Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 243/2022-T
Data da decisão: 2022-12-12  IMI  
Valor do pedido: € 35.705,13
Tema: IMI - Terrenos para construção – Valor Patrimonial Tributário (VPT).
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Sumário:

  1. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não são aplicáveis os coeficientes previstos no artigo 38.º do CIMI.
  2. A errónea fixação do valor patrimonial tributário pode ser arguida em sede de pedido de pronúncia arbitral relativa a liquidações de AIMI, quando de tal erro avaliativo decorra excesso de coleta, sem prejuízo dos atos de fixação do valor patrimonial tributário serem suscetíveis de impugnação autónoma.
  3. A procedência relativa a tais erros na fixação do VPT apenas tem reflexos tributários ao nível do ato ou atos tributários objeto da pronúncia arbitral, no caso, liquidações de AIMI e não no ato de avaliação que fixou o respetivo VPT.

 

 

Requerente: A... S.A., com o número de identificação fiscal ..., e com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...‐... Algés. (Requerente)

Requerida:

AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” e/ou “Requerida”)

 1. Relatório

A... S.A., com o número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ..., ...‐... Algés.  na sequência da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa (“RO”), apresentado em 12 de Novembro de 2021, a qual tinha por objeto os atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (AIMI), notificadas por via das notas de cobrança com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., 2020... e 2021..., com referência ao ano de 2018; as notas de cobranças n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2021..., com referência ao ano de 2019; e as notas de cobranças n.ºs 2020 ... e 2020..., com referência do ano de 2020; imputando a estas um excesso de coleta no montante de € 35.705,13,

 

Vem, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.s 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de  20  de  Janeiro  (Regime  Jurídico   Arbitragem  em  Matéria Tributária  ou  “RJAT”)  e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Singular, com designação do árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma e decorrentemente, apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) com vista à anulação da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa e de anulação parcial das liquidações de AIMI, assente nos fundamentos que, sinteticamente, se passam a expor.

A Requerente sustenta, para efeitos da procedência do PPA apresentado, o facto de as liquidações de AIMI sub judice terem por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas juntas.

Face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.

Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a AT não rectificou as respectivas colectas de AIMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de AIMI superior ao montante legal e efectivamente devido,

 

Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice, afigura‐se claro que, se expurgando os coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de AIMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo deste Adicional.

 

A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respectivas liquidações de AIMI supra identificadas.

 

Os “terrenos para construção”, enquanto uma das tipologias de prédio urbano definido para efeitos de IMI e de AIMI (e demais impostos sobre o património), são definidos como “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando‐se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra‐estruturas ou equipamentos públicos”, conforme o legalmente estabelecido no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.

 

As regras para a determinação do valor patrimonial tributário deste tipo de prédios encontram‐ se previstas no artigo 45.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Valor Patrimonial dos terrenos para construção”, à redacção vigente à data dos anos em que as liquidações de AIMI sub judice se referem – i.e. 2018 a 2020.

 

Com efeito, a Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de Dezembro) veio alterar este artigo 45.º do Código do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”.

 

Porém tal modificação legislativa à redacção do artigo 45.º do Código do IMI só produziu efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de Janeiro de 2021 – i.e. para efeitos de liquidações de AIMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever‐se‐á aplicar a redacção deste artigo 45.º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efectuada pelo legislador.

 

Nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redacção vigente à data dos factos tributários em apreço, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

 

Ora, a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada no sentido de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afectação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT.

 

Nestes termos, o STA, estribando‐se na doutrina de Fernando Pires, em Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, (pp. 53 e 103 e ss.), afirmou que “mandando o nº 3 do art. 45º do CIMI utilizar esses mesmos critérios para determinar as percentagens de apuramento do valor da área de implantação, teríamos uma aplicação duplicada daqueles quatro factores que estão na base do coeficiente de localização, pois que estas características são também as mesmas que determinam a construção do coeficiente de localização: tais características determinam, primeiro, a construção do coeficiente de localização e em seguida, também a construção da percentagem do apuramento do valor da área de implantação, pelo que «dada a coincidência de serem os mesmos factores que estão na base da construção do coeficiente de localização e das percentagens, parece também ser defensável a ideia de que não seria aplicável na fórmula de avaliação dos terrenos para construção o coeficiente de localização»”

 

Ademais, no que respeita à consideração do coeficiente de afectação, bem como do coeficiente de qualidade e conforto na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, cumpre referir a decisão do STA, prolatada no processo 0824/15, de 20 de Abril de 2016, nos termos da qual se conclui que o artigo 45.º do Código do IMI é a norma específica que regula a determinação deste valor dos terrenos para construção.

Deste modo, o STA reconheceu que o “coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade”, sendo “[t]ais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece” – cf. Acórdão de 20 de Abril de 2016, proferido no processo 0824/15 (realce nosso).

 

Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos nos anos 2018, 2019 e 2020 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao AIMI devido (e pago) nos anos em apreço.

 

Considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Nesta matéria de erros na determinação de valores patrimoniais tributários e subsequente contestação de actos de liquidação de AIMI emitidos com base nestes valores, importa trazer à colação o entendimento que consta no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, que refere que, sem prejuízo do pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT ser “inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal)”, tal “não quer dizer que [o pedido de revisão oficiosa] seja de todo imprestável para o caso subjudice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida”.

 

É fundamento para impugnação judicial de ilegalidade, a “errónea qualificação e quantificação, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” (realces nossos), conforme o disposto na alínea a) do artigo 99.º do CPPT.

 

Deste modo, conforme sumarizado pelo Tribunal, “[a] errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação”.

 

Deste modo, e conforme demonstrado pelas Tabelas anexas, em resultado da aplicação ilegal e indevida dos coeficientes acima elencados, os terrenos para construção objecto de tributação de AIMI nos anos in casu tinham, à data das liquidações sub judice, valores patrimoniais tributários estabelecidos em montantes superiores àqueles que lhe seriam fixados caso tais coeficientes não tivessem sido considerados na fórmula de cálculo destes valores.

 

Assim, os valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção encontravam‐se “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de AIMI para cada um destes terrenos foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI na redacção aplicável e não segundo a fórmula erroneamente aplicada aos terrenos pela AT nos anos de tributação em discussão.

 

Por conseguinte, não deveria a Requerente ter sido adstrita ao pagamento dos montantes de AIMI liquidados em excesso, enfermando, assim, os actos tributários de liquidação deste imposto em crise, numa manifesta ilegalidade, por resultarem da evidente interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo os mesmos ser parcialmente anulados.

 

Em face do exposto, devem os actos tributários de liquidação de AIMI em apreço ser declarados parcialmente ilegais, impondo‐se, em consequência, a devolução dos montantes de imposto indevidamente pagos, que ascende a € 35.705,13, com todos os efeitos legais daí decorrentes.

 

Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

Com efeito, nos termos supra expendidos e demonstrados, a determinação do VPT de terrenos para construção sempre deverá ser efectuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários).

 

Pelo que, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

 

Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

Em face da suscitada ilegalidade dos atos tributários de liquidação, peticiona a Requerente, igualmente, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º, n.º 1 da LGT, porquanto se está perante erro imputável aos serviços, designadamente na quantificação excessiva do respetivo VPT de cada prédio objeto de tributação em AIMI, contados desde a data do pagamento indevido do imposto e a data do processamento da respetiva nota de crédito de reembolso.

 

Em 07.04.2022 foi aceite o pedido do PPA apresentado pela Requerente.

Por despacho de 04.05.2022 da Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações, veio a Requerida a dar a conhecer a decisão daquela em anular as avaliações anexas a tal decisão, anulação essa sobre avaliações de prédios ocorridas há menos de 5 anos, assim referindo-se a uma “anulação parcial do objeto do pedido”.

Notificada a Requerente sobre a suposta revogação parcial, veio esta a reiterar o interesse no prosseguimento da lide arbitral, por esta iniciada através do PPA submetido.

O árbitro único foi designado em 27.05.2022.

Nesta decorrência, foi este Tribunal Arbitral constituído em 17.06.2022.

 

Notificada a Requerida para, querendo, apresentar Resposta, veio esta a fazê-lo e a juntar Processo Administrativo (PA), concluindo no sentido de ser declarada improcedente a ação e absolvida a Requerida de todos os pedidos pela Requerente formulados.

 

Com o referido processado, veio a Requerida juntar decisão de anulação parcial promovida pela Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Imposto Municipal sobre Imóveis relativamente aos 79 prédios cujas avaliações haviam sido anuladas nos termos do supra aludido despacho.

 

Em abono da improcedência do PPA e respetivos pedidos aí formulados, sustenta a Requerida que a Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de AIMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT), não sendo imputados aos atos impugnados qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação, sendo que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) de cada um dos prédios em causa não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

 

Por despacho de 20-05-2022, a Sra Subdiretora Geral dos Impostos, procedeu à anulação parcial das liquidações contestadas, atendendo a que no dia 4-05-2022 havia sido proferido despacho pela Sra Subdiretora Geral de anulação das avaliações indicadas no referido Doc junto com o n.º1.

 

Assim, de acordo com o referido documento, o Terreno para construção identificado na linha 1 foi avaliado em 29-06-2019, tendo sido considerados os coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na determinação do respetivo valor patrimonial tributário, pelo que a referida avaliação foi anulada administrativamente por despacho de 04-05-2022 da Sra. Subdiretora-Geral da área dos Impostos sobre o Património, com fundamento em invalidade, por ainda não estar ultrapassado o prazo de cinco anos para a anulação desse ato.

 

Quanto aos Terrenos para construção identificados nas linhas 2 a 79 da tabela constante do Doc. 1, os mesmos foram avaliados entre 11-02-2005 e 19-07-2013, tendo sido considerados os coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários (cf. tabela constante do doc 1 da Resposta).

 

Contudo, essas avaliações foram realizadas há mais de cinco anos, por isso foi ultrapassado o prazo legal para anular administrativamente esses atos de avaliação, com fundamento em invalidade, uma vez que já decorreu o prazo limite de cinco anos previsto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA.

 

No entanto, os terrenos voltaram a ser avaliados entre 03-01-2019 e 13-01-2020, no seguimento de novas declarações modelo 1 de IMI, mas foram novamente considerados os coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na determinação dos valores patrimoniais tributários desses terrenos, pelo que foram anuladas administrativamente por despacho de 04-05-2022 da Sra. Subdiretora-Geral, com fundamento em invalidade, uma vez que o prazo de cinco anos para a anulação desses atos ainda não tinha decorrido.

 

No que se refere ao Terreno para construção identificado na linha 80 da tabela em anexo, o mesmo foi avaliado em 16-06-2020, tendo sido considerados os coeficientes de localização de 1,00, de afetação de 1,00 e de qualidade e conforto de 1,00 (cf. tabela dos terrenos para construção do Doc 1), razão pela qual, a anulação e repetição dessa avaliação sem os referidos coeficientes iria conduzir a um valor patrimonial tributário igual ao que foi antes atribuído, dado que os coeficientes utilizados na avaliação são neutros e não tiveram influência no valor patrimonial tributário apurado.

 

Quanto aos Terrenos para construção identificados nas linhas 81 a 275 da tabela constante do Doc 1 da Resposta, as avaliações em causa também tiveram em consideração os coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na determinação dos respetivos valores patrimoniais tributários, sucede que, essas avaliações foram realizadas entre 20-01-2005 e 12-08-2015, donde já decorreu o prazo de cinco anos para proceder à anulação administrativa dessas avaliações.

 

Em suma, as liquidações do Ano de 2018 referentes aos terrenos identificados nas linhas 2 a 79 do doc 1 da Resposta, não são suscetíveis de anulação, porque não é possível anular o VPT vigente a 01.01.2018, em virtude de o ato de avaliação correspondente já ter cessado a sua existência e não ser possível anular um ato que já não existe na ordem jurídica.

 

Com referencia aos terrenos identificados nas linhas 80 a 275, não são suscetíveis de anulação, dado que o valor patrimonial tributário dos imóveis identificados, resultante de avaliações efetuadas há mais de 5 anos e que não podem ser administrativamente anuladas justifica, nos termos do n.º1 do artigo 135.º-G do CIMI, não foram anuladas as liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020.

 

Considera assim a Requerida que a pretensão da Requerente, quanto às liquidações que não foram anuladas, não pode proceder porquanto:

  • Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
  • A Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.

 

Quanto ao primeiro ponto, constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.

 

Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT).

 

Estes, atos como refere Jorge LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. I, 6ª edição 2011, Áreas Editora, p.468):

São atos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma, principalmente nos casos em que são praticados por entidade distintas da que deve proferir a decisão final”.

“(...) Se os actos destacáveis não forem impugnados, a decisão consolidar-se-á e o que neles se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que eles estejam inseridos ou conexionados, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamentos em vícios do acto destacável”

“(...) Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa. “.

 

Também José CASALTA NABAIS, in “”Direito Fiscal”, Almedina, p.253 refere que:

Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável constitui um ato administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial.”

 

Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

 

Aliás, esta posição está em concordância com o mais recente entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores que qualifica os atos de fixação dos valores patrimoniais como atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, que, se não atacados na forma e no tempo próprios se consolidam na ordem jurídica e a posterior liquidação não poderá deixar de acatar, citando trechos dos seguintes arestos:

  1. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0885/16, de 10.05.2017
  2. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1808/12.0BEPRT, de 18.10.2018
  3. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 633/14 de 15.2.2017,
  4. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 5964/12 de 20/12/2012
  5. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25.04.2010 no Processo n°03586/09
  6. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.02.2008 no Processo n°02125/07:

 

Convoca igualmente a Requerida jurisprudência arbitral, designadamente os acórdãos do Tribunal Arbitral nºs 540/2020-T e Acórdão n.º 487/2020- T, cujo coletivo foi presidido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e que cujo excerto se

transcreve:

“A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.o, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.o do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT...”

 

Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

 

Cautelarmente, face ao recente e reiterado entendimento jurisprudencial sobre a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, importa analisar em que termos e sob que condições os atos de avaliação dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser anulados.

 

A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2.º, alínea c) da LGT.

 

Estabelece o artigo 168.º do CPA, a cujo cumprimento está a Autoridade Tributária legalmente obrigada e vinculada:

“Artigo 168.º

Condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa

1 - Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão.”

(...)

 

Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.

 

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.10.2021, Acórdão n.º

23/16.8BELRS:

“I. Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação e anulação administrativas dos atos tributários, hão de acolher-se as regras constantes dos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

II. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA.

III. Salvo nos casos previstos nos n.ºs 3 a 7, do artigo 168º CPA, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão - artigo 168º, n.º 2, do CPA.”

 

 

De tudo o que se aduziu conclui-se que já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de AIMI.

 

Se assim não fosse estar-se-ia a admitir que a liquidação impugnada pudesse ser calculada contra legem, i.e. com base no valor que não é o que consta na respetiva matriz predial.

 

A atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção.

 

O que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada.

 

Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.

 

Sobre esta matéria veja se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferida no processo 164A/04 de 13/11/ 2007, no sentido do artigo 161º do CPTA não ofender quaisquer princípios constitucionais, nem o da igualdade.

 

Mas também que a prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente.

 

Na verdade, a não ser assim, haveria contribuintes que estariam sujeitos à caducidade processual, ao passo daqueles outros que, pelo contrário ficavam isentos das consequências processuais de preclusão do direito impugnatório.

 

Sustenta ainda a Requerida estar vedada ao tribunal arbitral a possibilidade de julgar segundo a equidade, apenas podendo julgar de acordo com o direito constituído, sendo que a pretensão da Requerente não tem sustentação neste último, o que não poderá deixar de ter por consequência a improcedência de tal pretensão.

 

Por último e cautelarmente, com referência a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, sustenta a Requerida que caso o pedido de pagamento de juros fosse julgado procedente, o que por mera hipótese se concede, o mesmo seria enquadrável no nº 3, alínea c) do artigo 43.º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

 

Assim, impugna a Requerida, por infundado, todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

 

Em 08.09.2022 foi incorporado o Processo Administrativo a estes autos.

 

Em 28.11.2022 foi proferido despacho arbitral a dispensar a realização de reunião arbitral a que alude o artigo 18º do RJAT e bem assim à formulação de alegações, tendo através deste sido notificadas as partes para a prolação de decisão no dia 12 de Dezembro de 2022.

 

 

  2. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT. 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

A cumulação de pedidos efetuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em que estão em causa atos de liquidação de AIMI de diferentes períodos – 2018, 2019 e 2020 - assentes em similar base factual e sobre as quais se aplicam as mesmas regras de direito, encontra-se destarte plenamente justificada a cumulação de pedidos,  face ao princípio da economia processual consagrado no artigo 3º do RJAT.

Quanto à questão da inimpugnabilidade dos atos tributários objeto do pedido de Revisão Oficiosa e mediatamente objeto deste PPA, a mesma apreciar-se-á infra aquando da apreciação do direito.

Idêntica apreciação irá ser efetuada relativamente à hipotética impossibilidade superveniente da lide, resultante das anulações, quer das avaliações referentes a alguns prédios cuja legalidade das liquidações do AIMI se discute nestes autos, quer da anulação parcial dessas liquidações propriamente ditas.

     3. Fundamentação de Facto:

3. 1. Factos Provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. No que releva para efeitos do objeto destes autos, a Requerente A... SA era proprietária, à data dos factos tributários em análise – 2018, 2019 e 2020 - de 275 prédios - lotes de terreno para construção - cfr. cadernetas prediais e listagem constante de Doc. 1 da Resposta oferecida pela Requerida, cujo respetivo teor se dão aqui por integralmente reproduzidos.
  2. Relativamente a tais prédios, foi a Requerente notificada das liquidações de AIMI do ano de 2018, via notas de cobrança de AIMI com os n.ºs 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2018..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., 2020... e 2021..., com referência ao ano de 2018; as notas de cobranças n.ºs 2019..., 2019..., 2019..., 2019..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020 ... e 2021..., com referência ao ano de 2019; e as notas de cobranças n.ºs 2020... e 2020..., com referência do ano de 2020.
  3. As liquidações de AIMI a que se referem as notas de cobrança supra tiveram por base os valores patrimoniais tributários (VPTs) dos terrenos para construção fixados segundo uma fórmula que incluía coeficientes de localização, de afetação, e de qualidade e conforto (cfr. cadernetas prediais urbanas juntas ao PA que aqui se dão por integralmente reproduzidas).
  4. Na fixação do VPT dos terrenos para construção identificados em Doc. 1 da Resposta) numerados de 1 a 79 e de 81 a 275, inclusive, foi utilizado um coeficiente superior a 1,00, relativamente a, pelo menos, um dos seguintes três coeficientes: “Localização”, “Afetação” e “Qualidade e Conforto”, tal como decorre do teor das respetivas cadernetas prediais juntas com o PA.
  5. Na fixação do VPT do terreno para construção listado em 80 de Doc. 1 da Resposta – artigo..., com o código de freguesia (localização) ... - foi tido em consideração o VPT de 1,00 relativamente a cada um dos três coeficientes identificados no número que antecede, peticionando a existência de excesso de quantificação, no montante de €0,04 (cfr. Doc. 6 do PPA).
  6. As notas de cobrança supra identificadas em 2. vieram a ser pagas pela Requerente, nas datas melhor constantes do Doc. 7 junto com o PPA;
  7. Quanto aos terrenos para construção identificados de 1 a 79, foram as respetivas avaliações anuladas por despacho da Subdiretora Geral da Direção de Serviços de Avaliações, exarado em 04.05.2022 e junto a estes autos em 10.05.2022, com fundamento no facto de o VPT apurado ter tido, incorretamente em conta, coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto, uma vez ter entendido a AT ainda estar em prazo de proceder à anulação administrativa, prevista no artigo 168º do CPA.
  8. Notificada a Requerente de tal decisão, veio esta em 15.06.2022, a manifestar-se no sentido do prosseguimento dos autos impugnatórios arbitrais.
  9. Com a Resposta oferecida pela Requerida, juntou esta documento identificado por “Doc. 2”, na qual se dava a conhecer a decisão de anulação parcial das liquidações objeto destes autos, tomada pela Direção de Serviços de Imposto Municipal sobre Imóveis, fundada em informação sufragada, nos seguintes termos:

“6 – Assim, face ao informado pela DSA e relativamente às liquidações contestadas, tomando como referência a tabela anexa à informação nº 76/2022 da DSA, serão de anular parcialmente as liquidações de AIMI efetuadas à recorrente, de harmonia com o anexo “Anulações AIMI”, na coluna “Anos em que o VPT esteve em vigor para efeitos de AIMI”:

Ano de 2020: aos prédios referidos nas linhas nº 3, 6, 57, 78 e 79

Ano de 2019 e 2020: aos prédios nas restantes linhas do n.º 1 ao n.º 77

Ano de 2018 não é suscetível de anulação, porque não é possível anular o VPT vigente a 01.01.2018, em virtude de o ato de avaliação correspondente já ter cessado a sua existência e não ser possível anular um ato que já não existe na ordem jurídica.”

  1. Inconformada com o teor das liquidações, a Requerente veio a apresentar pedido de Revisão Oficiosa, através de registo postal, datado de 12.11.2021, na qual pugnava pela ilegalidade das mesmas, por excesso de quantificação de coleta de AIMI.
  2. Não tendo a AT vindo a proferir qualquer decisão quanto ao pedido de Revisão Oficiosa formulado, veio a Requerente, presumindo o seu indeferimento, a submeter o Pedido de Pronúncia Arbitral em apreço, em 07.04.2022, com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de AIMI, por ilegais.
  3. A Requerente procedeu ao pagamento da taxa arbitral devida.

No que se refere aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pela Requerente e Requerida e no posicionamento das Partes em relação à mesma.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

3.2. Factos Não Provados:

 Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto:

O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados e tendo igualmente em consideração a posição assumida pelas partes quanto aos factos.

4. Do Direito:

4.1. Questões a Decidir:

O PPA tem por objeto imediato a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e por objeto mediato a apreciação da legalidade das Liquidações de AIMI supra identificadas.

A Requerida suscitou exceção dilatória e questão prévia suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tal questão e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência ou procedência parcial da mesma, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e concomitante anulação da decisão de indeferimento tácito e das Liquidações de AIMI (cfr. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).

Sucede no entanto, que no domínio da marcha processual arbitral, veio a Requerida a dar a conhecer a decisão anulatória por parte da AT quanto a parte das liquidações objeto destes autos, razão pela qual importará antes do conhecimento de tal exceção dilatória e eventual apreciação do mérito, circunscrever o concreto objeto destes autos, tendo presente a hipotética verificação de impossibilidade superveniente da lide

Assim, 

Considerando a posição das partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

A)   Exceções dilatórias:

- Da impossibilidade superveniente da lide (parcial);

- Da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de AIMI com fundamento em vícios do ato de fixação do VPT;

B)   Da ilegalidade do indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção.

C)   A título subsidiário: Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI, interpretado no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI têm aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

D)   Do reembolso acrescido de juros indemnizatórios.

 

4.2. Da Impossibilidade superveniente da lide (Parcial):

Como decorre da posição da Requerida,  supra explanada e da matéria de facto provada, veio a AT a proceder à anulação administrativa das avaliações referentes aos prédios identificados de 1. a 79. (cfr. ponto 8 dos factos provados).

A este respeito, a questão da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide não se coloca, porquanto, pese embora a invocação da anulação do ato autónomo referente à avaliação dos prédios em causa, tal circunstância não teve por consequência de per se a anulação de todos os demais atos tributários que subsequentemente aplicaram esse mesmo VPT administrativamente anulado.

Não tendo, como não têm estes autos como objeto impugnatório o ato autónomo referente à fixação do VPT  - avaliação - invocado como objeto de anulação, mas sim os atos tributários de liquidação de AIMI já supra melhor identificados na matéria de facto dada por provada e mantendo-se estes atos tributários vigentes na ordem jurídica, resulta inviável a existência de qualquer fundamento para a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, no que respeita às liquidações ora arbitralmente colocadas em crise.

No decurso destes autos e após constituído este tribunal arbitral, veio igualmente a Requerida a dar a conhecer a decisão da AT de anulação administrativa de parte das liquidações ora arbitralmente impugnadas, nos termos melhor constantes do ponto 9 dos “Factos Provados”.

Vejamos pois, das consequências jurídicas da anulação administrativa de parte das liquidações ora arbitralmente impugnadas.

A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, atualmente prevista no art.º 277.º al. e), do CPC, ocorre quando, por facto tido lugar na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo.

Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio – neste sentido, vejam-se os ensinamentos de José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I Volume, 2ª Edição, Almedina, 2003 anotação 3 ao art.º 287.º, p. 512.

Deste modo, a instância extingue-se porque se tornou inútil ou impossível o seu prosseguimento: verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito do PPA formulado, antes se limitando a declarar aquela extinção.

Em qualquer caso, o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade ou impossibilidade da lide deve ser superveniente, ou seja, a sua verificação deve ter lugar após a constituição da instância. Não é suficiente, portanto, a existência de um facto que torne a lide inútil.

No caso dos presentes autos, dúvidas não subsistem quanto à superveniência da causa extintiva da lide – revogação pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira ocorrida por despacho proferido em data posterior à propositura do PPA e igualmente posterior à data em que o este tribunal arbitral singular se considera constituído.

Não se podendo olvidar que, nos termos do n.º 1 do artigo 165º do CPA, a revogação do ato administrativo determina a cessação de efeitos desse mesmo ato.

Ante o exposto, fica evidenciado que com a revogação da ordem jurídico-tributária de segmento dos atos tributários de liquidação de AIMI de 2018, 2019 e 2020 já supra melhor identificados na matéria de facto dada por provada – ponto 9 - e nos termos constantes da respetiva informação e despacho exarados, torna impossível, nesse exato segmento anulado, o prosseguimento da presente lide, por falta de objeto e determina a extinção da instância quanto a esse concreto objeto.

Não só porque a pretensão processual da Requerente quanto à anulação dos atos tributários cuja legalidade tributária foi arbitralmente sujeita a apreciação,  se encontrar já alcançada, mas igualmente por tal revogação acarretar um absoluto esvaziar do objeto de apreciação arbitral que havia sido suscitado pela Requerente, vazio esse de objeto que inviabiliza a apreciação de qualquer matéria acessoriamente aduzida por estes, como seja a eventual condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios ou a eventual restituição de quantias indevidamente pagas.

Isto porque, desaparecendo da ordem jurídico-tributário parte do objeto principal do litígio arbitral – declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação de tributos – fica excluída da jurisdição arbitral, nos termos do n.º 1 do artigo 2º do RJAT e da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, a apreciação por este tribunal arbitral, a título principal, de atos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação.

Destarte, tendo parte dos atos tributários de liquidação, enquanto objeto mediato da decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, sido objeto de revogação, tem-se, pois, por verificada a impossibilidade parcial da lide, a qual determina a extinção da instância arbitral (art. 277º, al. e) do CPC), aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, no que ao concreto segmento desses mesmos atos tributários administrativamente anulados concerne.

4.2. Da inimpugnabilidade das liquidações  de AIMI com base em VPT’s já consolidados na ordem jurídico-tributária:

Veio a Requerida, na Resposta oferecida, sustentar que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, o qual, não tendo sido impugnado, se deve ter por consolidado na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, o que implica que posterior liquidação terá de acolher o resultado apurado nesse mesmo procedimento avaliativo, designadamente o VPT daí emergente.

Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido, o mesmo fixou-se, não sendo possível apreciar em subsequente liquidação, de eventuais erros ou vícios insertos na avaliação.

A este respeito, já havia a Requerente, no seu PPA, discorrido pela tese inversa, sustentando a possibilidade de fundar a ilegalidade dos atos de liquidação assente em vícios endógenos ao apuramento do VPT que esteve na base das liquidações arbitralmente impugnadas.

 A questão vinda de enunciar não é objeto de uma apreciação unívoca, quer da jurisprudência, quer da doutrina, sendo possível colher posições antagónicas quanto à (im)possibilidade de apreciar de vícios atinentes a um VPT já consolidado relativamente a posteriores liquidações em que tal valor releva para efeitos de quantificação do respetivo ato tributário.

Estando este tribunal arbitral singular bem ciente de ambas as perspetivas relativas a esta querela jurídica, acompanha-se o entendimento constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 31/10/2019 (Benjamim Barbosa), proferido no processo nº 2765/12.8BELRS , no âmbito do qual se sustentou que:

  “O acto de fixação do VPT não se encaixa neste conceito, visto que é encarado, de forma pacífica, como acto administrativo em matéria tributária, destacável e autonomamente impugnável.

É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.

Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.

Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].”

Não está, na perspetiva deste tribunal arbitral singular em causa saber se a lei configura ou não a fixação do VPT como um acto destacável e nessa medida prevê a hipótese de reagir, impugnando, autonomamente tal ato de fixação, mas antes o de perceber se subsistem ou não razões que obstem a que tal ilegalidade do ato de fixação possa ser apreciada, quando instrumental relativamente a um ato tributário de liquidação, cuja legalidade possa estar inquinada por vícios próprios desse mesmo procedimento avaliativo.

A este respeito, por secundarmos a fundamentação aí vertida, não podemos deixar de citar trecho da decisão arbitral proferida no âmbito do processo 760/2020-T, que integralmente acompanhamos, na qual se alinhou o seguinte:

“Há, pois, que ponderar sobre a ratio das normas que preveem a impugnabilidade judicial autónoma de atos administrativos que constituem pressuposto de outros atos administrativos.

“Estas razões serão, essencialmente, três:

(i) O ato ser imediatamente lesivo, produzir diretamente efeitos negativos na esfera do  particular, o que não é o caso, pois a ablação do património pela via do imposto só acontece após a prática de um ato de liquidação.

(ii) A sindicância judicial imediata oferecer maiores garantias ao particular: é o caso, desde logo porquanto o decidido em tal recurso produzirá efeitos de caso julgado relativamente a todas as liquidações que tiverem por base o VPT impugnado.

Está, pois, presente uma intencionalidade garantística (consagração de meio de garantia mais abrangente) e não um intuito de restrição dos normais meios de garantia, como resultaria do acolhimento do pensamento sufragado pela Requerida).

(iii) Previsão legal de um “filtro” pré-judicial que possa contribuir para reduzir o número de casos que os tribunais sejam chamados a apreciar, quando a decisão dependa essencialmente de conhecimentos técnicos próprios de outras áreas do saber, que não a jurídica (o “filtro” aqui existe - a segunda avaliação dos prédios urbanos).

Porém, atenta a razão de ser destes sistemas, há que entender que a previsão da impugnabilidade direta e imediata, em processo a tal diretamente dirigido, do «resultado das segundas avaliações», como diz a lei, só se mostra «indispensável» quando esteja em causa o resultado da aplicação da lei (das normas que regulam o procedimento de avaliação) num caso concreto, pois é em tal aplicação que poderão estar envolvidos conhecimentos técnicos, não jurídicos, e não, como acontece no presente caso, quando esteja em causa a determinação da lei aplicável à avaliação.

Esta é uma questão exclusivamente jurídica, para a qual, por definição, um tribunal é mais qualificado para a precisar que uma comissão de peritos avaliadores.

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê.

Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso – como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação).

Num quadro interpretativo da lei que procura dar relevância à sua conformidade com os princípios constitucionais, não podemos subscrever, como constituindo uma regra sem exceções, o pensamento do distinto Autor em que a Requerida, no essencial, se louva.

Como referido no citado acórdão do TCA, há que não esquecer que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de um tributo, que foi exigido à Requerente.”

Em similar linha de raciocínio, veja-se o decidido pelo coletivo de árbitros no âmbito do processo n.º 807/2021-T, que correu termos no CAAD e no qual, a propósito desta mesma temática relativa à hipotética inimpugnabilidade com base em vícios endógenos a VPT’s cujo procedimento de avaliação se mostrava consolidado e o qual aqui se secunda na sua íntegra, razão pela qual aqui se deixa citado:

“ iii)  Princípios da justiça e da tutela jurisdicional efetiva ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP

O Tribunal entende que a interpretação do artigo 54.º do CPPT subscrita pela Requerida (segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos) ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

A este propósito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29-09-2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.

Acompanhamos inteiramente a interpretação do artigo 54.º do CPPT sustentada pelo Douto Tribunal Constitucional neste Acórdão, que reforça a conclusão de que a interpretação segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos, através de reclamação graciosa (ou do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), é a que melhor se coaduna com os princípios da justiça e da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Interessa agora atentar aos princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” subjacentes ao artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT).

(iv)  Princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” decorrentes do artigo 7.º do CPTA

A interpretação da lei processual subscrita pela Requerida (segundo a qual os vícios dos atos que fixam o VPT de terrenos para construção não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de IMI emitidos com base nos mesmos) não só não resulta expressamente na lei processual, como seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

Os princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação da lei processual que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, temos que se deverá optar por aquela que favoreça a ação, e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo sujeito passivo.

No caso sub judice, estes princípios impõem que se reconheça às Requerentes a possibilidade de sindicar a legalidade das Liquidações Contestadas, através de reclamação graciosa, com fundamento na errónea fixação do VPT a elas subjacente.

(v)    O princípio da segurança jurídica (e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça), e o princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP

Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[3]

“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[4]

“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [5]

Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido dos mesmos deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-11-2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:

“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

Temos que o princípio da segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de reclamação graciosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo dos artigos 68.º e seguintes do CPPT).

Como referido supra, tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (a reclamação graciosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT.

A “estabilidade” na ordem jurídica alcançada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça seria a de permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis ao sujeito passivo nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), o que são é aceitável num Estado de Direito.”

Ante a fundamentação vinda de deixar expressa, a qual secundamos e cujo racional jurídico-tributário se afigura de primacial relevância, não podemos deixar de concluir que nada obsta a que a Requerente possa colocar em crise a legalidade dos atos tributários objeto destes autos, ancorada em vícios próprios do VPT anteriormente fixado, quando esse VPT tenha servido de base para o apuramento e quantificação tributária em sede de AIMI, por exemplo e nessa medida tenha influenciado esses mesmos atos tributários.

Sendo que, o direito à impugnação de ato tributário de liquidação e a sua eventual procedência, cujo quantum é influenciado por vícios próprios do VPT que lhe serviu de base tributária não consente a anulação do ato de fixação desse valor patrimonial tributário, mas antes e tão somente o reconhecimento desse(s) eventuais vício(s) no estrito âmbito do objeto impugnatório – liquidações de AIMI objeto do pedido de Revisão oficiosa tacitamente indeferida.

A Requerida invoca a impossibilidade de anulação administrativa dos atos de fixação do VPT por terem decorrido mais de cinco anos desde a sua prática (pelo menos em alguns casos), nos termos do disposto no art.º 168ª do CPA.

 Ora, conforme já explanado, o que está em causa nos presentes autos é a anulação de liquidações e não dos atos de fixação de valores patrimoniais, pelo que a ilegalidade na fixação dos VPT configura a causa do pedido, o qual não se refere diretamente a tais fixações mas sim às liquidações nele baseadas, esvaziando-se assim tudo o quanto vem expendido pela Requerida no que à argumentação do prazo máximo previsto para a  anulação administrativa prevista no artigo 168º do CPA concerne.

Inexistindo, como se entende inexistir, qualquer razão que prejudique o conhecimento de vícios próprios na formação do VPT, na exata medida em que estes possam influenciar a determinação da coleta das liquidações de AIMI em apreço, importa apreciar dos vícios que a estes atos tributários vêm assacados.

Tendo o PPA por objeto mediato as liquidações de AIMI de 2018 a 2020 supra identificadas, a apreciação que de tais imputados vícios na formação do VPT decorram, uma vez procedentes, apenas são suscetíveis de gerar um juízo de ilegalidade e de determinar a anulação no estrito âmbito do objeto da pronúncia arbitral e não no âmbito de qualquer outro ato ou procedimento, como seja o de avaliação e respetivo VPT nele fixado, o qual, manifestamente, não é objeto dos presentes autos.

 

4.3. Da ilegalidade do indeferimento tácito da Revisão Oficiosa e das liquidações, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção.

Invoca a Requerente duas diferentes ilegalidades aos atos tributários ora em apreciação, as quais se podem sintetizar da seguinte forma:

  1. Inaplicabilidade aos terrentos para construção dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI;
  2. Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI, interpretado no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI têm aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

4.3. a)  Inaplicabilidade aos terrentos para construção dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI:

Em abono da pretensão anulatória constante do PPA, defende a Requerente a existência de ilegalidade porquanto o VPT dos prédios objeto das liquidações de AIMI em apreço foi apurado considerando os coeficientes constantes do artigo 38º do CIMI.

Importa pois e antes de mais, efetuar o enquadramento jurídico-tributário da avaliação dos “terrenos para construção” enquanto tipologia de prédios consagrada pelo CIMI.

E para tal desiderato impõe-se atentar no disposto do art. 45.º do CIMI, na redação da Lei 64-B/2011, 30 de Dezembro:

"Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. 

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º 

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente".

Da leitura do normativo vindo de supra citar decorre de forma objetiva a não previsão quanto a uma eventual aplicabilidade aos terrenos para construção de qualquer dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto.

Tais coeficientes e sua aplicação está consignada para os prédios urbanos, leia-se edificados, logo não para os terrenos para construção, o que se colhe, desde logo, da existência de um factor – Vc – o qual corresponde ao “valor base dos prédios edificados”.

Ora, não se encontrando, pela sua natureza e definição legal, os terrenos para construção edificados, é manifesto concluir que o legislador não pretendeu determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção ao abrigo da expressão aritmética constante e decorrente do artigo 38º do CIMI.

 Não constando tais coeficientes de qualquer norma aplicável à avaliação dos terrenos para construção, a sua aplicação no apuro do quantum do VPT dos terrenos para construção em apreço não pode, quando efetuada, deixar de significar a aplicação por analogia de uma disposição legal de incidência, analogia essa que é insuscetível de aplicação pelo princípio da tipicidade fiscal.

A este propósito, da (in)aplicabilidade do coeficiente de qualidade e conforto, o Acórdão STA Pleno de 21/9/2016 (Ascensão Lopes), processo 0183/13, uniformizou a jurisprudência no sentido de que "na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados".

Nesta esteira e sentido, vejam-se as decisões dos tribunais superiores no âmbito dos processos n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021, n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019 e n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019, entre outros, dos quais decorre, de forma consistente e unívoca a inaplicabilidade aos terrenos para construção de tais coeficientes.

A jurisprudência a que supra nos reportamos versa sobre a avaliação de terrenos para construção, a qual entende não serem aplicável os coeficientes que não se encontrem concretamente tipificados pelo artigo 45.º do Código do IMI, rejeitando assim a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 38.º deste Código, os quais, na medida em que são suscetíveis de alterar a base tributária (leia-se no VPT apurado) e na incidência do imposto, porquanto tal solução configuraria uma aplicação analógica não consentida pelo princípio da tipicidade fiscal.

Igualmente, também o CAAD, através de decisão proferida no âmbito do processo 760/2020-T, de 22/7/2021 (Rui Duarte Morais), onde se entendeu que "independente das opções legislativas posteriores, também entendemos que a afetação, a qualidade e o conforto são realidades só apreciáveis perante um imóvel construído e não perante um terreno para construção, relativamente ao qual apenas poderão ser tidas em conta expetativas (que poderão não vir a ser concretizadas)".

Ora, no caso dos autos, dúvidas não subsistem quanto à aplicabilidade às avaliações dos prédios objeto das liquidações de IMI e AIMI da redação legal do artigo 45º do CIMI, na sua versão anterior à alteração trazida pelo artigo 392º da lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2021, matéria sobre a qual e de resto, Requerente e Requerida, parecem não dissentir.

Em idêntico sentido ao supra expendido, não pode deixar de se afastar a aplicação do coeficiente de localização, porquanto tal fator que leva em consideração a localização se encontrar já previsto no n.º 3 do artigo 45º do CIMI.

A assim não se entender, tal redundaria em fazer incidir um mesmo fator – localização -  na determinação do VPT  em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IMI.

Tendo, a este propósito, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 016/10, de 3 de julho de 2019, decidido nos seguintes termos: “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção o legislador consagrou a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.”

Em relação ao coeficiente de localização, a mesma posição foi expressa logo no Acórdão STA de 5/4/2017 (Casimiro Gonçalves), processo 01107/16, onde expressamente se escreveu que "na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n° 3 do art. 45° do CIMI".

Em consequência, relativamente à aplicação aos terrenos para construção dos coeficientes previstos no art. 38º CIMI, nos Acórdãos STA de 9/10/2019 (Ascensão Lopes), processo 0165/14.4BEBRG, e de 23/10/2019 (José Gomes Correia), processo 0170/16.6BELRS, sustentou-se que "os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)".

Ante a fundamentação vinda de alinhar, imperioso se torna concluir no sentido da inadmissibilidade legal que da aplicação à espécie de prédios urbanos - terrenos para construção (definida no n.º 3 do artigo 6º do CIMI) - de qualquer um dos coeficientes constantes do artigo 38º do CIMI, isto é, de localização, de qualidade e conforto, de afetação e de vetustez, possa resultar influenciada a quantificação do VPT de prédios urbanos com a referida natureza.

4.3. b) Da subsunção às liquidações objeto destes autos face ao firmado no ponto anterior

Em face da apreciação supra relativamente à concreta causa de pedir em que assenta o PPA, importa perscrutar da subsunção ou não dos VPT’s dos prédios que estão na base das liquidações arbitralmente impugnadas ao enquadramento jurídico-tributário vindo de explanar.

No tocante à fórmula de cálculo e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, a AT fez incidir no apuro do VPT  dos prédios melhor identificados no ponto 4 dos “Factos Provados”, pelo menos um dos coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, com um valor superior a 1,00, o que significa que, em concreto, tais coeficientes afetaram, majorando, o resultado avaliativo e nessa decorrência, influenciaram o valor da coleta para efeitos de AIMI, o que faz inquinar de ilegalidade as liquidações dos prédios ora em apreço, na exata medida parcial do excesso quantitativo à coleta que de tais coeficientes superiores a 1,00 inexoravelmente decorrem, excesso quantitativo esse subsumível ao disposto na al. a) do artigo 99º do CPPT. 

Ilegalidade parcial – por excesso de quantificação da coleta - essa que que se verifica, em face da matéria de facto dada por provada (ponto 4 dos “Factos Provados”, cuja identificação dos prédios se faz por referência ao Doc. 1 oferecido com a Resposta) e da apreciação jurídica vinda de assentar por erro nos pressupostos de facto e de direito, relativamente aos prédios identificados de 1 a 79 e 81 a 275 no que à coleta de AIMI das liquidações de 2018 diz respeito; quanto aos prédios identificados em 78, 79, 81 a 275 no que ao AIMI de 2019 e 2020 concerne e ainda relativamente aos prédios identificados em 1, 2, 4, 5, 7 a 56, 58 a 77 e 81 a 275 no que aos atos tributários de AIMI de 2020 diz respeito.

Já no que tocante às liquidações de AIMI referente ao prédio identificado em 80 do referido Doc. 1 da Resposta – artigo..., com o código de freguesia (localização) ... - e como decorre da matéria de facto supra considerada como provada, relativamente às liquidações de AIMI de 2018, 219 e 2020, a AT não fez incidir no apuro do VPT  do prédio em apreço qualquer coeficiente (a que se refere o artigo 38º do CIMI) superior a 1,00, razão pela qual o VPT e consequentemente, a coleta deste imposto não padece de qualquer excesso quantitativo, de onde e neste segmento, ilegalidade alguma pode ser apontada aos atos tributários em causa sobre este prédio em concreto, face à neutralidade tributária que in casu da aplicação anómala de tal fórmula resultou. 

4.3.c) Extensão da decisão anulatória quanto às liquidações de AIMI:

Tendo-se concluído pela ilegalidade parcial das liquidações de AIMI, cumpre precisar a extensão do efeito desta decisão anulatória.

No seu pedido arbitral peticionou a Requerente a anulação parcial das liquidações arbitralmente impugnadas, por nestas se se incluir um valor total de imposto indevido, a qual esta fixa em €  35.705,13.

Face à apreciação concretizada relativamente a cada um dos prédios e respetivas liquidações objeto da presente apreciação arbitral, há que concluir pela ilegalidade parcial das liquidações arbitralmente impugnadas, uma vez que a Requerida AT não podia ter aplicado coeficientes superiores a 1,00 – baseados na fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI.

Ora, a aplicação de coeficientes superiores a 1,00 previstos no n.º 1 dos artigo 38º do CIMI para efeitos de fixação do respetivo VPT sobre os prédios supra melhor identificados, VPT esse que está, por sua vez, na base da coleta de AIMI cujas liquidações são ora objeto de impugnação arbitral, foram geradores de imposto liquidado em excesso, pelo que se julga procedente o pedido de anulação parcial dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, na exata medida do excesso de coleta obtida através da aplicação ilegal dos mecanismos de cálculo previstos no versado normativo vindo de referir, na redação vigente à data a que se reporta cada uma das avaliações, como decorre dos pontos 4.3.a) e 4.3.b) da presente decisão.

Quanto aos pedidos formulados revela-se necessário precisar que “O processo arbitral tributário, à semelhança do que acontece com a impugnação judicial, é, essencialmente um contencioso de mera anulação. Não obstante, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago.

Ressalvadas estas excepções, estaremos sempre perante um contencioso de mera anulação, o que significa que perante a impugnação de um acto tributário junto de um tribunal arbitral, a este tribunal caberá apenas considerar o acto legal ou ilegal e, em consequência, mantê-lo ou anulá-lo, cabendo à AT retirar as consequências da eventual decisão anulatória, no respeito pelo disposto no art.º 24.º do RJAT.”, conforme se referiu no acórdão arbitral de 1 de Junho de 2021, proferido no âmbito do processo n.º 694/2019‑T.

Ainda a respeito desta temática, referiu-se no acórdão do TCA Norte, proferido em 9 de Julho de 2020, no âmbito do processo n.º 9655/16.3BCLSB que “Ao contrário do que sucede no domínio das ações administrativas, quando está em causa a legalidade de atuação da administração, no âmbito das quais o julgador pode emitir injunções e pronúncias condenatórias relativamente à Administração, condenando-a à prática de ato com um conteúdo determinado, tal não sucede no âmbito do contencioso tributário de impugnação de ato de liquidação (quer arbitral quer estadual) com esse alcance, não estando legalmente prevista a possibilidade de condenação à prática de ato devido.”

Tendo em conta a natureza essencialmente anulatória do contencioso arbitral tributário acabada de evidenciar com base na citada jurisprudência, constata-se que ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir as injunções condenatórias formuladas pela Requerente no seu pedido arbitral.

Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do AIMI indevidamente liquidado e pago consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devem os atos de liquidação arbitralmente impugnados ser parcialmente anulados, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o teor da fundamentação anulatória desta decisão, designadamente dos pontos 4.3.a) e 4.3.b),  se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar os atos de liquidação impugnados com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorrerá, necessariamente, uma diminuição da coleta em sede de AIMI.

Nesse exercício, haverá que ter em consideração que a diminuição do imposto devido a ser quantificado nos termos da presente decisão não poderá ser, evidentemente, superior ao peticionado pela Requerente nos presentes autos e o qual corresponde ao constante do pedido arbitral formulado, no caso de € 35.705,13, ao qual se terá de subtrair o valor do decaimento relativamente ao artigo U-..., ou seja, obtendo-se um valor a anular que não poderá ser superior a € 35.705,09.

 

 

4.4. Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI:

Quanto a esta concreta causa de pedir, em face da solução conferida à questão anterior, nos termos vindos de assentar, encontra-se prejudicada o conhecimento da invocada inconstitucionalidade suscitada pela Requerente.

 

4.5. Da restituição do imposto indevidamente pago e do direito a juros indemnizatórios:

A Requerente peticiona que a Requerida seja condenada a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 24.º, n.ºs 1, alínea b), e 5, do RJAT, 43.º e 100.º da LGT.

Decorre do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT que a AT tem o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

O n.º 5 do mesmo artigo reconhece ao sujeito passivo o direito a juros indemnizatórios, remetendo para os artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT refere que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

O artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT prevê especificamente para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte que a obrigação de indemnizar na esfera da AT somente emerge depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão, salvo se o atraso não for imputável à AT (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de uniformização de jurisprudência, de 11-12-2019, processo n.º 051/19.1BALSB; Decisão Arbitral de 09-03-2022, processo n.º 540/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, processo n.º 835/2021-T).

No caso que nos atém, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 12.11.2021, os juros indemnizatórios só serão devidos desde 13.11.2022. 

Em suma, está a Requerida AT obrigada a proceder à restituição do montante indevidamente pago pela Requerente, em virtude da anulação parcial das liquidações sub judice e da anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, ficando ainda aquela obrigada ao pagamento de juros indemnizatórios a esta nos termos supra evidenciados, tendo como termo inicial de contagem a data de 13.11.2022 até à data do processamento da nota de crédito.

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral singular:

  1. Julgar parcialmente extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, em razão da anulação parcial dos atos tributários por iniciativa da AT a que se refere o ponto 4.3. desta decisão;
  2. Julgar improcedente a exceção de inimpugnabilidade suscitada pela Requerida;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:

i) Declarar ilegal e anular o ato de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado pela Requerente em 12.11.2021;

ii) Declarar ilegal e anular parcialmente, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, geradores de excesso de coleta, subsumível ao disposto na al.a ) do artigo 99º do CPPT, as liquidações de AIMI objeto destes autos, nos termos e com a extensão melhor constante dos pontos  4.3.a) a c); 

  1. Condenar a AT à restituição à Requerente do montante indevidamente pago relativamente às liquidações de AIMI, na decorrência da anulação parcial ora determinada na alínea que antecede.
  2.  Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, contados desde 13.11.2022 até à data do processamento da nota de crédito;
  3. Condenar ambas as partes no pagamento das custas do presente, na proporção do respetivo decaimento;

 

 

Valor do Processo:

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em  € 35.705,13 (trinta e cinco mil setecentos e cinco euros e treze cêntimos), tal qual como foi configurado e atribuído pela Requerente, valor esse não impugnado pela Requerida.

Custas:

De acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I anexa a este último, fixam-se as custas no montante de € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), computando-se, face ao concreto valor de decaimento decorrente da utilidade do pedido formulado relativamente ao prédio U-..., em € 0,01 a cargo da Requerente e os remanescentes € 1.835,99 a cargo da Requerida.

 

Notifique-se esta decisão arbitral à Requerente e à Requerida e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, 12 de Dezembro de 2022.

 

O árbitro singular

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 131º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.