Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 211/2022-T
Data da decisão: 2022-12-14  IVA  
Valor do pedido: € 413.103,63
Tema: IVA - Taxa aplicável à transmissão no território nacional de “Polpa de (nome do fruto)”. Lista I anexa ao Código do IVA – verba 1.11.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Requerente

A..., LDA (antes denominada “B..., LDA) com o n.º de pessoa coletiva..., com sede na..., Rua..., n.ºs ... e..., ..., ...-... ... .

 

  1. Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

  1. Constituição do Tribunal Arbitral e Tramitação
    1. A Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral (ppa) a 25 de março de 2022 e o mesmo foi aceite a 28 desse mesmo mês.
    2. A Requerida indicou como árbitro a Doutora Sofia Ricardo Borges e a Requerente a Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma.
    3. O Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou árbitro presidente o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros.
    4. A 8 de junho de 2022, a Requerente requereu a junção aos autos de Parecer da Professora Catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira acompanhado de boletins de análises laboratoriais dos produtos por si comercializados e cuja taxa de IVA se analisa nos presentes autos.
    5. Por despacho de 28 de junho de 2022 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD ficou constituído o Tribunal Arbitral.
    6. A 6 de julho de 2022, a Requerente indicou a matéria factual sobre a qual incidiriam as declarações das testemunhas arroladas.
    7. A AT apresentou a sua resposta ao ppa e juntou o processo administrativo a 15 de setembro de 2022.
    8. A 23 de setembro de 2022 a Requerente apresentou a sua resposta à questão prévia e à exceção dilatória suscitadas pela Requerida na resposta.
    9. Por despacho de 28 de setembro de 2022 foi designado o dia 11 de outubro, pelas 14h, para a inquirição das testemunhas.
    10. A 30 de setembro de 2022, a Requerente solicitou que a audição de uma das testemunhas indicadas tivesse lugar nas instalações do CAAD na cidade do Porto.
    11. Nessa mesma data a Requerida deu a sua anuência ao pedido da Requerente referido no número anterior, com a condição de a audição ser efetuada por vídeo conferência.
    12. A Requerida, em 10 de outubro, respondeu ao requerimento da Requerente de 23 de setembro.
    13. No dia 11 de Outubro teve lugar a audição das testemunhas indicadas pela Requerente.
    14. A 24 de outubro a Requerente apresentou alegações escritas.
    15. A 8 de novembro a Requerida apresentou as suas alegações escritas.

 

  1. Pedido

A Requerente requer, como pedido principal, a apreciação da legalidade das:

  • liquidações adicionais de IVA referentes a todos os períodos dos anos de 2018, 2019 e 2020 e aos períodos 01 e 02 de 2021, no total de €385.694,98. Liquidações com os números: ..., de 2018; ..., de 2019; ..., de 2020 e ..., de 2021.
  • liquidações de juros compensatórios no total de €34.794,82.

Como pedido acessório requer a Requerente a apreciação de eventual reforço de prestação de garantia que lhe seja solicitado.

 

  1. Posição da Requerente

A Requerente defende que no procedimento inspetivo aos produtos “C...” que importa do Brasil foi aplicada a taxa de 23%, quando deveria ter sido aplicada a de 6%.

A Requerente fundamenta a sua posição, e a consequente impugnação das liquidações, nos termos seguintes:

A Requerente é, desde 1999, a representante comercial exclusiva dos produtos brasileiros da marca “C...” em Portugal e na Europa, importando desse país vários produtos, nomeadamente as denominadas polpas de frutos.

No âmbito do procedimento inspetivo, a Autoridade Requerida promoveu correcções em sede de IVA aos produtos comercializados pela Requerente sob a denominação “Polpa de … (nome de um fruto)”, por entender que aos mesmos se aplicaria a taxa normal (23%) de IVA em lugar da taxa reduzida (6%).

Ora, desde o início da atividade da Requerente e, de forma ininterrupta, até Março de 2022, esta sempre liquidou IVA, quer na respetiva importação, quer na comercialização subsequente no mercado nacional desses produtos, à taxa reduzida de 6%.

Aliás, a aplicação de taxa reduzida de IVA na importação destes produtos denominados “Polpa de … (fruto)” era obrigatória, não sendo possível escolher, por imposição da própria plataforma informática da AT, outra taxa de IVA que não fosse a ali prevista e indicada de 6%.

A aplicação desta taxa reduzida de IVA de 6% tem por base a classificação pautal desses produtos de acordo com a Nomenclatura Aduaneira aplicável no seio da União Europeia.

A classificação pautal dos produtos “Polpa de …”, por sua vez, encontra-se sustentada por Informações Pautais Vinculativas, emanadas, nuns casos pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, noutros casos, pela sua congénere holandesa.

À excepção da “Polpa de Mamão”, todos os produtos “Polpa de …” foram classificados na posição 2009 – Sumos da Nomenclatura Aduaneira da Pauta Aduaneira Comum.

Estes bens comercializados pela Requerente sob a denominação “Polpa de…”, após a sua importação, não sofrem qualquer transformação nem agregação de qualquer valor comercial, sendo transacionados no mercado nacional (e europeu) exatamente como foram importados e adquiridos.

Em 2011, a Requerente foi sujeita a uma inspecção especialmente direccionada a analisar a taxa de IVA aplicada e a aplicar a estes produtos, tendo a AT concluído resumidamente que: a classificação pautal dos produtos avaliados era “sumo”; que esta classificação pautal era vinculativa; por conseguinte, a taxa de IVA a aplicar era a taxa reduzida.

Em 08 de junho de 2022, a Requerente juntou ao PPA um parecer elaborado pela Professora Doutora Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira, professora catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, do Departamento de Ciências Químicas e do Laboratório de Bromatologia e Hidrologia e, atualmente, directora do Mestrado em Controlo de Qualidade, e respetivas análises laboratoriais realizadas pelo Laboratório D..., referentes aos produtos “Polpa de …” cuja taxa de IVA foi sindicada pela AT.

O referido parecer concluiu, em síntese, que Das análises verificadas, constata-se que os valores determinados nas amostras C... cumprem a legislação para a sua qualificação como sumo.

Porém, a AT considera ser “polpa ou células” e, por conseguinte, sendo aplicável na sua comercialização a taxa normal de IVA.

Ora, defende a Requerente que o quadro normativo que enforma a legislação aplicável não pode ser alheio à realidade física, química ou biológica e, nesse sentido, não deve ser interpretado e aferido sem que se busque a verdadeira natureza desses produtos, ou seja, sem que se afira quais as características físico-químicas ou biológicas dos bens cuja taxa de IVA se pretende averiguar aplicável.

A AT alterou o seu comportamento e posição oficial manifestada durante anos e anos para com a Requerente (de 1999 a 2022) e vem agora fundamentar a sua nova posição num alegado “parecer” da Direção Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV) – tendo assumido que não era competente para avaliar efetivamente as características dos mesmos produtos.

Este “parecer” mais não é do que um email, assinado pela Directora da DGAV e dirigido à DSIVA, com 6 linhas que, textualmente, dizem o seguinte: “Na sequência do vosso ofício n.º..., de 2020-12-09, informamos que os produtos mencionados nas fichas técnicas anexadas ao referido ofício – Polpa de frutos -, não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei n.º 225/2003. Este diploma prevê, no entanto a polpa como ingrediente autorizado para adição a sumos de frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados e também aos néctares de fruto, nas condições previstas nesse diploma”.

Afirma a Requerente não pôr em causa a competência legal da DGAV para esta matéria, questiona antes a competência técnica desta entidade quando emana o referido “parecer” e, bem assim, o valor probatório desse mesmo parecer.

Para a Requerente o “parecer” tem várias fragilidades e ambiguidades que merecem ser aprofundadas dada a relevância e os efeitos gravosos que o mesmo traduz na atividade e no património da Requerente (e isto sem contar com impacto futuro nos demais operadores económicos e consumidores destes produtos).

A primeira fragilidade encontra-se no facto de afirmar que a sua posição se baseou exclusivamente nas “fichas técnicas dos produtos” enviadas pela AT.

A segunda fragilidade está no facto de fazer uma mera conclusão, sem fundamentar em que termos as informações constantes dessas fichas técnicas dos produtos vão enquadrar no conceito de “polpa ou célula”, constante do Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de setembro, alterado pelos Decreto-Lei n.º 101/2010, de 21 de setembro e Decreto-Lei n.º 145/2013, de 21 de outubro, ou, por contraposição, não se enquadrar no conceito de “sumo” constante desse mesmo diploma;

A terceira fragilidade resulta do facto de este “parecer” fazer apenas considerações genéricas, sem qualquer sustentação factual, científica ou sequer legal que não seja a mera referência ao diploma onde constam as definições destes produtos, mas sem aplicar esses mesmos conceitos jurídicos a factos ou dados em concreto.

Por último, desconsiderar, por prudência, que as fichas técnicas, que são elaboradas pelo próprio produtor do bem, pudessem conter erros ou mesmo falsidades, as quais, sem qualquer outra informação de base mais concreta, factual ou científica, não pudesse ser usada com esse mesmo sentido, ou seja e no caso, como evidência científica das características físico-químicas do produto.

Ora, contrariamente ao pretendido pela AT, quando refere no artigo 68.º da sua Resposta ao PPA que a DGAV “não teve quaisquer dúvidas, nem referiu ser necessária qualquer “análise física, biológica, química ou outra de igual natureza aos produtos em causa”, limitando-se a informar que: (…)”, a verdade é que as meras afirmações, ainda que por entidades públicas, não podem ter valor jurídico sem que as mesmas se encontrem devidamente fundamentadas de facto e de direito, principalmente quando: há laboratórios credenciados também por autoridades competentes (nomeadamente os das Alfândegas portuguesa e holandesa) que atestam reiteradamente que os produtos em causa, a partir de análises e tendo por base a sua composição físico-química, são considerados sumos; há uma perita nestas matérias, professora catedrática na área de bromatologia, que analisou a composição físico-química dos produtos em causa e não teve dúvidas em afirmar fundamentadamente que os produtos em causa são sumos; sendo a informação das fichas técnicas, ainda que sujeitas a escrutínio, elaboradas pelos próprios produtores ou industriais, estas são dirigidas ao consumidor, têm por base e fundamento as regras de proteção e segurança alimentar, e podem apresentar linguagem mais comercial e menos técnica (na parte que não decorre das especificações científicas do produto, mas de informação comercial e/ou geral).

Em termos jurídicos, a Requerente baseia a sua argumentação do modo que se passa a expor.

A regra geral do direito europeu é, assim, a da obrigatoriedade da taxa normal de IVA, ficando a possibilidade conferida ao legislador nacional para, assim querendo, optar pela aplicação de uma ou duas taxas reduzidas, circunscrita aos bens e serviços listados no referido Anexo III à Diretiva IVA. Desta lista constam bebidas não alcoólicas para consumo humano.

A Requerente convoca depois o n.º 3 do art.º 98º da mesma Diretiva, que dispõe Ao aplicarem as taxas reduzidas previstas no n.º 1 às categorias relativas a bens, os Estados-Membros podem utilizar a Nomenclatura Combinada para delimitar com exatidão cada categoria”. Dispõe este artigo que os Estados-Membros que decidam aplicar no seu ordenamento interno as taxas reduzidas relativas às categorias de bens previstas na Diretiva IVA, também podem optar pela utilização da Nomenclatura Combinada para delimitar “com exatidão” cada uma dessas categorias.

Da mesma forma que cabe aos Estados-Membros, dentro dos bens elegíveis constantes do Anexo III da Diretiva IVA, optar por aqueles que ficam na sua jurisdição sujeitos a taxa reduzida de IVA, este n.º 3 do artigo 98.º, ao utilizar a expressão “podem”, coloca nos diferentes Estados-Membros a opção de escolha da Nomenclatura Combinada para determinar a categoria dos bens a que são aplicáveis as taxas reduzidas de IVA.

Ao que sabemos, Portugal não adotou expressamente a Nomenclatura Combinada como definição dos bens (e serviços) sujeitos a taxa reduzida de IVA.

Mas, como é evidente, a não adoção expressa da Nomenclatura Combinada não pode significar que, estando em causa um produto específico que foi classificado numa categoria expressamente aí evidenciada (neste caso na posição 2009 – Sumo), esta para efeitos de IVA não possa ser considerada como adequada ainda que para efeitos de farol ou guia para a correta interpretação do que se deva considerar como sumo. Quando a verba 1.11 estabelece a taxa reduzida para o bem “sumo” e, para efeitos de Pauta Aduaneira Comum, o produto “Polpa de …” sempre foi qualificado, em concreto, como sumo (na posição 2009 da Nomenclatura Pautal), parece-nos que não podemos apagar essa classificação pautal simplesmente referindo, como o faz a AT, que essa só vale para efeitos aduaneiros.

Conclui a Requerente que quando se classifica um produto de acordo com a Pauta Aduaneira Comum (e a respetiva Nomenclatura Pautal), não se está a fazer uma “qualificação ou definição jurídica” do bem, mas uma definição factual desse bem à luz das suas caraterísticas físicas, químicas e biológicas, as quais irão ter impacto legal (ou jurídico) a vários níveis, designadamente a nível pautal, dos direitos aduaneiros aplicados, mas também a nível fiscal, como é o caso dos demais impostos devidos por efeitos dessa classificação, falando designadamente dos impostos especiais sobre o consumo e do IVA.

Acresce que a classificação pautal é feita exclusivamente com base em características físicas e químicas dos bens; no caso, foram feitas análises laboratoriais oficiais aos produtos “polpa de …”, que sustentou a emanação oficial e vinculativa de várias IPV que os classificou como sumo.

A AT não pode afirmar que a Nomenclatura Pautal apenas tem efeitos aduaneiros porque:

  1. os produtos são analisados e classificados de acordo com as suas características físicas, químicas e ou biológicas – ou seja, de acordo com o que o produto é na sua realidade física;
  2. a classificação pautal determina na sua importação não apenas os direitos aduaneiros aplicáveis em concreto àquele bem, mas igualmente todos os demais impostos, quer sejam IECS, quer seja o IVA;
  3. a própria Diretiva IVA assume como “exata” para efeitos de aplicação das taxas reduzidas a classificação dos bens promovida à luz da Nomenclatura Combinada.

O artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, estabelece que:

“1 - As taxas do imposto são as seguintes:

  1. Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 6%; (…)

Ora, a verba 1.11 da Lista I Anexa ao Código do IVA, determina a aplicação da taxa reduzida de IVA (quer nas importações, quer nas transmissões) aos seguintes produtos alimentares: Sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico.”

Acerca da natureza dos produtos importados e comercializados pela Requerente, a mesma refere que o Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 101/2010, de  21 de setembro e pelo Decreto-Lei n.º 145/2013, de 21 de outubro, transpõe para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2001/112/CE do Conselho, alterada pela Diretiva n.º 212/12/EU, do Parlamento e do Conselho de 19 de abril de 2012, relativa aos sumos de frutos e a determinados produtos similares destinados à alimentação humana e ainda as regras que devem reger a sua rotulagem.

De acordo com o Anexo I daquela Diretiva, sob o título “Denominações, definições e características dos produtos”, são as seguintes as definições de sumos de frutos constantes do n.º1 - a) «Sumo de frutos» designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir da parte comestível de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados por refrigeração ou congelação, com a cor, o aroma e o gosto característicos dos sumos dos frutos de que provém.

Podem ser restituídos ao sumo o aroma, a polpa e as células obtidos por processos físicos adequados a partir da mesma espécie de fruto.

……

É autorizada a mistura de sumo de frutos com polme de frutos no fabrico de sumo de frutos.”

Já o Anexo II – Matérias-primas, do mesmo diploma, define “polpa ou células” como sendo: “os produtos obtidos a partir das partes comestíveis de frutos da mesma espécie, sem eliminação do sumo. No caso dos citrinos, “polpa ou células” são as vesículas do sumo do endocarpo.”

A Requerente apresenta depois as fichas técnicas dos seus produtos e afirma que do seu cotejo com as disposições da Diretiva supra transcritas, resulta claro que nada pode levar a concluir que o produto “Polpa de…” é uma polpa ou célula tal como definido no Anexo II do referido Decreto-Lei n.º 225/2003, já amplamente citado.

Acresce ainda que, na parte da informação relativa a parâmetros de base científica, como sejam os físico-químicos da composição desses produtos e/ou de informação nutricional, a informação constante das fichas técnicas demonstra que os produtos em causa têm parâmetros condizentes com “sumo” e não com “polpa ou células”.

O facto de a ficha técnica fazer referência, no que respeita ao parâmetro Aplicação, que o produto pode ser usado para “elaborar sucos, vitaminas, coqueteis, smoothies, sobremesas ou para substituir o fruto no preparo desejado” e que ao mesmo se pode juntar água constitui informação que não contende em nada com o que vem sendo afirmado pela Requerente, pois:

  • este parâmetro não tem qualquer base científica e serve exclusivamente razões comerciais, ou seja, colocar à disposição do consumidor diversas formas de este produto ser consumido;
  • trata-se de uma base de sumo que pode ser junta a mais sumos, coquetéis, entre outros e que, tal informação não lhe retira a sua natureza. Um exemplo perceptível que se pode indicar é, por ex. o do sumo de limão, ao qual pode ser posteriormente junta água para fazer uma bebida à qual chamamos limonada. Ninguém tem dúvidas que a essência da limonada é sumo de limão, sendo que o facto de se lhe poder juntar água, não lhe retira a qualidade de sumo de limão;
  • Por último, não deverá ser esta informação capaz de pôr em causa análises laboratoriais, parâmetros físico-químicos ou todos os demais factos que, de forma física cientificamente comprovada, afirmam que o produto em causa é sumo.

Contrariamente ao afirmado pela AT no RIT, não se trata aqui sequer de “(…) subproduto do fruto, na medida em que é a parte do fruto que fica após o mesmo ser espremido “, pois nos produtos aqui em análise não há qualquer eliminação do sumo, mas outrossim, eliminação total ou parcial da celulose (ou fibra) do fruto respetivo, mantendo-se integralmente a % do sumo natural da fruta a que respeita.

Finalmente a Requerente considera que cumpriu o ónus da prova, tal como exigido pelo art.º 74º da LGT, contrariamente ao que sucedeu com a AT que ao fim de 20 anos de seguir uma orientação mudou de opinião com base num simples mail da DGVA e não em factos científicos concretos e demonstrados.

Já a Autoridade Requerida ao bastar-se com aquele “parecer”, também não cumpriu com zelo o dever de busca da verdade material que lhe está especialmente acometido pela Constituição e pela Lei, mormente pelo artigo 266.º da CRP, e em várias normas que regem a atividade administrativa, de que são exemplo, o artigo 6.º do RCPIT, e artigos 55.º, 59.º e 63.º, n.º 1 da LGT.

Acerca da questão prévia suscitada pela Requerida na sua resposta, a Requerente respondeu que apresentou um pedido suficientemente claro que não justifica a questão levantada pela AT. Consequentemente, a Requerente reitera que aceita as liquidações e os juros compensatórios relativos ao produto “polpa de mamão”.

Em relação à exceção dilatória, que tem a ver com o pedido acessório de indemnização por prestação de garantia, diz a Requerente que até à data em que apresentou o pedido de pronúncia arbitral ainda não havia prestado qualquer garantia nos processos de execução fiscal que já impendiam sobre si.

Entretanto a AT aceitou a suspensão dos referidos processos mediante a prestação de garantia sob a forma de penhora de bens móveis. Contudo, e nos termos do art.º 199º, n.º 5 do Código de Procedimento e Processo Tributário, pode ser pedido à Requerente o reforço da garantia das dívidas exequendas e que tal reforço pode importar a prestação de garantia bancária ou outra que comporte encargos para a Requerente. Consequentemente, entende a Requerente ter o direito de ver o seu pedido acessório de indemnização por prestação de garantia apreciado pelo Tribunal.

 

 

  1. Posição da Requerida

Questão prévia

A AT suscita uma questão prévia em virtude de a Requerente apenas contestar parte das correções promovidas, pois, quanto às correções relativas ao IVA do produto "Polpa de Mamão", cujo valor de €9.310,00 a Requerente aceita, há a sua consolidação no plano jurídico, por falta de contestação.

Assim, nos termos da causa de pedir deduzida no ppa, deve, consequentemente, determinar-se a anulação apenas parcial dos atos tributários de liquidação impugnados na medida da procedência das correções contestadas pela Requerente.

 

Defesa por exceção

A AT afirma que a Requerente no seu ppa faz referência a uma hipotética prestação de garantia, mas que na realidade até à data em que foi apresentada a sua resposta não foi carreada prova nos autos de que a mesma tenha sido prestada e em que termos.

A garantia a que a Requerente se refere é a penhora de bens da Requerente apresentados por esta para suspender as ações de execução entretanto movidas contra si. Esta penhora não fez incorrer a Requerente em quaisquer despesas.

Porém e à cautela, veio a Requerente pedir que, na hipótese de a AT lhe vir a pedir reforço daquela garantia que a faça incorrer em despesas, seja a Requerida condenada nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 53º da LGT.

Ora, até ao presente não procedeu a AT (ou, pelo menos a Requerente não fez prova disso) à exigência de qualquer reforço de garantia que originasse despesas para a Requerente.

 

Defesa por impugnação

A Requerida, em termos de factos remete para os que constam do RIT, começando por dizer que embora o pudesse fazer, a Requerente não solicitou qualquer informação vinculativa à AT, o que poderia ter feito ao abrigo do art.º 68º da LGT.

Concorda, pois, com o RIT ao afirmar que não pode confundir-se polpa com sumo, sendo a primeira a matéria de que é feito o segundo, pelo que não pode beneficiar da verba 1.11 da Lista Anexa ao CIVA.

No procedimento inspetivo, não foi aceite a tributação à taxa reduzida na venda de determinados bens, ao abrigo da verba 1.11 da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que abrange os “[s]umos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico”.

Importa atentar que, na redação anterior, nos termos da então verba 1.12 da Lista I anexa ao CIVA, estavam sujeitos à taxa reduzida: «Refrigerantes, sumos e néctares de frutos ou de produtos hortícolas, incluindo os xaropes de sumos, as bebidas concentradas de sumos e os produtos concentrados de sumos.»

O Decreto-Lei nº 225/2003 de 24 de setembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 101/2010 e pelo Decreto-Lei n.º 145/2013 – versão consolidada disponível em https://dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-lei/2003-156398003), transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2001/112/CE do Conselho, de 20 de dezembro de 2001, relativa às definições e características dos sumos de frutos e dos produtos a eles similares destinados à alimentação humana e ainda as regras que devem reger a sua rotulagem, fixando igualmente os tratamentos, substâncias e matérias-primas que devem ser utilizados no seu fabrico.

Nos termos do artigo 11.º, do diploma supra identificado, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) é a entidade responsável pelas medidas de política relativas à qualidade e segurança dos produtos abrangidos por aquele mesmo diploma.

Ainda no mesmo decreto-lei, no seu Anexo I, sob a epígrafe «Denominações de venda, definições e características dos produtos», diz-se o seguinte:

«1 - a) «Sumo de frutos» designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados pelo frio, com a cor, o aroma e o gosto característicos do sumo dos frutos de que provém. Podem ser restituídas ao sumo as substâncias aromáticas, a polpa e as células separadas após a extracção. Os sumos de citrinos devem ser fabricados a partir do endocarpo dos frutos. Contudo, o sumo de lima pode ser fabricado a partir do fruto inteiro, de acordo com práticas de fabrico adequadas que devem permitir reduzir ao mínimo os constituintes das partes exteriores do fruto presentes no sumo.

b) «Sumo de frutos à base de concentrado» designa o produto obtido por reposição num sumo de frutos concentrado da água extraída do sumo durante a concentração e por restituição das substâncias aromáticas e, se for caso disso, da polpa e das células eliminadas do sumo, mas recuperadas durante o processo de produção do sumo de frutos de partida ou de sumo da mesma espécie de frutos. Para preservar as qualidades essenciais do sumo, a água adicionada deve ter características apropriadas, designadamente dos pontos de vista químico, microbiológico e organoléptico. As características organolépticas e analíticas do produto assim obtido devem ser, pelo menos, equivalentes às de um sumo médio obtido a partir de frutos da mesma espécie, na acepção da alínea a). A graduação Brix mínima dos sumos de frutos provenientes de concentrado é indicada no anexo v deste diploma e que dele faz parte integrante.

2 - «Sumo de frutos concentrado» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de uma parte determinada da água. Quando o produto se destinar a consumo directo, a água eliminada não poderá representar menos de 50%.

3 - «Sumo de frutos desidratado/em pó» designa o produto obtido a partir de sumo de uma ou mais espécies de frutos por eliminação física de quase toda a água.

4 - «Néctar de frutos»:

a) Designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido por adição de água e de açúcares e ou mel aos produtos definidos nos n.os 1, 2 e 3, a polmes de frutos ou a uma mistura destes produtos e que obedeça aos requisitos do anexo IV. A adição de açúcares e ou mel é autorizada em quantidades que não representem mais de 20%, em massa, do produto acabado. No fabrico de néctares de frutos sem adição de açúcares ou de baixo valor energético, os açúcares poderão ser total ou parcialmente substituídos por edulcorantes, nos termos da legislação em vigor relativa aos edulcorantes;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea a), os frutos enumerados nas partes II e III do anexo IV e os damascos podem ser utilizados, estremes ou misturados entre si, no fabrico de néctares sem adição de açúcares, mel e ou edulcorantes.»

A estrutura e níveis de taxas segue o disposto nos artigos 96.º a 99.º da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006), sendo aplicável ainda, quanto às taxas reduzidas, o Anexo III da mesma Diretiva.

Os Estados-membros devem aplicar uma taxa normal de IVA fixada por cada Estado-Membro numa percentagem do valor tributável que é idêntica para a entrega de bens e para a prestação de serviços e que não deve ser inferior a 15% (cf. artigos 96.º e 97.º da Diretiva IVA).

Não obstante, os Estados-membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas, cuja percentagem não pode ser inferior a 5%, às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do Anexo III (v. artigos 98.º e 99.º da Diretiva IVA).

Assim, a regra geral do direito europeu é a obrigatoriedade da taxa normal de IVA, ficando a autorização (e livre margem) conferida ao legislador nacional, para aplicação de uma ou duas taxas reduzidas, circunscrita aos bens e serviços listados no mencionado Anexo III à Diretiva IVA (cf., nesse sentido, decisão arbitral de 2021-06-25, processo n.º 302/2020-T).

Quanto à aplicação e interpretação da taxa normal e taxas reduzidas, como se refere no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 9 de novembro de 2017, caso AZ, processo C-499/16:

“[…]

22        (…) Segundo o artigo 96.º da diretiva IVA, é aplicada a mesma taxa de IVA, a saber, a taxa normal fixada por cada Estado-Membro, às entregas de bens e às prestações de serviços. Por derrogação a este princípio, está prevista a possibilidade de aplicar taxas reduzidas de IVA nos termos do artigo 98.º da mesma diretiva. O anexo III da referida diretiva enumera as categorias de entregas de bens e de prestações de serviços a que se podem aplicar as taxas reduzidas previstas nesse artigo 98.º (acórdão de 9 de março de 2017, Oxycure Belgium, -573/15, EU:C:2017:189, n.ºs 20 e 21).

23        Quanto à aplicação de taxas reduzidas de IVA, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que cabe aos Estados-Membros, desde que seja respeitado o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, determinar mais precisamente, de entre as entregas de bens e as prestações de serviços incluídas nas categorias do anexo III da diretiva IVA, aquelas a que é aplicável a taxa reduzida (acórdão de 11 de setembro de 2014, K, C219/13, EU:C:2014:2207, n.º 23).

A possibilidade assim reconhecida aos Estados-Membros, de aplicar seletivamente a taxa reduzida de IVA, justifica-se, nomeadamente, pela consideração de que, sendo esta taxa a exceção, o facto de se limitar a sua aplicação a elementos concretos e específicos é coerente com o princípio de que as isenções e as derrogações devem ser interpretadas restritivamente (acórdão de 6 de maio de 2010, Comissão/França, C94/09, EU:C:2010:253, n.º 29).

De modo similar, no acórdão do TJUE, de 10 de novembro de 2016, caso Baštová, processo C432/15, refere-se que:

“[…]

58        (…) Resulta do artigo 98.º da diretiva IVA que a aplicação de uma ou de duas taxas reduzidas é uma possibilidade reconhecida aos Estados-Membros por derrogação do princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal. Além disso, segundo esta disposição, as taxas reduzidas de IVA só podem ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviços mencionadas no anexo III desta diretiva.

59        No que se refere à interpretação desse anexo, importa recordar, por um lado, que as disposições que têm natureza derrogatória de um princípio são de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdãos de 12 de dezembro de 1995, Oude Luttikhuis e o., C399/93, EU:C:1995:434, n.º 23, e de 17 de junho de 2010, Comissão/França, C492/08, EU:C:2010:348, n.º 35).

60        Por outro lado, os conceitos utilizados no anexo III da diretiva IVA devem ser interpretados de acordo com o sentido habitual dos termos em causa (acórdão de 4 de junho de 2015, Comissão/Polónia, C678/13, não publicado, EU:C:2015:358, n.º 46).

5.         Quanto às bebidas, o enquadramento na citada verba exige que as mesmas não possuam teor alcoólico e contenham como principal elemento na sua composição: i) qualquer tipo de cereal; ii) amêndoa; iii) caju; iv) avelã, e o facto de serem comercializadas como "bebida de cereal" ou "bebida" dos referidos frutos de casca rija.

6.         De acordo com as definições constantes no referido Decreto-lei n.º 225/2003, nomeadamente no anexo I alínea a) «Sumo de frutos» designa o produto fermentescível, mas não fermentado, obtido a partir da parte comestível de uma ou mais espécies de frutos sãos e maduros, frescos ou conservados por refrigeração ou congelação, com a cor, o aroma e o gosto característicos dos sumos dos frutos de que provém. Podem ser restituídos ao sumo o aroma, a polpa e as células obtidos por processos físicos adequados a partir da mesma espécie de fruto".

7.         Por sua vez, a alínea c) do anexo III ao citado diploma indica quais as denominações especificas para determinados produtos que se encontram enumerados no anexo I, designadamente para os sucos e polpas, definindo-os como "(n)éctares de frutos obtidos exclusivamente a partir de polmes de frutos, e ou polmes de frutos concentrados".

8.         No que respeita aos néctares de frutos, o anexo IV do mesmo diploma menciona quais as especificidades atribuídas aos referidos produtos, designadamente em matéria de teor mínimo de sumo ou polme expresso em percentagem volúmica de produto acabado.

9.         Por último, no anexo V do mesmo diploma é definida a graduação Brix mínima dos sumos de frutos reconstituídos e das polmes de frutos reconstituídos. […]”

Por sua vez, como se esclarece na Informação Vinculativa n.º 12985, respeitante a «Taxas - "Polpa de fruta congelada"», por despacho de 2018-01-31, da Diretora de Serviços do IVA, por subdelegação:

“[…]

3.         De harmonia com o disposto na subcategoria 1.6 da lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) é tributado à taxa reduzida "(f)ruta, legumes e produtos hortícolas". Assim, nas verbas 1.6.1, 1.6.2, e 1.6.3 são enquadrados os diferentes legumes e produtos hortícolas e definida a apresentação dos mesmos. Na verba 1.6.4 é especificamente referida as "(f)rutas, no estado natural ou desidratadas".

4.         Assim, as frutas que se apresentem no seu estado natural, frescas, desidratadas ou secas são enquadráveis na verba 1.6.4 da lista I anexa ao CIVA, pelo que a sua transmissão é passível de IVA à taxa reduzida.

5.         O produto que a requerente pretende comercializar, "polpa de fruta", usualmente definido como a parte carnuda dos frutos é, normalmente, um resíduo ou parte do fruto que fica após o mesmo ser espremido, ou seja, trata-se de um subproduto do fruto. No caso em apreço, apresenta-se no estado congelado.

6.         Deste modo, não reúne tal produto condições de enquadramento na referida verba 1.6.4 da lista I anexa ao CIVA, nem em qualquer uma das diferentes verbas das listas anexas ao citado Código, pelo que na transmissão do mesmo deve ser aplicada a taxa normal do imposto a que se refere a alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 18.º do CIVA.

Em resposta a uma exposição de 2020 da Requerente dirigida à DSIVA, este serviço respondeu-lhe com despacho concordante da Diretora de Serviços da mesma data, na qual descreve detalhadamente a posição assumida pelo sujeito passivo nos últimos anos, relativamente à transmissão do produto “polpa de fruta” no estado de congelada e sobre a qual conclui, reiterando a posição da AT já transmitida ao sujeito passivo na sequência de alguns pedidos formulados pelo mesmo em anos anteriores, de que os produtos comercializados por este não se enquadram em qualquer das verbas previstas nas listas anexas ao CIVA, pelo que na sua transmissão em território nacional deve ser aplicada a taxa normal de imposto (artigo 18.º nº1 alínea c).

O sujeito passivo foi notificado sobre o conteúdo desta informação da DSIVA, em 04-02-2021, através do ofício nº... .

Importa notar que a referida Informação n.º 1138, de 2021-02-04, da DSIVA, foi comunicada à Direção de Serviços de Tributação Aduaneira (doravante “DSTA”), tendo esta informado, através da Comunicação Interna n.º ...2021..., de 2021-03-26, que:

“[…]

a.         A taxa de IVA reduzida associada a certos códigos pautais da posição 2009 foi substituída pela taxa normal;

b.         Nos códigos em que foi promovida a alteração referida na alínea anterior, associou-se também o código adicional IVA 1235 (“Sumos de frutos ou de produtos hortícolas, que obedeçam ao Decreto-Lei n.º 225/2003, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n.º 101/2010, de 21 de setembro e 145/2013, de 21 de outubro. (Verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA)”);

Estas alterações entraram em vigor a 2021.03.10. […]”

Assim sendo, não faria sentido que se corrigisse o IVA liquidado na importação, como notou a Requerente, todavia, o mesmo não se poderá concluir quanto às transmissões de bens em território nacional, uma vez que a entidade competente (DSIVA) sempre foi perentória e inequívoca a respeito da taxa aplicável.

Cfr. a referida Informação da DSIVA (n.º 1138):

“ 9. Face aos documentos agora apresentados e às alegações da Requerente, foi solicitada a colaboração, através do oficio n.º..., de 2020/12/09, da Direção de Serviços de Nutrição e Alimentação (DSNA) da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), no sentido de informar se os produtos, cujas fichas técnicas, fornecidas pela Requerente, se anexaram, são considerados “(…) sumos ou néctares de frutos na aceção do Decreto-Lei n.º 225/2003, face à sua designação comercial de polpa de fruto e, bem assim, se esta se encontra em conformidade com o referido diploma legal e demais legislação aplicável sobre rotulagem de géneros alimentícios, dado que a designação comercial e a denominação de venda dos bens revestem uma importância vital na gestão do IVA”.

10.       Em resposta ao solicitado a DSNA veio confirmar que os produtos mencionados nas fichas técnicas anexas ao ofício n.º ..., de 2020/12/09, da DSIVA “(…) - Polpas de frutos - , não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei nº 225/2003”.

11.       Informando, ainda, aquela Direção de Serviços, que a «polpa de frutos» é um (…) ingrediente autorizado para adição a sumos de frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados, sumos de frutos concentrados e também aos néctares de fruto, nas condições previstas (…)” no citado Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de setembro.

12.       Em suma, a «polpa de frutos constitui matéria prima para a elaboração, entre outros de sumos e de néctares».

13.       Nestes termos, atendendo a que a verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA não prevê a aplicação da taxa reduzida à transmissão de «polpa de frutos», dúvidas não restam de que o entendimento proferido pela DSIVA no parecer transcrito no ponto 5 da presente informação, prestada à requerente, ou em diversas informações vinculativas prolatadas a outros sujeitos passivos, nomeadamente, «clientes» da Requerente, se mantem válido, na medida em que respeita os princípios interpretativos das normas em questão e é coincidente com o informado pela DSNA, unidade orgânica da DGAV com competência, nomeadamente, na promoção da elaboração da regulamentação nacional na área alimentar, nomeadamente sobre características/normas de comercialização, processos de fabrico e rotulagem dos géneros alimentícios.”

A Requerida convoca depois o Código Aduaneiro da União Europeia, concretamente o seu art.º 33º, segundo o qual:

 2. As decisões IPV ou as decisões IVO são vinculativas, somente no que respeita à classificação pautal ou à determinação da origem das mercadorias, para:

  1. As autoridades aduaneiras, perante o titular da decisão, apenas em relação às mercadorias cujas formalidades aduaneiras sejam cumpridas após a data em que a decisão produz efeitos;
  2. ….

3. As decisões IPV e as decisões IVO são válidas pelo prazo de três anos a contar da data em que a decisão produz efeitos.

Por outro lado, alega a Requerida que importa realçar que a classificação dos produtos no Sistema Harmonizado (doravante “SH”) compete à DSTA e não à DSIVA, nem sequer à DSNA.

Para além disso, continua a AT a afirmar, uma coisa é classificação pautal das mercadorias, outra é a taxa do IVA que lhe está associada. E, ao invés do que sucede no direito aduaneiro, na legislação do IVA, nomeadamente em matéria de taxas de tributação, não existe total harmonização ao nível da União Europeia.

A aplicação de taxas reduzidas do IVA não é obrigatória para os diferentes Estados-membros. No caso português, se associado a um código de mercadoria [Nomenclatura Combinada (“NC”)] estiver prevista uma certa taxa do IVA é essa que se deve aplicar, a menos que a DSIVA comunique uma informação em sentido diferente.

Não se desconhecendo que no relatório de inspeção tributária respeitante ao ano de 2008 (OI2010...), de 2011-04-12, os SIT defenderam diferente entendimento ao aqui propugnado, tal como se fez constar no RIT em análise, todavia a Requerente não solicitou a eficácia vinculativa de tal relatório, mas ainda que o tivesse feito, a mesma apenas seria válida pelo prazo de três anos, nos termos do art.º 64.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira  (RCPITA).

A AT refuta as análises e o Parecer da Professora de Farmácia do Porto apresentados pela Requerente, dizendo que as entidades nacionais legalmente competentes (DSNA e DSIVA), nas matérias que estão em causa nos autos, já se pronunciaram, com base nas fichas técnicas de tais produtos apresentadas pela Requerente, em sentido oposto ao que esta vem defender.

Aquela posição da Requerida resulta da imposição da lei, uma vez que o Decreto-lei n.º 225/2003 estabelece perentoriamente no seu artigo 11.º que a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária é a entidade responsável pelas medidas de política relativas à qualidade e segurança dos produtos abrangidos pelo presente diploma.

Acrescenta a AT que a DSNA, no seu e-mail de 18 de dezembro de 2020, remetido à DSIVA e endereçado à Diretora de Serviços, intitulado “FW: Caracterização de produtos comercializados sob a designação de "Polpa de (nome do fruto)", para efeitos de eventual aplicação da verba 1.11 da lista I anexa ao código do IVA”, cuja cópia junta, não teve quaisquer dúvidas, nem referiu ser necessária qualquer “análise física, biológica, química ou outra de igual natureza aos produtos em causa”, limitando-se a informar que: “Na sequência do vosso oficio Nº ..., de 2020-12-09, informamos que os produtos mencionados nas fichas técnicas anexadas ao referido oficio – Polpas de frutos -, não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei nº 225/2003. Este diploma prevê no entanto a polpa como ingrediente autorizado para adição a sumos de frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados, sumos de frutos concentrados e também aos néctares de fruto, nas condições previstas nesse mesmo diploma”.

Posteriormente, foi enviada comunicação interna (com o n.º ...2021...) à DSTA, mais concretamente à Divisão de Nomenclatura e Gestão Pautal (doravante “DNGP”), dando conhecimento do entendimento da DGAV, o que veio a despoletar a correção à taxa de IVA associada a certos códigos pautais da posição 2009.

A Requerente, não apresentou, nos termos estabelecidos no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 225/2003, entendimento suportado em parecer de entidade competente para o efeito, suscetível de colocar em causa a posição da Requerida.

Assim, atento todo o expendido, e contrariamente ao que defende a Requerente nos pontos 75.º e seguintes do seu PPA, será de concluir que, não foram violados os princípios da neutralidade e da proporcionalidade do sistema do IVA, nem o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA e da verba 1.11 da Lista I anexa ao mesmo Código.

Mais se concluindo que, contrariando as alegações a pontos 92.º e seguintes do PPA, atento o acima exposto, também não foram violados os preceitos dos artigos 22.º, 33.º e 56.º do Código Aduaneiro e da Pauta Aduaneira Comum, porquanto o direito aduaneiro não regula as taxas de IVA aplicáveis nos diferentes Estados-membros, matéria que, como se referiu, consta da Diretiva IVA e da jurisprudência do TJUE.

 

Do pedido de indemnização por garantia indevida

A Requerente peticionou como pedido acessório que o Tribunal condenasse a Requerida ao pagamento de uma indemnização por garantia indevida prestada.

Esta constitui uma questão prévia que deve ser conhecida.

A AT diz que a Requerente faz referência a uma hipotética prestação de garantia, mas que na realidade até à presente data não foi carreada prova nos presentes autos de que a mesma tenha sido prestada e em que termos.

Não se está assim perante factualidade que possa ser apreciada e contraditada pela Requerida nesta ação arbitral.

 

  1. Saneamento
    1. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente para conhecer do pedido, nos termos dos seguintes artigos do RJAT: 2º, n.º 1, alínea a); 5º, n.º 3, alínea a); 6º, n.º 2, alínea a) e 11º, n.º 1, todos do RJAT;
    2. As partes são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas;
    3. Não existe no processo qualquer nulidade;
    4. A Requerente suscitou uma questão prévia e uma exceção dilatória.

 

II – MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos Provados

O Tribunal, a partir dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal, considera provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade por quotas que foi constituída em 1999, que tem por objeto social o comércio, representação, distribuição, importação e exportação, bem como o comércio a retalho, por correspondência ou via Internet, de produtos alimentares, bebidas alcoólicas e não alcoólicas. Fabricação de gelados, sumos de frutas e de produtos hortícolas. Fabricação de doces, compotas, geleias e marmeladas, congelação de frutos e produtos hortícolas e respetivo comércio. Aluguer de espaços industriais, comerciais e equipamentos, Franchising na área da restauração e das atividades atrás referidas. Atividades de restauração, restaurante tradicional, regional e rústico, snack-bar, café e cafetaria, take-away, gourmet e outros relacionados. Exploração de marcas e patentes – correspondentes aos CAE´s: 46382-R3; 10320-R3; 10520-R3; 56103-R3; 56107-R3 e 50102-R3.
  2. A Requerente encontra-se inscrita como sujeito passivo de IVA, desde 1 de maio de 1999, com enquadramento no regime normal de periodicidade mensal.
  3. A Requerente importa do Brasil vários produtos, nomeadamente as denominadas “polpas de frutos”.
  4. Em 2013 e 2014 a Direção Geral das Alfândegas emitiu, a pedido da Requerente, várias Informações Pautais Vinculativas (IPVs), que classificaram, com base em amostras, mercadorias transacionadas pela Requerente como sumos incluídos no n.º 2009 da Nomenclatura Pautal Combinada: 2013, IVPs 008, 009 e 010, respetivamente, sumo de abacaxi, sumo de lima e sumo de tangerina; 2014, IVPs  032 a 035 os sumos de, respetivamente, manga, graviola, cajá e acerola.
  5. Em todas as IPVs referidas no ponto anterior lê-se também, entre o mais (tudo se dando por reproduzido): “(...) O produto é utilizado na preparação de sumos e batidos, mediante a adição de água ou leite.”.
  6. Na classificação pautal há essencialmente dois parâmetros: (i) as características essenciais, i.e., o que é fisicamente a mercadoria, e (ii) qual é a função da mercadoria; no caso, tanto as características da mercadoria, como a sua função, nunca tiveram alteração. (cfr. depoimento da 1.ª testemunha)
  7. O despachante oficial da Requerente tem que ter as fichas técnicas e os boletins analíticos para submeter a mercadoria à apreciação da Direcção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) para efeitos de autorização de importação. (cfr. depoimento da 1.ª testemunha)
  8. Em 2011 a Requerente foi objeto de procedimento inspetivo relativo ao ano de 2008 especialmente direcionado a analisar a taxa de IVA aplicada e a aplicar a estes produtos que concluiu resumidamente (com data de 12 de Abril de 2011) que “No âmbito do IVA têm sido respeitadas as regras para o apuramento do imposto (dedução e liquidação), bem como, as obrigações declarativas, de conformidade com o disposto nos art.ºs 19º a 26º, 29º e 41º do CIVA”; que na sequência da análise laboratorial que deu origem à IPV, emitida em 22/09/2001 pela então DGAIEC, não foram detetadas irregularidades na aplicação da taxa de IVA; que a classificação pautal dos produtos avaliados era “sumo”; que esta classificação pautal era vinculativa; que por conseguinte, a taxa de IVA a aplicar era a taxa reduzida.
  9. A Requerente não solicitou o sancionamento da decisão referida no número anterior, podendo-o ter feito ao abrigo do disposto no art.º 64º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.
  10. Atualmente a Requerente comercializa os produtos “C...” em Portugal, no Reino Unido, na Suíça, em Espanha e em França.
  11. A Requerente é proprietária, desde 2013, de uma fábrica própria sedeada em Portugal.
  12. Desde 1999 que aos produtos importados pela Requerente era por si aplicada a taxa de IVA reduzida (6%).
  13. Em 21/10/2015 a Requerente submeteu um pedido de esclarecimento à AT via e-balcão acerca da taxa de IVA a aplicar aos produtos “Polpa de ...” por si comercializados.
  14. A AT respondeu em 9/11/2015, nos seguintes termos: (…) A IPV em anexo emitida em 2001 não se encontra válida. Não obstante, o produto em análise não integra a definição de sumo de fruto ou néctar na fórmula regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de Setembro, pelo que a transmissão do produto que comercializa é tributada à taxa normal (23%) uma vez que não se enquadra na verba 1.11. da lista I anexa ao Código do IVA (CIVA), nem em qualquer outra das diferentes verbas das listas anexa àquela disposição legal.
  15. Em 9/12/2015 a Requerente apresentou nova exposição para esclarecer melhor a natureza, características e enquadramento legal do seu produto.
  16. A AT respondeu em 9/03/2018, nos seguintes termos: face ao descrito, e sendo certo que não compete à Área de Gestão Tributária – IVA, avaliar as características intrínsecas dos produtos produzidos/comercializados pelos sujeitos passivos, conclui-se que o produto comercializado com a denominação de – Polpa de morango integral – não se enquadra na verba 1.11. da lista I nem em qualquer das diferentes verbas das listas anexas ao CIVA, pelo que é passível de IVA pela aplicação da taxa normal (23%).
  17. Em 10/05/2018 a Requerente submeteu novo requerimento no e-balcão expressando-se contra o entendimento da DSIVA sobre a tributação do produto “polpas de ...”.
  18. Em 25/10/2020 a Requerente submeteu, via email, exposição de 23/10/2020 à DSIVA a solicitar os produtos “polpas de ...” sejam passíveis de tributação à taxa reduzida de IVA e anexou para o efeito novas informações pautais vinculativas (IPV) e novas fichas técnicas.
  19. A 09/12/2020 a DSIVA submeteu à Direcção de Serviços de Alimentação e Nutrição (DSAN) da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) um pedido de informação sobre os produtos “Polpa de (nome do fruto)” comercializados pela Requerente, enviando em anexo as fichas técnicas dos mesmos, facultadas à DGSIVA pela Requerente na sua exposição de 23/10/2020, e, por email de 18/12/2020 subscrito pela Diretora de Serviços de Nutrição e Alimentação, a DGAV veio prestar à DSIVA a informação solicitada.
  20. A informação prestada pela DGAV, referida no ponto anterior, é do seguinte teor: “Na sequência do vosso ofício N.º ..., de 2020-12-09, informamos que os produtos mencionados nas fichas técnicas anexadas ao referido ofício – Polpas de frutos -, não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei n.º 225/2003. Este diploma prevê no entanto a polpa como ingrediente autorizado para adição a sumos de frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados, sumos de frutos concentrados e também aos néctares de fruto, nas condições previstas nesse mesmo diploma.” (cfr. doc. 1 junto com a Resposta)
  21. A Requerida respondeu à exposição da Requerente de 23/10/2020 através da Informação n.º 1138, de 04/02/2021, notificada à Requerente em 04/02/2021, aí informando também quanto à solicitada colaboração à DGAV e reiterando a posição já por si antes transmitida à Requerente, no sentido de que os produtos em questão não se enquadram em qualquer das verbas previstas nas listas anexas ao CIVA pelo que à sua transmissão em território nacional é aplicável a taxa normal.
  22. No dia 14 de Abril de 2021, em cumprimento da ordem de serviço n.º 2020..., teve início um procedimento de inspeção tributária, de âmbito parcial, relativo ao IRC e ao IVA do ano de 2018.
  23. No decorrer do procedimento inspetivo identificado no número anterior, as ordens de serviço com os n.ºs 2021... e 2021... alargaram o seu âmbito temporal aos anos de 2019 e 2020.
  24. Em 8 de novembro de 2021 a Requerente foi notificada da prorrogação do prazo do procedimento inspetivo por um período de mais três meses.
  25. Do RIT, notificado à Requerente, consta, entre o mais (tudo se dando por reproduzido): “(...) O sujeito passivo solicitou em 21-10-2015 um pedido de esclarecimento via e-balcão com o seguinte teor: (...) ./ Em resposta (...) e atendendo a que não foi remetida qualquer ficha técnica dos produtos comercializados, foi comunicado ao sujeito passivo em 09-11-2015 que: A informação pautal vinculativa (IPV) emitida em 2001 já não se encontrava válida (...); O produto comercializado pelo sujeito passivo não integra a definição de sumo de fruta ou néctar de fruto na forma regulamentada pelo Decreto-lei n.º 225/2003, de 24 de setembro, pelo que a transmissão do produto está sujeita à taxa normal prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea c) do CIVA, dado o mesmo não se enquadrar na verba 1.11 nem em qualquer outra das diferentes verbas constante da lista I anexa ao CIVA. (...) Em dezembro de 2015 o sujeito passivo apresentou um requerimento, que designou por “Reclamação Graciosa”, no qual contestou o entendimento pronunciado em novembro de 2015 pela Área de Gestão Tributária – IVA em resposta ao seu pedido de esclarecimento via e-balcão (...). (...) Informação n.º 1345 da DSIVA (...) Do teor dessa informação foi dado conhecimento ao sujeito passivo, através do ofício n.º ... de 09/03/2018, da DSIVA, (...) cuja conclusão se transcreve: (...) conclui-se que o produto comercializado com a denominação de Polpa de morango integral – não se enquadra na verba 1.11 da lista I nem em qualquer outra das diferentes verbas das listas anexas ao CIVA, pelo que é passível de IVA pela aplicação da taxa normal (23%). (...) Em 10-05-2018, o sujeito passivo volta a submeter no e-balcão um requerimento no qual contesta o entendimento proferido pela DSIVA sobre a tributação dos produtos comercializados (...) e no qual solicita que lhe seja prestada uma informação vinculativa (...). Atendendo a que o e-balcão não é o meio próprio (...) verifica-se que o sujeito passivo ainda não efectuou qualquer pedido de informação vinculativa, no sentido de lhe ser confirmado a aplicação da taxa reduzida de IVA à comercialização de polpa de fruta.

Exposição dirigida à DSIVA – ano 2020 / Em 25-10-2020, via email, o sujeito passivo remeteu exposição datada de 23-10-2020 aos Diretores da DSIVA (...), na qual solicita que os produtos com a designação de “polpa de (nome do fruto)” sejam passíveis de ser tributados à taxa reduzida de IVA por se enquadrarem na verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA, anexando para o efeito novas Informações Pautais Vinculativas (IPV) e novas fichas técnicas dos produtos em análise (marca C...) documentos que se juntam no Anexo 4. (...).  

(...) Em resposta a esta exposição, a DSIVA elaborou a informação n.º 1138 de 04-02-2021 (Anexo 5) (...). / O sujeito passivo foi notificado sobre o conteúdo desta informação da DSIVA, em 04-02-2021, através do ofício (...) (Anexo 6).

 

(...) Em resposta às solicitações do sujeito passivo, a AT sempre lhe comunicou o seu entendimento nesta matéria, isto é, que os produtos comercializados com a designação “Polpa de (nome do fruto)” não se enquadram na verba 1.11 da lista I nem em qualquer outra verba constante das listas anexas ao CIVA, pelo que a sua transmissão está sujeita à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. (...)

 

(...) No seguimento da última exposição apresentada pelo sujeito passivo (email de 25-10-2020) à DSIVA (Anexo 4) esta tomou a iniciativa de solicitar, em 09-12-2020, à Direcção de Serviços de Nutrição e Alimentação (DSNA) da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), um pedido de informação sobre produtos comercializados pelo sujeito passivo, com base nas fichas técnicas por este apresentadas. Em resposta a este pedido, a DSNA veio informar que: (...) “Polpas de frutos – não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei n.º 225/2003” (...); (...) “a polpa de frutos é um (...) ingrediente autorizado para adição a sumos e frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados, sumos de frutos concentrados e também aos néctares de fruto nas condições previstas (...) do referido Decreto Lei”; (...) “a polpa de frutos constitui matéria prima para a elaboração, entre outros de sumos e néctares”. / A informação remetida pela DSNA em consonância com o disposto no Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de setembro vem corroborar a informação presente nas fichas técnicas emitidas pela marca C... (remetidas pelo sujeito passivo no email de 25-10-2020 – Anexo 4), designadamente na descrição do produto comercializado e sua aplicação, conforme se evidencia pelos exemplos a seguir apresentados: (...).

 

(...) Face ao exposto, fica patente que não se poderá confundir sumo de frutos com polpa, afirmando que se trata de “sumo com polpa” quando o sumo é um produto líquido e o produto em apreço é comercializado no seu estado congelado. / De facto, a “polpa” constitui apenas a matéria-prima utilizada para a elaboração dos referidos sumos de fruta, pelo que a comercialização de produtos que incluem na sua composição “Polpa”, não poderá beneficiar da aplicação da verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA, (...). / “(...) Nesse sentido, foi incluída como anexo (Anexo 5), a informação n.º 1138, elaborada pela DSIVA, em resposta à última exposição apresentada pelo sujeito passivo (...). / Da leitura da referida informação, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, (...)”.

“(...) a posição da AT vertida no PRIT é análoga à que tem sido transmitida a outros sujeitos passivos que atuam na mesma área de negócio (...) têm apresentado pedidos de informação vinculativa sobre a taxa de IVA a aplicar à venda de “polpa de fruta congelada”, procedimento que o sujeito passivo ainda não adotou, tendo-se restringido à apresentação de meros pedidos de esclarecimento. (...)”.

  1. Em 08 de junho de 2022, a Requerente juntou aos autos um parecer elaborado pela Professora Doutora Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira - professora catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, do Departamento de Ciências Químicas e do Laboratório de Bromatologia e Hidrologia e, atualmente, directora do Mestrado em Controlo de Qualidade  -  que contém em anexo boletins de análises laboratoriais realizadas pelo Laboratório D..., referentes aos produtos “Polpa de …” cuja taxa de IVA foi sindicada pela AT.
  2. O referido parecer concluiu, em síntese, que Das análises verificadas, constata-se que os valores determinados nas amostras C... cumprem a legislação para a sua qualificação como sumo. Após a apreciação dos boletins de análise e tendo em consideração a legislação em vigor e os parâmetros avaliados de acordo com essa mesma legislação, todas as amostras, embora com a utilização da denominação “Polpa de …” têm as características legisladas de “Sumos de…
  3. Nas fichas técnicas – “Especificação de Produto/Ficha Técnica” – do produto “Polpa de ...”, C..., lê-se, entre o mais (tudo se dando por reproduzido): “(...) Composição – Suco e polpa de ...; Aplicação – (...) Pode ser usada para elaborar sucos, vitaminas, coquetéis, smoothies, sobremesas, ou para substituir o fruto no preparo desejado.; Modo de Preparo – Corte a polpa em quatro partes, bata todo o conteúdo desta embalagem no liquidificador ou mixer com água e adoce a gosto. Após descongelado, não recongelar. (...)”

 

  1. A Requerente não apresentou qualquer documento comprovativo da prestação de garantia, nem de a mesma lhe ter sido pedida.

 

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do artigo 511.º do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, e bem assim a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

No que à prova testemunhal respeita, a primeira testemunha a depôr, Dr. João Morgado Macedo, é Despachante Oficial e exerce essas funções para a Requerente. Aparentou depor com isenção e verdade aos factos sobre os quais foi questionado e de que tinha conhecimento. A segunda testemunha, Professora Doutora Maria Beatriz Pinto Oliveira, Professora Catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, igualmente aparentou depor com verdade sobre os factos aos quais foi questionada e de que se recordava. O depoimento desta testemunha não foi, na livre apreciação do Tribunal - e sem desprimor para a bondade do parecer emitido - convincente para inverter o teor da comunicação de 18.12.2020 da DGAV à DSIVA, e nem recaiu sobre factos concretos que pudessem influir na decisão. Revelou inconsistências (como seja a de se afirmar que embora a designação do produto no Brasil como polpa seja aceitável já em Portugal a designação deveria ser sumo), tal como o parecer - que procede a uma apreciação dos resultados das análises laboratoriais às “Polpas de (fruto)”, não permitindo as respectivas conclusões infirmar a informação prestada pela DGAV à DSIVA. 

 

  1. Factos não provados

Não existem factos não provados com relevância para a apreciação dos autos.

 

III – MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão decidenda

Está em causa nos presentes autos, como questão principal a decidir, determinar a taxa de IVA aplicável às transmissões, no território nacional, do produto comercializado sob a denominação “Polpa de (nome do fruto)”, uma vez que as mesmas não se encontram expressamente incluídas na lista I anexa ao IVA.

 

Questão prévia

A Requerida suscitou uma questão prévia, no sentido de que o Tribunal deveria conhecer antes de decidir acerca do pedido principal. A referida questão radica no facto de a AT recear que o Tribunal possa eventualmente apreciar a taxa de IVA aplicada à “polpa de mamão” comercializada pela Requerente.

Ora, salvo o devido respeito, a questão é inexistente, uma vez que foi a própria Requerente que primeiro se referiu a esse produto e expressamente concordou, no ppa, com a taxa de 23% aplicada ao seu produto “polpa de mamão”. Recorde-se que a própria AT deixou expresso reconhecer que a arguição desta questão foi feita com caráter de excessivo patrocínio.

Nestes termos encontram-se bem fixados nos autos quer a causa de pedir, quer o pedido (que não inclui a apreciação da liquidação do IVA da “polpa de mamão” à taxa normal de 23%) suscitado pela Requerente, não cabendo ao Tribunal pronunciar-se sobre esta questão prévia, por a mesma ser inexistente.

 

Exceção dilatória

A Requerente formulou como pedido acessório a atribuição de uma indemnização para a hipótese de, durante o decorrer do presente processo, a AT lhe exigir a prestação de reforço de garantia para suspensão das execuções em curso, que implique encargos adicionais.

Sucede que, até à data presente não foi solicitado à Requerente (ou esta não o disse ao Tribunal) qualquer reforço de garantia prestada.

Termos em que, não sendo a penhora de bens uma garantia abrangida pelo consignado no n.º1 do art.º 53º da Lei Geral Tributária, em virtude de não gerar despesas adicionais para o penhorado, e não tendo até ao presente sido dado conhecimento ao  Tribunal da verificação de qualquer pedido de reforço da garantia contido na norma daquele artigo,  considera o Tribunal não existir qualquer exceção dilatória sobre a qual tenha de pronunciar-se

 

Questão principal

Como questão principal a decidir nos presentes autos está a taxa aplicável à transmissão no território nacional dos produtos importados e comercializados pela Requerente sob a denominação de polpa de fruta, com exceção para a polpa de mamão.

A Requerente alega que desde 1999, data em que iniciou a sua atividade, sempre pagou e liquidou IVA à taxa reduzida de 6%.

Para além do mais, recorda a Requerente, as conclusões do procedimento inspetivo a que foi submetida em relação ao ano de 2008 lhe foram totalmente favoráveis. A este propósito a AT considerou que a Requerente não usou, relativamente àquelas conclusões, do direito consagrado no art.º 64º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira, de pedir o sancionamento das conclusões do relatório inspetivo. É certo que a Requerente o não fez, porém, ainda que o houvesse pedido, o mesmo não teria já efeitos, uma vez que nos termos do n.º 4 desse mesmo art.º 64º, os efeitos dos pedidos de consolidação são de apenas três anos. Com efeito, prevê esta norma que Caso o pedido seja expressa ou tacitamente deferido, a administração tributária não pode proceder relativamente à entidade inspecionada em sentido diverso do teor das conclusões do relatório ou da qualificação jurídico tributária das operações realizadas com contingência fiscal a que se refere o n.º 3 do artigo 12.º, nos três anos seguintes ao da data da notificação, salvo se se apurar posteriormente simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente relevantes relativos ao objeto do procedimento de inspeção.

Nos termos do art.º 11º do decreto-lei n.º 225/2003, de 24 de Setembro, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) é a entidade responsável pelas medidas de política relativas à qualidade e segurança dos produtos abrangidos por este diploma.

Por essa razão, a DSIVA solicitou àquela entidade, em 9 de dezembro de 2020, a sua posição acerca da caracterização dos produtos comercializados sob a denominação de “polpa de fruta” para efeitos de eventual aplicação da verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA.

A verba em questão da “Lista I – Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida” - , conforme redacção vigente à data dos factos, reza assim: “1.11 – Sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortículas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã sem teor alcoólico”.

A resposta daquela entidade tem a data de 18 do mesmo mês de dezembro e foi transmitida à DSIVA por e-mail. Na referida mensagem aquela entidade considerou que os produtos em causa nos autos importados e comercializados pela Requerente sob a denominação de “polpa de fruta” não são classificáveis como sumos nem néctares.

Ao colocar a questão à DGAV, atuou a Requerida nos termos do estatuído no art.º 66º do Código de Procedimento Administrativo, que sob a epígrafe “Auxílio administrativo” dispõe que:

1 - Para além dos casos em que a lei imponha a intervenção de outros órgãos no procedimento, o órgão competente para a decisão final deve, por iniciativa própria, por proposta do responsável pela direção do procedimento ou a requerimento de um sujeito privado da relação jurídica procedimental, solicitar o auxílio de quaisquer outros órgãos da Administração Pública, indicando um prazo útil, quando:

  1. O melhor conhecimento da matéria relevante exija uma investigação para a qual o órgão a quem é dirigida a solicitação disponha de competência exclusiva ou de conhecimentos aprofundados aos quais o órgão solicitante não tenha acesso;

 

Perante o facto de a resposta da DGAV ter sido comunicada por e-mail, a Requerente, alega que este documento é um mero e-mail trocado entre funcionários da Administração Pública e que, como tal, deve ser desconsiderado.

 

Não é este, porém, o entendimento do Tribunal.

 

O documento proveniente da Direção Geral de Alimentação e Veterinária, que a Requerente considera um mero e-mail, tem de considerar-se um documento autêntico, nos termos do disposto nos art.ºs 363º, n.º 2 e 369º do Código Civil. Com efeito, o mesmo é da autoria da autoridade a quem o legislador atribuiu competência em razão da matéria para se pronunciar sobre a mesma. Com efeito, como já se deixou dito, dispõe o art.º 11.º do Decreto-lei n.º 225/2003, de 24 de setembro, que a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária é a entidade responsável pelas medidas de política relativas à qualidade e segurança dos produtos abrangidos por este diploma.

 

Não pode considerar-se ser a circunstância de o documento se materializar numa mensagem eletrónica suficiente para lhe retirar a autenticidade.

 

Relativamente aos documentos eletrónicos, o decreto-lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto (alterado e republicado pelo decreto-lei n.º 88/2009, de 9 de abril), nos termos do seu art.º 1º, regula, para além do mais, “… a validade, eficácia e valor dos documentos electrónicos”. E nos seus números 3 e 4 determina que:

 4 — O disposto nos números anteriores não obsta à utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos electrónicos, incluindo outras modalidades de assinatura electrónica, desde que tal meio seja adoptado pelas partes ao abrigo de válida convenção sobre prova ou seja aceite pela pessoa a quem for oposto o documento.

5 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o valor probatório dos documentos electrónicos aos quais não seja aposta uma assinatura electrónica qualificada certificada por entidade certificadora credenciada é apreciado nos termos gerais de direito.

 

Por outras palavras, isto significa que, ainda que o Tribunal não considerasse o documento abrangido pelas normas do Código Civil que lhe imprimem força de documento autêntico, sempre deveria o mesmo ser sujeito à livre apreciação do julgador, nos termos gerais de apreciação da prova.

 

Não nos podemos esquecer, é certo, de que a Requerente fez juntar aos autos parecer de uma Professora Catedrática especialista em Bromatologia, da Universidade do Porto, acompanhado de resultados de análises laboratoriais efetuadas aos produtos por si importados e comercializados denominados “polpa de fruta”, bem como apresentou prova testemunhal. Porém, em virtude de a opinião contida no e-mail ser proveniente da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (que é a entidade oficial a que foi legalmente conferida a competência para a qualificação dos produtos, nos termos do já transcrito art.º 11º do decreto-lei n.º 225/2003), o Tribunal reitera o seu entendimento de que deverá o mesmo – emitido que foi por organismo do Estado no âmbito das suas atribuições - ser considerado um documento autêntico, cfr. art.ºs 363.º, n.º 2 e 369.º do Código Civil, sujeito à livre apreciação do julgador de acordo com o consignado no art.º 371º, n.º 1, parte final, do mesmo Diploma Legal. O e-mail foi junto aos autos pela Requerida com a Resposta e é uma informação técnico-jurídica - utilizados que foram saberes técnicos e as fichas técnicas do produto, numa apreciação que levou à formulação de conclusões na subsunção aos conceitos do DL n.º 225/2003. Foi a própria Requerente, aliás, quem fez acompanhar a sua exposição à DSIVA, na origem desta informação, de novas fichas técnicas - que a DSIVA assim fez anexar ao pedido de informação que dirigiu à DGAV, fichas técnicas essas que também (a Requerente) submete à DRAP (tudo cfr. supra, factos provados).

 

Face a tudo o que antecede, e após concatenação de toda a prova carreada e produzida em juízo, é entendimento deste Tribunal que o teor da informação emitida pela DGAV e comunicada à DSIVA em resposta ao pedido desta (cfr. supra) - designadamente a fim de lhe ser informado se os produtos em questão são considerados sumos ou néctares de frutos na acepção do DL n.º 225/2003 – não resulta, seja de que forma for, prejudicado por qualquer outro elemento de prova nos autos.

 

Acerca da valoração da prova, cita-se Cristina Flora (in A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO” publicado pelo CEJ em Maio de 2018, no âmbito da sua Formação Contínua, pag 39), segundo a qual Toda a prova realizada ou produzida em juízo deve ser objecto de valoração pelo julgador. A valoração da prova pelo juiz consiste na formação de juízos de razoabilidade e racionalidade sobre os factos relevantes para a resolução da causa de modo a julgá-los como provados ou não provados. Esse juízo deve atender às regras da experiência comum, de modo a que haja uma coerência com as ocorrências reais da vida, e deve formar-se em função do meio de prova em causa e da prova produzida, devendo ser tanto mais apurado quando no processo coexistam meios de prova não coincidentes. No sistema jurídico português o legislador consagrou, enquanto regra, o sistema da livre apreciação da prova, segundo o qual o juiz aprecia livremente as provas conforme a sua prudente convicção acerca de cada facto.

Neste sistema de livre valoração a convicção do julgador deve formar-se espontaneamente em função da prova produzida e das particularidades do litígio, o que tem a vantagem de permitir adaptar o juízo probatório às particularidades do caso concreto. É verdade que a valoração fica dependente das características de cada julgador, dos seus valores e da forma como percepciona a realidade, porém, o sistema da livre apreciação da prova constitui um meio mais adequado para alcançar a verdade material. No processo de valoração da prova, de modo a evitar-se o erro judiciário e qualquer aparência de arbítrio, o juiz deve ter presente que não se lhe exige uma convicção de absoluta certeza, basta que a sua convicção assente num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

Neste contexto, fica sujeita à livre apreciação do juiz, por exemplo, a prova testemunhal (art. 396.º CC), a prova por inspecção (art. 391.º CC), a prova pericial (art. 389.º CC) e a prova por documentos particulares a que não seja atribuída força probatória plena (art. 376.º do CC). Em determinados casos o valor probatório do meio de prova é fixado na lei, estamos perante o sistema da prova legal que é excepção no nosso ordenamento jurídico. A lei impõe um determinado valor probatório do meio de prova, sendo este o considerado pelo julgador. O exemplo paradigmático do sistema da prova legal é o caso dos documentos autênticos a que a lei atribui força probatória plena e que não pode ser substituído por outro meio de prova: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora” (art. 371.º, n.º 1, do CC); “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (art. 364.º, n.º 1 do CC).

Por fim não se olvidou, também, o teor das IPVs que a Requerente convoca (e carreou nos autos – v. factos provados). Não só, porém, não se desvaloriza o facto de das mesmas constar que o produto em questão “é utilizado na preparação de sumos e batidos, mediante a adição de água ou leite” (e v. também fichas técnicas - supra factos provados), como se deve notar que para efeitos de direitos aduaneiros - sede em que as IPVs se contextualizam –, e respectiva legislação, outros elementos dos produtos serão convocados avaliar, pois que é de apuramento de valor aduaneiro aquilo de que, desde logo, aí se cuida; os critérios a aplicar na avaliação dos produtos serão, como também o despachante oficial da Requerente expôs ao Tribunal (v. supra factos provados), vários.

 

Sendo que, como quanto ao Tribunal resulta dos diplomas legais convocáveis – o critério determinante para o legislador tributário na matéria objecto da presente causa, cfr. DL 225/2003 devidamente conjugado com o CIVA e sua anexa Lista I (como bem assim a Directiva do Conselho que o referido DL transpõe, e a DIVA e seu Anexo III), é o da função (que não o da composição físico-química). Em termos que se poderiam assim colocar: se o produto (com origem em fruta) é uma bebida, é para beber – recai na verba 1.11 da Lista I anexa ao CIVA; se, de modo diferente, o produto se destina a ele próprio conduzir à produção de uma bebida de frutos, i.e., se é matéria-prima possível desta – já ali não recai, recaindo no n.º 6 do Anexo II ao DL 225/2003. Como resulta deste último n.º 6, a polpa é uma das matérias-primas autorizadas dos sumos e dos néctares (v., também, e entre o mais, o art.º 7.º do DL 225/2003). Estes últimos, sim, bebíveis.

 

Nestes termos e com estes fundamentos, decide o Tribunal não considerar os produtos comercializados sob o nome de “polpa de fruta” suscetíveis de serem integrados na verba 1.11 da lista I Anexa ao Código do IVA, sendo, por consequência, taxados à taxa normal de 23% e não à taxa reduzida de 6%.

 

Há que relembrar, aqui chegados, que nos termos da legislação europeia, antes de mais da Directiva IVA (e também assim do Código Aduaneiro), a regra geral da taxação em IVA é a da taxa normal, ficando excecionalmente os Estados-membros autorizados a aplicar taxas reduzidas a artigos bem identificados.

 

É jurisprudência assente que a Lista I anexa ao CIVA prevê, de forma taxativa, os produtos que beneficiam da taxa reduzida, não sendo passível de interpretação extensiva. Não pode ser estendida além dos limites rigorosos da própria letra. Assim, o produto que não seja contemplado de forma inequívoca na referida lista não pode beneficiar da taxa reduzida.

A Requerente alegou também que a Requerida havia violado os art.ºs 22º, 33º e 56º, todos do Código Aduaneiro.

Porém, desde logo a mera consulta aos pedidos de colaboração efetuados pela Requerida no âmbito do procedimento apreciado nos presentes autos é clara relativamente à não violação do art.º 22º daquele Código.

Clara é também, pela mesma razão de ter a AT atuado nos termos da colaboração consagrada no art.º 64º do Código de Procedimento Administrativo, a não violação do art.º 266º da Constituição, do art.º 6º do RCIPT e dos artºs 59º e 63º da LGT

De igual modo não violou a AT o disposto no art.º 33º do Código Aduaneiro (acerca das IPVs prestadas pelas autoridades aduaneiras), desde logo porque todas aquelas IPVs invocadas pela Requerente foram emitidas há mais de três anos e, de acordo com o estatuído no n.º 3 deste art.º 33º, As decisões IPV e as decisões IVO são válidas pelo prazo de três anos a contar da data em que a decisão produz efeitos (e v. ponto 4. - factos provados).

Mais sendo que, sempre se dirá, “se depois de uma aplicação uniforme, durante um certo período de tempo, de uma mesma interpretação da lei, nas suas relações com os administrados, a administração tributária se convence que é correta uma outra interpretação, o princípio da igualdade não obsta a que passe a adotar na sua prática esta nova interpretação, exigindo apenas, para não existir discriminação, que a nova interpretação seja aplicada generalizadamente, a partir da sua adoção.” (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim S. Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária – Anotada e comentada, 2012, p. 448).

Igualmente não resulta violado o art.º 56.º do Código Aduaneiro, como desde logo decorre da leitura atenta do seu n.º 1, pela leitura conjugada do 2.º com o 1.º parágrafo, assim: quando de comércio de mercadorias se trate (segundo parágrafo), e não de direitos de importação e de exportação (primeiro parágrafo), apenas “se for caso disso” a classificação pautal será convocável. No caso não só o Portugal não remeteu para a classificação pautal (o que não é controvertido entre as partes) como, ademais, a DSIVA sempre veio informando a Requerente (como assim outros contribuintes) - quando por esta consultada para o efeito – da não aplicação, ao caso, da taxa reduzida, por não ser o produto em causa subsumível na verba 1.11 da Lista I ou em qualquer outra.

Por fim, do mesmo modo não foram violados os Princípios da neutralidade e da proporcionalidade, desde logo respeitados que estão, pelo legislador português, os termos em que pode seleccionar as categorias de produtos/serviços às quais, podendo aplicar taxa reduzida, decide fazê-lo. Ademais quando ao consumidor o produto “Polpa de (fruto)” não resultará confundível com bebidas.  Acresce que a Requerente faz meras alegações genéricas quando sustenta a pretensa violação dos dois referidos princípios, apelando, em suma, a, segundo afirma – ao ser aplicada a taxa normal nas liquidações em crise - estarem a ser tratados diferentemente, na cadeia económica, produtos de igual natureza. Ora, e a acrescer a tudo o já referido, reitere-se: os produtos cuja taxa de IVA está em questão nos autos destinam-se a fazer sumos (e/ou outros), são matéria-prima autorizada destes (tudo como supra). Não revestem, uns e outros (“Polpa de (nome do fruto)” / Sumos), a mesma natureza.   

Sequer foram violados, como do supra ficou já claro, a verba 1.11 da Lista I, e assim também não o art.º 18.º, n.º 1, al. a) do CIVA. Não recaindo os produtos em questão nem nessa verba nem em qualquer outra da Lista I.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, decide este Tribunal não reconhecer razão à Requerente e, em consequência,

  1. considerar legais as:
  • liquidações adicionais de IVA referentes a todos os períodos dos anos de 2018, 2019 e 2020 e aos períodos 01 e 02 de 2021, no total de €385.694,98. Liquidações com os números: ..., de 2018; ..., de 2019; ..., de 2020 e ..., de 2021.
  • liquidações de juros compensatórios no total de €34.794,82.
  1. Não apreciar o pedido acessório de indemnização apresentado pela Requerente.

 

11. Valor

Fixa-se o valor do processo em 413.103,63 (quatrocentos e treze mil, cento e três euros e sessenta e três cêntimos), nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

12. Custas

Custas a cargo da Requerente no montante de 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) nos termos dos art.ºs 3º, alíneas a) e b) e 5º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela II dos Encargos Processuais.

 

 

Lisboa, 14 de dezembro de 2022

 

Os Árbitros,

 

 

Manuel Macaísta Malheiros (Presidente)

 

 

 

Clotilde Celorico Palma (com a declaração de voto de vencida anexa)

 

 

 

Sofia Ricardo Borges

 

Voto de Vencida

 

Não nos podemos rever no procedimento e sentido adoptados nesta decisão nos termos apresentados, quer por motivos de natureza técnica, quer por razões que se prendem com os princípios e deveres que entendemos que devem pautar a actuação dos julgadores na condução dos processos de forma a cabalmente sustentarem as suas decisões, não podendo jamais perder-se de vista as exigências institucionais ou organizatórias postas pelo direito a um processo equitativo.

Desde logo, o aspecto fundamental que se suscita no presente processo prende-se com uma questão técnica que julgamos que ultrapassa os conhecimentos dos membros deste colectivo – O que é um sumo? Ou seja, estamos perante uma questão prévia de qualificação das operações que transcende, desde logo, a matéria puramente fiscal.

Ora, com o devido respeito, não creio que nenhum dos membros do colectivo se possa pronunciar cabalmente sobre tal matéria.

Da documentação constante dos autos e da prova testemunhal  produzida, resulta o seguinte:

 

1. Um dos produtos da marca “C...” importados para serem revendidos em Portugal pela Requerente, cuja taxa de IVA é posta em causa pela AT, é o produto comercialmente denominado “Polpa de … (nome de fruta)”.

 

2. Independentemente da decisão quanto à relevância do facto de, como alega a Requerente, desde 1999, os produtos em apreço por si importados serem classificados, para efeitos pautais, de acordo com a nomenclatura combinada em vigor, na categoria “2009 – Sumos (sucos) de frutas (incluindo os mostos de uvas) ou produtos hortícolas, não fermentados, sem adição de álcool, com ou sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes.”, sendo na sua importação, desde 1999, obrigatoriamente sujeitos à taxa reduzida de IVA, de 6%, interessa aferir se, efectivamente, em termos técnico científicos o deverão ser.

 

3. Conforme resulta, de diversas IPVs juntas ao processo como Documentos n.º 12, 13 e 14 no PPA, os produtos em causa foram qualificados pelas Administrações Fiscais competentes – holandesa e portuguesa – como sumos, tendo para o efeito sido objecto de análises laboratoriais oficiais, resultando destas, inequivocamente, que a percentagem de polpa é sempre inferior à percentagem de sumo cfr. Documentos n.ºs 7 a 15, à excepção da “Polpa de Mamão”.

 

4. Os aludidos bens comercializados pela Requerente sob a denominação “Polpa de…”, após a sua importação, não sofrem qualquer transformação nem agregação de qualquer valor comercial, sendo transaccionados no mercado nacional (e europeu) exactamente como foram importados e adquiridos.

 

5. Em 2011, a Requerente foi sujeita a uma inspecção especialmente direccionada a analisar a taxa de IVA aplicada e a aplicar a estes produtos, tendo em suma a AT, concluído que:

  1. A classificação pautal dos produtos avaliados era “sumo”;
  2. Que esta classificação pautal era vinculativa;
  3. E que, por conseguinte, a taxa de IVA a aplicar era a taxa reduzida.

 

6. Resulta claramente dos factos que a Administração Fiscal acabou por concluir não possuir as necessárias competências técnicas para analisar e qualificar os produtos em apreço, não podendo limitar-se a emitir o seu entendimento a partir da respectiva denominação comercial e da informação dos respectivos rótulos, confrontando com uma interpretação “jurídica” dos conceitos, constantes do Decreto-Lei n.º 225/2003, de 24 de Setembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 101/2010, de 21 de Setembro), que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2001/112/CE, do Conselho, de 20 de Dezembro de 2001, relativa aos sumos de frutos e determinados produtos similares destinados à alimentação humana.

 

7. De facto, é a Direcção de Serviços de Nutrição e Alimentação (DSNA) da Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), a entidade competente para se pronunciar para o efeito.

 

8. Neste contexto, a AT diligenciou no sentido de obter daquela entidade um Parecer, tendo o mesmo sido junto aos autos.

 

9. Resulta provado da documentação junta aos autos que o aludido Parecer emitido pela DGAV baseou o seu entendimento na “denominação comercial” e nas fichas técnicas dos rótulos dos produtos, consistindo, na realidade num mero email, assinado pela Directora da DGAV e dirigido à DSIVA, com o teor que se segue (cfr. Doc. n.º1 junto à Resposta da AT):

“Na sequência do vosso ofício n.º..., de 2020-12-09, informamos que os produtos mencionados nas fichas técnicas anexadas ao referido ofício – Polpa de frutos -, não são considerados nem sumos, nem néctares de frutos na aceção do Decreto Lei n.º 225/2003. Este diploma prevê, no entanto a polpa como ingrediente autorizado para adição a sumos de frutos, sumos de frutos fabricados a partir de produtos concentrados e também aos néctares de fruto, nas condições previstas nesse diploma”.

 

10. Não se pôe em causa, em termos jurídicos qual a validade de um email, deve sim é pôr-se em causa qual a validade técnico científica de uma resposta com o teor descrito.

 

11. Com efeito, foi junto aos autos um relevante e desenvolvido Relatório de cariz científico de 31 páginas, estudo levado a cabo por uma reconhecida catedrática que, fundamentadamente, conclui em sentido contrário da DGAV, tendo a mesma sido igualmente inquirida por este Tribunal e explicitado o procedimento adoptado para a respectiva feitura e confirmado as conclusões firmadas.

 

12. De afcto, em 8 de Junho de 2022, a Requerente juntou ao PPA um Parecer/Relatório elaborado pela Professora Doutora Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira, professora catedrática da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, do Departamento de Ciências Químicas e do Laboratório de Bromatologia e Hidrologia e, actualmente, directora do Mestrado em Controlo de Qualidade, e respectivas análises laboratoriais realizadas pelo Laboratório D..., referentes aos produtos “Polpa de …”, cuja taxa de IVA foi sindicada pela AT.

 

13. Resultando provado que o Parecer da DGAV foi feito com base em meras fichas técnicas que correspondem aos rótulos dos produtos em causa, dever-se-á, obviamente, questionar o seu valor científico face ao apurado Relatório apresentado feito pela Professora, assente em Boletins de análises clínicas.

14. E nem se pode sequer afirmar, como se afirma, quanto ao depoimento da Professora Doutora Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira que, “O depoimento desta testemunha não foi, na livre apreciação do Tribunal - e sem desprimor para a bondade do parecer emitido - convincente para inverter o teor da comunicação de 18.12.2020 da DGAV à DSIVA, e nem recaiu sobre factos concretos que pudessem influir na decisão. Revelou inconsistências (como seja a de se afirmar que embora a designação do produto no Brasil como polpa seja aceitável já em Portugal a designação deveria ser sumo), tal como o parecer - que procede a uma apreciação dos resultados das análises laboratoriais às “Polpas de (fruto)”, não permitindo as respectivas conclusões infirmar a informação prestada pela DGAV.

 

15. Com efeito, não se compreeende que com base nos aludidos considerandos se possa de todo afastar as conclusões e o mérito do referido Estudo bem como do depoimento da  Professora Doutora Maria Beatriz Prior Pinto Oliveira, assumindo-se vestes de julgador em matéria técnico científica decidindo-se se está ou não em causa um sumo, competências estas que, da nossa parte, assumimos expressa e claramente não possuir.

 

 

Assim sendo, não podemos concordar com o sentido da decisão proposta que opta por decidir questões de cariz técnico científico sem realizar as diligências tidas por necessárias para o efeito, que, sublinhe-se transcendem os conhecimentos dos Senhores Árbitros, sendo que, em nosso entendimento, subsistem dúvidas fundadas sobre a questão essencial que por ora nos ocupa.

Termos em que é nosso entendimento que a decisão, nos termos expostos, peca desde logo por manifesto erro dos factos dados como provados, por violação da lei, designadamente no que respeita à aplicação dos princípios básicos que regem o IVA, nomeadamente o princípio basilar da neutralidade do imposto, e por uma inobservância de princípios e deveres que devem pautar a conduta dos julgadores na busca da justiça, vícios estes cuja conjugação a tornam especialmente problemática, pondo particularmente em causa o prestígio da arbitragem como meio justo de resolução de litígios.

Com efeito, resulta claramente a final do exposto que, neste caso, não se produziu prova consolidada no sentido pretendido pela AT, pelo que, em nosso entendimento, estamos perante uma situação de fundadas dúvidas sobre os fundamentos subjacentes às liquidações impugnadas. Dúvidas estas que a signatária entende que deveriam ter sido dirimidas por forma a, cabalmente, garantir uma decisão justa. Nomeadamente, deveria este Tribunal ter reconhecido a sua falta de conhecimentos técnico científicos quanto à qualificação dos produtos “sumo”, procedendo a diligências suplementares, confrontado a DGAV com o aludido Relatório científico produzido pela Professora catedrática, a fim de poder, adequadamente, fundamentar uma decisão de forma justa e sustentada. Como salientam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, cit., p. 415), “O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (…), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.”

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 100.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, quando não foram utilizados métodos indirectos, “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”

Pelo exposto, justificar-se-ia, no mínimo, a anulação das liquidações de IVA impugnadas, com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

Lisboa, 14 de Dezembro de 2022

 

 

A Árbitra Adjunta

 

 

Clotilde Celorico Palma