7, da Sexta Diretiva ou, subsequentemente, do artigo 177.º da Diretiva IVA.
    12. Do exposto resulta não se mostrar aplicável à situação em presença o regime ínsito nos referidos preceitos de Direito europeu, não se ancorando nele a opção do legislador nacional consagrada no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.
    13. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz dos artigos 27.º, n.º 1, da Sexta Diretiva e 395.º da Diretiva IVA, conclui-se inexistir na Diretiva IVA e, bem assim, na sua antecessora (Sexta Diretiva), norma que legitime a opção tomada pelo legislador nacional no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, no sentido de coartar o direito à dedução do imposto suportado com a locação e utilização de motociclos no âmbito da atividade comercial da Requerente.
    14. Neste contexto, o princípio do primado do Direito europeu plasmado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), por força do qual as referidas normas de Direito europeu possuem valor supralegal, dita a inconstitucionalidade – e, por via disso, a insusceptibilidade de aplicação – da referida disposição de Direito interno.
    15. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA exclui do direito à dedução a totalidade do imposto suportado com a locação e utilização de motociclos.
    16. Desconsiderando a finalidade – particular ou profissional – subjacente ao uso de tais veículos, o legislador nacional coarta ao sujeito passivo o exercício pleno do seu direito à dedução do imposto suportado em inputs.
    17. O preceito em apreço é aplicado cegamente, não possibilitando a produção de prova quanto à natureza das operações realizadas e, por conseguinte, à utilização (particular ou profissional) atribuída aos motociclos.
    18. Pelo que o regime ínsito no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA bule com o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que, com tal restrição, enviesa a mecânica do imposto, tendencialmente onerando o consumo na fase intermédia do circuito económico.
    19. Sendo certo que quaisquer riscos de fraude ou evasão fiscais associados a um eventual uso privado de tais viaturas não justificam a rigidez da opção tomada pelo legislador nacional, colidindo, por isso, com o princípio da proporcionalidade (de natureza comunitária e, bem assim, de natureza constitucional, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP).
    20. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz do artigo 73.º da Lei Geral Tributária, (“LGT”), o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, ao impossibilitar a dedução integral do imposto suportado com a locação e utilização de motociclos, presume implicitamente que a aquisição em referência foi afeta a uma atividade de índole particular, não admite a demonstração de que tal assim não sucedeu, o que configura uma inadmissível presunção iure et iure.
    21. De resto, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar inconstitucionais as presunções fiscais inilidíveis, como a sub judice, por contrárias aos princípios da igualdade na repartição dos encargos públicos e da capacidade contributiva (ainda que na ótica do consumo).
    22. Em suma, é entendimento jurisprudencial não só que o artigo 21.º do Código do IVA não é conforme às diretivas europeias (conforme exposto supra), como as presunções de que as despesas previstas no n.º 1 foram efetuadas tendo em vista fins privados (alheios à atividade comercial do sujeito passivo) e, por conseguinte, insuscetíveis de dedução em sede de IVA, são ilidíveis mediante prova em contrário.
    23. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz do regime ínsito no artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA, perante o estatuído no artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA, despesas que ab initio (i.e., à luz da alínea a), do n.º 1, do mesmo preceito legal) não seriam passíveis de dedução, tornam-se efetivamente dedutíveis porque foram suportadas pelo sujeito passivo precisamente por integrarem o seu objeto social.
    24. Por outras palavras, se não fossem os fins económicos que subjazem ao desenvolvimento da atividade que o sujeito passivo visa atingir, nunca aquelas despesas teriam sido realizadas.
    25. Com efeito, a ratio do artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA é, pois, permitir a integral dedutibilidade dessas despesas porquanto integram e estão diretamente relacionadas com o objeto social e a atividade económica prosseguida pelo sujeito passivo. Ora, a utilização dos motociclos locados pela Requerente esgota-se no transporte e entrega dos bens vendidos (pizzas e outras refeições prontas a consumir) ao domicílio, operações estas contempladas e abrangidas pelo seu objeto social.
    26. A Requerente dispõe ainda de meios internos que inequivocamente comprovam a utilização exclusiva dos motociclos para realização de entregas ao domicílio, podendo a Autoridade Tributária, caso assim pretenda, controlar tal uso.
    27. Relativamente à ilegalidade da autoliquidação de imposto à luz da posição plasmada pela Autoridade Tributária na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, importa atender ao facto de os motociclos também serem utilizados como um meio de comunicação e divulgação da marca «B…», assumindo as correspetivas despesas de aluguer e manutenção a natureza de despesas de publicidade.
    28. Com efeito, os motociclos encontram-se caracterizados com o logótipo da marca, bem como com o endereço do site online e contactos telefónicos (canais de comunicação através dos quais a Requerente recebe os pedidos dos seus clientes).
    29. É do conhecimento público que a comunicação e divulgação da marca através do respetivo logótipo é hoje um dos meios de publicidade mais eficazes.
    30. Em média, cada motociclo percorre cerca de 750 quilómetros por mês, logo, num cenário pessimista, cada motociclo terá um alcance de 3.750 pessoas.
    31. Está-se, portanto, perante uma situação com valor económico tangível e com inegável impacto positivo, não só no desempenho publicitário da Requerente como também no seu negócio.
    32. Neste contexto ter-se-á necessariamente de admitir que as referidas despesas configuram um tipo de despesa de natureza mista, dada a dupla utilização que é conferida aos motociclos – publicitária e empresarial.
    33. Assim, por as despesas de aluguer e manutenção dos motociclos configurarem despesas de publicidade na sua totalidade, sem qualquer fim lúdico, de divertimento ou de lazer associado, entende a Requerente que o IVA nelas suportado é integralmente dedutível.
  2. A Autoridade Tributária apresentou a seguinte resposta:
    1. Segundo a Requerente, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato o indeferimento do pedido de reclamação graciosa relativamente à autoliquidação de IVA, referente ao período 03/2021.
    2. Por entender que o ato de autoliquidação, constante da declaração periódica relativa ao referido período de imposto, padece de ilegalidade, apresentou reclamação graciosa, cujo indeferimento ora vem impugnar.
    3. Solicita, ainda, que lhe seja pago o valor correspondente ao dos juros indemnizatórios, que lhe são devidos à taxa legal, bem como o pagamento das custas do processo.
    4. Quanto aos fundamentos do presente p.p.a., entende a Requerente, em suma, que «Os gastos incorridos com os motociclos na esfera da reclamante consubstanciam-se em gastos atinentes à prossecução do objeto social e que aí se esgota a sua utilização, motivo pelo qual o IVA incorrido é passível de dedução nos termos do art.º 21.º, n.º 2, alínea a) do CIVA e, portanto, o IVA incorrido com as despesas de aluguer e manutenção dos motociclos é totalmente dedutível; Ainda que, num cenário hipotético, a AT não tenha tal entendimento, sempre teria que se concluir que as referidas despesas assumem a natureza de publicidade, não sendo de se aplicar as exclusões previstas no art.º 21.º, do CIVA;».
    5. Conforme é sabido e resulta da lei, só confere direito a dedução o imposto mencionado em faturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo, considerando-se passados em forma legal, os que contenham os elementos mencionados no n.º 5 do artigo 36.º e n.º 2 do artigo 40.º, ambos do Código do IVA.
    6. Prevê o n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos da alínea a), ou nas operações elencadas na alínea b).
    7. Ademais, importa referir que o exercício do direito à dedução do IVA consubstancia uma das principais caraterísticas deste imposto, em conformidade com o regime consagrado na Sexta Diretiva de 1977 (Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), no seu artigo 17.º [que corresponde ao artigo 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do IVA (“Diretiva IVA”)), preceito que consagra as regras do exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objetivos e subjetivos relativos ao exercício do referido direito.
    8. Não obstante, e de acordo com o previsto no artigo 21.º do Código do IVA, exclui-se, do direito à dedução, o imposto contido nas despesas mencionadas no seu número 1.
    9. Por assim ser, em conformidade com o citado artigo está excluído do direito à dedução, o imposto contido em determinadas despesas, ainda que nalguma medida sejam conexas com o exercício da atividade dos sujeitos passivos.
    10. Por outro lado, convém acrescentar que, nos termos da alínea d), do n.º 1, do referido artigo, está excluído do direito à dedução o imposto contido nas despesas respeitantes a alojamento, alimentação, bebidas, tabacos e despesas de receção, incluindo as relativas ao acolhimento de pessoas estranhas à empresa e as despesas relativas a imóveis ou parte de imóveis e seu equipamento, destinados principalmente a tais receções.
    11. No entanto, o n.º 2 do artigo 21.º, do Código do IVA estabelece algumas exceções ao princípio da não dedução do imposto incluído nas despesas mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo, dada a especificidade da sua natureza e a sua afetação a fins empresariais.
    12. Assim, estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 21.º do Código do IVA, que não se verifica a exclusão do direito à dedução o imposto contido nas “Despesas mencionadas na alínea a) do número anterior, quando respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua o objeto de atividade do sujeito passivo(...)”.
    13. Ou seja, há a considerar as situações em que tais bens ou a sua exploração constituem objeto da atividade do sujeito passivo, o que não é o caso em apreço.
    14. Importa ainda, referir que as exclusões ao direito à dedução previstas no artigo 21.º do Código do IVA, foram autorizadas pela denominada cláusula de “congelamento” ou de standstill, prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Diretiva [que corresponde ao capítulo 3, “limitações do direito à dedução”, artigos 176.º e 177.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do IVA (“Diretiva IVA”)), tendo por ela optado o legislador nacional.
    15. Importa realçar que, segundo a posição preconizada pelo TJUE, a data relevante para efeito de aplicação da cláusula prevista no n.º 6 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, é a da sua entrada em vigor em cada Estado Membro.
    16. O atual artigo 176.º da Diretiva IVA, inserido no Capítulo 3 «Limitações do direito à dedução», determina o seguinte:

«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão.».

  1. De acordo com o segundo parágrafo do atual artigo 176.º da Diretiva IVA, permitiu-se que os Estados-Membros pudessem manter as exclusões ao direito à dedução, que já estivessem previstas na sua legislação nacional, em 1 de janeiro de 1979 ou, após essa data, como no caso de Portugal, na data da respetiva adesão à Comunidade.
  2. Importa ainda referir o entendimento constante da ficha doutrinária proferida no âmbito do processo n.º 3479, com despacho do Subdiretor-Geral dos Impostos, de 16/07/2012, onde se pode ler que:

«21.No caso português, as exclusões ao direito à dedução previstas no artigo 21o do CIVA, foram autorizadas pela cláusula denominada de "congelamento" ou de standstill, prevista no art.º 17 n.º 6 da Sexta Diretiva, e cuja redação era a seguinte: "O mais tardar antes de decorrido o prazo de quatro anos a contar da data da entrada em vigor da presente diretiva, o Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determinará quais as despesas que não conferem direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado. Serão excluídas do direito à dedução, em qualquer caso, as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições acima referidas, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na legislação nacional respetiva no momento da entrada em vigor da presente diretiva".

22. Esta norma, corresponde ao atual art.º 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho (atual Diretiva IVA que reformulou a Sexta Diretiva), que determina o seguinte: "O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham caráter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação. Até à entrada em vigor das disposições referidas no primeiro parágrafo, os Estados-Membros podem manter todas as exclusões previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-membros que tenham aderido à Comunidade após essa data, na data da respetiva adesão".

23. A adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia, ocorreu a 1 de janeiro de 1986, tendo o Código do IVA entrado em vigor na mesma data.

24. Foi ao abrigo da cláusula de congelamento ou de standstill, prevista na Sexta Diretiva, que entraram em vigor as exclusões à dedução, referidas no art.º 21.º do CIVA.

25. A opção do legislador nacional, face à dificuldade de distinção entre o uso particular e o profissional, foi no sentido de restringir o direito à dedução do IVA que incide sobre certas despesas, estabelecendo uma presunção de afetação a fins particulares.».

  1. Ademais, o entendimento da jurisprudência comunitária tem sido o de defender uma interpretação ampla do disposto na mencionada norma, ou seja, considera que “(...) a margem de aplicação concedida aos Estados membros no que se reporta à aplicação das exclusões é ampla, apenas tendo como limite o caso em que um Estado membro tenha acabado por excluir a quase totalidade dos bens e serviços do sistema do direito à dedução, esvaziando de conteúdo a Diretiva”.
  2. Quanto à questão da entrada em vigor da cláusula de “standstill”, ressuma da jurisprudência comunitária que a data relevante para efeitos de aplicação da cláusula de “standstill” do artigo 17.º, n.º 6 da Sexta Diretiva, é a da entrada em vigor daquele diploma comunitário em cada Estado-Membro.
  3. Face a tudo quanto se disse a propósito do artigo 21.º do Código do IVA, considerando, portanto, que: (i) o Código do IV A entrou em vigor em 1 de janeiro de 1986 (data de adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia); (ii) a Sexta Diretiva entrou em vigor, em Portugal, em 1 de janeiro de 1989 (por força do Tratado de Adesão).
  4. Resulta, pois, que, as exclusões ao direito à dedução já se encontravam previstas no Código do IVA antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva, donde o artigo 21.º do Código do IVA não contém qualquer limitação geral do direito à dedução, mas tão só e apenas, um conjunto de limitações específicas a respeito de certo tipo de despesas, a fim de evitar deduções abusivas, alheias ao seu objeto.
  5. Assim, revertendo ao caso dos autos, é manifesto que, face às despesas que estão em causa, a solução que foi adotada pelo nosso legislador não é suscetível das ilegalidades invocadas pela Requerente, à luz da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA contém, sim, limitações específicas para determinados bens e serviços, que, como se demonstrou se encontra em consonância com o direito europeu.
  6. De modo que, tudo visto e ponderado, cai por terra o argumento de que a cláusula de standstill não se aplica ao artigo 21.º do Código do IVA.
  7. Nesta medida, nada obsta a que o artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA exclua ou limite a dedução de despesas que assumam caráter estritamente profissional, não se encontrando, por esse facto, condicionada ao teste presuntivo sugerido pelo artigo 73.º da LGT.
  8. Sobre a questão da inexistência de um juízo presuntivo no artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA, apesar de o imposto ser distinto – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, (“IRC”) –, atente-se no acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a matéria, lavrado pelo STA, processo n.º 021/20.7BALSB, acerca da também inexistente presunção ínsita no artigo 88.º do Código do IRC, a propósito da intenção do sujeito passivo em provar que os custos incorridos com veículos da empresa têm um cariz exclusivamente empresarial.
  9. Atentando-se nos argumentos usados tanto em sede de IRC como em sede de IVA, é possível concluir serem os mesmos ou muito semelhantes, advogando no sentido de que são essenciais à prossecução da atividade comercial da empresa.
  10. Resulta claro que o artigo 21.º do Código do IVA se limita a prever um conjunto de exclusões, que visam evitar deduções abusivas, alheias ao objeto da mesma.
  11. Assim, tendo em consideração que a Sexta Diretiva entrou em vigor a 1 de janeiro de 1989, bem como, o facto do artigo 21.º do Código do IVA, não conter uma limitação geral do direito à dedução, mas sim limitações especificas para determinados bens e serviços que em nada contrariam o direito comunitário, o mesmo goza da proteção conferida pela mencionada cláusula, mostrando-se, quer na sua letra, quer na ratio que lhes está subjacente, compatível com a Sexta Diretiva.
  12. Não obstante, mesmo que legislador admitisse que os bens ou serviços identificados no artigo 21.º do Código do IVA, pudessem destinar-se a fins empresariais, e tratando-se de bens em relação aos quais se configura difícil ou mesmo impossível controlar a sua “real afetação”, e por forma a evitar situações de fraude foi adotada esta norma, que obsta à dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados.
  13. Prossegue a Autoridade Tributária que, observando os documentos juntos pela Requerente, relativos aos veículos alugados para efeitos de utilização na sua atividade, conclui-se que, atento o descritivo nas faturas juntas aos processos, se trata, invariavelmente, de viaturas de turismo, conforme descritas no artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, motivo por que não pode haver lugar à dedução dos montantes suportados.
  14. Face ao que, não se vislumbra qualquer fundamento para que possa proceder a pretensão da Requerente quanto à dedutibilidade do IVA suportado com as despesas incorridas sobre que versam os presentes autos.
  15. Mesmo que fosse – que não é – de aceitar que o artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA está sujeito ao juízo presuntivo, impulsionado por uma interpretação criativa da Requerente do artigo 73.º da LGT, sempre se dirá que os documentos juntos não consubstanciam qualquer prova de que os motociclos em questão são unicamente usados para fins profissionais, pelo que vão especificamente impugnados para todos os efeitos legais.
  16. A Requerente confunde a sua política empresarial e subsequente resolução de proibir os trabalhadores de usarem os motociclos em proveito particular com o efetivo controlo – que não detém, nem consegue provar – da utilização dos aludidos motociclos pelos trabalhadores, em ordem a evitar que os mesmos sejam usados para fins pessoais.
  17. Com efeito, nenhuma prova material concreta, completa e inequívoca é produzida pela Requerente e, provavelmente, nem se tornaria exequível.
  18. Portanto – e salvo o devido respeito –, o controlo da utilização exclusivamente profissional das viaturas por via do aludido “termo” é tanto quanto o respeito pelos limites de velocidade estabelecidos no Código da Estrada.
  19. Não é pela existência de um “termo” que se assegura, por si só, o seu cumprimento.
  20. Aliás, o facto de no aludido “termo” se prever que a responsabilidade pelo pagamento de eventuais coimas e multas, acrescido de processos disciplinares, por má utilização do motociclo, em desrespeito pelas regras do Código da Estrada, correr sempre por conta do trabalhador é um sinal claro e manifesto de que a Requerente, por muito que deseje, não consegue ter controlo sobre as ações dos seus trabalhadores.
  21. Por esse motivo, “sanciona-o”, debitando as coimas e multas aos colaboradores e instaurando processos disciplinares, a que acresce eventual indemnização por danos, caso a Requerente fique privada do motociclo no cumprimento de qualquer sanção acessória que iniba de utilização o dito motociclo.
  22. O mesmo acontece em relação à utilização a título pessoal dos motociclos, que a Requerente não permite, conforme ponto 3 do “termo”, a qual, inclusive, não tem associado, ao contrário do desrespeito pelo Código da Estrada e pela específica sanção acessória de inibição de conduzir, a instauração de processo disciplinar.
  23. Nada do que esteja firmado entre empresa e colaboradores tem o condão de evitar, com absoluta certeza, a não utilização dos motociclos para fins pessoais.
  24. Em idêntico diapasão, também o “manual de procedimentos” apresentado pela Requerente não proíbe, em nenhum ponto da sua redação, a utilização para fins pessoais dos motociclos por parte dos trabalhadores.
  25. Limitando-se apenas a regular os procedimentos e providências a tomar no âmbito da gestão da frota.
  26. O teor do documento não dissuade o trabalhar sequer – menos ainda obstaculiza – de usar a moto em benefício particular.
  27. Acresce que a Autoridade Tributária desconhece quantos motociclos estão na posse e a cargo da Requerente, nem sabe, nem tem de saber, nem a Requerente sequer faz prova, de que diariamente os motociclos são parqueados efetivamente nas garagens que arrenda para o efeito.
  28. Nem indica, muito menos prova, onde estacionam os restantes motociclos que não têm guarida nos prédios urbanos, objetos dos contratos de arrendamento aludidos.
  29. E mesmo que provasse, que não prova, que os motociclos se encontravam estacionados nessas garagens, estaria sempre em falta a prova do número de motociclos parqueados de entre o respetivo universo, propriedade da Requerente, respetivas matrículas, etc.
  30. Para provar que os motociclos se encontram parqueados diariamente, a Requerente teria que estar munida de um complexo sistema de controlo e de registo de saída e entrada de motociclos, com o registo de horas, o registo de matrículas, de condutores, de depósito de chaves, de kms percorridos, de trajetos traçados, etc.
  31. A inconsistência probatória aludida encontra-se, de igual modo, presente na pretensão, gorada, de provar a existência de um sistema de controlo dos tempos de distribuição das encomendas diárias, que, pura e simplesmente não existe.
  32. Trata-se de uma folha de Excel, elaborada internamente, que vale como documento particular, de livre apreciação pelo Tribunal, uma mera amostragem que limita a tentativa de prova às datas entre 03-12-2018 e 31-12-2018,
  33. E onde não se identifica os motociclos, matrículas, condutores, etc.
  34. O que está aqui em causa é a existência de um sistema de controlo rigoroso e fidedigno, que a Requerente não possui.
  35. Controlo esse que não é passível de estar vertido em formulários e declarações, uma vez que no decurso de uma utilização profissional das viaturas há sempre espaço para a utilização pessoal das mesmas, sem que tal utilização seja revelada através de formulários e declarações.
  36. Por último, a ficha doutrinária a que a Requerente faz alusão não se aplica ao presente caso, dado que naquele caso as viaturas eram alugadas por uma empresa dedicada ao turismo.
  37. Pelo que devem os atos tributários que vêm impugnados ser mantidos na ordem jurídica, com as devidas consequências legais., não havendo lugar juros indemnizatórios por não estarem preenchidos os seus pressupostos.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 30 de março de 2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 3 de março de 2022. Em 23 de maio de 2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 23 de maio de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 14 de junho de 2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

Em 23 de novembro de 2022 teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, na qual foi produzida prova testemunhal, tendo as Partes sido convidadas a apresentar alegações escritas, no prazo de 10 dias, sucessivo. À cautela, foi ainda determinada a prorrogação do prazo de prolação da decisão arbitral, por dois meses.

 

Em 6 de dezembro de 2022 a Requerente apresentou alegações escritas, reiterando o explanado e requerido no p.p.a.

 

Em 19 de dezembro de 2022 a AT apresentou alegações escritas, reiterando o explanado na resposta apresentada.

 

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que tem por objeto social o desenvolvimento de atividades de fabrico e comércio de produtos alimentares, designadamente, de pizza e similares, e a exploração de restaurantes em sistema de franchising, o que inclui, entre outros, a prestação de serviços de restauração em lojas próprias, de take away e entrega ao domicílio.
  2. No âmbito da prossecução da sua atividade comercial, a Requerente explora uma cadeia de fast food de pizzas sob a insígnia «B…», quer através de lojas próprias quer através de contratos de franchising.
  3. No que diz respeito à exploração de lojas próprias, o modelo de negócio da Requerente contempla duas vertentes, a saber: (i) a prestação de serviços de restauração nas lojas físicas e (ii) a entrega ao domicílio de pizzas e outras refeições prontas a consumir.
  4. As entregas ao domicílio de pizzas e outras refeições prontas a consumir são efetuadas através de meios próprios e com recurso a motociclos (a combustão e a eletricidade).
  5. Os motociclos encontram-se em regime de locação e os estafetas pertencem aos quadros de pessoal da Requerente.
  6. Os motociclos são adaptados à entrega de refeições, dispondo apenas de um lugar sentado para o condutor e de uma caixa de largas dimensões para transporte de pizzas – Doc. n.º 4.
  7. A utilização dos motociclos está sujeita ao cumprimento de um rigoroso normativo interno de controlo, a saber: (i) Os motociclos são apenas utilizados durante o horário de funcionamento dos estabelecimentos explorados pela Requerente, não sendo permitida a utilização dos mesmos a título pessoal pelos trabalhadores – Doc. n.º 5; (ii) É obrigatório o preenchimento do mapa de controlo dos quilómetros diários efetuados por cada motociclo, assim como a identificação dos respetivos utilizadores – Doc. n.º 6; (iii) Os trabalhadores estão obrigados à utilização exclusiva dos motociclos para fins laborais – isto é, para a realização das entregas ao domicílio –, não podendo destiná-los a uso particular – Doc. n.º 7; (iv) Após cada utilização, o trabalhador/condutor preenche um segundo mapa de controlo onde identifica se foi detetada alguma anomalia no motociclo ou se verificou algum imprevisto durante a viagem – Doc. n.º 8; (v) Adicionalmente, a Requerente instituiu um mecanismo que permite monitorizar as entregas ao domicílio efetuadas para análise de performance interna e, simultaneamente, registar o tempo despendido por cada trabalhador em cada entrega – Doc. n.º 9.
  8. Apesar de todos os controlos e procedimentos implementados pela Requerente, é possível que os motociclos tenham por vezes, uma utilização pessoal contra o interesse privado da empresa.
  9. A publicidade à Requerente, na caixa do banco de trás dos motociclos é meramente acessória. Já que existem tais caixas, coloca-se a publicidade e o telefone. Os motociclos não circulam sem produto apenas para efeitos de publicidade.
  10. A Requerente celebrou diversos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, nomeadamente de garagens e parqueamentos sitos no Lumiar, em Massamá e no Montijo, para estacionamento dos motociclos no final de cada dia de trabalho – Doc. n.º 10.
  11. A Requerente é sujeito passivo de IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.
  12. No âmbito da sua atividade, a Requerente presta serviços a título oneroso em território nacional, realizando exclusivamente operações que, estando sujeitas a IVA nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA, conferem o direito à dedução de imposto, em concreto: (i) Prestação de serviços de restauração; (ii) Prestação de serviços de entrega ao domicílio de refeições prontas a consumir; e (iii) Prestação de serviços de franchising.
  13. Entre junho de 2017 e março 2021, a Requerente não deduziu qualquer valor relativo a despesas de aluguer e manutenção dos motociclos por entender que o imposto suportado não era passível de dedução, à luz do disposto no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.
  14. O montante de IVA suportado nas despesas de aluguer e manutenção dos motociclos durante aquele período perfaz o total de € 159.615,03 – Doc. n.º 11.
  15. Após uma revisão interna de procedimentos, a Requerente decidiu alterar o procedimento adotado até então.
  16. Por esse motivo, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa da autoliquidação de IVA n.º …, referente ao período de 03/2021, por entender que as despesas suportadas com o aluguer e manutenção dos motociclos, no montante total de € 159.615,03, eram totalmente dedutíveis, designadamente, à luz do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA – Doc. n.º 12.
  17. A 15 de novembro de 2021, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  18. A 30 de dezembro de 2021, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa, a qual converteu em definitivo o entendimento anteriormente projetado – Doc. n.º 2.
  19. A Requerente procedeu ao pagamento do IVA autoliquidado na declaração periódica n.º …,  referente ao período de 03/2021, no montante total de € 84.861,39 – Doc. n.º 14.
  20. Não se conformando com o entendimento perfilhado pela Autoridade Tributária, a Requerente apresentou o presente p.p.a.

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal Arbitral considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

As testemunhas C… e D… depuseram com isenção e credibilidade e revelaram conhecimento dos factos envolvidos: na estratégia da utilização dos motociclos e sua configuração, nos procedimentos da empresa para controlo dos motoristas, entre deslocações, e o caráter acessório da publicidade, já que havendo caixas no banco de trás, colocou-se a publicidade e o telefone da empresa.

 

B. DO DIREITO

 

Conforme resulta da factualidade exposta supra, a questão decidenda objeto dos presentes autos consiste em aferir da legalidade dos atos tributário e decisório sub judice e, por conseguinte, da conformidade jurídica da posição perfilhada pela Autoridade Tributária, no sentido de a dedução da totalidade do IVA suportado nas despesas de aluguer e manutenção dos motociclos ser inadmissível atento o regime ínsito no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

Entende a Requerente que tais atos enfermam de vícios de diversa ordem, encontrando-se feridos de ilegalidade conducente à respetiva anulação, nos termos do artigo 163.º do CPA, a saber:

 

  1. Da preterição do regime ínsito na Sexta Diretiva e na Diretiva IVA;

 

  1. Da violação dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade;

 

  1. Da preterição do regime ínsito no artigo 73.º da LGT;

 

  1. Da aplicação do artigo 21.º, n.º 2, do Código do IVA;

 

  1. Da aplicação do regime previsto na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, da Direção-Geral dos Impostos.

 

Senão vejamos,

 

  1. Da preterição do regime ínsito na Sexta Diretiva e na Diretiva IVA;

 

Entende a Requerente que aos artigos 17.º, n.º 6, segundo parágrafo, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA subjaz uma cláusula de standstill, a qual, procurando salvaguardar situações pretéritas de Direito interno – isto é, regimes domésticos anteriores à adesão à União Europeia (anteriores Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia) –, confere aos Estados-Membros a possibilidade de exclusão de certas despesas do direito à dedução do imposto.

 

Não tendo, até à presente data, o Conselho determinado o elenco «[d]as despesas que não conferem direito à dedução do IVA», os Estados-membros estão autorizados, a coberto da cláusula de standstill, à manutenção de todas as exclusões previstas na sua legislação nacional a 1 de janeiro de 1979 ou, no que respeita aos Estados-Membros que aderiram à União Europeia (anteriores e sucessivas Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia) após essa data, no momento da respetiva adesão – isto é, no momento em que assumiram o compromisso de regência pela bitola europeia, designadamente pelas normas (quer primárias quer secundárias) de Direito Europeu.

 

O Estado português aderiu à então Comunidade Económica Europeia a 1 de janeiro de 1986, tendo assinado o correspondente tratado a 12 de junho de 1985.

 

Ora, o Código do IVA entrou em vigor a 1 de janeiro de 1986, mediante a produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro (na redação dada pela Lei n.º 42/85, de 22 de agosto), o qual revogou o anterior Código do Imposto de Transações.

 

Com efeito, o Código do Imposto de Transações não previa, nem expressa nem implicitamente, disposição similar ao artigo 21.º do Código do IVA («Exclusões do direito à dedução»), designadamente ao seu n.º 1, alínea a), pelo que a exclusão do direito à dedução do imposto plasmada neste último preceito não derivou daquela legislação pretérita, tendo tão-somente surgido a 1 de janeiro de 1986 (aquando da adesão de Portugal à então Comunidade Económica Europeia e, concomitantemente, no momento da entrada em vigor do Código do IVA).

 

Conclui a Requerente, não estarem as situações de exclusão do direito à dedução do IVA previstas no artigo 21.º do Código do IVA – mormente, no n.º 1, alínea a) (exclusão do direito à dedução da totalidade do IVA suportado nas despesas de locação e utilização de motociclos) – protegidas pela cláusula de standstill plasmada nos artigos 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva e 176.º, segundo parágrafo, da Diretiva IVA.

 

Contrapõe a Autoridade Tributária que de acordo com o segundo parágrafo do atual artigo 176.º da Diretiva IVA, permitiu-se que os Estados-Membros pudessem manter as exclusões ao direito à dedução, que já estivessem previstas na sua legislação nacional, em 1 de janeiro de 1979 ou, após essa data, como no caso de Portugal, na data da respetiva adesão à Comunidade.

 

Concluindo que, as exclusões ao direito à dedução já se encontravam previstas no Código do IVA antes da entrada em vigor da Sexta Diretiva, donde o artigo 21.º do referido Código não contém – como não poderia conter – qualquer limitação geral do direito à dedução, mas tão só e apenas, um conjunto de limitações específicas a respeito de certo tipo de despesas, a fim de evitar deduções abusivas, alheias ao seu objeto.

 

Assim, é manifesto que, face às despesas que estão em causa, a solução que foi adotada pelo nosso legislador não é suscetível das ilegalidades invocadas pela Requerente (artigos 46.º a 87.º do p.p.a.), à luz da Sexta Diretiva e da Diretiva IVA, uma vez que o artigo 21.º do Código do IVA contém, sim, limitações específicas para determinados bens e serviços, que, como se demonstrou se encontra em consonância com o direito europeu.

 

  1. Da violação dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade

 

Segundo a Requerente, o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA é aplicado cegamente, não possibilitando a produção de prova quanto à natureza das operações realizadas e, por conseguinte, à utilização (particular ou profissional) atribuída aos motociclos.

 

Pelo que o regime ínsito no artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA bule com o princípio da neutralidade fiscal, uma vez que, com tal restrição, enviesa a mecânica do imposto, tendencialmente onerando o consumo na fase intermédia do circuito económico.

 

Sendo certo que quaisquer riscos de fraude ou evasão fiscais associados a um eventual uso privado de tais viaturas não justificam a rigidez da opção tomada pelo legislador nacional, colidindo, por isso, com o princípio da proporcionalidade (de natureza comunitária e, bem assim, de natureza constitucional, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

 

Contrapõe a Autoridade Tributária que, analisando o artigo 21.º do Código do IVA, resulta claro que o mesmo se limita a prever um conjunto de exclusões, que visam evitar deduções abusivas, alheias ao objeto da mesma.

 

Tendo em consideração que a Sexta Diretiva entrou em vigor a 1 de janeiro de 1989, bem como, o facto do artigo 21.º do Código do IVA, não conter uma limitação geral do direito à dedução, mas sim limitações especificas para determinados bens e serviços que em nada contrariam o direito comunitário, o mesmo goza da proteção conferida pela mencionada cláusula, mostrando-se, quer na sua letra, quer na ratio que lhes está subjacente, compatível com a Sexta Diretiva.

 

Mesmo que legislador admitisse que os bens ou serviços identificados no artigo 21.º do Código do IVA, pudessem destinar-se a fins empresariais, e tratando-se de bens em relação aos quais se configura difícil ou mesmo impossível controlar a sua “real afetação”, e por forma a evitar situações de fraude foi adotada esta norma, que obsta à dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados.

 

  1. Da preterição do regime ínsito no artigo 73.º da LGT

 

A Requerente argumenta ainda que, à semelhança da sua situação vertida nos autos, também no caso plasmado no acórdão do Tribunal Central Administrativo (“TCA”) Sul [2], a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de dedução em sede de IVA de despesas efetuadas no âmbito da atividade comercial do sujeito passivo – designadamente, despesas efetuadas no âmbito de uma ação de promoção do lançamento de um novo modelo de veículo automóvel – com fundamento na exclusão do direito à dedução previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Código do IVA:

 

“A Recorrente [Autoridade Tributária] defende que o artigo 21.º do CIVA, seja em matéria de exclusões e limitações à dedução, seja em matéria de exceções às mesmas, visa objetivamente as próprias categorias de despesas aí indicadas, não constituindo matéria regulada no artigo 21.º a questão de saber se tais despesas se relacionam ou não com as operações tributárias desenvolvidas, pelo que tal norma só pode ser entendida no sentido de que, mesmo que uma determinada despesa pudesse dar lugar a dedução do IVA em face do critério da sua utilização definido no artigo 21.º, tal despesa, em qualquer caso, não confere direito a dedução do respetivo IVA, total ou parcial, quando está submetida a uma exclusão ou limitação objetivamente descrita naquele artigo 21.º. Mais alega que o artigo 21.º não constitui uma norma que estabeleça determinadas presunções de utilização de bens em fins não empresariais, suscetíveis de estar submetidas ao regime previsto no artigo 73.º da LGT”.

 

Quanto a este aspeto, clarificou o TCA Sul que tal entendimento da Autoridade Tributária não era de perfilhar:

“É pelo critério do destino das despesas realizadas pelo sujeito passivo que se pode distinguir as despesas que podem ser incluídas das que devem ser excluídas da dedução. As primeiras são efetuadas para fins estritamente profissionais, devendo ser deduzidas, enquanto as despesas que constituem consumo final são excluídas da dedução.

(...)

O direito comunitário, no que aos presentes autos interessa – Sexta Diretiva, apenas permitia limitar o direito à dedução em despesas sem carater profissional, quando existissem razões conjunturais que justificassem a limitação ou quando a mesma fosse aprovada como medida de simplificação da cobrança ou para evitar fraudes ou evasões fiscais. (...) Ora, atento o teor das diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA, a interpretação compaginável com o direito comunitário é a de que o legislador nacional estabeleceu uma presunção que as despesas aí referidas, atenta a natureza das mesmas, não se destinaram aos fins das próprias operações tributáveis do sujeito passivo. E apesar das exceções previstas no n.º 2 do artigo 21.º, a verdade é que o legislador nacional não consagrou a faculdade do sujeito passivo afastar tal presunção, para prova de que as despesas se destinam para os fins tributáveis (na aceção do artigo 17.º, n.º 2 da Sexta Diretiva).

(...)

Tendo presente as exclusões do direito à dedução que o legislador nacional fez constar do artigo 21.º do CIVA, na redação em vigor em 2002, e analisada que foi a margem estreita que na matéria era concedida pela Sexta Diretiva, em vigor no momento da adesão de Portugal à então CEE, mantida pela atual Diretiva IVA, e considerando ainda a coerência do sistema do IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade, as diversas alíneas do n.º 1, do artigo 21.º do CIVA devem ser interpretadas, como presunções ilidíveis, face à inadmissibilidade de presunções inilidíveis em direito fiscal, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, caso contrário incorreriam em incompatibilidade com o artigo 17.º da Sexta Diretiva e violação do principio da proporcionalidade.

Desta forma, sendo as normas ínsitas no artigo 21.º do CIVA subsumíveis a presunções legais de não afetação a operações tributáveis, devem admitir prova em contrário (artigo 73.º da LGT), pelo que desde que confirmada no caso concreto a afetação das despesas à atividade tributária do sujeito passivo é legitima a dedução do IVA incorrido.

(...)

No caso em apreço, constitui facto notório que a realização das despesas incorridas pela Recorrida em Portugal no evento promocional de divulgação do novo modelo da marca O. V., comercializado pela Recorrida, contribuem de forma objetiva para a realização de operações tributárias (venda de automóveis), pelo que deve considerar-se ilidida a presunção que justifica o afastamento da dedutibilidade do IVA (...)”.

 

Em suma, é entendimento jurisprudencial não só que o artigo 21.º do Código do IVA não é conforme às diretivas europeias, como as presunções de que as despesas previstas no n.º 1 foram efetuadas tendo em vista fins privados (alheios à atividade comercial do sujeito passivo) e, por conseguinte, insuscetíveis de dedução em sede de IVA, são ilidíveis mediante prova em contrário.

 

Contrapõe a Autoridade Tributária que nada obsta a que o artigo 21.º, n.º 1 do Código do IVA exclua ou limite a dedução de despesas que assumam caráter estritamente profissional, não se encontrando, por esse facto, condicionada ao teste presuntivo sugerido pelo artigo 73.º da LGT.

 

Conforme defende Sérgio Vasques [3]:

“Em suma, à luz da jurisprudência do TJUE, normas de exclusão como as que figuram no artigo 21.º do Código do IVA podem validamente abranger casos em que as despesas mostrem caráter estritamente profissional e, abrangidas que estejam pela cláusula de standstill, a sua validade não depende de um qualquer teste ad hoc de proporcionalidade. Vale isto por dizer que a aplicação do artigo 73.º da LGT às normas do artigo 21.º do Código do IVA e a tese de que estas podem ser afastadas mediante prova em contrário seguramente não é imposta pelo direito europeu.”.

 

Ainda segundo o autor:

“Em sede de IVA, é verdade que as regras de exclusão do direito à dedução que figuram no artigo 21.º do nosso Código se fundamentam num juízo presuntivo que figuram no artigo 21.º do nosso Código se fundamentam num juízo presuntivo quanto à afectação ou “empresarialidade” de despesas como as que são feitas com viagens, automóveis ou combustíveis e o legislador europeu sempre o reconheceu abertamente nas diversas ocasiões em que tentou harmonizar a matéria. Sucede, no entanto, que juízos presuntivos deste tipo estão por trás de muitas outras normas de incidência de que se faz o IVA.

[...]

Não devemos tomar como presunções “em sentido próprio”, e para os efeitos do artigo 73.º da LGT, normas que encerrem juízos presuntivos que não respeitem à própria existência do Rendimento, património ou consumo, como são as que excluem o direito à dedução no artigo 21.º do Código do IVA ou como as que vedam a dedução de custos no artigo 23.º-A do CIRC”.

 

  1. Da aplicação do artigo 21.º, n.º 2, do Código do IVA;

 

Prossegue a Requerente que o direito à dedução do imposto, enquanto princípio basilar da mecânica de funcionamento do IVA, tem respaldo no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA.

 

Não obstante, o legislador português optou por introduzir algumas exceções ao direito à dedução do IVA, excluindo a sua aplicação quanto a despesas cuja natureza é facilmente confundida com a esfera privada / pessoal, isto é, alheia à atividade comercial e finalidades prosseguidas pela empresa.

 

É neste contexto que o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), do Código do IVA exclui do direito à dedução do IVA as «despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de (...) motos e motociclos».

 

Porém, em determinadas situações, as despesas previstas no referido preceito legal podem, de facto, integrar o objeto social do sujeito passivo e ser imprescindíveis ao desenvolvimento da atividade económica subjacente.

 

Perante o estatuído no artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA, despesas que ab initio (i.e., à luz da alínea a), do n.º 1, do artigo 21.º do Código do IVA) não seriam passíveis de dedução, tornam-se efetivamente dedutíveis porque foram suportadas pelo sujeito passivo precisamente por integrarem o seu objeto social.

 

Ou seja, se não fossem os fins económicos que subjazem ao desenvolvimento da atividade que o sujeito passivo visa atingir, nunca aquelas despesas teriam sido realizadas.

 

Com efeito, a ratio do artigo 21.º, n.º 2, alínea a), do Código do IVA é, pois, permitir a integral dedutibilidade dessas despesas porquanto integram e estão diretamente relacionadas com o objeto social e a atividade económica prosseguida pelo sujeito passivo.

 

A título exemplificativo, aplicável mutatis mutandis, veja-se o entendimento perfilhado pela Autoridade Tributária no âmbito da Ficha Doutrinária n.º 12.211, de 21 de agosto de 2017, proferida pela Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, em sede da qual é reconhecido o direito à dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo na aquisição e aluguer de viaturas ligeiras de passageiros destinadas ao transporte de turistas por serem tais viaturas utilizadas na prossecução do seu objeto social, o qual correspondia ao desenvolvimento de atividades turísticas (e não à venda ou aluguer de viaturas).

 

Ora, à semelhança da situação tratada na Ficha Doutrinária acima identificada, a utilização dos motociclos locados pela Requerente esgota-se no transporte e entrega dos bens vendidos (pizzas e outras refeições prontas a consumir) ao domicílio, operações estas contempladas e abrangidas pelo seu objeto social.

 

Contrapõe a Autoridade Tributária que a Ficha Doutrinária a que a Requerente faz alusão (artigos 141.º e seguintes do p.p.a.) não se aplica ao caso em apreço, dado que naquele caso as viaturas eram alugadas por uma empresa dedicada ao turismo.

 

Ou seja, naquele caso, o aluguer de viaturas encaixa-se no artigo 21.º, n.º 2, alínea. a) do Código do IVA.

 

Prossegue a Autoridade Tributária que, pela leitura do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) [4], não é relevante se para a sua atividade – como a distribuição de pizzas – os sujeitos passivos precisam efetivamente de veículos para exercer o objeto social:

 

“O artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA, sob a epígrafe de “Exclusões do direito à dedução”, dispõe o seguinte:

«1 - Exclui-se, todavia, do direito à dedução o imposto contido nas seguintes despesas:

a) Despesas relativas à aquisição, fabrico ou importação, à locação, à utilização, à transformação e reparação de viaturas de turismo, de barcos de recreio, helicópteros, aviões, motos e motociclos. É considerado viatura de turismo qualquer veículo automóvel, com inclusão do reboque, que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não seja destinado unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial ou que, sendo misto ou de transporte de passageiros, não tenha mais de nove lugares, com inclusão do condutor» (negrito de nossa autoria).

Resulta, assim, deste preceito, em conjugação com os artigos 19.º e 20.º já mencionados, que só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, salvo se a dedução desse imposto, mesmo que relativo a aquisições de bens ou serviços conexos com o exercício da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo, não for permitida por força da norma de exclusão contida no preceito transcrito. E que está excluído o direito de dedução de IVA relativo a aquisição de viaturas de turismo, sendo como tal consideradas as viaturas que, independentemente do fim para que sejam efectivamente utilizadas, são susceptíveis de serem utilizadas para um fim diferente dos mencionados na norma.

Dito de outro modo: no conceito de viatura de turismo imposto pelo legislador fiscal são o tipo de construção e o equipamento da viatura, e não o fim a que é afectado pelo adquirente, que constituem o elemento determinante da exclusão do direito de dedução suportado na respectiva aquisição. Só estão excluídos desse conceito os veículos automóveis que, face ao tipo de construção e ao equipamento que possuem (i) se destinem unicamente ao transporte de mercadorias ou a ser exclusivamente utilizados no desenvolvimento de uma actividade agrícola, comercial ou industrial ou que (ii) sendo misto, não tenha mas do que nove lugares incluindo o condutor.

Da densificação que realizamos do conceito de viatura de turismo ínsito no normativo legal em apreço duas conclusões se devem ainda retirar, que, pelo seu relevo, face à argumentação da Recorrente, importa destacar.

A primeira é a de que ao conceito de viatura de turismo tal como consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA, é absolutamente alheia a classificação que a determinada viatura, cujo IVA se pretende deduzir, seja dada pelo legislador estradal. O conceito de viatura de turismo consagrado no artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA constitui um conceito ou “categoria autónoma” relativamente às especiais classificações previstas no Código da Estrada ou regulamentação conexa.

Como muito bem se realçou na jurisprudência dos Tribunais Centrais a que já fizemos expressa referência, o conceito de viatura de turismo não foi construído a partir dessas especiais classificações, como o demonstra, desde logo, o facto de o conceito de viatura de turismo do artigo 21.º, n.º 1 al. a) do CIVA abranger simultaneamente os veículos que, pelo seu tipo de construção e equipamento, não sejam destinados unicamente ao transporte de mercadorias ou a uma utilização com carácter agrícola, comercial ou industrial e os veículos que, sendo mistos ou de transporte de passageiros, não tenham mais de 9 lugares, ou seja, que foi intenção do legislador fiscal abarcar pela exclusão consagrada também as viaturas de mercadorias a que seja possível dar outro destinado ou serem utilizadas para outro fim para além do transporte de mercadorias. Aliás, como igualmente aí se realçou “se fosse intenção do legislador construir o conceito de viatura de turismo a partir da tipologia de veículos constante deste último diploma legal, excluindo do mesmo os veículos classificados como veículos de mercadorias, teria, simplesmente, estipulado expressamente nesse sentido”.

A segunda é que para efeitos de se decidir pela existência ou não do direito à dedução do imposto é indiferente que o sujeito passivo desenvolva efectivamente uma actividade (agrícola, comercial ou industrial) e que a actividade que desenvolve exija que possua viaturas, incluindo de transporte de mercadorias ou de mercadorias e também de passageiros, como a que foi adquirida e cujo IVA a Recorrente deduziu. O que releva é, tão só, saber se a viatura adquirida pela Recorrente se integra no conceito objectivo de viatura de turismo tal como ficou definido pelo legislador fiscal na al. a), do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.

Neste contexto, fácil se torna compreender porque chegámos à conclusão de que a Recorrente não tem razão quando afirma que a viatura que adquiriu, pelo tipo de construção e equipamento, não se integra no conceito de viatura de turismo definido pelo legislador e, consequentemente, que não é legítima a dedução do IVA que realizou.”

 

  1. Da aplicação do regime previsto na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, da Direção-Geral dos Impostos.

 

Entende a Requerente que importa atender ao facto de os motociclos também serem utilizados como um meio de comunicação e divulgação da marca «B…», assumindo as correspetivas despesas de aluguer e manutenção a natureza de despesas de publicidade.

 

Ora, os motociclos encontram-se caracterizados com o logótipo da marca, bem como com o endereço do site online e contactos telefónicos (canais de comunicação através dos quais a Requerente recebe os pedidos dos seus clientes).

 

Neste contexto ter-se-á necessariamente de admitir que as referidas despesas configuram um tipo de despesa de natureza mista, dada a dupla utilização que é conferida aos motociclos – publicitária e empresarial.

 

A este respeito, entende a Requerente ser de atender ao conteúdo da Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009, proferida pela Direção-Geral dos Impostos, no âmbito da qual a Autoridade Tributária clarificou qual o enquadramento fiscal, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e IVA, dos encargos ou gastos suportados pelos sujeitos passivos com a «aquisição de direitos de utilização de camarotes nos estádios de futebol», os designados «Pacotes Corporate», operação que confere aos seus titulares «a possibilidade de publicitar e promover a sua imagem e os seus logótipos em vários suportes de comunicação».

 

Resumidamente, a Autoridade Tributária concluiu que os camarotes dos estádios de futebol têm uma dupla vertente, a saber: (i) uma principal, referente à publicidade e promoção da imagem e (ii) uma acessória, referente, nomeadamente, ao espaço empresarial e a outros serviços associados aos lugares sentados no camarote, que qualifica como «componente lúdica».

 

Em resultado desta dupla vertente (e na impossibilidade de autonomização de cada componente nas faturas referentes aos «Pacotes Corporate»), a Autoridade Tributária concluiu ser de aceitar a repartição na proporção de 80%, referente à componente principal (publicidade e promoção da imagem), e de 20%, relativamente à componente empresarial / lúdica.

 

Concluiu a Autoridade Tributária, que o IVA incluído nas despesas de publicidade e promoção da imagem é passível de dedução, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA, estando apenas excluída do direito à dedução a componente lúdica.

 

Extrapolando este entendimento para o caso em apreço, ao contrário do que se verifica com os «Pacotes Corporate», não há qualquer utilização dos motociclos que não seja para fins exclusivamente comerciais, publicitários e de divulgação e promoção da marca da Requerente.

 

Ou seja, a utilização dos motociclos não compreende nenhum fim lúdico.

 

Pelo que, por as despesas de aluguer e manutenção dos motociclos configurarem despesas de publicidade na sua totalidade, sem qualquer fim lúdico, de divertimento ou de lazer associado, entende a Requerente que o IVA nelas suportado é integralmente dedutível.

 

Vejamos então,

 

A regra geral do funcionamento do IVA assenta no mecanismo da dedução do imposto suportado, de forma a evitar que se incorpore de forma oculta no preço dos bens e serviços, dando origem ao aparecimento de efeitos cumulativos, que são contrários à neutralidade, que é a sua característica principal.

 

Deste modo, é suscetível de dedução todo o imposto suportado na aquisição de bens e serviços desde que venham a ser efetivamente utilizados no âmbito de uma atividade profissional ou empresarial.

 

Porém, como é sabido, por razões administrativas ligadas à impossibilidade do controlo rigoroso dos desvios para consumos privados de determinados bens e serviços, o legislador português sentiu a necessidade de excluir do direito à dedução o IVA suportado nalgumas aquisições. É o caso, designadamente, das despesas relativas a viaturas de turismo, transportes e viagens, alojamento, alimentação e bebidas, entre outras, que se encontram expressamente excluídas do direito à dedução, por força do estatuído no artigo 21.º do Código do IVA.

 

As despesas em causa, quando necessárias ao exercício da atividade profissional ou empresarial, revelam um efeito penalizador substancialmente relevante, no caso de não ser possível deduzir o IVA que nelas vem incorporado.

 

Consciente desta realidade, o legislador tem vindo a reduzir, em relação a alguns setores de atividade, o âmbito de aplicação do artigo 21.º do Código do IVA.

 

Para além disso, a Autoridade Tributária, por via interpretativa, tem concedido a possibilidade de exercício do direito à dedução em relação a setores de atividade que considera não suscetíveis de desviar as despesas em causa para fins alheios à atividade das respetivas empresas.

 

Ora, o anteprojeto do Código do IVA revela de forma clara que “a limitação do direito do sujeito passivo à dedução do IVA no tocante às despesas em causa, era apenas justificada pela Autoridade Tributária nacional pela dificuldade em controlar de forma precisa a repartição entre a parte profissional e a parte privada das despesas relativas a este tipo de bens e pelos riscos de fraude ou de abuso que daqui decorrem”.

 

Ainda de acordo com o disposto na alínea a) do artigo 168.º da Diretiva IVA, quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor o IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo.

 

A análise do conteúdo da norma em apreço permite concluir que a dedução integral e imediata do imposto constitui a regra geral no que diz respeito às despesas que têm um carácter profissional ou empresarial.

 

No entanto, a regra geral da dedução integral e imediata apenas pode ser afastada nos casos em que as despesas não tenham caráter estritamente profissional, como acontece com as despesas sumptuárias, recreativas ou de representação, bem como nos casos em que, por razões conjunturais, os Estados-Membros podem excluir parcial ou totalmente do regime das deduções alguns ou todos os bens de investimento ou outros bens (artigos 176.º e 177.º, ambos da Diretiva IVA).

 

Este é, de resto, o entendimento que tem vindo a ser seguido pela abundante e pacífica jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo vários os acórdãos que revelam que a dedução do IVA deve ser imediata e integral, desde que os bens e serviços adquiridos sejam utilizados no âmbito da atividade do sujeito passivo.

 

Entre as diversas decisões assume particular relevância o acórdão de 21 de setembro de 1988, que opôs a República francesa à Comissão das Comunidades , e que, no ponto 15 da respetiva fundamentação jurídica, refere que “as características do imposto sobre o valor acrescentado assim recordadas permitem inferir, tal como o Tribunal salientou no seu acórdão de 14 de fevereiro de 1985 (268/83, Rompelman, Recueil, pág. 655), que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas a IVA.”.

 

Idêntica interpretação é reforçada pelo acórdão de 19 de setembro de 2000 (acórdão AMPAFRANCE) que refere de forma clara que “de acordo com a jurisprudência constante, o direito à dedução previsto nos artigos 17.º e seguintes da 6.ª Diretiva (atual artigo 168.º da Diretiva 2006/112/CE) faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode em princípio ser limitado. Ele exerce-se imediatamente em relação à totalidade do imposto que incidiu nas operações a montante”.

 

Mesmo nos casos em que a exclusão do direito à dedução é justificada por razões relacionadas com a fraude e evasão fiscais, decorrentes, nomeadamente, dos desvios para consumo privado de despesas que contêm IVA que foi objeto de dedução, como é o caso das despesas com viaturas ligeiras, alojamento, alimentação e deslocações, a verdade é que o Tribunal considerou, no acórdão citado, que “o risco não existe sempre que resulte dos elementos objetivos que as despesas foram utilizadas para fins estritamente profissionais”.

 

Na verdade, pode ler-se no mesmo acórdão, “uma legislação nacional que exclua do direito à dedução as despesas de alojamento, de receção, de alimentação e de espetáculos sem que seja possível ao sujeito passivo a demonstração da ausência de fraude ou de evasão fiscais a fim de beneficiar da dedução não constitui um meio proporcionado ao objetivo de lutar contra a fraude e a evasão fiscais e afeta excessivamente os objetivos e princípios da Sexta Diretiva”.

 

Acresce, ainda, que a aplicação direta das disposições da Diretiva IVA pode ser invocada pelos particulares nos casos em que são suficientemente claras, precisas e incondicionais.

 

Isso mesmo resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de julho de 1995 (acórdão SOUPERGAZ), no qual se salienta que “as disposições do artigo 11.º, partes A, n.º 1 e B, números 1 e 2 e do artigo 17.º, números 1 e 2 indicam, com precisão, as modalidades de determinação da matéria coletável e, respetivamente, as condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução. Não deixam aos Estados membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação. Deste modo, preenchem os critérios referidos e conferem, por isso, aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas”.

 

Por outro lado, os Estados-Membros têm a possibilidade, até à aprovação de legislação comunitária que regule o mecanismo das deduções, de manter as exclusões do direito à dedução previstas na respetiva legislação nacional em 1 de janeiro de 1979 ou na data da adesão à União Europeia (artigo 176.º, 2.º parágrafo da Diretiva IVA).

 

Com efeito, na esteira do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 2 de maio de 2019 (Grupa Lotos, C-225/18), que o artigo 21.º do Código do IVA resulta da possibilidade de manter as exclusões que já se encontravam previstas no sistema tributário nacional, devendo no entanto, ser interpretado no sentido de que as exclusões do direito à dedução resultam do facto de, mesmo num contexto de atividade profissional ou empresarial, não ter sido possível ao sujeito passivo demonstrar, total ou parcialmente, a utilização profissional ou empresarial dos bens e serviços adquiridos.

 

Assim sendo, não estará nunca excluído do direito à dedução o IVA contido em despesas que tenham inequivocamente uma utilização profissional ou empresarial, cabendo ao sujeito passivo demonstrar tal finalidade.

 

Este é o entendimento que resulta do anteprojeto do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, edição do Núcleo do IVA, da Direção Geral das Contribuições e Impostos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, pág. 225 e seguintes. Na anotação ao artigo 21.º do referido anteprojeto consta que “(...) Sendo certo que toda a mecânica do IVA, destinada a evitar tributações cumulativas dos bens finais, assenta na dedução completa e imediata do imposto suportado nas aquisições, a própria diretiva permite que, em certos casos, possam existir algumas exceções a esse direito. Trata-se do imposto relativo a aquisições de determinados bens ou serviços cujo caráter os torna nada essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares”.

 

Tudo visto, pode então concluir-se que, ainda que a Diretiva IVA permita a existência de exceções ao exercício do direito à dedução, o legislador português fez uso dessa possibilidade apenas em relação às despesas cuja utilização profissional ou empresarial não é possível demonstrar, pelo que o artigo 21.º do Código do IVA não deve ser interpretado literalmente nem aplicado de forma automática, o que significa que deve ser concedida aos sujeitos passivos a possibilidade de demonstrarem que o IVA suportado nas despesas em causa têm uma afetação profissional ou empresarial, sob pena de, não o conseguindo fazer, ficar excluído, total ou parcialmente, o exercício do direito à dedução.

 

Por outro lado, ainda que o legislador admitisse que os bens ou serviços identificados no artigo 21.º do Código do IVA, pudessem destinar-se a fins empresariais, e tratando-se de bens em relação aos quais se configura difícil ou mesmo impossível controlar a sua “real afectação”, e por forma a evitar situações de fraude foi adotado o artigo 21.º, n.º 1, alínea a), que obsta à dedução de imposto suportado na aquisição de bens e serviços não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos privados.

 

Na redação do artigo em causa, alude-se, entre o mais, a motos e motociclos, o que é o caso, sendo que a utilização que a Requerente faz desses motociclos não se inclui no teor do artigo 21.º, n.º 2, alínea a) – o que permitiria a dedução do IVA da correspondente despesa – porquanto os motociclos nem são objeto de venda, nem objeto de exploração, no sentido do seu aluguer, tão-pouco a Requerente prossegue a atividade de transporte e, pode além disso haver utilização pessoal dos motociclos.

 

Em conclusão,

 

O artigo 21.º do Código do IVA (no que às despesas de aluguer e manutenção dos motociclos diz respeito) está abrangido pela cláusula standstill. Ou seja, por permissão de direito da União Europeia, esses temas têm exclusão do direito à dedução do IVA.

 

Veja-se a respeito, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17 de setembro de 2020 (Superbock, C-837/19), “O artigo 17.º, n.º 6, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, bem como o artigo 168.º, alínea a), e o artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem à legislação de um Estado‑Membro entrada em vigor na data da adesão deste à União Europeia segundo a qual as exclusões do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que incide sobre as despesas respeitantes, designadamente, a alojamento, alimentação, bebidas, aluguer de viaturas, combustível e portagens se aplicam igualmente no caso de ser demonstrado que essas despesas foram efetuadas para a aquisição de bens e de serviços utilizados para os fins das operações tributadas.”.

 

O legislador nacional não alterou o disposto no artigo 21.º do Código do IVA desde a entrada de Portugal na União Europeia – em relação à matéria dos autos.

 

A exclusão do direito à dedução (nas despesas relativas a veículos [motociclos]) é clara, precisa e determinada. E tem um racional compreensível: dada a natureza destas despesas, a dificuldade (quase impossibilidade) da sua correta afetação à parte profissional ou à esfera pessoal.

 

Assim, a disposição do artigo 21.º do Código do IVA não é desproporcionada ao intento pretendido e ao funcionamento do regime do IVA. E, por isso, não viola igualmente o princípio da neutralidade do imposto.

 

Para além de que a Requerente não provou que as despesas com as viaturas (motociclos) têm uma total afetação empresarial – nem que seja por utilização pessoal dos seus funcionários (mesmo que seja por um período restrito de tempo e até mesmo que os veículos em causa tenham carregamento elétrico limitado), que escapa ao controlo da empresa, pelo que deverá ser negado o direito à dedução.

 

Resultando do exposto que o ato de autoliquidação impugnado, constante da declaração periódica referente ao período de 03/2021, não padece de ilegalidade, à luz do disposto no artigo 21.º, n.º 2, alínea a) do Código do IVA, pelo que fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), o conhecimento dos restantes vícios suscitados, designadamente, relativos à verificação dos requisitos previstos no artigo 73.º da LGT e, bem assim, da aplicação do regime previsto na Circular n.º 20/2009, de 28 de julho de 2009.

 

Conclui-se, assim, que a autoliquidação em causa não enferma da ilegalidade a Requerente lhe imputa.

 

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da decisão de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa apresentado contra a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.º …, referente ao período de 03/2021, submetida a 12 de maio de 2021, – bem como da referida autoliquidação, com as respetivas consequências legais, incluindo juros indemnizatórios.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 159.615,03, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.672,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido foi julgado improcedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 29 de dezembro de 2022

 

O Árbitro - Presidente,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

 

(Tomás Cantista Tavares)

 

O Árbitro-Vogal,

 

(Hélder Faustino)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de outubro de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 1113/05.8 BELSB.

[3] Cfr. Cadernos do IVA 2017, Almedina, Lisboa, Outubro 2017, pp. 478-479 e pp. 492-495.

[4] Cfr. processo n.º 0353/11.5BECTB 01017/17.