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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório:
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A..., S.A., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...-... ALGÉS, número de pessoa colectiva..., apresentou, em 15.6.2022, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e o art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro presidente e os árbitros vogais que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 9.8.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído em 30.8.2022 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 3.10.2022, a Requerida apresentou Resposta defendendo-se por impugnação, refutando o vício imputado pela Requerente às liquidações de IVA e JC, de 2019, colocadas em crise.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2020..., interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (Processo n.º ...2020...), apresentada contra a liquidação adicional de IVA n.º ..., a demonstração de liquidação de IVA n.º 2020 ..., a demonstração de liquidação de juros n.º 2020 ... e duas demonstrações de acertos de contas n.ºs 2020 ... e 2020c..., emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) em 2019 e reportadas ao período de Maio de 2019; bem como na consequente declaração de ilegalidade daqueles mesmos actos de liquidação reportados ao período de tributação de Maio de 2019 e que totalizam o montante de 73.388,53 €, por estarem enfermados do vício de violação de lei e mais concretamente por violação do Direito Comunitário; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daqueles actos tributários de liquidação, na restituição à Requerente do valor indevidamente pago, no montante de 73.388,53 €; iii) Em conformidade com o referido nos art.ºs 83.º a 85.º e 92.º do PPA, no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, por estarem preenchidos os pressupostos do art.º 43.º da LGT.
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Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações da Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa a Requerente por aduzir no sentido de que “Em sede de relatório de inspeção tributária, e, posteriormente, na apreciação da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, a AT entendeu que as transações intracomunitárias de bens, com destino a França, realizadas a 30 de maio de 2019, associadas à fatura n.º 459, emitida pela B..., “configuram, à partida, operações triangulares” e que, por esse motivo, “estão sujeitas às regras especiais de localização previstas nos números 2 e 3 do artigo 8.º do RITI, que funcionam como cláusula de salvaguarda de uma efetiva tributação, sendo o IVA devido em território nacional, ainda que o local da chegada da expedição ou transporte dos bens se situe noutro Estado Membro, na falta de prova pelo adquirente (no caso concreto a Reclamante) de que a aquisição foi sujeita a imposto nesse outro Estado Membro”.”
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E partindo dali sustenta a Requerente que não ocorreu uma operação triangular e, por outro lado, diz ter demonstrado que a operação submetida a julgamento foi sujeita a imposto em França, através da autoliquidação de imposto efetuada pela sua Sucursal nesse país.
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Visando a demonstração de que não estamos perante uma operação triangular, a Requerente figura aquela tipologia de operações dizendo que “(...) estamos perante uma operação triangular quando um sujeito passivo “A” (estabelecido no Estado-Membro 1) transmite bens a um sujeito passivo “B” (estabelecido no Estado-Membro 2, mas não estabelecido ou registado para efeitos de IVA no Estado-Membro 3), que, por sua vez, os revende a um sujeito passivo “C” (estabelecido no Estado-Membro 3), sendo que os bens são diretamente transportados/expedidos do Estado-Membro 1 para o Estado-Membro 3 (com destino ao sujeito passivo B, que, apesar de aí efetuar uma aquisição intracomunitária, consegue evitar a necessidade de registo e autoliquidação, conquanto estejam reunidos determinados pressupostos).”
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A Requerente prossegue aduzindo como segue: “Por referência ao exemplo acima apontado, na eventualidade de B não conseguir provar que a aquisição intracomunitária de bens foi sujeita a IVA no Estado-Membro de chegada dos mesmos (Estado-Membro 3), a referida aquisição seria tributada no Estado-Membro 2 (ainda que os bens não tenham por aí passado fisicamente), na medida em que “B” teria utilizado o seu número de identificação fiscal para efetuar tal operação, acionando-se, assim, a usualmente denominada “cláusula de segurança”, prevista no n.º 2 do artigo 8.º do RITI.”
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E não se detendo, defende a Requerente o seguinte: “A tributação no Estado-Membro 2 será sempre afastada desde que “B” prove que a aquisição intracomunitária foi sujeita a imposto no Estado-Membro 3 (não se aplicando, desta forma, a “cláusula de segurança”, ou revertendo-se a mesma, caso a correção seja efetuada após a sua inicial aplicação).” E mais: “Neste âmbito, com vista a evitar a obrigação de registo para efeitos de IVA do sujeito passivo B (ou uma eventual nomeação de um representante fiscal) no Estado-Membro 3, onde faria uma aquisição intracomunitária de bens seguida de uma transmissão local a “C”, o n.º 3 do artigo 8.º do RITI prevê que sejam acionadas medidas de simplificação, que se traduzem na verificação, em simultâneo, das seguintes condições: (i) o sujeito passivo (“B”) tenha adquirido os bens para proceder à sua transmissão subsequente (a “C”) nesse Estado-Membro e inclua essa operação na declaração recapitulativa; (ii) o adquirente dos bens transmitidos nesse Estado-Membro (“C”) seja um sujeito passivo aí registado para efeitos de IVA; e, (iii) o adquirente (“C”) seja expressamente designado, na fatura emitida pelo sujeito passivo (“B”), como devedor de imposto pela transmissão de bens efetuada nesse Estado-Membro.”
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Sustentando a Requerente que foi com base na condição (ii) acima mencionada [prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 8.º do RITI], que a AT baseou a correção sindicada, mas advogando desde logo que “(...) estando aquela condição intrinsecamente ligada às medidas de simplificação aplicáveis às operações triangulares (em particular, ao sujeito passivo B, no exemplo prático acima referido), a mesma não será de aplicar ao caso sub judice, na medida em que não consubstancia o mesmo tipo de operação (i.e. não tratamos aqui de uma operação triangular, uma vez que não existiu nesta operação um sujeito passivo C, a quem a Requerente tenha transmitido os bens).”
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Isto dito, parece incontornável que a Requerente afasta a aplicabilidade do instituto das operações triangulares à situação submetida a julgamento, defendendo, por isso, a inaplicabilidade aqui do n.º 3 do art.º 8º do RITI. É que, diz: “No caso em apreço, o fornecedor italiano B... efetuou tão só uma transmissão intracomunitária de bens a partir de Itália (isenta de IVA nesse país), ao passo que a Requerente efetuou uma aquisição intracomunitária desses bens em França, para aí os utilizar na sua atividade tributável (prestação de serviços à C...).” E mais: “De facto, na decisão final de indeferimento do recurso hierárquico, a própria AT conclui que “tudo parece indicar que estamos perante um (único) sujeito passivo sediado em Portugal, não obstante possuir uma Sucursal em França”, pelo que nem sequer se verifica o requisito de não estabelecimento ou registo para efeitos de IVA em França para que se aplicassem as regras das operações triangulares.”
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Resolvida a questão da qualificação da operação submetida a julgamento e da inaplicabilidade do n.º 3 do art.º 8º do RITI, prossegue a Requerente trazendo à colação o seguinte: “(...) a B... mencionou (erradamente) o número de contribuinte português da Requerente na sua fatura (motivo que a levou a autoliquidar, num primeiro momento e inadvertidamente, imposto em Portugal).”
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E prossegue a Requerente aduzindo no sentido de que “(...) não contesta que da leitura do mecanismo de segurança previsto no n.º 2 do artigo 8º do RITI resulta a sua aplicação à situação em referência, uma vez que foi mencionado o seu número de identificação fiscal português na fatura do fornecedor B..., tendo os bens sido expedidos de Itália para França.”
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E partindo dali, refere a Requerente que “(...) o preceito legal em causa [o n.º 2 do art.º 8.º do RITI] permite ao sujeito passivo afastar a sua aplicação, conquanto prove que a operação foi sujeita a imposto em França, não sendo tal prova exclusivamente efetuada por via do estabelecido no n.º 3 do mesmo artigo (reservado para as denominadas operações triangulares e sem subsunção ao caso em concreto).”
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Defendendo que “(...) a prova de sujeição a imposto no Estado-Membro de chegada dos bens que podem os sujeitos passivos fazer, no sentido de afastar a regra de sujeição estabelecida no n.º2 do artigo 8.º do RITI, não se reconduz exclusivamente às situações previstas no n.º 3 do mesmo artigo.”
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E mais: “[D]e facto, também em situações como as da Requerente, em que os bens objeto de aquisição intracomunitária em França não foram objeto de posterior transmissão, pode o sujeito passivo demonstrar que a operação foi sujeita a imposto nesse Estado-Membro de chegada, afastando a aplicação da “cláusula de segurança”.”
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E isto dito, prossegue a Requerente argumentando no sentido de que “(...) provou, de forma inequívoca (ainda no decurso do procedimento inspetivo), que a operação foi sujeita a IVA em França, tendo apresentado, para o efeito e no pleno cumprimento dos princípios de boa-fé (proteção de confiança) e de cooperação consagrados no artigo 59.º da LGT, os elementos solicitados pela AT, os quais representam o procedimento de reporte da operação em apreço recomendado pela Administração Fiscal Francesa.”
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A Requerente entendeu ainda adequado trazer à discussão a circunstância seguinte: “(...) considerando que existiu um hiato temporal de 12 dias entre a data chegada dos bens a França e a data de constituição formal da Sucursal francesa da Requerente (o qual se deveu exclusivamente ao tempo despendido pelos advogados e conservatórias francesas a quem o processo de constituição da sucursal ficou atribuído, uma vez que o processo foi iniciado muito tempo antes da chegada dos bens em causa a França), a Requerente foi informada pela Administração Fiscal Francesa de que a sucursal poderia optar por retroagir a sua atividade ao período de maio de 2019 e, subsequentemente, apresentar uma declaração de IVA com referência àquele período, aí reportando a operação em apreço.” Aduzindo ainda como segue: “Alternativamente, a Administração Fiscal Francesa informou a Requerente que poderia, através da sua Sucursal, considerar aquela operação (chegada dos bens a França em maio de 2019) na declaração de IVA de junho de 2019 (...) i.e., respeitando a regra de exigibilidade do IVA consagrada nos artigos 67.º e 222.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro.”
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E ancorada no facto de haver actuado “(...) em conformidade com as indicações da Administração Fiscal Francesa” sustenta a Requerente que “(...) aquela operação foi, dessa forma, corretamente incluída pela Requerente na declaração de IVA de junho de 2019.” E ainda que: “Atento ao exposto, apesar de a aquisição intracomunitária da máquina ter sido reportada em Portugal (por força da aplicação do n.º 2 do artigo 8.º do RITI) na declaração periódica de maio de 2019 (período em que a máquina foi transportada de Itália para França – sem que nunca tenha vindo ao território português), uma vez que foi reportada em França (conforme comprovado), assiste à ora Requerente a possibilidade de retificar a seu favor o imposto por si indevidamente (auto)liquidado em território nacional.”
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Levantando ainda a verificação do fenómeno nefasto e pernicioso de dupla tributação económica caso o entendimento que propugna como adequado não colha e assim sendo, “(...) entende a Requerente que não lhe pode ser vedado o direito de regularizar, a seu favor, o IVA (por lapso) autoliquidado num primeiro momento, na medida em que uma interpretação contrária levaria a um fenómeno nefasto e pernicioso de dupla tributação económica.”
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Na senda de uma segunda linha argumentativa e sob a epígrafe “Da (alegada) falta de anulação da operação” começa a Requerente por dizer o seguinte: “Na decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente, a AT refere que “não basta que o sujeito passivo comprove que os bens foram efetivamente tributados no Estado-Membro de chegada, sendo necessário que a operação seja anulada, nos termos do artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA, conforme determina o artigo 19.º, n.º 3 do RITI”.”
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Dizendo mais: “No conceito de anulação da operação deve entender-se incluída a anulação ou correção da fatura inicialmente emitida com incorreta menção do número de identificação fiscal português da Requerente, passando da mesma a constar o número de identificação da sua Sucursal em França.”
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Admitindo que “(...) desde o início do procedimento inspetivo a Requerente referiu a sua pretensão de contactar o fornecedor italiano tendo em vista a correção da fatura emitida.” E ainda que “[T]al intenção foi, inclusivamente, espelhada no direito de audição apresentado pela Requerente quanto ao projeto de relatório de inspeção tributária, no qual referiu que se encontrava “a discutir com o fornecedor italiano, a possibilidade de este último anular a operação que serviu de base às correções efetuadas, mediante a emissão de uma nota de crédito, que retificaria, na totalidade, a fatura anteriormente por si emitida em 30 de maio de 2019”.”
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Informando a Requerente que “Não obstante, tal pretensão da Requerente foi desde logo afastada pela AT, no relatório de inspeção tributária, onde se afirmou que “atendendo a que a emissão de notas de crédito tem como suporte legal o disposto naquele normativo [artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA], facilmente se entende que a situação em apreço, pelos motivos expostos, não tem qualquer cabimento no mesmo”.”
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Aduzindo que a AT vedou à Requerente o direito à regularização a seu favor do imposto autoliquidado.
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Acrescentando: “[A]inda que a Requerente tenha procurado refutar tal entendimento da AT, o mesmo foi reforçado na decisão da reclamação graciosa, afirmando-se que “a Reclamante liquidou o IVA das aquisições intracomunitárias efetuadas, em aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 8.º do RITI, e dado que não estão verificadas as condições do n.º 3, o imposto só podia ser deduzido por anulação da operação, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, devendo para esse efeito o sujeito passivo provar que os bens foram sujeitos a imposto no Estado membro de chegada da expedição ou transporte, de acordo com o n.º 3 do art.º 19.º do RITI, o que também não se verificou” (sublinhado da Requerente).”
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E isto dito, admite a Requerente que “(...) optou por não efetuar a regularização do IVA a seu favor, propondo-se a demonstrar a ilegitimidade da liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios pela via administrativa, contestando a invocada aplicação do n.º 3 do artigo 19º do RITI.”
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Seguidamente dá conta a Requerente de que “(...) observou uma mudança de posição da AT a este respeito ao afirmar, na decisão de indeferimento do recurso hierárquico, que a “Recorrente [ora Requerente] não apresenta qualquer motivo para não ter solicitado a anulação da operação, nem invoca a impossibilidade em obter essa anulação e dar cumprimento ao estabelecido naquele normativo”.”
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Aduzindo ainda a Requerente como segue: “[A]inda a este respeito, vem a AT concluir que “em 12 de dezembro de 2019, data do relatório de inspeção tributária, ainda se encontrava em curso o prazo previsto naquele normativo (artigo 78.º, n.º2 do Código do IVA)”.”
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Concluindo a Requerente no sentido de que “(...) a atuação da AT nesta matéria colide frontalmente com os princípios de boa-fé (proteção de confiança) e de cooperação, consagrados no artigo 59.º da LGT, que devem nortear a relação com os contribuintes.”
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Defendendo seguidamente que o prazo para efetuar tal regularização de imposto ainda não foi ultrapassado e que “(...) a disposição legal em que a AT baseia o seu entendimento (i.e., artigo 19.º, n.º 3 do RITI) contraria o artigo 41.º, 2.º parágrafo da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, o qual define que: “Se (…) a aquisição tiver sido sujeita ao IVA no Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens depois de ter sido sujeita a imposto em aplicação do primeiro Parágrafo [i.e., no território do Estado-Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efetuou essa aquisição], o valor tributável é reduzido em conformidade, no Estado-Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efetuou essa aquisição”.
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E partindo da letra do 2.º parágrafo do art.º 41.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro, sustenta a Requerente que “(...) a legislação comunitária não prevê qualquer formalidade nem um prazo associado à regularização de IVA que tenha sido liquidado no Estado-Membro de identificação, bastando que se demonstre (como efetuado pela Requerente) que a aquisição intracomunitária de bens foi sujeita a IVA no Estado-Membro de destino dos mesmos (no caso em análise, na França).”
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Defendendo ainda que “[C]om efeito, seria excessivo limitar o direito à correção do imposto em causa (liquidado em Portugal) à necessidade de anulação da operação e, ainda para mais, com a limitação temporal (“até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável”, conforme previsto no artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA), quando está provado que a operação foi sujeita a imposto no Estado-Membro de chegada dos bens, conforme determina a Diretiva IVA.”
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A Requerente aduz ainda com a preterição do direito de audição, subsequentemente à notificação da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico.
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A Requerente peticiona ainda ao abrigo dos art.ºs 43.º e 100.º da LGT o pagamento de juros indemnizatórios.
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Em 14.11.2022, a Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali, no essencial, a hermenêutica já sustentada no PPA. De novo e quanto à já referida preterição do direito de audição previamente à decisão final que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado, aduz a Requerente a dado passo das suas alegações finais como segue: “(...) tendo sido preterida pela AT a possibilidade de exercício do direito de audição prévia da Requerente, facto que deverá merecer o devido enquadramento e ponderação na decisão final, a par dos diferentes critérios usados pela AT na apreciação de iguais situações de facto, não sendo admissível que AT estribe a sua resposta a tal preterição no facto de tal exercício de direito do SP ir retardar (ainda) mais uma decisão que tardou tanto a ser proferida.”
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.B) Alegações da Requerida:
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No ponto 17. da Resposta e relativamente ao erro acerca dos pressupostos de facto e de direito, a Requerida começa por aduzir no sentido de que os argumentos apresentados pela Requerente terão já sido objecto de análise em sede de procedimento administrativo, fazendo uma remissão expressa para os fundamentos de direito que constam do RIT que transcreve abundantemente; para a informação que ancorou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa; e ainda para a informação que suportou a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico.
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Não deixando de se enfocar que a AT, in casu, se limitou a aplicar a Lei.
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E desenvolvendo aquilo que para a Requerida é a correcta aplicação da lei, diz: “[A] Requerente tal como provado, foi a destinatária dos bens e, como tal, autoliquidou correctamente o imposto referente à aquisição dos mesmos."
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E ainda que “Tal operação não foi reduzida ou anulada, nem podia ser, porquanto não se verifica qualquer fundamento para tal (...)."
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Depois de transcrito o ponto 1.2 do RIT (que aqui se deve considerar reiterado e que no ponto dedicado à factualidade relevante aqui será igualmente reproduzido) sustenta a Requerida que não merecem reparo as conclusões a que chegaram os Serviços de Inspecção Tributária, donde, e por via da remissão empreendida (a que acima nos reportávamos), repristinam-se na Resposta os fundamentos de direito ali explicitados.
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Ademais, refere a Requerida que “[A] Requerente, por sua vez, entende que a interpretação feita pelos SIT do n.º 3 do artigo 19.º do RITI, põe em causa o previsto no art.º 41.º da Directiva (…).", advogando não lhe assistir razão, chamando à colação a letra do art.º 40.º e 41.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro.
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E partindo daqueles normativos advoga a Requerida o seguinte: “[O]ra, o que a interpretação conjugada destas normas determina é que a aquisição dos bens por parte da Requerente (na operação de aquisição à empresa italiana), seria considerada localizada em França (art.º 40.º), mas não é, porque a Requerente forneceu o seu nif português e, não fez prova de que a Requerente (enquanto adquirente dos bens), tivesse autoliquidado imposto em França, relativamente a esta aquisição."
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Acrescentando a Requerida no sentido de que "[O] imposto que foi (auto)liquidado em França pela sua sucursal, já é referente à segunda operação, ou seja, à transmissão dos bens, pela Requerente à sua sucursal em França."
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Isto dito, conclui a Requerida o seguinte: "[P]or isso, relativamente à primeira operação (aquisição por parte da Requerente dos bens à empresa italiana), verifica-se que não houve tributação nos termos do artigo 40.º, pelo que se mostra acertada a sua tributação em território nacional, ou seja, no Estado que emitiu o nif com que foi efectuada a aquisição (art.º 41.º)." E mais : "[N]a segunda operação (transmissão dos bens por parte da Requerente à sua sucursal), por não se verificar cumprido, relativamente à sucursal em França, o requisito constante da alínea b) do n.º 3 do art.º 8.º do RITI [b) O adquirente dos bens transmitidos nesse Estado membro seja um sujeito passivo aí registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado;], porquanto aquela sucursal ainda não estava constituída, nem por via disso, dispunha de registo válido para efeitos de IVA em França, para efeitos do RITI, não se considera que a aquisição tenha sido sujeita a imposto em França."
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Finalizando a Requerida com a transcrição na integra do art.º 8.º do RITI (que transpõe para o direito interno os referidos art.º 40.º e 41.º da Directiva IVA) e dizendo que se deve ter por acertada a posição sustentada pelos SIT no Relatório de Inspecção, alicerçada ainda no disposto no n.º 3 do art.º 19º do RITI que igualmente transcreve.
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Peticionando a improcedência do PPA quanto ao pedido principal consubstanciado na anulação das liquidações sindicadas e, consequentemente, não se verificando os pressupostos previstos no nº. 1, do artigo 43º da LGT, que determinam o pagamento de juros indemnizatórios, pelo que, também nesta parte, defende a Requerida, deve o PPA improceder.
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Em 28.11.2022, a Requerida apresentou alegações escritas e invocando o princípio da economia processual e para evitar incorrer em desnecessária repetição, remeteu para a Resposta, dando-a ali por integralmente reproduzida.
II. Thema decidendum:
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O thema decidendum reporta-se à questão de saber se bens provenientes de um Estado-Membro da União Europeia com destino a um outro Estado-Membro daquela mesma União, não tendo os mesmos, por isso, entrado em território nacional, se podem subsumir no conceito de aquisição intracomunitária de bens considerada localizada e tributável em Portugal, uma vez que o adquirente (sujeito passivo em território nacional dos referidos no n.º 1 do art.º 2º do CIVA) que é identificado na factura do vendedor, usou o respectivo número de identificação de IVA português para efetuar a aquisição. Certo sendo que a localização da operação não é alheia à questão da prova (por aplicação conjugada do n.º 2 do art.º 8.º do RITI e n.º 3 do art.º 19.º do mesmo normativo) de que a operação foi sujeita a imposto no Estado-Membro de chegada dos bens e ainda à questão de se saber se a operação foi ou não anulada por regularização nos termos do n.º 2 do art.º 78.° do CIVA, avaliando-se a verificação ou não do accionamento da “cláusula de salvaguarda” a que se reporta o n.º 2 do art.º 8º do CIVA.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, cumprindo por isso, antes de tudo o mais, proceder à sua apreciação (cfr. artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respetivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).
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Importa então começar por atentar no pedido formulado pela Requerente que, visto o petitório, se materializa como segue: “Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. suprirão, deverá ser declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IVA, demonstração de liquidação de IVA, demonstração de liquidação de juros de IVA e demonstrações de acerto de contas de IVA, supra identificadas, com a sua consequente anulação, nos termos e com os fundamentos acima expostos, sendo a Requerente ressarcida dos montantes de imposto indevidamente pagos, no montante de €72.243,00, acrescidos dos respetivos juros indemnizatórios, no montante de € 1.145,53.”
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Intuindo-se daqui que decorre com meridiana clareza da literalidade do pedido que o que a Requerente efetivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos tributários de liquidação de IVA e JC respeitantes ao período de tributação de Maio de 2019, cifrando-se em 73.388,53 €, por via da declaração de ilegalidade e anulação do acto que indeferiu o recurso hierárquico oportuna e previamente apresentado.
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Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
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E assim o advoga o Tribunal, louvado na decisão proferida no processo n.º 117/2013-T do CAAD que a dado passo diz: “(…) a fórmula “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade. A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. (...) A referência que na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art.º 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art.º 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”
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Nestes termos, o Tribunal Arbitral Colectivo considera-se materialmente competente para apreciar e decidir o presente processo.
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Quanto à competência do CAAD para apreciação da (i)legalidade de actos de primeiro, segundo e terceiro grau, considera o Tribunal que é actualmente entendimento pacífico tanto na Jurisprudência como na Doutrina que os actos de indeferimento de pretensões dos sujeitos passivos – ou seja, actos de segundo ou terceiro grau - poderão ser arbitráveis junto do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), na condição de, eles próprios, terem apreciado a legalidade de um acto de liquidação de imposto - i.e., de um acto de primeiro grau.
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Naquele sentido, adequado se mostra trazer à colação jurisprudência arbitral (concretamente a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 272/2014-T do CAAD que pode ser lida in
https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listOrder=Sorter_data&listDir=DESC&listPage=180&id=614 ) e doutrina (Jorge Lopes de Sousa que, no seu “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” e Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”), que sustenta que a jurisdição arbitral é competente para arbitrar pretensões relativas à declaração da legalidade de actos de liquidação de tributos - actos de primeiro grau - quando, num acto de segundo (ou terceiro) grau, a AT se tenha pronunciado relativamente à legalidade de tal acto.
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Assim sendo, o Tribunal considera-se competente para a apreciação da pretensão da Requerente, em virtude de esta respeitar também à apreciação da legalidade da decisão de indeferimento proferida no âmbito do recurso hierárquico n.º ...2020... despoletado pela Requerente com referência aos actos tributários (de IVA e JC, de Maio de 2019), tendo a AT, nessa mesma decisão de indeferimento e tal como veremos adiante (ponto T) do probatório), apreciado a legalidade daqueles actos de liquidação.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). O prazo para apresentação do PPA deve contar-se da notificação do despacho de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado. O Ofício a coberto do qual foi dada a conhecer à Requerente a referida decisão está datado de 3.3.2022 (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA). Tal como está no Processo Administrativo e no Doc. n.º 1 junto ao PPA, a notificação foi empreendida através da plataforma VIACTT. A data de registo de disponibilização da notificação no VIACTT é 4.3.2020. Nos termos do estatuído no n.º 10 do art.º 39º do CPPT, a notificação de indeferimento do recurso hierárquico considera-se efectuada no 15º dia posterior ao registo de disponibilização, o que, como visto, terá ocorrido em 4.3.2022, sendo que a contagem só se inicia no 1º dia útil seguinte à efectivação da notificação, ou seja, em 7.3.2022. Contados os 15 dias desde aquela data, a Requerente deve considerar-se notificada da decisão de indeferimento acima referida no dia 21.3.2022, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 22.3.2022 e o seu dies ad quem ocorreu em 20.6.2022, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 15.6.2022, considera-se tempestivamente interposto o PPA.
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O processo não enferma de nulidades.
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Não existem excepções a apreciar.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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A Requerente foi constituída e iniciou a sua actividade em 14.5.2019 e tem como objeto social: “Geotecnia, túneis e obras subterrâneas. Actividades de perfurações, sondagens e estabilização de taludes” - CAE 43130 (Cfr. art.º 15.º do PPA e fls. 8 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do Processo Administrativo Tributário [doravante PA] junto aos autos pela entidade demandada, nos termos e em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 17º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).
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Para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a Requerente encontra-se enquadrada no regime normal com periodicidade mensal (Cfr. art.º 16.º do PPA e fls. 8 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente dispõe de uma sucursal em França, constituída com o propósito de aí apoiar no trabalho por aquela contratado com o C..., relacionado com a realização de obras de alta tecnologia nas suas infraestruturas sitas naquele local. (Cfr. art.º 17 do PPA e depoimento de parte).
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A Requerente submeteu um pedido de reembolso do imposto na declaração periódica de IVA referente ao mês de Junho de 2019, no valor de 127.693,12 €, efectuado de acordo com as regras estabelecidas no despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 01.07, com as alterações introduzidas pelo Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26.12, o qual originou o pedido de reembolso n.º .../... (Cfr. art.º 18.º do PPA e fls. 8 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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Na sequência do pedido de reembolso efetuado com referência ao mês de Junho de 2019, a Requerente foi alvo de uma ação de inspeção externa, de âmbito parcial (em sede de IVA), levada a cabo pela Direção de Finanças de ..., a qual abrangeu os períodos de tributação de Maio e Junho de 2019 (Cfr. art.º 20.º do PPA e fls. 8 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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Através do Ofício n.º ..., de 20.11.2019, da Direcção de Finanças de..., Serviços de inspecção Tributária, a Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária relativo à Ordem de Serviço n.º OI2019..., no qual a AT propôs correções aritméticas, em sede de IVA, no valor de € 192.411,49 (Cfr. art.º 21.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA; e fls. 4 e 7 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito daquele procedimento inspectivo, propôs, entre outras que não integram o objecto da presente lide, uma correção referente à dedução do IVA, no montante de 72.243,00 €, associada a uma operação registada em Portugal como uma aquisição intracomunitária de bens, efetuada à B... SRL (entidade estabelecida para efeitos fiscais em Itália, NIPC IT...), datada de 30 de Maio de 2019 (titulada pela fatura n.º 459, no valor de 314.100,00 €) - (Cfr. art.º 22.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA; e fls. 13 e 23 a 27 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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O activo fixo tangível (máquina) adquirido em 30.5.2019, cuja descrição pormenorizada está no Anexo I ao Projecto de Relatório, foi expedido directamente de Itália para França onde a Requerente estava a desenvolver uma sua obra contratada com a C..., aí dispondo de uma sucursal (Cfr. art.º 22.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA; e fls. 13 e 23 a 27 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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No que tange à operação objecto de correcção pela AT, a Requerente autoliquidou o correspondente imposto, com inscrição no campo 13 da declaração periódica, respeitante a Maio de 2019, reportado ao Imposto liquidado, do montante de 72.243,00 € e correspectivamente, atenta ausência de limitações no direito à dedução, com inscrição no campo 20 da declaração periódica, respeitante àquele mesmo período de tributação de Maio de 2019, reportado ao Imposto deduzido, do mesmo montante de 72.243,00 € (Cfr. art.º 22.º do PPA; Doc. n.º 2 junto ao PPA; e fls. 13 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente não concordando com a correcção de IVA (e correspondentes juros) referida no ponto G) do probatório, exerceu o correspondente direito de audição, apresentando, em 6.12.2019, os argumentos que sustentavam a sua discordância (Cfr. art.º 24.º do PPA e Doc. n.º 3 junto ao PPA e fls. 57 e seguintes do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A AT manteve, na íntegra, as correções propostas em sede de IVA, tendo a Requerente sido notificada, no dia 27 de Dezembro de 2019, através do Ofício n.º..., de 23.12.2019, do Relatório de Inspeção Tributária, onde foram materializadas as correções efetuadas, no valor de € 192.411,49 e de entre elas a que aqui se sindica (Cfr. art.º 25.º do PPA e Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 65 e seguintes do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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No ponto III.1.2.1 do RIT, que tem por epígrafe “Aquisição Intracomunitária de bens”, diz-se: “A aquisição intracomunitária declarada respeita à compra de um ativo fixo tangível realizada em 2019-05-30, cuja descrição pormenorizada se remete para o documento de suporte que passa a constituir o Anexo I, de folhas 1 a 7, ao fornecedor italiano “B... SRL”, NIPC IT..., titulada pela fatura n.º 459, no valor de 314.100,00 €. Analisado o circuito físico do bem através dos documentos de suporte, bem como em razão dos esclarecimentos adicionais prestados pessoalmente pelo administrador e pelo contabilista da empresa, verificou-se e confirmou-se que tal bem tinha sido expedido pelo fornecedor diretamente para uma obra do SP em Franca. (...). Enquadramento legal da situação relatada: Regra geral, são sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias do bens efetuadas no território nacional, a titulo oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, desde que o vendedor seja também ele um sujeito passivo registado noutro Estado membro e que tenha agido nessa qualidade (alínea a) do artigo 1° do RITI). Igualmente em termos gerais, é considerado como aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito do propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro.” [artigo 3° do RITI]. Deste normativo resulta, assim, que a regra geral pressupõe a deslocação física de bens de um Estado membro da União Europeia para o território nacional. É pois esta deslocação física entre Estados membros que diferencia uma operação intracomunitária da que se realiza no interior do país (operação interna), produzindo o princípio da tributação no destino aplicável ao comércio intracomunitário. Nesse sentido dita a regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens prevista no n.º 1 do art.º 8.º do RITI: “1 - São tributáveis as aquisições intracomunitárias de bens quando a lugar de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente se situe no território nacional.” Contudo, como o local de destino final dos bens não coincide muitas vezes com o local onde o adquirente se encontra registado para efeitos de IVA, como é o caso da situação exposta, determina o artigo 41° da Diretiva 2006/112/CE de 28 de novembro de 2006 (a que correspondia o n° 2 do artigo 28°-B da 6.ª Diretiva) que o lugar de tributação se situa no território do Estado membro que emitiu o número de identificação fiscal para efeitos do IVA ao abrigo do qual foi efetuada a aquisição, neste caso em Portugal. Tal situação foi transposta para o RITI no n° 2 do artigo 8°: (...) [que é transcrito]. Nestes termos, a norma determina que o lugar da tributação se situa no território do Estado membro que emitiu o número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado ao abrigo do qual os bens foram adquiridos, independentemente de serem igualmente tributados no Estado membro de chegada, consagrando, assim, uma “cláusula de segurança”. O efeito desta cláusula apenas é ultrapassado caso o sujeito passivo prove que os bens foram efetivamente tributados no Estado membro de chegada (neste caso em Franca). Transcreve-se o n.º 3 do artigo 8° do RITI. Importa ainda salientar que não sendo cumpridos tais pressupostos (n° 3 do artigo 8° do RITI) é aplicada a dita “cláusula do segurança” (n° 2 do artigo 8° do RITI) e o imposto liquidado nessa conformidade “(...) só pode ser deduzido por anulação da operação, nos termos do n.º 2 do artigo 78.° do Código do IVA, devendo para esse efeito o sujeito passivo provar que os bens foram sujeitos a imposto no Estado membro de chegada da expedição ou transporte.” de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do RITI. Situação factual: A problemática antes exposta foi questionada ao SP no ponto 1 do e-mail do 2019-09-19 (ver ponto II.3.3.) e melhor explicada a sua razão/enquadramento legal na reunião tida na empresa no dia 2019.10.01. De facto, nesse dia, não foi entregue qualquer documento que provasse que a aquisição aqui em causa tivesse sido efetivamente tributada em França. Contudo, dado tratar-se de uma novel empresa, procederam à entrega de um dossier contendo uma breve descrição do seu projeto: atividade, acionistas, recursos humanos, principais indicadores e mapa de obras adjudicadas, prováveis e muito prováveis; bem como de um documento comprovativo de que a empresa tinha constituído uma sucursal nesse país cuja matrícula só efetuou em 2019.06.11, passando este último a constituir o Anexo II, folhas 1 a 2. Após várias diligências, efetuadas via telefone e via e-mail (atentas as circunstâncias de na sede da empresa não se encontrarem os seus interlocutores), veio o SP apresentar através do e-mail de 2019.11.05, cópia da declaração periódica do IVA entregue em França como prova de ter sujeitado a imposto nesse país, entre outras, a aquisição efetuada em 30 de maio. Tal expediente passa a constituir o Anexo III, folhas 1 a 5. Analisados os documentos entregues, pode aferir-se que a declaração submetida em França foi efetuada através da sucursal da empresa, número de identificação fiscal francês [nota de rodapé n.º 1: “O número de identificação de pessoa coletiva (NIPC) equivale, no plano nacional de Franca, ao SIREN, o qual é atribuído aquando do seu registo. Se a empresa abrir filais passa a ter um número SIRET (os primeiros 9 algarismos deste são os do respetivo SIREN). No quadro Internacional (para facilitar as trocas comerciais), a França criou o “número de TVA intracommunautaire”. Este é composto pelas letras FR (de França), 2 algarismos atribuídos pelo serviço de finanças do local onde está sedeada a empresa, e o respetivo número SIREN.”] n° FR... que, como se disse, foi constituída em 2019.06.11. Respeita ao período de 01.09.2019 a 30.09.2019 e foi entregue em 2019.10.21 e validada no dia seguinte. Pode igualmente verificar-se que declara os seguintes valores para o que ao caso interessa:
No campo da declaração reservado a comentários mencionou, entre outros, o seguinte que aqui se traduz: “as aquisições intracomunitárias correspondem às aquisições realizadas no decurso dos meses de maio, junho e julho”. Através da consulta ao sistema informático VIES pôde decompor-se o valor da base tributável:
Conclusões: Recorrendo, mais uma vez, ao sistema informático do VIES constata-se que a data de início de actividade da sucursal (2019.06.11) é coincidente com a data para efeitos das trocas intracomunitárias:
Tal significa que só a partir dessa data é que poderia realizar operações intracomunitárias. Ora, no caso em apreço, não pode admitir-se que esta entidade pretenda assumir uma operação tributável realizada numa data na qual ela própria não possuía o devido registo nesse Estado membro. Lembre-se, mais uma vez, que a aquisição ocorreu em 2019.05.30 e uma das condições do n.º 3 do artigo 8.º do RITI é “b) O adquirente dos bens transmitidos nesse Estado membro seja um sujeito passivo aí registado para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado.” (nosso sublinhado). Concluindo e coligindo tudo o anteriormente exposto, não será de aceitar a dedução do imposto, no valor do 72.243,00 €, relativa à aquisição em apreço e mencionada na declaração periódica do IVA respeitante ao mês de maio, por violar o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do RITI.” (Cfr. Doc. n.º 4 junto ao PPA e fls. 74 e seguintes do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A referida correção originou a liquidação adicional de IVA aqui sindicada, no montante de 72.243,00 € e correspondentes juros que se cifraram em 1.145,53 €, materializados nos seguintes documentos: a) Liquidação adicional de IVA n.º ..., no valor de € 72.243,00; b) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2020..., no valor de € 67.876,47; c) Demonstração de liquidação de juros n.º 2020..., no valor de € 1.145,53; d) Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no valor de € 72.243,00; e, e) Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no valor de € 1.145,53. (Cfr. art.º 26 do PPA; Doc. nºs 5 a 9 juntos ao PPA; e fls. 95 a 99 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente foi notificada das liquidações referidas no ponto M) do probatório e procedeu ao seu pagamento integral (Cfr. art.º 27.º do PPA; Doc. n.º 10 junto ao PPA e fls. 100 a 104 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente apresentou, em 20 de Maio de 2020, reclamação graciosa contra os actos tributários aqui sindicados, solicitando a sua anulação (com as devidas consequências) e a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, a qual correu termos na Direção de Finanças de ... sob o n.º ...2020... (Cfr. art.º 31.º do PPA; Doc. n.º 14 junto ao PPA; e fls. 1 a 50 do Ficheiro “Reclamação Graciosa parte 1 de 2” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente recepcionou o Ofício n.º ..., de 5.11.2020, da Direcção de Finanças de ..., que lhe dava a conhecer o projecto de decisão de indeferimento que havia recaído sobre a reclamação apresentada (despacho do Exmº Senhor Director de Finanças de ... de 4.11.2020) e onde se conferia àquela a possibilidade de, querendo, poder exercer o direito à participação na decisão que se projectava proferir, na modalidade da audição prévia, em conformidade com o disposto no art.º 60.º da LGT (Cfr. fls. 40 a 47 do Ficheiro “Reclamação Graciosa parte 2 de 2” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente foi notificada, através do Ofício n.º..., de 2.12.2020, da Direcção de Finanças de, da decisão final, do Exmº Senhor Director de Finanças, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto O) do probatório (Cfr. art.º 32.º do PPA; Doc. n.º 15 junto ao PPA; e fls. 49 a 51 do Ficheiro “Reclamação Graciosa parte 2 de 2” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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Por não se conformar com a decisão da AT, a Requerente apresentou, em 30 de Dezembro de 2020, recurso hierárquico tendo em vista contestar o indeferimento da referida reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação aqui sindicados (Cfr. art.º 33º do PPA e fls. 1 a 16 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 1 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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Em 4 de Março de 2022, foi disponibilizada na plataforma “ViaCTT” a notificação da decisão final de indeferimento do recurso hierárquico (Cfr. art.º 34.º do PPA; Doc. n.º 1 junto ao PPA; e fls. 1 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 5 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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Constava da decisão final que recaiu sobre o recurso hierárquico e melhor identificada no ponto S) do probatório, sob a epígrafe “VI.2 Apreciação”, o seguinte: “Em conformidade com os elementos do presente procedimento, está em crise o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, tendo em vista a anulação da liquidação de IVA, com o número 2020..., referente ao período 2019-05, no valor de €72.243,00, e respetivos juros compensatórios, liquidação n.º 2020 –..., no valor de €1.145,53. Os atos tributários reclamados decorrem de correções promovidas pelos SIT, com fundamento em dedução indevida de imposto, com referência a uma aquisição intracomunitária de bens que se considera tributável em território nacional, tendo por base o disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI). Por outro lado, também não foi aceite a dedução de imposto, ao abrigo do preceituado no artigo 19.º, n.º 3 do RITI. Por sua vez, a Recorrente alega e demonstra que a operação em causa foi localizada em França e aí tributada na esfera da sua Sucursal, juntando cópia da declaração periódica de IVA, apresentada nesse Estado-membro. Mais alega que, não se aplica o disposto no artigo 8.º, n.º 2 do RITI, porquanto não se trata de três sujeitos passivos diferentes.(...)”. Partindo deste introito e procedendo à análise da liquidação controvertida e submetida a decisão, discorre-se ali sobre: i) a circunstância do IVA ser um imposto de matiz comunitária, que decorre do sistema comum do IVA que consta da designada Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006; ii) o conceito de sujeito passivo; iii) a condição de a actividade económica ser exercida de modo independente, trazendo-se à colação o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e os art.ºs 9.º e 10º da Directiva IVA, bem como doutrina relevante e ainda o Ofício-Circulado n.º 30114/2009, de 25 de Novembro, do Gabinete do Subdiretor-Geral para a Área de Gestão Tributária do IVA. Transcrevendo-se aquele Ofício-Circulado o que igualmente aqui se empreende: “(...) 4. Tendo em conta estes critérios, coloca-se a questão de saber se, no interior da mesma entidade jurídica, um estabelecimento estável pode dispor de suficiente autonomia para agir por conta própria, sob a sua responsabilidade e suportando sozinho os riscos económicos da sua actividade, assumindo assim a qualidade de sujeito passivo para efeitos de IVA. II – Relação entre a sede e o estabelecimento estável: 5. O CIVA, tal como a Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, (Directiva do IVA), não contempla uma definição harmonizada de estabelecimento estável para efeitos de IVA; no entanto, ao longo da vigência deste imposto, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), tem vindo a emitir jurisprudência sobre este conceito. 6. Nesse sentido, deve considerar-se que uma entidade tem um estabelecimento estável quando disponha de uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, e de uma instalação, ambos com uma permanência suficiente para a realização de operações tributáveis. 7. Os estabelecimentos estáveis, seja na forma de sucursais, agências, delegações, escritórios de representação ou outras, constituem normalmente realidades patrimoniais ou centros de interesse autónomos, susceptíveis de per si ser objecto de relações jurídicas tributárias. 8. Nesse pressuposto, esses estabelecimentos estáveis, situados em diferentes Estados membros, podem constituir sujeitos passivos do IVA diferenciados e dotados de personalidade tributária própria e distinta, no exercício das respectivas actividades. 9. Para aferir da existência de uma relação jurídica entre uma sociedade não residente e o estabelecimento estável, a fim de sujeitar a IVA as prestações de serviços fornecidas, há que verificar se o estabelecimento estável realiza uma actividade económica independente, designadamente se pode ser considerado autónomo por suportar o risco que decorre da sua actividade. 10. Deve, ainda, considerar-se que uma prestação de serviços só é tributável se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica em cuja vigência são trocadas prestações específicas. Nesse sentido, um estabelecimento estável, que não seja uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado-membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo pelos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações. 11. Pelo que não são sujeitos a IVA os serviços prestados entre uma sociedade sedeada num Estado-membro da União Europeia e um seu estabelecimento estável situado noutro Estado membro quando este não tenha personalidade jurídica própria (v.g. sucursal)”.” Diz-se ainda que a doutrina administrativa sancionada no Ofício-Circulado n.º 30114/2009, de 25 de Novembro, adveio na sequência da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), Acórdão FCE Bank, processo C-210/04, cujo sumário se transcreve e diz: “Os artigos 2.°, n.º 1, e 9.°, n.º 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, devem ser interpretados no sentido de que um estabelecimento estável, que não é uma entidade jurídica distinta da sociedade em que se integra, situado noutro Estado Membro e ao qual a sociedade fornece prestações de serviços, não deve ser considerado sujeito passivo em razão dos custos que lhe são imputados pelas referidas prestações”. Aduzindo-se ainda com a circunstância de o conceito de estabelecimento estável, para efeitos de IVA, haver sido fixado no artigo 11.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de Março de 2011 e ainda com o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 11-03-2021, in processo n.º 73/17.BCLSB, diz-se na decisão que suportou a decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico que “(...) tudo parece indicar que estamos perante um (único) sujeito passivo sediado em Portugal, não obstante possuir uma Sucursal em França. (...). Adequado se mostrando destacar as seguintes asserções ínsitas naquela decisão: “(...) o facto de se considerar que estamos perante o mesmo sujeito passivo, por si só, não releva para o caso que aqui se discute, atento o objetivo geral de tributar os bens no Estado-membro onde os mesmos vão ser consumidos, à luz do qual, por exemplo, se assimilam a transmissões de bens a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado-Membro, para as necessidades da sua empresa (cfr. artigo 7.º do RITI e artigo 21.º da Diretiva IVA). Não obstante se consagrarem algumas medidas de simplificação, está aí em causa um objetivo de controlo de determinados movimentos físicos de bens efetuados pelo mesmo sujeito passivo entre Estados membros diferentes (vide anotações de António Carlos dos Santos, in Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Coordenação e Organização de Clotilde Celorico Palma e António Carlos dos Santos, 2014, p. 574). Atentos tais objetivos, será de concluir que, ainda que se trate do mesmo sujeito passivo, não se pode daí inferir, sem mais, que não se aplique a “cláusula de segurança”, prevista no artigo 8.º, n.º 2 do RITI, com a invocação de que não são três, mas apenas dois, os sujeitos passivos intervenientes na aquisição intracomunitária de bens em apreço. Quando muito, apenas se pode admitir que não existe, no presente caso, qualquer operação de transmissão de bens interna em França. (...).” Seguidamente e partindo mais uma vez, em concreto, da operação submetida a decisão, discorre-se abundantemente sobre o conceito de aquisição intracomunitária de bens e sobre as regras de localização das aquisições intracomunitárias de bens, trazendo-se à discussão, quanto a esta última temática, os art.ºs 40.º, 41.º e 42.º da Directiva IVA, concluindo-se no sentido de que a prova a que se refere o n.º 3 do ar.º 8.º do RITI, pode ser feita de outra forma que não a verificação dos requisitos enunciados naquela norma porém, em tal caso, tem de observar-se o disposto no artigo 19.º, n.º 3 do RITI. E partindo da aplicabilidade daquela norma do RITI, advoga-se ali o seguinte: “(...) os SIT andaram bem ao desconsiderar a dedução de imposto, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 do RITI. Note-se que, a manter-se a situação suportada pela fatura em apreço, tem de admitir-se a possibilidade de estarmos perante uma entrega de bens localizada em Itália seguida de uma transmissão intracomunitária de bens, localizada em França.” Partindo da inaplicabilidade “(...) do pacote legislativo denominado “quick fixes”, do qual se destaca a Diretiva 2018/1910, que veio introduzir na Diretiva IVA regulamentação específica sobre operações intracomunitárias em cadeia, apenas produz efeitos a 1 de janeiro de 2020 (...)”, trazem à colação as orientações sobre aquisições intracomunitárias em cadeia que têm sido emanadas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), destacando seguintes Arestos (que abundantemente transcrevem): i) Acórdão de 6 de abril de 2006, caso EMAG, processo C245/04; ii) Acórdão de 21 de fevereiro de 2018, caso Kreuzmayr, processo C628/16. Concluindo-se ali como segue: “[N]esta conformidade, não basta que o sujeito passivo comprove que os bens foram efetivamente tributados no Estado membro de chegada, sendo necessário que a operação seja anulada, nos termos do artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA, conforme determina o artigo 19.º, n.º 3 do RITI. A Recorrente não apresenta qualquer motivo para não ter solicitado a anulação da operação, nem invoca a impossibilidade em obter essa anulação e dar cumprimento ao estabelecido naquele normativo. Note-se que, em 12 de dezembro de 2019, data do relatório de inspeção tributária, ainda se encontrava em curso o prazo previsto naquele normativo (artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA).” (Cfr. fls. 1 a 35 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 4 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A decisão referida no ponto S) do probatório, sendo de indeferimento do recurso hierárquico interposto, não conferiu à Requerente a possibilidade de exercer o direito à participação na formação daquele acto mediante o exercício do direito de audição a que se refere o art.º 60.º da LGT. (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e fls. 35 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 4 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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E não o fez fundada no seguinte argumentário: “[V]erifica-se que já foi facultado o direito de participação, de harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no âmbito da acão inspetiva e do procedimento de reclamação graciosa. De acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (designadamente no Acórdão de 2015-05-06, in rec. 0223/14), “É dispensada a audição prévia nos termos do art.° 60.° da LGT quando no indeferimento de recurso hierárquico interposto de decisão de reclamação graciosa apenas se apreciou factualidade e fundamentos jurídicos já conhecidos do contribuinte”. No mesmo sentido, podem ver-se também as instruções sobre a dispensa do direito de audição veiculadas através da Circular n.º 13, de 1999-07-08, no ponto 3, da Direção de Serviços de Justiça Tributária. Nesta conformidade, e porque não foram levados em conta outros elementos que não fossem já́ do conhecimento da Recorrente ou sobre os quais não lhe tenha sido dada, oportunamente, a possibilidade de sobre eles se pronunciar, somos de parecer que é de dispensar nova audição.” (Cfr. Doc. n.º 1 junto ao PPA e fls. 35 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 4 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada).
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A Requerente não se conformou com a decisão de indeferimento expresso que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado (Cfr. art.º 35.º do PPA).
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Em relação à operação identificada no ponto G) do probatório, a sucursal francesa da Requerente tratou-a como aquisição intracomunitária de bens, pelo que, o IVA foi igualmente autoliquidado naquele país (Cfr. art.º 22.º e 56.º do PPA; fls. 12 do Doc. n.º 2 e Doc. n.º 17 junto ao PPA; fls. 76 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada e prova testemunhal, gravação áudio disponível no SGP, parte 2, 36:11 a 37:13).
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A Requerente foi informada pela Administração Fiscal francesa de que a sucursal poderia optar por retroagir a sua atividade ao período de Maio de 2019 e, subsequentemente, apresentar uma declaração de IVA com referência àquele período, aí reportando a entrega da máquina em França em Maio de 2019. Em Alternativa, a Administração Fiscal Francesa informou a Sucursal francesa, de que poderia considerar aquela operação na declaração de IVA de Junho de 2019. (Cfr. Doc. n.º 16 junto ao PPA; depoimento de parte – gravação áudio disponível no SGP, parte 1, 15:59 a 16:52; e prova testemunhal, gravação áudio disponível no SGP, parte 2, 16:21 a 17:52).
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A Requerente, seguindo a alternativa indicada pela Administração Fiscal francesa, incluiu a entrega referida no ponto anterior do probatório na declaração de IVA de Junho de 2019 (Cfr. Doc. n.º 17 junto ao PPA, depoimento de parte – gravação áudio disponível no SGP, parte 1, 16:37 a 16:52 e prova testemunhal - gravação, parte 1, 16:37 a 16:52).
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A Requerente não pediu a anulação da operação com emissão de nota de crédito pelo fornecedor italiano e reemissão de nova factura com indicação do número de identificação da sucursal francesa correspondente ao registo como sujeito passivo da Requerente em França (Cfr. Prova testemunhal, gravação áudio disponível no SGP, parte 2, 13:37 a 16:03 e 38:08 a 41:06).
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O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 22.3.2022 e o dies ad quem, o dia 20.6.2022.
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Em 15.6.2022, 16:50 horas, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
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O pedido foi aceite em 20.6.2022, 10:51 (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa antes de mais salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida e também na prova testemunhal produzida.
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Quanto ao ponto V) do probatório, entendeu o tribunal dar como provado que o IVA foi igualmente autoliquidado em França, na medida em que se retira do Doc. n.º 17 junto ao PPA que relativamente ao mês de Maio de 2019 e também de fls. 76 do Ficheiro “Recurso Hierárquico parte 2 de 5” do PA junto aos autos pela entidade demandada que consta do VIES que a única aquisição intracomunitária realizada nesse período de tributação de Maio de 2019 se cifrava em 314.100,00 €, sendo que, esse valor, é rigorosamente coincidente com o valor da aquisição da máquina proveniente de Itália.
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Além de que, da transcrição da decisão de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico interposto e que consta do ponto T) do probatório, se retira que também para a AT (não obstante a resposta não o haver acolhido) se aceita que a Recorrente demonstrou (o mesmo é dizer, provou) que a operação em causa se localizava em França e aí foi tributada na esfera da sua Sucursal, remetendo-se para a junção de cópia da declaração periódica de IVA apresentada naquele Estado-membro.
IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):
IV.D1) Da (I)legalidade dos actos tributários sindicados:
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Em conformidade com o disposto na alínea a) do art.º 1.º do RITI, estão sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo, agindo como tal, desde que o vendedor seja também ele um sujeito passivo registado para efeitos de IVA noutro Estado-Membro e que tenha agido nessa qualidade.
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De acordo com o disposto no art.º 3.º do RITI, "Considera-se, em geral, aquisição intracomunitária a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado membro".
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Esta norma tem como suporte o art.º 20.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 que dispõe: “Entende-se por «aquisição intracomunitária de bens» a obtenção do poder de dispor, como proprietário, de um bem móvel corpóreo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para um Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte do bem. Quando os bens adquiridos por uma pessoa colectiva que não seja sujeito passivo são expedidos ou transportados a partir de um território terceiro ou de um país terceiro e importados, por essa pessoa colectiva que não é sujeito passivo, num Estado-Membro diferente do Estado de chegada da expedição ou do transporte, os bens são considerados expedidos ou transportados a partir do Estado-Membro de importação. Esse Estado-Membro concede ao importador designado ou reconhecido como devedor do imposto por força do disposto no artigo 201.o o reembolso do IVA pago pela importação, desde que o importador demonstre que a sua aquisição foi sujeita ao IVA no Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens.”
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Inferindo-se daqui que para estarmos em presença de uma aquisição intracomunitária de bens necessariamente existirá a deslocação física de bens de um Estado-Membro da União Europeia para o território de outro Estado-Membro.
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A alusão, naqueles normativos, à expedição ou transporte, pressuporá, necessariamente, a deslocação física de um bem de um Estado-Membro para outro.
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A verificação ou não de tal circunstancialismo, ou seja, a deslocação física de um Estado para outro, permite distinguir entre operação intracomunitária e a que se realiza no mercado interno de um determinado Estado-Membro da União Europeia.
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A regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 8.º do RITI.
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Esta norma tem como matriz comunitária o art.º 40.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 que estatui: “Considera-se que o lugar de uma aquisição intracomunitária de bens é o lugar onde se encontram os bens no momento da chegada da expedição ou do transporte com destino ao adquirente.” Acrescendo dizer que o art.º 16º do Regulamento de execução (EU) n.º 282/2011 do Conselho de 15 de março de 2011, diz: “O Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte de bens em que é efectuada uma aquisição intracomunitária de bens na acepção do artigo 20.º da Directiva 2006/112/CE exerce a sua competência de tributação, independentemente do tratamento em termos de IVA que tenha sido aplicado à operação no Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte dos bens. Um eventual pedido de correcção, pelo fornecedor dos bens, do IVA que facturou e declarou ao Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte dos bens deve ser tratado por este Estado-Membro nos termos das respectivas regras nacionais.”
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Levando-se em boa conta os acima transcritos normativos, conclui-se, aliás com meridiana clareza, no sentido de que as aquisições intracomunitárias de bens são tributáveis no Estado onde se situe o respetivo lugar de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente.
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Se aquele lugar se situar em território nacional, a aquisição intracomunitária será tributada em Portugal; caso contrário, será tributada no Estado onde se encontre situado o lugar de chegada dos bens.
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Concluiu-se ainda no sentido de que o Estado-Membro de chegada dos bens exerce a sua competência de tributação, ou seja, trata a operação como aquisição intracomunitária de bens sujeitando-a ali a tributação, independentemente do tratamento em sede de IVA que tenha sido conferido à operação no Estado-Membro de partida dos bens. E ainda que uma eventual correcção ao tratamento conferido à transmissão pelo Estado-Membro de partida dos bens deve se empreendida por aquele mesmo Estado-Membro de partida de acordo com as regras do direito interno.
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Aquela regra básica de localização das aquisições intracomunitárias pretende assegurar que tais operações são tributadas segundo o princípio da tributação no destino aplicável ao comércio intracomunitário, pois, só assim se pode efectivar a aplicação do princípio da atribuição da receita fiscal ao Estado-Membro onde ocorre o consumo final.
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Enunciada e desenvolvida a interpretação a dar à regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens, convirá agora dizer que, não raro, o local de destino final dos bens não é coincidente com o local onde o adquirente se encontra registado para efeitos de IVA, o que determina, de acordo com o disposto no art.º 41.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006, que o lugar de tributação se situe no território do Estado membro que emitiu o número de identificação fiscal para efeitos de IVA, ao abrigo do qual foi efetuada a aquisição. Estatui o aludido art.º 41º como segue: “Sem prejuízo do disposto no artigo 40.o, considera-se que o lugar da aquisição intracomunitária de bens referida no artigo 2.o, n.º 1, alínea b), subalínea i), se situa no território do Estado-Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efectuou essa aquisição, a menos que o adquirente prove que a aquisição foi sujeita ao IVA em conformidade com o artigo 40.o. Se, nos termos do artigo 40.o, a aquisição tiver sido sujeita ao IVA no Estado-Membro de chegada da expedição ou do transporte dos bens depois de ter sido sujeita a imposto em aplicação do parágrafo anterior, o valor tributável é reduzido em conformidade, no Estado-Membro que atribuiu o número de identificação IVA ao abrigo do qual o adquirente efectuou essa aquisição.” Importando ainda destacar o disposto no art.º 42º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 que estatui: “O primeiro parágrafo do artigo 41.o não é aplicável, considerando-se que a aquisição intracomunitária de bens foi sujeita ao IVA em conformidade com o artigo 40.o, se estiverem reunidas as seguintes condições: a) O adquirente provar ter efectuado essa aquisição com vista a uma entrega posterior, efectuada no território do Estado-Membro determinado em conformidade com o artigo 40.o, relativamente à qual o destinatário foi designado como devedor do imposto, em conformidade com o artigo 197.º; b) O adquirente ter cumprido as obrigações relativas à entrega do mapa recapitulativo previstas no artigo 265.º.
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Os art.ºs 41.º e 42.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006, foram transpostos para o direito interno e constam do n.º 2 e 3 do art.º 8º do RITI.
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A regra especial de localização das operações constante dos normativos acima referidos, determina, como visto, que o lugar da tributação se situa no território do Estado-Membro que emitiu o número de identificação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado ao abrigo do qual os bens foram adquiridos, independentemente de serem igualmente tributados no Estado-Membro de chegada[1], consagrando-se, assim, uma "cláusula de segurança", ou seja, uma cláusula de salvaguarda da efectiva tributação que se destina a assegurar, pelo menos, a liquidação do IVA no Estado em que o adquirente se encontra registado pra efeitos de IVA.
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O efeito da “cláusula de segurança” é susceptível de ser ultrapassado caso o sujeito passivo prove que os bens foram efetivamente tributados no Estado-Membro de chegada dos bens.
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O que se poderá efectivar, em princípio, caso se possa coligir a prova prevista no art.º 42º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 e, no que ao direito interno diz respeito, a prova prevista no n.º 3 do art.º 8º do RITI.
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O n.º 3 do artigo 8.º do RITI permite considerar que a aquisição intracomunitária de bens foi sujeita a imposto no Estado membro de chegada da expedição ou transporte dos mesmos, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) O sujeito passivo tenha adquirido os bens para proceder à sua transmissão subsequente nesse outro Estado membro; b) A operação de transmissão seja incluída na respetiva declaração recapitulativa, a que se refere o n.º 1 do artigo 30.º; c) O adquirente dos bens transmitidos nesse Estado membro seja um sujeito passivo que se encontre aí registado para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado; d) O adquirente dos bens transmitidos nesse Estado membro seja designado expressamente na fatura emitida pelo sujeito passivo, como devedor de imposto pela transmissão dos bens.
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A aplicação do mecanismo de segurança previsto nos art.ºs 41.º e 42.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 e n.ºs 2 e 3 do art.º 8º do RITI, assume relevância em determinadas operações, concretamente no que tange às vulgarmente designadas "Operações Triangulares", isto é, às operações em que o circuito documental (fatura) não acompanha diretamente a movimentação física dos bens transacionados.
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Tais operações são aquelas em que o sujeito passivo do IVA no território nacional adquire bens noutro Estado-Membro, procedendo à sua transmissão subsequente para um outro Estado-Membro de tal sorte que os bens vão directamente do Estado-Membro de origem para o Estado-Membro de destino sem que tais bens passem pelo território nacional.
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Não sendo cumulativamente cumpridos aqueles pressupostos e requisitos probatórios, aplicar-se-á a "cláusula de segurança", o que implica que, de acordo com a respetiva legislação (art.º 41º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 e n.º 2 do artigo 8.º do RITI), se deva considerar, como visto, que o lugar de tributação se situa no Estado-Membro que emitiu o número de identificação para efeitos de IVA ao abrigo do qual os bens foram adquiridos.
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Não obstante, o n.º 3 do art.º 19º do RITI dispõe: “Quando não se verifiquem as condições previstas no n.º 3 do artigo 8.º, o imposto liquidado em aplicação do disposto no n.º 2 do mesmo artigo só pode ser deduzido por anulação da operação, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA, devendo para esse efeito o sujeito passivo provar que os bens foram sujeitos a imposto no Estado membro de chegada da expedição ou transporte.”
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Em conformidade com o estatuído na norma vinda de transcrever, o imposto liquidado por aplicação da “cláusula de segurança” previsto no n.º 2 do art.º 8º do RITI, partindo da inaplicabilidade do n.º 3 do mesmo normativo, conquanto o respetivo local de chegada se situe noutro Estado-Membro que não Portugal, pode ainda ser deduzido, operando a respectiva desoneração de imposto, desde que se proceda à anulação da operação nos termos do n.º 2 do art.º 78º do CIVA e se prove que os bens foram sujeitos a tributação no Estado-Membro de chegada dos bens.
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Tal como visto acima, a “cláusula de segurança” a que se refere o n.º 2 do art.º 8º do RITI será aplicável quando não se verifiquem as condições previstas no n.º 3 do mesmo normativo, atendendo a que, verificado o circunstancialismo ali previsto, considera-se provado que a aquisição intracomunitária foi sujeita a imposto no Estado-Membro de chegada da expedição ou transporte dos bens.
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Para além daquelas e também na circunstância de que se aplica a “cláusula de segurança” e não o n.º 3 do art.º 8.º do RITI, ou seja, apesar dos bens serem provenientes de um Estado-Membro da União Europeia e se destinarem a um outro Estado-Membro daquela mesma União, não tendo os mesmos, por isso, entrado em território nacional, a aquisição intracomunitária é, ainda assim, também considerada localizada e tributável em Portugal se o adquirente (que é sujeito passivo em território nacional dos referidos no n.º 1 do art.º 2º do CIVA) tiver usado o respectivo número de identificação de IVA português para efetuar a aquisição e não provar (por aplicação conjugada do n.º 2 do art.º 8.º do RITI e n.º 3 do art.º 19.º do mesmo normativo) que a operação foi sujeita a imposto no Estado-Membro de chegada dos bens e ainda se a operação não for anulada por regularização nos termos do n.º 2 do art.º 78.° do CIVA, acionando-se, assim, a dita “cláusula de salvaguarda” a que nos vimos reportando.
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Claro está que a aplicação da “cláusula de segurança” prevista no n.º 2 do art.º 8º do RITI, pode redundar numa dupla tributação do sujeito passivo pela mesma aquisição intracomunitária de bens, ou seja, a que se consubstanciaria no Estado membro de chegada dos bens e a que resultaria da aplicação do n.º 2 do art.º 8º do RITI, efectivando-se, esta última, no Estado-Membro do registo como sujeito passivo de IVA do adquirente que forneceu ao vendedor o seu número de registo.
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Efectivamente, os bens podem sair de um Estado-Membro da União para outro, sendo aí tributados por aplicação da regra geral de localização das aquisições intracomunitárias de bens, e podem, igualmente, ser tributados no Estado-Membro do registo do adquirente, conquanto aquele não prove que os bens foram tributados no Estado-Membro de destino dos mesmos e não proceda em conformidade com o disposto no n.º 3 do art.º 19.º do RITI.
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Evitando-se assim a perspectivada situação de dupla tributação, mas evitando-se também situações de dedução em Portugal que não originem efectiva tributação no Estado-Membro de chegada dos bens, por aplicação da segunda parte do art.º 41º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 e n.º 3 do art.º 19º do RITI, ou seja, por anulação da operação tributada e sua regularização nos termos do n.º 2 do art.º 78.° do CIVA e garantido que esteja que que houve efectivo pagamento de imposto no Estado-Membro de chegada dos bens.
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Caso a prova de que a operação foi sujeita a IVA no outro Estado-Membro venha a verificar-se tão-só após a aquisição ter já sido tributada no Estado-Membro de identificação do adquirente, o art.º 41º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 prevê que o valor tributável da operação e o respectivo imposto sejam “reduzidos”, sendo que tal parte do normativo comunitário foi transposto para a ordem jurídica interna pelo n.º 3 do art.º 19º do RITI que prevê a desoneração do imposto por dedução mediante regularização a empreender em conformidade com o n.º 2 do art.º 78º do CIVA.
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O legislador português impôs, como procedimento obrigatório, a anulação da operação, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 78.º do CIVA, permitindo-se, por esta via, a regularização do correspondente imposto a favor do adquirente, eliminando-se, assim, a dupla tributação que pudesse afectar a correspondente aquisição intracomunitária de bens.
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Assim sendo, tal dedução poderá ser efectuada até final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação ou, no caso da tributação no Estado-Membro de chegada dos bens ser inferior, a redução do valor tributável na medida do imposto já pago.
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Contudo e não obstante, sendo aquele um procedimento obrigatório, a correspondente regularização só está legitimada no pressuposto de que o sujeito passivo cumpriu com todos os formalismos ali previstos, ou seja: i) a anulação da operação em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA; ii) a prova de que os bens foram sujeitos a imposto no Estado membro de chegada dos bens.
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Volvendo para o caso dos autos, a Requerente, tendo-se apresentado a contratar com o sujeito passivo italiano, identificando-se com o NIPC português, fez, ela própria, em conformidade com o art.º 40.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006, uma aquisição intracomunitária de bens localizada em França, já que a máquina saiu do território de Itália e foi enviada directamente para França, estando identificada na factura que titula a operação como adquirente o sujeito passivo português que é a Requerente com o seu número de identificação fiscal (cfr. pontos G) e H) do probatório).
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O Tribunal rejeita veementemente a construção empreendida pela Requerente no art.º 45º do seu PPA e que dá conta de que aquela fez, tão-somente, uma aquisição intracomunitária de bens em França (fundamentando o tratamento da operação em Portugal como aquisição intracomunitária na incorrência de um mero lapso) e correspectivamente a B... terá feito uma transmissão intracomunitária de bens isenta de imposto em Itália.
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Efectivamente, teria sido assim se a sucursal da Requerente em França se tivesse identificado com o número de registo francês junto do fornecedor italiano, o que, tal como está na factualidade relevante (pontos G) e H) do probatório), não ocorreu.
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O Tribunal Arbitral Colectivo, partindo da posição enunciada pela AT na decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado (Cfr. ponto T) do probatório), destaca as ali invocadas decisões emanadas do TJUE sobre entregas sucessivas (intracomunitárias) de bens, inferindo delas a localização da 1.ª entrega aqui em causa em Itália, o que faz ancorando-se, além do mais, no que é dito no considerando 48. do Acórdão EMAG Handel Eder, que refere: “[E]m conformidade com o artigo 8.º, n.º 1, alínea a) da Sexta Directica, considera-se que o lugar dessa entrega se situa no Estado-Membro da partida da expedição ou do transporte de bens.” que, in casu, era o território italiano; e a localização da 2.ª entrega (por via da assimilação a Aquisição Intracomunitária de bens) em França, o que faz apoiando-se no referido nos considerandos 49 e 50 daquele arresto comunitário, que dizem: “(...) 49. Uma vez que a outra entrega [a 2.ª entrega, concretizada em França] não dá origem a expedição ou transporte, considera-se que o lugar dessa entrega se situa, em conformidade com o artigo 8.º, n.º 1, alínea b), no lugar onde se encontram os bens no momento da referida entrega. 50. Se a entrega que dá lugar à expedição ou ao transporte intracomunitário de bens, e, portanto, tem como corolário uma aquisição intracomunitária tributada no Estado-Membro de chegada da referida expedição ou do referido transporte, é a primeira das duas entregas sucessivas, considera-se que a segunda entrega se situa no lugar da aquisição intracomunitária que a precedeu, ou seja, no Estado-Membro da chegada. (...).”
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E, in casu, tanto é assim que aquando da 1.ª entrega ainda não estava constituída em França a sucursal da Requerente, donde, a 2.ª entrega (à sucursal), sendo posterior à 1.ª entrega, é localizada em França, ou seja, no dizer daquele arresto, no lugar da aquisição intracomunitária que a precedeu, ou seja, no Estado-Membro de chegada que, in casu, é França; mas também, por aplicação da “cláusula de segurança” prevista no n.º 2 do art.º 8.º do RITI, em território nacional, com possibilidade de anulação da operação em conformidade com o estatuído no n.º 3 do art.º 19.º do RITI.
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A Requerente tratou (Cfr. art.º 47.º do PPA) a operação como uma aquisição intracomunitária de bens em Portugal (aqui localizada, como visto, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 8º do RITI, reiterando-se aqui, a tal propósito da localização das aquisições intracomunitárias tudo quanto acima se expendeu), o que, subsequentemente, a levava a ter de tratar em França o recebimento da máquina como operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens (na esfera de actuação da sucursal e agindo aquela enquanto sujeito passivo francês), subsumível no art.º 21.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 que estatui: “É assimilada a aquisição intracomunitária de bens efectuada a título oneroso a afectação por um sujeito passivo, aos fins da sua empresa, de bens expedidos ou transportados, pelo sujeito passivo ou por sua conta, a partir de outro Estado-Membro no qual os bens tenham sido produzidos, extraídos, transformados, comprados, adquiridos na acepção da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.o, ou importados pelo sujeito passivo, no âmbito da sua empresa, nesse outro Estado-Membro.”
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Tal como se pode inferir do ponto X) do probatório, a sucursal da Requerente registada em França, parece ter tratado aí a operação como uma aquisição intracomunitária de bens, liquidando e deduzindo o IVA correspondente, ou seja, desonerando-se totalmente do imposto que ali liquidou. Não obstante, em França, reitera o Tribunal no sentido de que essa operação de entrega da máquina à sucursal (a quem se deve reconhecer personalidade tributária distinta da que é conferida à Requerente), deveria ter sido tratada como operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens (o que igualmente é admitido na decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico apresentado, tal como está no ponto T) do probatório; sendo que, o tratamento, em França, de tal operação não é sequer objecto do presente dissídio), subsumível no art.º 21.º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006.
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É bem verdade que, em França, o resultado desse tratamento como operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens iria ser exactamente o mesmo que o do seu tratamento como aquisição intracomunitária de bens, na medida em que, ali, a sucursal da Requerente teria de proceder à autoliquidação do IVA, ou seja, proceder à liquidação do imposto com a imediata e subsequente desoneração do mesmo imposto liquidado por via de dedução a que nos termos da lei francesa aquela teria direito a exercer.
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O que não pode é ipso facto e só por haver a sucursal da Requerente autoliquidado em França o IVA correspondente à entrega ali da máquina, pretender a Requerente a regularização do imposto autoliquidado em Portugal.
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Essa regularização poderia, de facto, efectivar-se, mas desde que cumpridos determinados requisitos legais que adiante se irão enunciar.
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Percepcionada assim a operação submetida a julgamento, tem de se concluir no sentido de que estamos nos antípodas das operações triangulares subsumíveis no n.º 3 do art.º 8.º do RITI: i) desde logo, porquanto, in casu, não estão verificados, cumulativamente, os requisitos previstos naquele normativo; ii) mais não seja porque a adquirente sucursal francesa não foi expressamente designada na factura emitida como devedora do imposto pela transmissão de bens efectuada tal como o determina a alínea a) do art.º 42º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006 transposta para o direito interno pela alínea c) do n.º 3 do art.º 8º do RITI; iii) ou até, porquanto, não há transmissão para terceiro da máquina aqui em causa em território francês, salvo se se admitisse a assimilação a transmissão/aquisição, subsumível, esta última, no art.º 21º da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006. A esta asserção chega igualmente a Requerente no art.º 44º do PPA quando a dado passo diz: “(...) não tratamos aqui de uma operação triangular, uma vez que não existiu nesta operação um sujeito passivo C, a quem a Requerente tenha transmitido os bens.”
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Inferindo-se daqui a inaplicabilidade do n.º 3 do art.º 8º do RITI, mas aceitando o Tribunal, in limine, a aplicabilidade do n.º 2 do mesmo normativo.
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Aliás, essa aplicabilidade não vem sequer controvertida pela Requerente que no art.º 48.º do seu PPA a aceita, dizendo: “Neste contexto, a Requerente não contesta que da leitura do mecanismo de segurança previsto no n.º 2 do artigo 8º do RITI resulta a sua aplicação à situação em referência, uma vez que foi mencionado o seu número de identificação fiscal português na fatura do fornecedor B..., tendo os bens sido expedidos de Itália para França.”
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Admitida, como visto, pela Requerente, a aplicabilidade do n.º 2 do art.º 8º do RITI à operação submetida a julgamento e entendendo o Tribunal que essa aplicabilidade era, in casu, incontornável, aliás, tal como acima sobejamente demonstrado, aquela, por forma a afastar a aplicação da “cláusula de segurança”, tinha de provar que em relação à operação aqui em causa havia sido entregue IVA no Estado-Membro de chegada dos bens (em França), visando, por aplicação conjugada do n.º 2 do art.º 8.º do RITI com o n.º 3 do art.º 19.º do RITI, se obstasse a que o fenómeno da dupla liquidação, sem a correspondente dupla desoneração, pudesse operar.
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Tal como resulta do ponto X) do probatório, o Tribunal dá como assente que a Requerente provou que foi entregue nos cofres do Estado francês (Estado-Membro de chegada dos bens) o imposto correspondente à aquisição intracomunitária de bens (ou, diríamos, em função da possibilidade acima aventada da assimilação a operações intracomunitárias, correspondente à operação assimilada a aquisição intracomunitária de bens). Ainda assim, a Requerente tinha de cumprir com o procedimento previsto no n.º 3 do art.º 19.º do RITI e sendo aquele um procedimento obrigatório, tal como sobejamente firmado acima, a correspondente regularização só estaria legitimada no pressuposto de que o sujeito passivo havia cumprido com todos os formalismos ali enunciados, ou seja: i) a anulação da operação em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA; e cumulativamente ii) a prova de que os bens foram sujeitos a imposto no Estado membro de chegada dos bens.
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Contudo, a Requerente admite no art.º 70.º do PPA que não cumpriu com os requisitos formais previstos no n.º 3 do art.º 19.º do RITI, aventando a possibilidade inicial de contacto com o fornecedor italiano com vista à correcção da factura emitida [que foi feita com menção do número de identificação fiscal português da Requerente, devendo corrigir-se a mesma passando a constar dela o número de identificação da sua sucursal em França], mas logo admitindo que optou por não efectuar a regularização (Cfr. ponto AA) do probatório) nos termos do n.º 2 do art.º 78º do CIVA, contestando mesmo a aplicação do n.º 3 do art.º 19º do RITI, além do mais porquanto a AT no RIT afirmou o seguinte: “(...) atendendo a que a emissão de notas de crédito tem como suporte legal o disposto naquele normativo [artigo 78.º, n.º 2 do Código do IVA], facilmente se entende que a situação em apreço, pelos motivos expostos, não tem qualquer cabimento no mesmo.”
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Para o Tribunal não colhem os argumentos aduzidos pela Requerente e que tentam justificar a ausência do pedido de anulação da operação com fundamento em erro na identificação do contratante.
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A Requerente, independentemente do que constava do RIT, poderia/deveria ter regularizado o imposto de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 8º e n.º 3 do art.º 19.º ambos do RITI, pedindo a anulação da operação em conformidade com o n.º 2 do art.º 78.º do CIVA com emissão de nota de crédito pelo Fornecedor italiano e reemissão de nova factura com indicação do número de identificação da sucursal francesa correspondente ao registo como sujeito passivo da Requerente em França.
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A este propósito diga-se desde já que o Tribunal não acompanha a Requerida quando a dado passo da sua Resposta afirma que “O IVA liquidado à Requerente não é susceptível de correcção nos termos previstos no art.º 78.º do CIVA, pela simples razão de que não houve (nem deveria haver, porque materialmente existiu) qualquer anulação ou redução da operação tributável, conforme bem se explicou a págs. 19 do RIT: “Igualmente não pode ser descuidado, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do RITI, que a anulação da operação só se verifica nos termos do n.º 2 do art.º 78.º do CIVA: “2- Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço pode efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.”.”
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Efectivamente e tal como acima aventado, entende o Tribunal que não obstante à data da entrega da máquina (em 30.5.2019) a sucursal não estar ainda constituída em França (o que só veio a ocorrer em 11.6.2019), poderia o fornecedor italiano (a pedido da Requerente) anular a factura n.º 459, de 30.5.2019, de 314.000,00 €, com indicação do NIPC português, mediante a emissão de nota de crédito e a emissão de nova factura com indicação do NIPC francês da sucursal da Requerente.
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E poderia fazê-lo atendendo a que era viável perspectivar-se a superveniente incorrência de erro em relação à identificação do sujeito passivo adquirente (a Requerente pretendia identificar ali a sucursal francesa) que justificava a regularização, não obstando a que isso acontecesse a circunstância de à data da entrega da máquina a sucursal não estar ainda constituída em França, porquanto é entendimento pacífico que, na economia do IVA, o início da actividade deve coincidir com a primeira operação que possa influenciar o activo ou o passivo da empresa (in casu, da sucursal), designadamente com a primeira aquisição de bens ou serviços para a empresa, ou seja, em sede de IVA, vigora um conceito de início de actividade substancial que se sobrepõe ao conceito de início de actividade formal e que deve coincidir com a realização da primeira operação activa ou passiva realizada pelo sujeito passivo, ainda que formalmente a declaração de início de actividade tenha sido apresentada posteriormente à da realização de qualquer uma daquelas operações activas ou passivas. Foi, no fundo, o que a Administração Fiscal Francesa admitiu poder fazer-se quando aceitou retroagir o início de actividade da sucursal francesa ao período de tributação de Maio de 2019, tal como está no ponto Y) do probatório, sabendo-se que aquela sucursal só iniciou a sua actividade em França em 11.6.2019.
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Inferindo-se daqui que o Tribunal considera que a aplicabilidade do n.º 3 do art.º 19.º do RITI era uma possibilidade a que a Requerente poderia/deveria ter recorrido.
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Aliás, a aplicação do n.º 3 do art.º 19.º do RITI e o cumprimento rigoroso dos requisitos legais ali previstos, era a única que permitiria lograr a desoneração do imposto que seria devido por aplicação da “clausula de salvaguarda”, mediante dedução do mesmo por anulação da operação submetida a julgamento, fundada na remissão prevista no n.º 3 do at.º 19º do CIVA para o n.º 2 do art.º 78º do mesmo normativo.
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Finalmente, diga-se ainda, que o Tribunal entende que não colhe o argumentário esgrimido pela Requerente nos artºs 76º e seguintes do PPA e que sustenta que o direito interno viola o 2.º parágrafo do art.º 41.º da norma da Directiva 2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006, já que esta não tem os requisitos formais previstos no n.º 3 do art.º 19º do RITI.
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É bem certo que aquela norma comunitária não prevê qualquer formalidade nem prazo associado à regularização do IVA que tenha sido liquidado por aplicação da cláusula de salvaguarda prevista no n.º 2 do art.º 8º do RITI.
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No entanto, ela também não impede o legislador interno de, na transposição que operou, impor ele próprio requisitos formais que não constam do normativo comunitário, sendo que, aquele legislador, efectivamente, impôs, a necessidade de anulação da operação a efectivar em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 78.º do Código do IVA; impondo ainda, por remissão para o n.º 2 do art.º 78º do CIVA, um prazo para que a regularização se efectivasse, referindo concretamente que a dedução se pode efectuar até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável. Não devendo olvidar-se a necessidade de prova de que a operação foi sujeita a imposto no Estado-Membro de chegada dos bens. Esta é uma prova relevante, mas os demais requisitos legais não são despiciendos nem são negligenciáveis, não podendo o interprete ou o julgador simplesmente olvidá-los.
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Com efeito, num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam com qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo expresso na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.
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Face ao exposto, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão correctiva da Requerida, no que respeita ao acto de liquidação do IVA e JC, de 2019, restando concluir, sem mais, que o despacho de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico (apresentado pela aqui Requerente) não enferma de erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua manutenção na ordem jurídica, sendo que, nessa decorrência, os actos tributários de liquidação aqui em causa não enfermam, efectivamente, de qualquer ilegalidade, devendo improceder o presente pedido de pronúncia arbitral e devendo a Requerida ser absolvida de todos os pedidos formulados pela Requerente.
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Face ao exposto, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão correctiva da Requerida, no que respeita ao acto de liquidação do IVA e JC, de 2019, restando concluir, sem mais, que, nessa decorrência, os actos tributários de liquidação aqui em causa não enfermam, efectivamente, de qualquer ilegalidade, devendo improceder o presente pedido de pronúncia arbitral e devendo a Requerida ser absolvida de todos os pedidos formulados pela Requerente.
IV.D2) Da preterição da audição prévia subsequentemente à notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico:
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Ainda que tal vício se mostrasse verificado (e sobre a possibilidade da dispensa de audição do contribuinte em momento prévio à decisão final a recair sobre o procedimento do recurso hierárquico se o mesmo já tiver sido ouvido na fase de reclamação graciosa, traz-se aqui à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4.10.2017, recurso n.º 0406/13), sempre se diria que ele apenas afectaria a decisão proferida no recurso hierárquico mas não poderia conduzir à anulação das liquidações impugnadas.
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Neste sentido adequado se mostra trazer aqui o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2013, tirado no Recurso 01138/12, que refere: “[I] - Constituindo embora o acto administrativo de indeferimento do recurso hierárquico o objecto imediato da impugnação judicial, é, contudo, o acto de liquidação – seu objecto mediato - que verdadeiramente se controverte na impugnação. II - Julgando-se a impugnação improcedente quanto aos actos de liquidação impugnados, por inverificação dos vícios que lhe são imputados, e procedente quanto ao vício formal de preterição do direito de audição em sede de recurso hierárquico, a parte dispositiva da sentença não pode deixar de consagrar a improcedência total da impugnação, condenando apenas a impugnante no pagamento das respectivas custas. III - Irreleva para essa decisão final que a preterição da formalidade da audição prévia se degrade ou não em formalidade não essencial, visto que, nos termos do disposto no art.º 111.º, nºs. 3 e 4, do CPPT, existe uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo na apreciação de um mesmo acto tributário.”
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Entendendo o Tribunal, em face do que acima se explicitou, não se mostrarem verificados os vícios imputados às liquidações sindicadas, donde, mostrando-se inviável a sua anulação com fundamento na aventada preterição.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Colectivo decide:
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Julgar improcedente o pedido formulado na presente acção arbitral, fundado na inverificada ilegalidade dos actos de liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios, relativos ao período de tributação de maio de 2019, respectivamente, no montante de 72.243,00 € e 1.145,53 €, materializados nos seguintes documentos: a) Liquidação adicional de IVA n.º..., no valor de € 72.243,00; b) Demonstração de liquidação de IVA n.º 2020..., no valor de € 67.876,47; c) Demonstração de liquidação de juros n.º 2020..., no valor de € 1.145,53; d) Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no valor de € 72.243,00; e, e) Demonstração de acerto de contas n.º 2020..., no valor de € 1.145,53;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da requerida à restituição à Requerente do valor correspondente ao imposto e juros aqui sindicado e pago;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios a determinar nos termos do art.º 43º da LGT e 61º do CPPT.
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em 73.388,53 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixa-se o valor das Custas em 2.448,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pela Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas), a cargo da Requerente, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 6 de Dezembro de 2022.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O Árbitro Presidente,
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
O Árbitro Vogal e Relator,
(Fernando Marques Simões)
O Árbitro Vogal,
(Joaquim Silvério Dias Mateus)
[1] In casu, em França, ou seja, no país onde se encontra registada a sucursal da Requerente que recebeu a máquina aqui em causa proveniente directamente de Itália.
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