Sumário
Cabe ao sujeito passivo que pretenda a aplicação do benefício previsto no art. 43.º/3 CIRS provar que a empresa cuja participação foi objecto de alienação onerosa reúne os requisitos de PME, em especial se esses elementos não estão na posse ou são de acesso facilitado à AT.
DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1.A..., NIF..., residente na ..., ..., ..., ...-... Almancil, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º/1 a), 10.º e 15.º e seguintes do DL 10/2011, de 20.1, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), respeitante ao ano de 2017, no valor de € 67.064,41, requerendo a anulação parcial do mesmo, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia nobiliária (€ 29.813,98) e a correspondente condenação da Autoridade Tributária na restituição desse valor, e bem assim, ao pagamento por esta de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do montante e causa.
2.Os fundamentos do pedido arbitral podem ser sintetizados no termos seguintes:
3.Em 2017 o Requerente vendeu a sua participação numa sociedade de direito checo, denominada B..., s r.o., pelo preço de € 217.100, mas só em 2021 apresentou nas finanças a declaração de substituição referente àquele ano, que contemplava a mais-valia resultante dessa venda.
4.A AT fixou o valor da mais-valia realizada em € 212.956,95 (que corresponde ao valor de realização de € 217.100, deduzido do valor de aquisição de € 3.424,01, actualizado em função do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,21), liquidando o imposto à taxa de 28%, a qual incidiu sobre a totalidade dessa mais-valia, resultando o IRS no valor de € 59.627,95.
5.Ora o art. 43.º/3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) estipula que as mais-valias mobiliárias relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados devem ser consideradas apenas em 50% do seu valor (e não sobre a totalidade, conforme aconteceu).
6.A sociedade cuja participação foi vendida pelo Requerente reunia os requisitos de uma pequena empresa (por empregar menos de 50 trabalhadores, ter um volume anual de negócios inferior a 10 milhões de euros e não se encontrar cotada na bolsa de valores – cf. art. 2.º/2 do Anexo do DL 327/2007 e art. 43.º/3 CIRS), pelo que deveria ter sido considerada em apenas 50% a mais-valia mobiliária declarada, o que corresponderia a € 29.813.98 (em vez dos € 59.627,95).
7.A lei aplicável não exige que a sociedade tenha sede ou direcção efectiva em Portugal para beneficiar dessa redução, o que, aliás, seria incompatível com o art. 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-membros.
8.Em abono desta interpretação a Requerente refere jurisprudência judicial e arbitral.
9.A Requerida respondeu defendendo uma interpretação diversa dos normativos aplicáveis.
10.Assim, segundo a AT, o benefício em causa (constante do art. 43.º/3 CIRS, que considera apenas 50% do valor das mais-valias para as micro e pequenas empresas não cotadas) foi introduzido pela L 15/2010 de 26.6 com o propósito de apoiar as PME portuguesas, não se aplicando, por isso, àquelas que tenham sede no estrangeiro.
11.Relativamente à eventual violação do art. 63.º TFUE, a AT considera que, tratando-se de um benefício fiscal, se admite uma desigualdade de tratamento ao nível da tributação, uma vez que essa diferenciação estará justificada face ao interesse que visa proteger.
12.Assim, entende a AT, a importância das PME permite que os Estados-membros as apoiem sem que com isso violem as obrigações europeias.
13.O entendimento que reduz a aplicação do benefício fiscal constante no art. 43.º/3 CIRS às PME com sede em Portugal constituirá, portanto, segundo a AT, uma medida de apoio que integrará a previsão do art. 65.º/1 a) TFUE – e já não um meio de discriminação arbitrária ou uma restrição dissimulada à livre circulação dos capitais e pagamentos, proibida pelo 65.º/3.
14.A AT defende ainda não serem os documentos apresentados pelo Requerente idóneos para provarem a pretendida qualidade de PME da sociedade em causa.
15.Conclui, por isso, a Requerida no sentido da improcedência do pedido arbitral
16.No seguimento do processo, por despacho arbitral de 21.10.2022, foi dispensada a reunião a que se refere o art. 18.º do RJAT.
17.As partes apresentaram alegações insistindo, no essencial, nas posições anteriormente afirmadas.
18.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD em 15.12.2021 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
19.Nos termos do disposto no art. 6.º/1 e do art. 11.º/1 a) do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da L 66-B/2012, de 31.12, o Conselho Deontológico designou como árbitro singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
20.As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º/1 a) e b), do RJAT e dos art.os 6.° e 7.º do Código Deontológico.
21.Assim, em conformidade com o preceituado no art. 11.º/1 c) do RJAT, na redacção introduzida pelo art. 228.° da L 66-B/2012, de 31.12, o tribunal arbitral foi constituído em 22.2.2022.
22.O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente face ao preceituado nos art.os 2.º/1 a) e 30.º/1, do DL 10/2011, de 20.01.
23.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (art.os 4.º e 10.º/2, do mesmo diploma e 1.º da Port.ª 112-A/2011, de 22.03).
24.O processo não enferma de nulidades, nem foram invocadas excepções.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Matéria de facto
Factos provados
25.Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes, são os seguintes:
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O Requerente vendeu em 2017 a sua participação numa sociedade direito checo, denominada B..., s r.o., pelo preço de € 217.100;
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Em 2021 o Requerente apresentou nas finanças a declaração de substituição referente àquele ano de 2017, que contemplava a mais-valia resultante dessa venda;
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A AT fixou o valor da mais-valia realizada em € 212.956,95 (que corresponde ao valor de realização de € 217.100 deduzido do valor de aquisição de € 3.424,01, actualizado em função do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,21), liquidando o imposto à taxa de 28%, a qual incidiu sobre a totalidade dessa mais-valia, resultando o IRS no valor de € 59.627,95.
Factos não provados
26.Não ficou provado que a sociedade cuja participação foi vendida pelo Requerente (e gerou as mais-valias cuja liquidação é questionada no processo) reunia os requisitos de uma pequena empresa (empregar menos de 50 trabalhadores, ter um volume anual de negócios inferior a 10 milhões de euros e não se encontrar cotada na bolsa de valores – nos termos do art. 2º/1 do Anexo do DL 327/2007 de 6.11, do art. 2.º/2 do Anexo da Recomendação C(2003) 1422 da Comissão de 6.5.2003 e do art. 43.º/3 CIRS).
27.O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada ou não provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo remetido pela AT.
28.A documentação junta pelo Requerente a fim de demonstrar o preenchimento dos requisitos de PME revela-se não idónea, na medida em que se trata de documentos produzidos pela sociedade objecto de venda que, em rigor, têm um valor probatório aproximado das declarações que o Requerente faça no processo.
29.Ao contrário do que pretende o Requerente, não cabe à Requerida conferir a veracidade das declarações produzidas, já que não se trata de factos cujos elementos estejam em seu poder, pelo que, por aplicação da regra geral que é acolhida no domínio tributário (art. 74.º/1 LGT), o ónus da prova recai sobre a parte que invoque os factos.
III. Matéria de Direito
30.Não tendo o Requerente demonstrado a qualidade de PME (da empresa cuja participação foi por si objecto de venda), é inaplicável o pretendido regime excepcional, previsto no art.º 43.º/3 CIRS, que determina que as mais-valias mobiliárias relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados devem ser consideradas apenas em 50% do seu valor.
31.Improcede, por isso, o pedido do Requerente.
32.Torna-se, assim, desnecessário apreciar da questão essencial que é levantada quanto á interpretação restritiva (conforme defende a Requerida) ou não (conforme pretende o Requerente) do âmbito de aplicação da referida norma.
IV. Decisão
Em face do supra exposto, decide-se
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Julgar improcedente o pedido de anulação parcial da liquidação de IRS;
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Condenar o Requerente no pagamento integral das custas do presente processo.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 29.813,98 (vinte e nove mil oitocentos e treze euros e noventa e oito cêntimos) nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º/1 a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º/2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VI. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de 1.530 € (mil quinhentos e trinta euros), a pagar pelo Requerente, nos termos dos artigos 12.º/2, e 22.º/4, do RJAT, e artigo 4.º/5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2022
O Árbitro
Rui M. Marrana
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º/5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º/1 e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.