DECISÃO ARBITRAL
A árbitra, Susana Mercês, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 31.05.2022, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ...-... Fernão Ferro, (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2019, no valor de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos), bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, que tiveram como objeto o aludido ato tributário.
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O Requerente peticionou, ainda, a título subsidiário, “a anulação da liquidação n.º 2020..., substituindo-se por outra que considere o crédito de Kz. 5.758.084,00 (cinco milhões setecentos e cinquenta e oito mil e oitenta e quatro Kuanzas) pago pelo SP em Angola, no imposto a pagar em sede de IRS dos rendimentos auferidos no ano de 2019”).
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Mais requereu “a restituição (...) do total da quantia paga a título de imposto, custas, juros compensatórios e juros de mora (...), acrescidas de juros indemnizatórios, à taxa legal, até efetivo e integral reembolso (...)”, juntou 15 (quinze) documentos e arrolou uma testemunha.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 23.03.2022 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
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O Requerente não exerceu o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a) e do artigo 11.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
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Em 13.05.2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação da árbitra, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 31.05.2022.
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No dia 06.07.2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual alegou, em sede de questão prévia, e nos termos do artigo 13.º, do RJAT, que procedeu à revogação parcial da decisão prolatada em sede graciosa, no sentido de deferir parcialmente o pedido, no que toca à aceitação do imposto pago em Angola para efeitos de eliminação da dupla tributação e o indeferimento no restante, ou seja, na consideração da residência em Angola no ano em causa (2019) e defendeu-se por impugnação.
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Em 29.07.2022, foi o Requerente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder à junção aos autos do documento que protestou juntar (cópia integral do seu passaporte).
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No dia 12.09.2022, o Requerente veio aos autos juntar a cópia integral do passaporte de que era titular no ano de 2019.
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Em 16.09.2022, foi proferido pelo Tribunal Arbitral o seguinte despacho:
“Por forma a aferir da necessidade da produção de prova testemunhal peticionada, notifique-se:
(i) O Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre a utilidade da inquirição da testemunha arrolada e indicar sobre que factos incidiria a inquirição da mesma;
(ii) O Requerente para, no prazo de 10 (dez) dias, vir juntar aos autos a cópia integral do contrato de trabalho por tempo determinado celebrado com a sociedade de direito Angolano B..., Limitada;
(iii) A Requerida, para, no prazo de 10 (dez) dias, vir juntar aos autos a cópia do processo administrativo, que já havia protestado juntar, o qual deve incluir, além do mais, todas as comunicações e documentos enviados pelo Sujeito Passivo, no âmbito do aludido processo.”
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No dia 30.09.2022, o Requerente apresentou requerimento, no qual prescindiu da inquirição da testemunha por si arrolada e peticionou pela prorrogação do prazo para juntar a cópia integral do aludido contrato de trabalho.
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O Tribunal Arbitral, face ao requerimento que antecede, e mediante despacho proferido em 04.10.2022, prescindiu da realização da reunião, prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT, deferiu a prorrogação do prazo peticionada pelo Requerente por mais 5 (cinco) dias e fixou o prazo simultâneo de 15 (quinze) dias para apresentação de alegações finais.
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Em 08.10.2022, o Requerente veio juntar aos autos a cópia integral do referido contrato de trabalho e requerer que o prazo para alegações fosse contado a partir da junção aos autos do processo administrativo, por considerar que a falta do mesmo o impedia de exercer cabalmente o seu direito de defesa, na medida em que desconhecia o alcance do deferimento parcial do seu pedido em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, quer porque não foi dele notificado, quer porque a liquidação aqui sindicada não foi substituída por outra que tivesse em consideração o imposto pago pelo Requerente em Angola, referente aos rendimentos por este auferidos no ano de 2019.
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Em 12.10.2022, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte despacho:
“Indefere-se a pretensão do Requerente, por se considerar que, atenta a questão decidenda nos presentes autos, estão reunidas as condições necessárias para um exercício cabal do seu direito de defesa, mantendo-se o prazo para alegações.”
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No dia 28.10.2022, a Requerida apresentou as suas alegações finais, nas quais deu por integralmente reproduzido o já alegado em sede de resposta anteriormente apresentada e informou que já havia solicitado o processo administrativo à Direção de Serviços de Relações Internacionais, mas que o mesmo ainda não lhe havia sido remetido.
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O Requerente não apresentou alegações finais.
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A Requerida não juntou aos autos o aludido processo administrativo.
I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES
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Os argumentos trazidos aos autos centram-se na questão da determinação da residência do Sujeito Passivo, ora Requerente, para efeitos de IRS.
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O Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação acima mencionada com os fundamentos que a seguir se sumariam:
“(...) Em janeiro de 2019 o SP assinou um Contrato-Promessa de Trabalho com a sociedade de direito angolano B..., LIMITADA, sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., n.º..., ..., República de Angola, com capital social de KZ. 40.180.000,00, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Luanda sob o número..., NIF ... .
Uma vez que o necessário Visto de Trabalho apenas foi emitido em 14/03/2019 – o Contrato de Trabalho por Tempo Determinado apenas iniciou a produção dos seus efeitos na referida data.
Não obstante, uma vez que já era detentor de um Visto Temporário – o SP iniciou o exercício das suas funções durante o mês de janeiro de 2019.
Aliás, o SP entrou em Angola no dia 19/01/2019.
Sendo certo que apenas recebeu o seu primeiro vencimento em fevereiro de 2019 e os restantes nos meses subsequentes.
Pelo que, em 23/04/2019, efetuou o Registo de Contribuinte Singular na Repartição Fiscal ...– 1.ª Repartição Fiscal da Administração Geral Tributária da República de Angola.
E ficou sujeito à retenção na fonte em sede de Imposto de Rendimento sobre o Trabalho por Conta de Outrem.
Imposto que foi entregue, em 2019, pela sua Entidade Patronal Angolana aos cofres do Estado de Angola, no valor total de Kz. 5.758.084,00.
Ou seja, todos os rendimentos que o SP recebeu em Angola foram sujeitos ao Imposto sobre o Trabalho por Conta de Outrem.
Por puro desconhecimento, quando o SP foi residir para Angola não alterou a sua residência fiscal em Portugal.
Sucede que, no ano de 2020, no momento em que preencheu a sua Declaração de IRS do rendimento auferido durante o ano de 2019 – Modelo 3 – o SP erradamente declarou que era residente no Continente (quadro 8-A do Mod. 3) ao invés de declarar que no ano de 2019 era Não Residente (quadro 8-B do Mod. 3), uma vez que, durante o ano de 2019, encontrava-se a residir em Angola.
Na verdade, o valor de €41.962,71 declarados no anexo J do Modelo 3 não deveria ter sido declarado uma vez que o SP era não residente em Portugal.
Apenas após a liquidação do IRS, já no ano de 2020, é que o SP se apercebe do erro e inicia um conjunto de diligências no sentido de resolver a situação.
Evidencie-se que nesta altura encontrávamo-nos em plena pandemia provocada pela COVID19 e o SP encontrava-se a residir em Angola, sem possibilidade de se deslocar a Portugal para resolver a situação, uma vez que as fronteiras encontravam-se encerradas e não existiam voos.
No dia 23/07/2020 procedeu à alteração de morada de Portugal para Angola junto do Consulado Geral de Portugal em Lunada.
No mesmo dia – 23/07/2020 – através do E-Balcão do site da AT, o SP enviou o comprovativo de alteração de morada no Consulado Geral de Portugal em Angola; 1.º Visto (temporário); 1.º Visto de Trabalho (de 14/3/19 a 14/3/20); 2.º Visto de Trabalho (25/2/20 a 25/2/21); Certificado de Residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal em Luanda; Modelo B – pedido alteração da data de produção de efeitos de alteração de morada; Declaração da Entidade Patronal a certificar o exercício de funções; cópia da 1.ª página do contrato de trabalho e Documento de aceitação de Representante Fiscal.
(...)
Uma vez que em julho de 2020 a marcação de Notário no Consulado estava a demora cerca de 4 meses o SP não teve qualquer possibilidade de certificar os referidos documentos – saliente-se, mais uma vez que estávamos em plena pandemia.
Apenas em Outubro de 2020 consegue deslocar-se a Portugal e agendar um atendimento presencial na 1.ª Repartição de Finanças de Lisboa, onde requer a alteração de residência fiscal para Angola.
Na 1.ª Repartição de Finanças é informado que deveria enviar para a Repartição de Finanças do ... (residência do Representante Fiscal) o comprovativo de alteração de residência fiscal; Procuração a mandatar o Representante Fiscal; Certificado de Residência emitido pelo Consulado de Portugal em Angola; Primeiro Visto (temporário) de Angola; Comprovativo da data do início do Contrato de Trabalho e Pedido de alteração da data de produção de efeitos da alteração de morada, de forma a regularizar e corrigir a liquidação ora sob impugnação.
O SP agiu conforme a informação e remeteu, por email, para a Repartição de Finanças do ... toda a referida documentação.
No dia 28/10/2020 foi informado pelo SF do ... que o pedido de alteração de morada tinha sido remetido para o SF Lisboa ... .
Estranhamente, por Ofício datado de 2021-03-11, no âmbito do procedimento de alteração de morada – pedido de retroatividade, o Representante Fiscal do SP é notificado, pelo SF de ... ..., para apresentar documento comprovativo emitido pela administração fiscal do Estado de Angola, em como foi considerado residente para efeitos fiscais naquele país desde o ano de 2019.
Nesse sentido, solicitou á Administração Fiscal Angolana certidão de impostos sobre o rendimento de trabalho.
No mês de junho de 2021, já na posse da referida certidão, o SP deslocou-se a Lisboa e marcou atendimento presencial no SF Lisboa ... .
Contudo, chegado ao SF Lisboa ... informaram-no que deveria dirigir-se ao SF Lisboa ... porque era a Repartição competente.
Uma vez que não tinha agendada marcação no SF Lisboa ... regressou a Angola sem conseguir esclarecer a sua situação relativamente à morada fiscal. No dia 17/06/2021, através do E-Balcão, enviou a certidão emitida pela Administração Tributária para SF Lisboa ..., explicando toda a situação e questionando se estavam na posse de toda a documentação necessária para efetivação da alteração de morada com efeitos a janeiro de 2019 e a consequente correção da Liquidação do IRS de 2019.
Obteve como resposta que o processo encontrava-se em fase de Recurso Hierárquico e que deveria aguardar.
(...)
Ora, o SP requereu a alteração de morada e provou, com documentação bastante, que foi residente em Angola durante o ano de 2019.
O SP irá protestar, a final, juntar cópia integral do seu Passaporte de forma a provar que se manteve em Angola por períodos superiores a 183 dias, aliás conforme declarado no Anexo J do Modelo 3 do IRS de 2019.
Pelo que sendo não residente em Portugal não deveria ter declarado no Anexo J do Modelo 3 o rendimento auferido durante o ano de 2019 em Angola.
Deveria ter sido considerado que o SP foi residente fiscal em Angola durante o ano de 2019.
Mal andou a AT ao considerar que o SP era residente em Portugal e que estava obrigado a declarar os rendimentos obtidos no estrangeiro no ano de 2019.
Razão pela qual deve ser anulada a Liquidação sob impugnação, com todas as consequências legais.
Mesmo que assim não se entenda, sempre a liquidação do IRS de 2019 deve ser anulada.
Efetivamente, mesmo que se considere que o SP era residente em Portugal e estava sujeito à tributação dos rendimentos obtidos no estrangeiro durante o ano de 2019, essa liquidação deveria ter tido em consideração o imposto pago pelo SP em Angola durante o período de tributação.
Na verdade, conforme amplamente provado com os documentos ora juntos, todos os meses o SP foi sujeito a retenção na fonte dos rendimentos do trabalho dependente que auferiu durante o ano de 2019.
O SP pagou, no período de tributação em causa, Imposto sobre os Rendimentos de Trabalho por Conta de Outrem um total de Kz. 5.758.084,00 (cinco milhões setecentos e cinquenta e oito mil e oitenta e quatro Kuanzas).
O SP não pode ser tributado duplamente sobre o mesmo rendimento.
O imposto pago pelo SP em Angola deverá ser tido em conta a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional no apuramento final do imposto a pagar em sede de IRS, de acordo com as normas legais em vigor, designadamente as estipuladas no artigo 81.º do CIRS.
Ora, a Liquidação ora impugnada não teve em consideração o imposto pago pelo SP durante o ano de 2019 em Angola.
Na verdade, o SP não declarou no anexo J do Modelo 3 as quantias pagas em Angola a título de imposto.
Contudo, a administração tributária, por força do preceituado no artigo 266.º da CRP e 55.º da LGT, a atividade da AT deve respeitar os direitos e os legítimos interesses dos cidadãos – princípio da legalidade – e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.
De igual forma o artigo 58.º da LGT estabelece que a AT deve realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.
O procedimento tributário exige que as partes – AT e SP – atuem com lealdade e sinceridade recíprocas ao longo do procedimento.
Nesse sentido, o n.º 1 do artigo 48.º estatui que a AT esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros atos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem.
O nº 2 do mesmo artigo estabelece que «O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento, esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento e oferecendo os meios de prova a que tenha acesso.»
O SP durante os anos de 2020 e 2021 juntou, através de (i) emails (ii) cartas registadas e (iii) E-Balcão, todos os elementos necessários para que a sua alteração de residência fiscal produzisse efeitos a 1/1/2019 e/ou que a AT reconhecesse o imposto pago pelo SP em Angola durante o ano de 2019.
A violação, por parte da AT, dos deveres procedimentais de colaboração e de atuação segundo as regras da boa-fé constitui vício de violação de lei.
(...)
Estando obrigada, ao abrigo dos princípios orientadores do procedimento tributário de reconhecer que o SP tem direito ao crédito do imposto pago em Angola no apuramento do imposto a pagar a título de IRS dos rendimentos auferidos no ano de 2019.
Nesse sentido, estava a AT obrigada a corrigir oficiosamente ou a esclarecer o SP sobre a necessidade de corrigir o Anexo J do Modelo 3 de forma a declarar o imposto que o SP pagou no estrangeiro relativo ao rendimento declarado. Na verdade, a considerar-se que o SP era residente no ano de 2019 é manifesto o erro ou omissão de apenas ter declarado o rendimento bruto e não ter declarado o imposto pago no estrangeiro.
A liquidação de IRS n.º 2020..., padece assim de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, o que determina a sua invalidade devendo por isso ser anulada.”
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Por sua vez, a posição da AT é, em síntese, a seguinte:
“Apesar de ter entrado em vigor em 22/09/2019, a Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Angola só produz efeitos a partir de 01/01/2020, conforme resulta do n.º 2 do seu artigo 29.º.
Pelo que é diretamente aplicável a legislação interna portuguesa, em concreto, no que ao presente caso respeita, o disposto no artigo 16.º do Código de IRS.
Ora, conforme estabelece esse artigo 16.º do Código de IRS:
1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
Ora, tanto quanto é possível saber, o Requerente permaneceu em Portugal por mais de 183 dias.
Com efeito, e conforme já foi mencionado em sede de reclamação e de recurso hierárquico, o Requerente constava do “Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes”, em 31-12-2019, como residente fiscal em Portugal, tendo a sua residência fiscal sido alterada para Luanda – Angola com produção de efeitos em 09-12-2020, passando apenas nessa data a ser não residente.
De notar que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT) é obrigatória a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz qualquer mudança enquanto não for comunicada.
Por outro lado, e não obstante as tentativas para alterar a morada fiscal para Angola, com efeitos retroativos, não logrou consegui-lo, conforme também foi referido nos procedimentos de reclamação e recurso.
Pelo que não se afigura atendível a pretensão do Requerente quanto à consideração da sua residência em Angola no ano de 2019.
Refira-se ainda que, relativamente ao imposto por si pago em Angola, o Requerente tem direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional nos termos do artigo 81.º do Código do IRS.
De facto, e para esse efeito, o Requerente cumpriu o estipulado nas instruções de preenchimento do anexo J (relativo a rendimentos no estrangeiro) – Os documentos originais comprovativos dos rendimentos e do correspondente imposto pago no estrangeiro, emitidos pela autoridade fiscal do(s) Estado(s) de onde são provenientes os rendimentos, bem como, se for caso disso, o(s) comprovativo(s) da natureza pública daqueles, devem ser conservados para que possam ser disponibilizados à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) sempre que esta os solicite.
O documento apresentado foi emitido pelas autoridades fiscais angolanas, nele constando que, em 2019, o Requerente suportou imposto naquele território no montante de Kz 5.758.084,00/€13.128,40, entregue pela entidade patronal do requerente (B..., LIMITADA), sem, contudo, referir qual o valor do rendimento a que respeita esse imposto.
Todavia, é possível alcançar tal valor através do somatório dos rendimentos constantes nos recibos de vencimento, ascendendo a Kz 28.227.732,00/€64.359,20 (e não aos Kz 22.432.104/€41.962,71 declarados pelo Requerente na Mod. 3).
Assim, os serviços centrais da AT (DS Relações internacionais) entendeu que devem ser aceites os valores de imposto constantes na declaração emitida pelas autoridades fiscais angolanas constantes e o total dos rendimentos inscritos nos recibos de vencimento.
Concluindo, e em face do exposto, a AT conclui pelo deferimento parcial do pedido, no que toca à aceitação do imposto pago em Angola para efeitos de eliminação da dupla Tributação, e o indeferimento no restante, ou seja, na consideração da residência Angolana no ano em causa (2019).”
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SANEAMENTO
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O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
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O processo não enferma de nulidades.
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Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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O Requerente entrou em Angola, no dia 12.01.2019, com Visto Temporário – “Visto Múltiplo Ordinário no: .../PTL/18 PL.../185/2018 B..., LIMITADA” –, com validade de 11.01.2019 até 11.04.2019 (Cf. Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral e Documento junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 12.09.2022, fls. 4, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em 14.01.2019, o Requerente celebrou um Contrato-Promessa de Trabalho com a empresa de direito angolano B..., LIMITADA (doravante “B...”), com sede na Rua ..., n.º ..., ... República de Angola, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Luanda sob o número..., NIF ..., o qual se tornaria definitivo após a emissão do respetivo visto de trabalho (Cf. Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em 14.03.2019, o Requerente obteve o respetivo Visto de trabalho – “.../SME/19 B..., LDA” – (Cf. Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e Documento junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 12.09.2022, fls. 9, cujo teor se dá por reproduzido)
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Em 14.03.2019, o Requerente celebrou o contrato definitivo – Contrato de Trabalho por Tempo Determinado – com a empresa melhor identifica no ponto B., no qual foi, além do mais, estipulado entre as Partes, o seguinte (Cf. Documento junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 08.10.2022, cujo teor se dá por reproduzido):
“Considerando que:
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Foi celebrado entre as Partes, em 14 de Janeiro de 2019, um Contrato-Promessa de Trabalho, o qual se convolaria em definitivo, após emissão do respetiva visto de trabalho;
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O referido visto de trabalho, sob o n.º .../SME/19, foi emitido em 14.03.2019, pelo que apenas nesta data o referido Contrato iniciou a sua produção de efeitos para todos os efeitos legais.
Nestes temos, é celebrado o presente Contrato de Trabalho por Tempo Determinado (o “Contrato”), nos termos e de harmonia (...) e nas cláusulas seguintes:
Primeira
(Termo Certo e Vigência)
1.O presente contrato é celebrado pelo prazo de 6 (Seis) meses e tem início no dia 14 (Catorze) de Março de 2019.
(...)
3. A falta de comunicação referida no número anterior implica a renovação automática do contrato por período igual a 6 (seis) meses.
(...)
Terceira
(Função, Categoria e Mobilidade Funcional)
O TRABALHADOR exercerá funções de Diretor de Produção – F&B (Food and Beverage) do Hotel C... .
(...)
Quarta
(Local de trabalho)
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O local de trabalho do TRABALHADOR será, em regra, no estabelecimento hoteleiro denominado C..., sito na Rua ..., em Luanda e/ou nos locais onde o B... tiver instalações ou esteja a prestar os seus serviços. Fica desde já acordado entre as partes que, dentro dos limites da lei, a B... poderá transferir o TRABALHADOR para qualquer outro local, em Angola, onde exerça atividade.
(...)
Quinta
(Horário de trabalho)
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O regime de horário de trabalho aplicável ao TRABALHADOR é o horário por turnos rotativos, o qual, desde já, aceita, cujo período normal de trabalho será, em regra de 44 (quarenta e quatro) horas semanais distribuídas de 2ª feira a Domingo, com o horário que lhe couber no mapa de turnos rotativo fixado pela B..., sendo o intervalo diário de 30 (trinta) minutos, com 1 (um) dia de descanso semanal obrigatório e meio dia de descanso complementar.
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Sem prejuízo do disposto no número anterior, as Partes reconhecem e aceitam que atenta a natureza ininterrupta da actividade desenvolvida pela B..., in casu, a exploração do empreendimento hoteleiro identificado no n.º 1 Cláusula 2ª supra, poderá a B... determinar que a duração absoluta do trabalho seja de 56 (cinquenta e seis) horas, em qualquer das semanas, a qual deverá ser respeitada em termos médios, por referência a um período máximo de 3 (três) semanas, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 113.º da LGT.
(...)
Sexta
(Retribuição, Prémio de Produtividade e Comparticipação em despesas)
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A B... pagará ao TRABALHADOR a remuneração mensal ilíquida de 916.400,00 AKZ (Novecentos e Dezasseis Mil e Quatrocentos Kwanzas), que correspondem a 2.900.00 USD (Dois Mil, Novecentos Dólares dos Estados Unidos da América), paga por 12 (doze) meses por ano, passível dos descontos legais.
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O montante referido no número anterior inclui a remuneração adicional de 20% (vinte porcento) decorrente da prestação de trabalho por turnos rotativos, ao abrigo do disposto no artigo 114º n.º 1 da LGT.
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Ao valor supra referido, acresce o subsídio de férias e o subsídio de Natal, nos termos previstos no n. 1 do artigo 165 da Lei Geral do Trabalho.
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A Gerência da B... poderá, no final de cada ano civil de actividade, atribuir um prémio de produtividade nos termos que venha a definir, não constituindo tal faculdade, no entanto, um direito adquirido ou complemento de retribuição do TRABALHADOR.
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A B... providenciará habitação e transporte ao TRABALHADOR, nos termos que entenda por convenientes.
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A B... comparticipará ao TRABALHADOR, o pagamento de duas passagens aéreas anuais (ida e volta), em classe económica, a favor do TRABALHADOR, com partida e/ou destino Lisboa-Luanda-Lisboa.
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Fica desde já acordado entre as Partes que, para todos os efeitos legais, as comparticipações referidas nos números 4,5 e 6 não poderão, em caso algum, ser consideradas como retribuição ou complemento de retribuição do TRABALHADOR.
(...)”
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Em 23.04.2019, o Requerente efetuou o Registo de Contribuinte Singular na Repartição Fiscal 04.01 – ... Repartição Fiscal da Administração Geral Tributária da República de Angola (Cf. Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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No decurso do ano fiscal de 2019, designadamente, no período compreendido entre os meses de Fevereiro e Dezembro, o Requerente auferiu rendimentos de trabalho em Angola, pagos pela empresa B..., no montante total de Kz 28.227.732,00 (Cf. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente esteve sujeito a imposto, no ano de 2019, em Angola, pelos rendimentos auferidos (Kz 28.227.732,00), tendo a empresa B... procedido à entrega nos cofres do Estado de Angola das retenções em sede de imposto sobre os rendimentos de trabalho por conta de outrem, que incidiram sobre tais rendimentos, no montante total de Kz 5 758 084,00 (Cf. Documentos n.ºs 6 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente permaneceu em Angola, pelo menos, entre Fevereiro de 2019 e 31.12.2019, período durante o qual auferiu rendimentos de trabalho pagos pela aludida empresa (Cf. Documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente dispôs de alojamento concedido pela empresa B..., pelo menos a partir de 14.03.2019 até 31.12.2019 (Cf. Documento junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 08.10.2022, cláusula sexta, número cinco, cujo teor se dá por reproduzido)
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O Requerente apenas se ausentou de Angola por breves períodos, mais concretamente, entre 23.04.2019 e 10.05.2019 e entre 26.09.2019 e 16.10.2019 (Cf. Documento junto com o requerimento apresentado pelo Requerente em 12.09.2022, fls. 9, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em 31.12.2019, o Requerente constava no “Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes” como residente fiscal em Portugal.
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Em 19.06.2020, o Requerente apresentou a sua Declaração de IRS (Modelo 3), na qual foi inscrito no quadro #8, campo A, a situação de residência fiscal em Portugal e declarou no anexo J da respetiva Declaração o montante que havia auferido no Estrangeiro (Angola), do que resultou uma liquidação de imposto a pagar no valor total de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos) (Cf. Documentos n.ºs 9 e 1 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente, após a emissão da aludida liquidação e, não obstante, tenha procedido ao respetivo pagamento, em 22.02.2022, encetou diversas diligências (tais como, a mudança da sua morada para Angola junto do Consulado Geral de Portugal em Luanda), visando a alteração da sua residência fiscal para Angola, com efeitos retroativos, ou seja, com produção de efeitos, a partir de 2019. (Cf. Documentos n.º s 2, 10, 11 e 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Por ofício n.º ..., datado de 11.03.2021, emitido pelo Serviço de Finanças de ..., com o assunto: “ALTERAÇÃO DE MORADA: PEDIDO DE RETROATIVIDADE COM NOMEAÇÃO E ACEITAÇÃO DE REPRESENTANTE FISCAL”, foi o Requerente notificado para juntar documento comprovativo emitido pela Administração Fiscal do Estado de Angola, em como foi considerado residente para efeitos fiscais naquele país com referência ao ano em questão (2019) e desde que data. (Cf. Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente logrou obter junto da Primeira Repartição fiscal de Luanda, a seguinte certidão (Cf. Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido):
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Em 17.06.2021, o Requerente, através do E-Balcão, fez uma pequena exposição sobre a sua situação, questionou se ainda seria necessária qualquer outra documentação ou elemento adicional para que a sua morada fosse alterada para Angola, com efeitos retroativo, e consequentemente, fosse a aludida liquidação anulada, tendo, ainda, procedido à junção de um documento com o título: “angola finanças.pdf” – (Cf. Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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O Requerente obteve como resposta à comunicação supra que o processo se encontrava em fase de Recurso Hierárquico e que deveria aguardar, sendo que de qualquer omissão seria informado (Cf. Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
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Em datas não concretamente apuradas, o Requerente intentou reclamação graciosa e recurso hierárquico, tendo ambos sido indeferidos pela Administração Tributária (Cf. Documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
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Não ficou provado que:
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A Administração Fiscal tenha, nos termos do artigo 13.º do RJAT, revogado parcialmente a decisão prolatada em sede graciosa, no sentido de deferir parcialmente o pedido, no que toca à aceitação do imposto pago em Angola para efeitos de eliminação da dupla tributação;
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Qual a residência do Requerente nos meses de Janeiro e Fevereiro do ano de 2019;
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A que título foi paga a quantia de €498,64 (quatrocentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), por parte do Requerente, e se a mesma respeita a juros (moratórios ou, eventualmente, compensatórios).
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
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Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegadas pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
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Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
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Atendendo a que a Requerida não juntou aos autos elementos probatórios que efetivamente comprovassem que a decisão prolatada em sede graciosa foi parcialmente revogada, no sentido de deferir parcialmente o pedido, no que toca à aceitação do imposto pago em Angola, considera-se não provado, com relevo para a decisão, o facto supra indicado – III.2. FACTOS NÃO PROVADOS, alínea a) –.
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Considerando que o Requerente não juntou quaisquer meios de prova que atestassem, de forma inequívoca, o local da sua residência nos meses de Janeiro e Fevereiro do ano de 2019 considera-se não provado, com relevo para a decisão, o facto supra indicado – III.2. FACTOS NÃO PROVADOS, alínea b) –.
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Tendo em conta que o Requerente não juntou quaisquer meios de prova que atestassem, de forma inequívoca, que o pagamento por ele efetuado, no valor de €498,64 (quatrocentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos) correspondia a juros (moratórios ou, eventualmente, compensatórios), considera-se não provado, com relevo para a decisão, o facto supra indicado – III.2. FACTOS NÃO PROVADOS, alínea c) –.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
IV1. DA QUESTÃO A DECIDIR
A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as Partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, é atinente à residência fiscal do Requerente, no ano de 2019, havendo que determinar se este deverá, ou não, ser considerado residente em Portugal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 15.º, n.º s 1 e 2 e 16.º, n.º s 1, alínea a), 2 e 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (doravante “CIRS”).
Para o efeito da sobredita análise, importará convocar, unicamente, os normativos constantes do CIRS atinentes à determinação da residência das pessoas singulares em território português, pois, como bem refere a Requerida, a Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Angola só produz efeitos a partir de 01.01.2020 (Cf. n.º 2, do artigo 29.º, da citada Convenção), pelo que não é aplicável ao caso dos autos.
Ora,
Em confronto está o entendimento do Requerente, segundo o qual no ano em referência era residente em Angola, local onde exercia a sua atividade profissional, auferindo rendimentos de trabalho dependente suportados por uma empresa que se localiza igualmente em Angola.
Invoca o Requerente, que o facto de se encontrar registado no sistema informático da AT, como residente fiscal em Portugal, resultou de um mero lapso no preenchimento da Declaração de IRS (Modelo 3), não podendo tal lapso, produzir os efeitos almejados pela AT, quanto à consideração da residência fiscal em Portugal e a consequente tributação desses rendimentos em Portugal. Ademais, o Requerente entende que se encontra documentalmente comprovada a residência fiscal em Angola no ano de 2019, através dos elementos probatórios juntos aos autos, como o contrato de trabalho, o passaporte, a certidão emitida pela primeira repartição fiscal de Luanda, porquanto nunca um erro no preenchimento da Modelo 3 do IRS poderia determinar os efeitos pretendidos pela AT.
A Requerida, por seu turno, defende que a comunicação da alteração da residência fiscal é obrigatória, sob pena de ineficácia, ao abrigo do disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 19.º, da LGT e que, nestes termos, os rendimentos auferidos pelo Requerente em Angola deverão ser inscritos no Anexo J da Declaração de IRS (Modelo 3) e, por conseguinte, declarados e tributados em Portugal, podendo, não obstante, ser objeto da eliminação da dupla tributação através da concessão de um crédito de imposto.
Vejamos.
In casu, estamos perante um sujeito passivo que no ano de 2019, nomeadamente, no período compreendido entre os meses de Fevereiro e Dezembro, obteve rendimentos de trabalho dependente em Angola, ao serviço de uma empresa sediada naquele país (ponto F. do probatório).
Durante, pelo menos, o período de Fevereiro a Dezembro, o Requerente permaneceu naquele país, onde trabalhou para a mesma empresa (ponto H do probatório), a qual por seu turno realizou as correspondentes retenções na fonte dos impostos devidos por aquele (ponto G. do probatório).
Ficou ainda provado que o Requerente dispôs de alojamento, concedido pela referida empresa, pelo menos, a partir de 14.03.2019 a 31.12.2019 (ponto I. do probatório do probatório).
O Requerente apenas se ausentou de Angola por breves períodos, mais concretamente, entre 23.04.2019 e 10.05.2019 e entre 26.09.2019 e 16.10.2019 (ponto J. do probatório do probatório).
Encontra-se demonstrado que o Requerente entregou uma Declaração de IRS (Modelo 3), indicando a sua residência em Portugal (ponto L. do probatório), situação que serviu de fundamento à decisão da AT para a tributação dos rendimentos do trabalho em Portugal.
Por outro lado, não se poderá olvidar que os rendimentos auferidos pelo Requerente no ano de 2019 foram decorrentes da atividade exercida por conta de outrem, exclusivamente, em Angola (ponto F., L. e O. do probatório).
Subsumindo,
De harmonia com o disposto no artigo 16.º, do CIRS, na parte que releva para o caso: “1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.
3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.
(...)”
Por sua vez, e quanto ao âmbito de sujeição a IRS, estabelece o artigo 15.º, do CIRS, o seguinte:
“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos casos de residência parcial previstos nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte, relativamente a cada um dos estatutos de residência.”
Decorre dos citados preceitos normativos que são sujeitos passivos de IRS, por um lado, as pessoas singulares residentes e, por outro lado, as pessoas singulares não residentes.
Sendo que, relativamente aos residentes a tributação pauta-se pelo princípio da universalidade ou do rendimento mundial e quanto aos não residentes a tributação rege-se pelo princípio da territorialidade, ou seja, são tributados apenas pelos rendimentos obtidos em Portugal.
Porquanto, a residência apresenta-se como o elemento de conexão mais importante, sendo com referência a ela que se define a própria extensão de imposto. A lei criou no artigo 16.º do CIRS, critérios específicos para qualificar as pessoas e outras entidades como residentes ou não residentes em território português.
Assim, no caso das pessoas singulares tais critérios reportam-se, no essencial, à permanência em território português por determinado período mínimo de tempo 183 (cento e oitenta e três dias) ou à permanência nesse território por menos tempo, mas acompanhada pela disponibilidade em certa data (31 de Dezembro) de uma habitação própria em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual.
Destarte, temos, pois, que o critério previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 (cento e oitenta e três dias), seguidos ou interpolados num período de 12 (doze) meses no território nacional. Por seu turno, a alínea b), do n.º 1, do artigo 16.º, do CIRS, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território; esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser apreciado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.
Por outro lado, adiante-se, desde já, que tem vindo a ser entendido pela doutrina e pela jurisprudência dos tribunais superiores, que os conceitos de domicílio fiscal e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.
Dispõe o artigo 19.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), que consagra o conceito de domicílio fiscal, para o que aqui releva, o seguinte:
“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.
2 - O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica.
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária.
6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
7 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.
8 - O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia.
(...)
11 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”
Sobre esta questão já se pronunciou de forma extensa e bastante precisa o Tribunal Arbitral, no âmbito do processo n.º 36/2019-T, e cujas considerações entendemos serem aqui aplicáveis mutatis mutandis:
“13. Como salienta Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pp 17 e 18) “são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (art. 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária).
Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”]
A este propósito, afigura-se também pertinente considerar o seguinte posicionamento de Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp 120-121): “(…) o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português.
Tal como analisado por José Calejo Guerra [Cf. José Calejo Guerra – A (não) residência fiscal no Código do IRS e seus requisitos: do conceito legal à distorção administrativa, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6, outubro-dezembro 2014, pp. 16-22], também entendemos que o conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.
Este Autor acrescenta, ainda, que a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.
Na verdade, de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (…). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.”
Os citados entendimentos doutrinais encontram acolhimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos:
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Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS,
assim sumariado (na parte que aqui importa reter):
“(…)
II. Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos.
III. O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação.
(…)
V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”
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Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT,
assim sumariado (na parte que aqui importa reter):
“(…)
III. Saber se alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.
IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.”
Dito isto, importa, desde logo, sublinhar, que a circunstância do Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2019 – o qual constava no “Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes”, em 31.12.2019, como residente em Portugal – não pode servir de suporte a qualquer tributação, nem tampouco substituir-se às regras que definem a residência fiscal.
A “ineficácia” da mudança do domicílio – repare-se que diz “domicílio” e não “residência” – referida no n.º 4, do artigo 19.º, da LGT, não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário.
E, no caso concreto, como resulta da factualidade assente (Cf. Factos provados C., D., F., G., H., I., J.) o Requerente logrou fazer essa mesma prova, designadamente através dos documentos juntos aos autos (tais como, o passaporte, o contrato de trabalho, os recibos de vencimento, o certificado emitido pela terceira região tributária, primeira repartição fiscal de Luanda...), não havendo qualquer norma legal que limite os meios de prova a que os contribuintes podem lançar mão para provar a sua residência ou não residência fiscal, face aos critérios constantes do artigo 16.º, do CIRS (Cf. Decisão do Tribunal Arbitral de 11.10.2022, proferida no âmbito do processo n.º 63/2022-T)
Por sua vez, também não tem qualquer relevância para a determinação da residência fiscal do Requerente, o facto de este ter declarado ser residente em território nacional na Declaração de IRS (Modelo 3) por si apresentada em 2020, e respeitante ao ano de 2019, – o que se tratou de um mero lapso/desconhecimento – pois, apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do CIRS – alíneas a) e b), do seu n.º 1 –, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal, não tendo a mera declaração do sujeito passivo a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, dito de outra forma, um erro declarativo não é suscetível de alterar uma situação factual subjacente que resulte comprovada.
Aqui chegados, em face da factualidade dada como provada, nada há que permita sustentar, por um lado, que o Requerente tenha permanecido em território português mais de 183 (cento e oitenta e três) dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 (doze) meses com início ou fim no ano de 2019 e, por outro lado, que o Requerente não tenha residido em Angola no mesmo período temporal. Por consequência, não se mostra verificado o critério de residência estatuído na al. a), do n.º 1, do artigo 16.º do CIRS, que serviu de fundamento à decisão da Requerida para a tributação dos rendimentos aqui em crise.
Desta feita, o Requerente não pode ser considerado fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2019, o que obsta a que seja tributado relativamente aos rendimentos auferidos, nesse mesmo ano em Angola, não lhe sendo exigido sequer declarar os mesmos na respetiva Modelo 3 de IRS.
Face a todo o exposto, o ato de liquidação de IRS n.º 2020..., respeitante ao ano de 2019 e do qual resultou o imposto a pagar de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos), padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 15.º, n.º s 1 e 2 e 16.º, n.º 1, alínea a), do CIRS; consequentemente, aquele ato de liquidação de IRS é inválido e deve, por isso, ser anulado.
Por fim, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelo Requerente.
V. REEMBOLSO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTO PAGO E JUROS (INDEMNIZATÓRIOS, COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS)
O Requerente pede ainda a condenação da AT no reembolso do montante pago a título de imposto, acrescido de juros moratórios, compensatórios e indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, no valor de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos).
Por sua vez, no nº 5 do artigo 24.º do RJAT refere-se que “é devido o pagamento de juros,
independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios.
Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que refere v.g. o acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:
“Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro” (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13,todos in www.dgsi.pt.).”
Assim, quanto à liquidação em si, não pode este Tribunal olvidar que a AT procedeu da forma que procedeu, porque o Requerente não cumpriu a obrigação de comunicação quanto à alteração do seu domicílio fiscal (artigo 19º, n.º 3 da LGT).
De qualquer forma, é indiscutível que a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa e do recurso hierárquico é imputável à Administração Tributária, que os indeferiu por sua iniciativa.
Esta situação da Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1, do artigo 43.º, da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido, pelo que a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia, deve ser equiparada à ação.
Assim, a partir da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia aqui paga pelo Requerente e que lhe são devidos ao abrigo dos citados artigos.
Por fim, não são devidos juros moratórios ou compensatórios, uma vez que o Requerente não logrou juntar aos autos qualquer elemento probatório que atestasse a existência dos mesmos, desconhecendo o Tribunal Arbitral a que respeita o valor de €498,64 (quatrocentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), pago pelo Requerente, em 22.02.2022 (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
VI. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral, o seguinte:
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Declarar a ilegalidade e anular a liquidação de IRS n.º 2020... (objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral), bem como os atos de indeferimentos da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, que tiveram como objeto o dito ato tributário (objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral), por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 15.º, n.º s 1 e 2 e 16.º, n.º 1, alínea a), do CIRS;
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Condenar a Requerida à restituição da quantia de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos), paga, indevidamente, pelo Requerente, a título de IRS, referente ao ano de 2019;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros moratórios e compensatórios;
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Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre o montante de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos), contados desde a data do indeferimento da reclamação graciosa;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.
VII. VALOR DA CAUSA
Fixa-se ao processo o valor de €9.020,81 (nove mil e vinte euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00 (novecentos e dezoito euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente na percentagem de 5,2% e a cargo da Requerida na percentagem de 94,80%, em razão da proporção do decaimento.
(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.)
Lisboa, 18 de Novembro de 2022
A Árbitra,
Susana Mercês