Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 410/2022-T
Data da decisão: 2022-12-16  IMI  
Valor do pedido: € 51.767,68
Tema: AIMI - Pedido de Revisão oficiosa do ato tributário de fixação de Valores Patrimoniais no ato da liquidação.
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SUMÁRIO

 

O artigo 45.º do CIMI[1], na redação em vigor nos anos de 2017 a 2020, não previa que na fixação do VPT[2] dos terrenos para construção fossem aplicados os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º do mesmo Código, que tinham aplicação apenas na avaliação dos prédios urbanos edificados.
Os erros cometidos na determinação do VPT de prédios urbanos são autonomamente impugnáveis, depois de requerida segunda avaliação, no prazo de três meses após o
mesmo se tornar definitivo, não sendo suscetíveis de ser impugnados contra os atos de
liquidação que sobre eles venha a recair.

A título excecional, no prazo de três anos após o ano em que foi praticado o ato
tributário da liquidação, pode ser autorizada a revisão do VPT com base nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT[3], desde que verificada injustiça grave ou notória não imputável a comportamento negligente do sujeito passivo do imposto.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I- RELATÓRIO

 

A... SA, com o número de identificação fiscal..., sedeada na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ...‐...Aveiro, veio ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos números 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro do RJAT[4] e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral tendo em vista a decisão de indeferimento tácito que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado em 09/02/2022, contra as liquidações de AIMI[5] referentes aos anos de 2018, 2019, 2020, com os números 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020... e 2020... que dele foram objeto, com vista à apreciação da legalidade dos próprios atos de liquidação, solicitando a sua anulação parcial no montante global de €51.767,68, com o consequente reembolso acrescido de juros indemnizatórios, nos termos legais.

Em síntese, sustenta o seu pedido no erro na determinação do VPT, dos terrenos para construção de que era proprietária nos anos em questão, valor que serviu de base, em parte, á respetiva tributação em AIMI, uma vez que o aludido VPT de cada um, foi apurado, ilegalmente, ao usar os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto, previstos no artigo 38º do CIMI, produzindo por isso liquidações ilegais, uma vez que o artigo 45º do mesmo Código, não permite a sua aplicação aos terrenos para construção e que, quando interpretado no sentido da sua aplicação, como faz a Requerida AT[6], a norma é inconstitucional.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD[7] e automaticamente notificado à AT em 08-07-2022, sem que a Requerente exercesse o direito de designar árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o ora signatário.

Em 26-08-2022, o Senhor Presidente do CAAD notificou as Partes da nomeação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 deste normativo sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 13-09-2022.

 Na sua resposta a AT, em síntese, vem dizer que o diferendo está na forma como vinha fazendo o cálculo do VPT dos terrenos para construção, tendo alterado esse procedimento, acolhendo as decisões dos Tribunais Superiores, deixando de utilizar os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto. No caso concreto, por Despacho de 17-08-2022 da Senhora Subdiretora-geral da área do Património, foi determinada a anulação parcial das liquidações do AIMI contestadas, conforme ponto 13 da Resposta e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ficando deste modo parcialmente esvaziado de conteúdo o objeto do presente processo e desprovido de utilidade, verificando-se por isso a inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC[8], aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, e quanto à restante parte do pedido ele não pode proceder uma vez que não está prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação, mas mesmo que estivesse o pedido de revisão oficiosa é intempestivo, os VPT`s[9] estão consolidados na ordem jurídica, sendo insuscetíveis de serem impugnados nos atos de liquidação e a AT só pode anular atos de fixação de VPT`s que tenham ocorrido há menos de cinco anos o que não é o caso.

Invocou vária jurisprudência no sentido por si preconizado, tudo como melhor consta na respetiva resposta, que aqui se dá, nessa parte, como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, concluindo que a pretensão arbitral da Requerente deve ser julgada improcedente por não provada, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.

 

II - SANEAMENTO

 

O Tribunal, após a junção da resposta da AT e análise dos autos, proferiu o seguinte despacho: “verifica-se que  não há exceções a apreciar, não foram arroladas testemunhas e não havendo complexidade na tramitação processual, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais (artigos 19º nº.2 e 29º nº.2 do RJAT) fica dispensada  a reunião prevista no artigo 18º do RJAT.  

Os autos prosseguem com alegações escritas, facultativas, por um período de 10 dias, a partir da notificação do presente despacho, sendo que se concede à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo.

Indica-se o dia 16/12/2022 para prolação da decisão arbitral devendo até essa data, a Requerente fazer prova, junto do CAAD, do  pagamento da taxa de justiça subsequente.

Ao abrigo do princípio da cooperação solicita-se que as partes remetam ao CAAD cópias dos respetivos articulados, em formato  “Word” com vista a facilitar e abreviar a tarefa de elaboração da decisão”

Não foram produzidas alegações.

Em 24/11/2022 a Requerente juntou aos autos decisão expressa de deferimento do Pedido de Revisão Oficiosa proferida no passado dia 07/11/2022 pelo Chefe do Serviço de Finanças de Estarreja, relativamente aos terrenos para construção situados na área fiscal deste Serviço local de Finanças.

 O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 O processo não enferma de nulidades cumpre decidir.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO

 

1 – Questões a dirimir

 

  1. Se o ato de decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos tributários de liquidação de AIMI em causa, deverá ser anulado e consequentemente as liquidações contra as quais se dirigia deverão ser parcialmente anuladas porque contrárias à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito nos termos formulados pela Requerente e a AT condenada a reembolsar o valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 51.767,68, relativamente às referidas liquidações acrescido dos respetivos juros indemnizatórios requeridos,
  2.  Ou se deve ser declarada a extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, na parte respeitante às avaliações anuladas pelo Despacho de 17-08-2022 da Senhora Subdiretora-geral da área do Património, que estiveram, parcialmente, na base das liquidações nele indicadas que serão consequentemente anuladas e quanta às restantes liquidações não abrangidas pelo aludido Despacho, deverão permanecer na ordem jurídica e o pedido de pronuncia nessa parte ser julgado improcedente e a Requerida absolvida de todos os pedidos como pretende.
     

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1.  A Requerente é uma sociedade anónima, que no âmbito da sua atividade é            proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção e foi oportunamente notificada das liquidações de AIMI respeitantes aos 2018, 2019, 2020, com os números 2018... no valor total de € 55.604,29; 2019..., 2019..., 2019..., 2019 ... no valor de € 68.004,56; e 2020... e 2020... no valor de € 68.796,56. 
  2. As referidas liquidações tiveram por base, em parte, para efeitos de determinação do VPT e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, os VPT´s dos terrenos para construção de que ao tempo era proprietária, fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.
  3. Este procedimento da AT veio a ser modificado em 2020, mas não foi aplicado aos VPT`s dos terrenos para construção da Requerente e que originaram, em parte, as liquidações supra referidas.
  4. A Requerente apresentou, em 9 de Fevereiro de 2022, ao
    abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, Pedido de Revisão Oficiosa dos aludidos atos de liquidação, com vista a ser apreciada a legalidade no que respeita ao VPT dos terrenos para construção e consequentemente do AIMI sobre eles incidente, pedido que veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por falta de decisão da AT dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
  5. Não se conformando com o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por si interposto, e por conseguinte com a legalidade dos atos de liquidação de AIMI que lhe estão subjacentes, a Requerente vem suscitar a apreciação junto deste Tribunal da legalidade daquela decisão de indeferimento, tacitamente presumida, e dos próprios atos de liquidação, requerendo a respetiva anulação parcial, e da correspondente restituição do imposto indevidamente a mais pago, no montante de € 51.767,68, acrescido de juros indemnizatórios.
  6. As liquidações em causa foram oportunamente pagas pela Requerente e o montante do imposto a reembolsar de € 51.767,68, por ela apurado e não contestado pela Requerida respeita aos anos de 2018 € 17 276,67, 2019 € 17 934,01 e 2020 €16 557,00.
  7. Por Despacho de 17-08-2022 da Senhora Subdiretora-geral da área Património, junto com a resposta da Requerida, considerou-se que os VPT dos terrenos para construção em causa, determinados há mais de 5 anos não poderiam ser anulados em obediência ao disposto no artigo 168º nº 1 do CPA[10] e só os restantes seriam anuláveis, conforme documentos (1 e 2) que juntou e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
  8. De acordo com este Despacho as liquidações serão anuladas da forma como está especificado no documento 1, isto é, as liquidações cujo VPT tenha sido determinado há menos de 5 anos serão anuladas independentemente dos anos a que respeitem (2018, 2019 e 2020) as restantes com VPT determinado há mais de 5 anos serão mantidas na ordem jurídica.
  9. Relativamente a 2018, fica abrangido pelo Despacho anulatório o AIMI respeitante a 22 artigos que constam nas linhas 3 a 24 da tabela elaborada com a identificação dos terrenos para construção, junta com a resposta, cujo somatório dos VPT,`s perfaz € 3 662 870,00 que à taxa de 0,40% corresponde o valor do AIMI anular de € 14 651,48.
  10. Tendo em conta que relativamente a 2018 a Requerente pretendia a devolução de € 17 276,67 abatendo-se o valor de 14 651,48, abrangido pelo Despacho anulatório permanece o valor de € 2 625,19 de AIMI correspondente às liquidações incidentes sobre os VPT`s dos terrenos para construção, determinados há mais de 5 anos.
  11. Seguindo esta determinação hierárquica o Serviço local de Finanças de ... da AT, relativamente aos terrenos para construção situados na respetiva área fiscal, cujos VPT´s foram determinados há menos de 5 anos, procedeu à sua revisão e à consequente anulação das respetivas liquidações respeitantes aos anos de 2018, 2019 e 2020, deferindo a pretensão da Requerente, conforme Despacho de 07/11/2022 do respetivo Chefe do serviço.

 

Estes são os factos que o Tribunal considerou provados com base no declarado e nos documentos juntos aos autos pelas partes, cuja realidade não foi por elas posta em causa e, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre tudo o que por elas foi alegado, selecionou os factos que entendeu relevantes para a decisão e discrimina a matéria provada da não provada, conforme artigo 123º nº 2 do CPPT[11] e artigo 607º, nº3 do CPC, aplicável ex vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e e) do RJAT.

 


2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal não considerou a existência de factos relevantes para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

3- Matéria de Direito

 

 O pedido arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, apresentado pela Requerente em 09 de Fevereiro de 2022 e, por objeto mediato, as liquidações de AIMI referentes aos anos de 2018 2019 e 2020, supra identificadas, as quais incidiram sobre o VPT dos terrenos para construção de que a mesma era proprietária, em cuja avaliação, efetuada nos termos do artigo 45.º do CIMI, foram indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do mesmo Código.

Estamos perante uma impugnação de atos tributários de liquidação de AIMI que, no entender da Requerente, estão suportados em erros ocorridos na avaliação que fixou os VPT´s sobre os quais recaíram as liquidações, uma vez que, na referida avaliação, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo inaplicável aos terrenos para construção, ao usar coeficientes multiplicadores de VPT que o artigo 45º do CIMI não consente, pelo que entende que os atos tributários de liquidação identificados são contrários à Lei por padecerem de erros nos pressupostos de facto e de direito, pelo que deverão ser parcialmente anulados e a Requerente reembolsada do imposto pago em excesso no montante apurado de €51.767,68, acompanhado de juros indemnizatórios, á taxa legal, até ao reembolso integral do aludido montante.

Quanto à Requerida AT considera que tem vindo a acolher o entendimento
preconizado Superiormente pelos Tribunais, no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

Que em 17/08/2022 por Despacho da Senhora Subdiretora-geral da área do
Património, foi determinada a anulação parcial das liquidações do AIMI contestadas, referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, cujos VPT´s correspondentes tinham sido determinados há menos de 5 anos, tudo como melhor consta nos documentos que juntou e aqui se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Nesta perspetiva a pretensão da Requerente encontra-se em parte, satisfeita, em virtude da anulação das avaliações cujo VPT tenha sido determinado há menos de 5 anos, pelo que as liquidações serão anuladas, não se vislumbrando a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral quanta estas liquidações, o que dará lugar à extinção do processo arbitral nesta parte, por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Quanto às restantes liquidações cujo VPT foi determinado há mais de 5 anos independentemente de se tratar de liquidações de 2018,2019 e 2020, a AT considera que há consolidação do ato tributário que determinou o VPT, na medida em que não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais mas, mesmo que assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa não são tempestivos, havendo consolidação  na ordem jurídica do ato que fixou os respetivos VPT`s à data da tributação, outros eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato
de liquidação que seja praticado com base no mesmo e por último a AT não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.

Sustenta este seu ponto de vista em variada jurisprudência que citou e aqui damos por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

 

Quid júris?

O pedido arbitral, como já se disse, tem como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito de um pedido de revisão ao abrigo do artigo 78.º da LGT e como objeto mediato as liquidações de AIMI referentes aos anos de 2018 a 2020 e dirige-se não à totalidade das liquidações mas apenas sobre a parte do que foi liquidado em excesso devido à
aplicação ilegal da fórmula de avaliações prevista no artigo 45.º do CIMI que se refletiu na determinação incorreta dos respetivos VPT´s, relativamente aos terrenos para construção que a Requerente é proprietária.

Do probatório resulta que a Requerida AT tem vindo a acompanhar o entendimento dos Tribunais nesta matéria e, em 17/08/2022, por Despacho da Senhora Subdiretora-geral da área do Património, foi determinada a anulação parcial das liquidações do AIMI aqui contestadas, referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, cujos VPT´s correspondentes tinham sido determinados há menos de 5 anos.

 O procedimento consequente, a cargo dos serviços locais da AT, está a ocorrer, como já aconteceu com o Serviço local de Finanças de Estarreja, o que, no entender da Requerida, dará lugar à extinção do processo arbitral, relativamente a estas liquidações de 2018, 2019 e 2020 que incidiram sobre VPT`s determinados há menos de 5 anos, por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Atingido, desta forma, o desiderato da Requerente relativamente a estas liquidações, o Tribunal adere a este ponto de vista, considerando que a inutilidade superveniente da lide é imputável à Requerida pelos factos comprovados.

Quanto às liquidações de 2018,2019 e 2020 cujos VPT`s foram determinados há mais de 5 anos e vistas já as posições das partes, o Tribunal adere à posição da Requerida na parte em que considera a inimpugnabilidade das liquidações de AIMI com fundamento em ilegalidades cometidas na fixação do valor patrimonial tributário sobre o qual as mesmas incidiram, na medida em que estamos perante atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI que são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

Determina o artigo 15.º do CIMI, que a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação direta e, por isso, nos termos da lei, impugnável diretamente, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT).

Por outro lado o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, estabelece que os atos de fixação dos
valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação
ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade
, determinando o seu n.º 7 que a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de
esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação
. Idênticos preceitos estão estabelecidos no artigo 77.º do CIMI que impõe aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código.

Esta posição é acolhida por diversa jurisprudência dos Tribunais Superiores, e também por várias decisões arbitrais, designadamente no Pº 487/2020, presidido pelo Exmo Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que transcrevo na parte aplicável:

“… o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são
relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação
de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo
esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de
subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1
e 7 do artigo 134.º do CPPT.


Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sedede liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI)

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16…”

 

 Daqui resulta que os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de AIMI.

 

Nesta perspetiva, improcede o ponto de vista da Requerente no que respeita à impugnação de atos tributários de avaliação consolidados na ordem jurídica a o1 de janeiro de cada ano de tributação de AIMI, no caso concreto, 2018, 2019 e 2020, com os VPT´s determinados há mais de 5 anos, uma vez que há muito se encontra ultrapassado o prazo de 3 meses concedidos para o efeito.

 

Estando, porém, os Tribunais arbitrais obrigados a decidir em consonância com o direito constituído, entende-se que as liquidações de AIMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.

Porém, o artigo 78º da LGT, nos seus nºs 4 e 5, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

Veremos de seguida se os condicionalismos previstos nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT estão verificados por forma a admitir a revisão oficiosa, seguindo também aqui a jurisprudência vertida na Decisão arbitral proferida no processo n.º 487/2020-T, já referido.

Relativamente ao prazo de 3 anos, posteriores ao do ato tributário que termina no dia 31 de dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário, verifica-se, desde já, quanto aos artigos cujo VPT´s foram determinados há mais de 5 anos, em relação ao ano de 2018, o pedido de revisão da matéria tributável já não poderia ser autorizado, uma vez que a liquidação foi emitida em 30/06/2018 e o pedido de revisão só foi apresentado em 09/02/2022, portanto extemporaneamente uma vez que o prazo para a sua apresentação terminou em 31 de dezembro de 2021.

No que concerne às liquidações respeitantes aos anos de 2019 e 2020, o prazo de 3 anos ainda não estava esgotado e o dirigente máximo do serviço ainda poderia autorizar o pedido de revisão da matéria tributável e consequentemente corrigir as respetivas liquidações em conformidade com a revisão autorizada.

Assim sendo, verificada a tempestividade do pedido quanto às aludidas liquidações de 2019 e 2020, teremos que apreciar se a fixação dos valores patrimoniais resultaram de qualquer informação incorretamente prestada pela Requerente, relativamente à natureza dos prédios, o que não se verifica, uma vez que a avaliação foi realizada pela AT, com base numa fórmula prevista na Lei, sem qualquer intervenção da Requerente. Esta circunstância afasta qualquer comportamento negligente da parte Requerente. Antes pelo contrário, o erro tem que ser completamente imputável à AT, na medida em que utilizou na avaliação e fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção, as normas legais aplicáveis aos prédios edificados, o que nos permite concluir que os erros apontados pela Requerente na fixação dos valores patrimoniais dos terrenos para construção em causa, só poderão ser exclusivamente imputáveis à AT.

Tais erros conduziram ao apuramento de valores patrimoniais dos terrenos para construção não correspondentes ao legalmente previsto no artigo 45º do CIMI e consequentemente aos atos de liquidação de AIMI são desproporcionalmente superiores aos legalmente exigíveis o que se traduz em «injustiça grave ou notória».

Constatando-se assim, os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, deveria a AT, em vez da omissão de pronúncia do pedido de revisão oficiosa que lhe foi dirigido, ter efetuado essa revisão e anulado as liquidações de AIMI respeitantes aos anos de 2019 e 2020 que incidiram sobre o VPT dos terrenos para construção determinados há mais de 5 anos.

Nesta perspetiva e tendo em conta que as liquidações incidentes sobre VPT`s determinados há menos de 5 anos, dos anos de 2018, 2019 e 2020, beneficiaram do Despacho anulatório de 17-08-2022 da Senhora Subdiretora-geral da área Património, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa relativamente às restantes liquidações incidentes sobre VPT`s determinados há mais de 5 anos, respeitantes aos anos 2019 e 2020, a sua consequente anulação parcial, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT e ainda a manutenção do indeferimento tácito, por intempestividade do pedido de revisão oficiosa, relativamente às restantes liquidações respeitantes a 2018 incidentes sobre VPT`s determinados há mais de 5 anos, que deverão permanecer na ordem jurídica pelos motivos expostos.

Relativamente aos valores a restituir, apesar de quantificados pela Requerente, o Tribunal não possui elementos que lhe permitam confirmar tal quantificação, que até poderá estar correta e não foi contestada pela Requerida, mas que o nº 6 do artigo 110º do CPPT impede que a falta de contestação corresponda a confissão.

Nestas circunstâncias deverá a Requerida em execução de sentença e em cumprimento da decisão do Tribunal, proceder à reformulação das liquidações dos anos de 2019 e 2020, incidentes sobre VPT´s determinados há mais de 5 anos, quantificando os valores a restituir em cada ano, com observância do aqui decidido. 

 

 

 

  1. Questões de conhecimento prejudicado

 

 

Do exposto resulta a inviabilidade de anulação das liquidações relativas ao ano de 2018, incidentes sobre VPT´s determinados há mais de 5 anos por intempestividade do pedido de revisão oficiosa e a procedência do pedido anulação relativo aos anos de 2019 e 2020.

Sendo esta anulação baseada em vícios que obstam à renovação das liquidações com o mesmo conteúdo fica prejudicado e inútil o conhecimento das restantes questões colocadas, (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC) incluindo o argumento da inconstitucionalidade do artigo 45º do CIMI, quando interpretado no sentido que a Requerida AT vinha fazendo, e ainda da proibição de se julgar segundo as regras de equidade que não se contesta, mas com o devido respeito, sempre se dirá que do ponto de vista do Tribunal é inoportuna até porque foi a Requerente a suscitar o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que formulou ao abrigo do artigo 78.º da LGT, limitando-se o Tribunal, como é seu dever, a proceder à apreciação desse pedido e a identificar, interpretar e a declarar o direito aplicável segundo os critérios que considera mais ajustados, como aliás vem acontecendo noutras decisões arbitrais, designadamente no Processo 487/2020 que temos seguido.

 

4- Juros indemnizatórios

 

No que toca a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do STA[12] de 12-7-2006, proferido n processo n.º 0402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, como se prevê no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 09/02/2022, pelo que apenas a partir de 10-02-2023 haverá direito a juros indemnizatórios, isto apesar do indeferimento da revisão oficiosa ter ocorrido em processo de impugnação judicial. Como já se viu a jurisprudência consolidada do STA e recentemente confirmada no seu Acórdão de 23/11/2022, aponta no sentido dos juros indemnizatórios serem devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 43.º, nºs. 1 e 3, alínea c), da LGT.

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base nos valores a restituir desde que essa restituição ocorra posteriormente a 09/02/2023, sendo contados desde 10/02/ 2023 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do CC[13] e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

IV- Decisão

 Em conformidade com o exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Declarar a inutilidade superveniente da lide, relativamente às liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, incidentes sobre VPT´s determinados há menos de 5 anos e abrangidas pelo Despacho anulatório de 17-08-2022 da Senhora Subdiretora-geral da área Património da AT;
  2. Declarar a manutenção do indeferimento tácito por intempestividade do pedido de revisão oficiosa relativamente às liquidações de AIMI do ano de 2018 incidentes sobre VPT´s determinados há mais de 5 anos;
  3. Declarar a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa relativamente às liquidações respeitantes aos anos 2019 e 2020, cujos VPT´s foram determinados há mais de 5 anos, a sua consequente anulação parcial e a restituição dos valores indevidamente pagos, ao abrigo do artigo 163º, nº 1 do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c) da LGT.
  4. Declarar procedente o pedido de juros indemnizatórios, e condenar a AT a pagá-los à Requerente sobre todos os valores a restituir desde que essa restituição venha a ocorrer para além de 09/02/2023 e contados desde 10-02-2023, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, à taxa legal supletiva.

 

 

V- Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do RCPAT[14], fixa-se ao processo o valor de € 51 767,68

 

VI- Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, ficando a cargo da Requerente, € 108,00 e a cargo da requerida AT € 2 034,00 valores correspondentes aos respetivos decaimentos.

Notifique.

 

Lisboa, 16 de dezembro de 2022.

O Árbitro,

 

(Arlindo José Francisco)

 

 

 

 



[1] Acrónimo de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis

[2] Acrónimo de Valor Patrimonial Tributário

[3] Acrónimo de Lei Geral Tributária

[4] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária

[5] Acrónimo de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis

[6] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira

[7] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa

[8] Acrónimo de Código de Processo Civil

[9] Acrónimo de Valores Patrimoniais Tributários

[10] Acrónimo de Código do Procedimento Administrativo

[11] Acrónimo de Código de Procedimento e de Processo Tributário

[12] Acrónimo de Supremo Tribunal Administrativo

[13] Acrónimo do Código Civil

[14] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária