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SUMÁRIO:
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Não se encontra viciada de falta de fundamentação invalidante a liquidação de IRS que, não obstante a parca informação fornecida na Nota Demonstrativa e a omissão de divulgação, pela AT, das regras padronizadas de liquidação do imposto enquanto "fundamentação de massa", é efetuada com base na declaração de rendimentos apresentada pelo contribuinte, com os factos quantitativos por ele declarados e que aquele evidencia conhecer o respetivo sentido e âmbito, ou seja, o processo cognitivo seguido para se obter o resultado.
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É ilegal por errónea quantificação da matéria coletável a determinação do rendimento líquido das mais-valias (categoria G) resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários obtidas por um sujeito passivo de IRS que beneficia do estatuto de residente não habitual que desconsidera as menos-valias obtidas no Brasil em operações da mesma natureza, violando tal procedimento o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal n.º..., e B..., contribuinte n.º..., ambos residentes na Rua ..., n.º..., ... - ..., Lisboa, (doravante designados por “Requerentes”), vieram, no dia 11-07-2022, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e nos artigos 10.º, 15.º e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” ou “RJAT”) deduzir PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL para apreciação da legalidade da liquidação de IRS n.º 2021..., de 17-09-2021, relativa ao ano fiscal de 2020, com o valor a pagar de €50.659,45, pedido a sua restituição, acrescida de juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, (doravante também identificada por "AT" ou "Requerida")
O pedido de Constituição do Tribunal foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal singular o signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo legal.
Tendo as partes sido informadas da designação do signatário como árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 20 de setembro de 2022.
Em 20 de setembro de 2022 foi proferido o despacho arbitral previsto no artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e nesse mesmo dia notificado à Requerente e à Requerida.
Na sequência da tramitação normal do Processo, a Requerida, em 21 de outubro de 2022 juntou aos autos o processo administrativo (PA) e apresentou Resposta propugnando a manutenção do ato tributário e a consequente improcedência do pedido de pronúncia arbitral, exclusivamente por impugnação, não tendo, consequentemente, levantado quaisquer exceções.
Em 24 de outubro de 2022 foi proferido despacho arbitral a dispensar da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e, bem assim, as alegações, designando-se, ainda, o dia 2 de dezembro de 2022 como data-limite para a prolação da decisão arbitral.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, face ao preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas, tudo em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do mesmo diploma e ainda no artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades
Nada obsta, pois, ao conhecimento de mérito.
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PEDIDO
A Requerente requer ao Tribunal Arbitral a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ano fiscal de 2020, com IRS n.º 2021..., de 17-09-2021, relativa ao ano fiscal de 2020, com o valor total a pagar de €50.659,45, com fundamento em vício de violação de lei por falta de fundamentação e, ainda, por errónea quantificação da matéria coletável e pede a anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa que oportunamente deduziu. Pede, por último, direito a juros indemnizatórios.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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Os Requerentes estão inscritos no cadastro de contribuintes com a qualidade de "residentes não habituais", remontando essa inscrição a 2018;
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Em 29-06-2021 os Requerentes procederam à entrega da Mod. 3 de IRS, tendo identificado no anexo J rendimentos de trabalho dependente (categoria A), capitais e incrementos patrimoniais (alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários) - declaração nº ...-2020-...-..., tendo dado origem à liquidação nº 2021 ... no valor de € 83.131,78;
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Em 30-08-2021 procederam à entrega de uma declaração de substituição – nº ...-2020-... -..., da qual resultou a liquidação nº 2021 ... no montante de € 50.659,45, tendo gerado um reembolso no valor de € 32.472,33;
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O imposto liquidado corresponde ao cômputo do saldo das mais e menos valias realizadas, fora do território português, pelos Requerentes, concretamente:
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€ 1.275,30, referente à tributação de mais-valias realizadas com o resgate de unidades de participação de fundos de investimento registados nas British Virgin Isalnds, sujeito a tributação à taxa especial de 35%; e
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€ 49.384,16, referente à tributação do saldo das mais-valias realizadas com ativos financeiros com origem em países não sujeitos a uma tributação privilegiada, à taxa de 28%.
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O imposto foi pago em 3-09-2021, data do pagamento do imposto liquidado na primeira liquidação efetuada aos ora Requerentes relativamente ao ano de 2020.
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Em 27-12-2021, os Requerentes deduziram junto da AT uma reclamação graciosa sobre a liquidação de IRS n.º 2021 ..., relativa ao ano 2020 no montante de € 50.659,45 tendo por objeto a ilegalidade da desconsideração, no apuramento do rendimento líquido da categoria G, das perdas decorrentes de ativos mobiliários alienados em 2020 no Brasil.
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A reclamação graciosa foi objeto de indeferimento expresso.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não tenham sido provados.
Os factos foram dados como provados com base na prova documental apresentada pelos Requerentes e também pelo PA apresentado pela Requerida.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
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MATÉRIA DE DIREITO
A questão que é objeto do presente processo é a de saber se, tendo os Requerentes o estatuto fiscal de Residentes Não Habituais (RNH), as menos-valias resultantes da alienação onerosa de ativos mobiliários no Brasil e tendo aqueles optado pela isenção ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, podem ou não ser deduzidas às mais-valias obtidas na alienação de ativos mobiliários noutros Estados, independentemente de integrarem ou não a União Europeia ou o Espaço Económico Europeu.
A Requerida invoca como fundamentos para impugnar o ato: (i) a falta de fundamentação; (ii) a errónea quantificação da matéria coletável.
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Posição das Partes
Os Requerentes defendem, em suma que:
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Por discordarem da liquidação de imposto efetuada pela Autoridade Tributária, apresentarem, em 27.12.2021, a competente reclamação graciosa, onde requereram a anulação parcial da liquidação de IRS, com base em vício de violação de lei.
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Nesse âmbito, foram notificados do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa junto como documento n.º 4, nos termos do qual a Autoridade Tributária confirmou a liquidação sub judice, nos seguintes moldes:
“Compulsada a declaração de rendimentos do ora reclamante verifica-se que o imposto a pagar resulta da tributação exclusivamente dos rendimentos da Categoria “G” – Mais Valias Mobiliárias. A alienação de valores mobiliários provenientes do Brasil está isenta de tributação nos termos do nº 5 alínea a) do artº 81º do CIRS e nº 4 do artº 13º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil, uma vez que os ora requerentes são residentes não habituais e optaram pelo método de isenção no Anexo “L”. Por sua vez, as alienações de valores mobiliários provenientes das Ilhas Virgens Britânicas (Código 92) estão sujeitas a tributação à taxa de 35% nos temos da alínea b) do nº 16 do artº 72. , uma vez que o saldo positivo entre as mais e as menos valias resultantes das operações previstas nos nºs 4) e 5) da alínea b) do nº 1 do artº 10º do CIRS, quando respeitem a valores mobiliários cujo emitente seja entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em pais, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria (…), o que é o caso”.
“Assim, temos: mais valia da Irlanda no montante de € 8 347,31, adicionado de mais valia do Luxemburgo no montante de € 70 414,62, adicionado de mais valia dos Estados Unidos da América no montante de € 9 424,24 alcança-se o montante de € 88 186,17*28%= € 24 692,08*2 do nº 1 do artº 72 do CIRS. Se adicionarmos a mais valia das Ilhas Virgens Britânicas no montante de € 1 821,86 e multiplicarmos pela taxa de 35%= 637,65*2 sujeitos passivos = € 1 275,30, cfr alínea b) do nº 16 do artº 72º do CIRS.
Somando os € 49 384,15 + € 1 275,30 = € 50 659,45. (imposto a pagar).
No que concerne às alegações do reclamante tem-se que se queria que lhe fossem consideradas as perdas provenientes dos ativos no Brasil, não podia optar pelo método de isenção.”
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A fundamentação supra foi a que suportou a decisão final de indeferimento integral da reclamação graciosa.
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Face ao indeferimento da reclamação graciosa proferido pela Autoridade Tributária, não subsistem dúvidas que o montante de imposto liquidado respeita exclusivamente ao cômputo do saldo das mais e menos-valias realizadas pelos ora Requerentes, mais concretamente:
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€ 1.275,30, referente à tributação de mais-valias realizadas com o resgate de unidades de participação de fundos de investimento registados nas British Virgin Isalnds, sujeito a tributação à taxa especial de 35%; e
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€ 49.384,16, referente à tributação do saldo das mais-valias realizadas com ativos financeiros com origem em países não sujeitos a uma tributação privilegiada, à taxa de 28%.
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Ora, como se detalhará adiante, o erro de que padece a liquidação ora impugnada consiste na liquidação do valor referido em (b.) – € 49.384,16 – que resulta de um manifesto erro da Autoridade Tributária.
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Com efeito, não contestam o imposto relativo ao resgate de unidades de participação de fundos de investimento registados nas British Virgin Isalnds referido em (a.) acima – € 1.275,30.
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Nos termos do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), “os actos administrativos [leia-se, também tributários] estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
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Em concretização daquele princípio, o n.º 1 do artigo 77.º da LGT estabelece que “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
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Como referem os autores DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, “a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (cfr. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Vislis, 4.ª edição, Encontro da Escrita, pág. 675).
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Conforme é explanado pelo STA, a fundamentação visa informar o contribuinte do “itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro” (cfr., entre outros, acórdão do STA de 06.10.2010, no processo n.º 0667/10).
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Salienta ainda o STA que a fundamentação deve possibilitar ao contribuinte “uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa” (cfr. acórdão do STA de 15.04.2009, no processo n.º 065/09).
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No mesmo sentido, o acórdão proferido pelo TCA Sul, de 24.03.2022 no âmbito do processo n.º 120/12.9BEBJA, determinou que “I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa”.
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Em face do exposto, é inequívoco o vício de falta de fundamentação de que enferma a liquidação ora impugnada, porquanto em momento algum lhes foi possível tomar conhecimento do apuramento do IRS alegadamente devido.
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Ainda a respeito do dever de fundamentação dos atos, referem DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA que “[a] fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão (…).” (cfr. ob. cit., pág. 676, com negrito nosso).
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Mais adiantando que “[s]e a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (…) Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixam perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu (…) A fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão (…) parece-nos que o alcance desta exigência [o da fundamentação ser acessível] é o de que o conteúdo da fundamentação seja facilmente perceptível pelo destinatário” (cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., págs. 676 e 677, com negritos e sublinhado nossos).[1]
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Ora, no presente caso, apenas tomaram conhecimento da fundamentação do ato de liquidação em sede do projeto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, sem que – mesmo nessa sede – tenha sido apresentado uma base legal atendível.
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De facto, o único esclarecimento apresentado pela Autoridade Tributária cinge-se a uma frase do projeto de indeferimento da reclamação graciosa:
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“No que concerne às alegações do reclamante tem-se que se queria que lhe fossem consideradas as perdas provenientes dos ativos no Brasil, não podia optar pelo método de isenção.”
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Tão manifesta é a falta de base legal que justifique tal posição, que a Autoridade Tributária se limita a uma afirmação, desprovida da indicação de qualquer norma do Código do IRS que permita esta conclusão.
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Neste contexto, fica por esclarecer qual o fundamento legal em que a AT se baseia para desconsiderar as menos-valias (perdas) decorrentes de ativos com origem no Brasil, aquando do cômputo das mais e menos-valias mobiliárias! Fica igualmente por compreender qual a base legal que faria depender a consideração das menos-valias mobiliárias brasileiras de uma eventual opção pelo crédito de imposto e englobamento destes rendimentos.
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Como se intui, e adiante se demonstra inequivocamente, a falta de fundamentação resulta, pura e simplesmente, da total ausência de base legal.
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Face ao exposto, e atendendo a que o vício de falta de fundamentação consubstancia um vício autónomo dos vícios meramente formais (cfr. artigo 99.º, alínea c) do CPPT), o mesmo determina a ilegalidade do ato tributário de liquidação ora sindicado e a consequente anulação do mesmo.
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Código
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País
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Realização
(€)
|
Aquisição
(€)
|
Despesas
(€)
|
Saldo
Artigo 72.º/1c) CIRS
|
Saldo
Artigo 72.º/17b) CIRS
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76
|
Brasil
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245 551,50
|
249 773,63
|
1 053,83
|
-5 275,96
|
|
|
92
|
BVI
|
41 830,03
|
40 489,11
|
448,73
|
|
892,19
|
|
92
|
BVI
|
62 339,16
|
61 253,64
|
155,85
|
|
929,67
|
|
840
|
EUA
|
25 882,82
|
25 843,47
|
255,43
|
-216,08
|
|
|
840
|
EUA
|
161 435,15
|
161 434,13
|
1 452,91
|
-1 451,89
|
|
|
840
|
EUA
|
314 276,81
|
313.932,67
|
2 826,94
|
- 2.482,80
|
|
|
840
|
EUA
|
46 442,40
|
36 665,06
|
350,76
|
9 426,58
|
|
|
840
|
EUA
|
19 535,30
|
15 240,15
|
146,72
|
4 148,43
|
|
|
372
|
Irlanda
|
93 768,03
|
90 096,17
|
-00
|
3 671,86
|
|
|
442
|
Luxemburgo
|
38 475,00
|
37 118,93
|
-00
|
1 356,07
|
|
|
76
|
Brasil
|
193 019,09
|
289 883,92
|
-00
|
-96 864,83
|
|
|
372
|
Irlanda
|
154 784,64
|
151 568,01
|
682,06
|
2 534,57
|
|
|
442
|
Luxemburgo
|
367 493,43
|
305 653,51
|
1 375,44
|
60 464,48
|
|
|
442
|
Luxemburgo
|
334 700,59
|
345 266,67
|
1 553,71
|
-12 119,79
|
|
|
442
|
Luxemburgo
|
347 392,20
|
325 214,87
|
1 463,47
|
20 713,86
|
|
|
372
|
Irlanda
|
43 291,24
|
40 967,01
|
183,53
|
2 140,70
|
|
|
TOTAL
|
2 490 217,39
|
2 490 400,95
|
11 949,38
|
88 185,99
|
1 821,86
|
|
Imposto 28%
|
24 692,08
|
|
Imposto 35%
|
|
637,65
|
Total por Anexo J
|
€ 25 329,73
|
Total de mais-valias dos Requerentes (consolidando Anexos J)
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€ 50 659,46
|
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Invocam erro manifesto no do cômputo do saldo das mais e menos-valias mobiliárias, pois, conforme resulta do projeto de indeferimento da reclamação graciosa apresentado, defende a AT que “Assim, temos; mais valia da Irlanda no montante de € 8 347,31, adicionado de mais valia do Luxemburgo no montante de € 70 414,62, adicionado de mais valia dos Estados Unidos da América no montante de € 9 424,24 alcança-se o montante de € 88 186,17*28%= € 24 692,08*2 do nº 1 do artº 72 do CIRS. Se adicionarmos a mais valia das Ilhas Virgens Britânicas no montante de € 1 821,86 e multiplicarmos pela taxa de 35%= 637,65*2 sujeitos passivos = € 1 275,30, cfr alínea b) do nº 16 do artº 72º do CIRS. Somando os € 49 384,15 + € 1 275,30 = € 50 659,45. (imposto a pagar).”
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Assim, tomando como ponto de partida a informação contida nos dois Anexos J submetidos juntamente com a declaração de rendimentos dos ora Requerentes, o entendimento proposto pela Autoridade Tributária pressupõe a desconsideração das operações sobre ativos financeiros brasileiros, nos seguintes moldes:
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Assim, o que decorre do cálculo acima detalhado é que a AT decidiu, arbitrariamente e sem qualquer base legal que o sustente, desconsiderar as perdas decorrentes de ativos com origem no Brasil no montante global de – 102 140,79.
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De outro modo, caso sejam relevadas as perdas realizadas com ativos de origem Brasileira, o saldo das mais e menos-valias mobiliárias (expurgadas do resgate de unidades de participação em fundos de investimento com origem nas British Virgin Islands) seria sempre negativo, i.e. uma menos-valia/perda que não originaria a liquidação de qualquer imposto em Portugal.
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Como decorre da análise do quadro acima, se a AT tivesse considerado devidamente as perdas apuradas pelos Requerentes, haveria imposto a pagar apenas no montante de € 1.275,30, respeitante ao imposto associado ao resgate de unidades de participação em fundos de investimento com origem nas British Virgin Islands.
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Refira-se, a este propósito, que os residentes não habituais se encontram sujeitos a tributação em moldes comparáveis aos demais sujeitos passivos de IRS residentes em Portugal.
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A particularidade associada à aplicação deste regime cinge-se à aplicação de uma isenção de imposto, como método para evitar a dupla tributação internacional, como resulta do disposto no artigo 81.º do CIRS.
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Refira-se que o artigo 81.º do CIRS consiste numa das várias deduções à coleta de IRS elencadas no n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, as quais – como resulta da sistemática própria do Código, do procedimento de liquidação do imposto e, bem assim, da formulação ipsis verbis da norma em causa – são posteriores ao apuramento da matéria coletável (e da eventual coleta de imposto).
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Tal constatação é suficiente para inviabilizar o entendimento proposto pela Autoridade Tributária, na medida em que – com manifesto erro – pretende “antecipar” a aplicação do método de eliminação da dupla tributação, convertendo a dedução à coleta numa verdadeira exclusão de incidência fiscal.
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Ora, o facto de a isenção de imposto resultar de uma dedução à coleta, sistematicamente enquadrada nas normas subsequentes ao apuramento (i) da matéria coletável e (ii) da coleta de IRS, evidencia que o legislador fiscal determinou uma exclusão de tributação de rendimentos ao abrigo do regime dos residentes não habituais.
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Por outro lado, o artigo 42.º do CIRS é claro e taxativo, quando determina que “sem prejuízo do disposto relativamente às mais-valias, não são feitas quaisquer deduções aos restantes rendimentos qualificados como incrementos patrimoniais” (sublinhado nosso).
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Atento o disposto no artigo 43.º do CIRS, não existe qualquer norma que justifique o apuramento proposto pela Autoridade Tributária, nem em momento algum se prevê que o saldo das mais e menos-valias mobiliárias considere apenas as operações sujeitas e não isentas – como pretende a Autoridade Tributária.
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Motivo pelo qual a liquidação de IRS ora impugnada é manifestamente ilegal, porquanto não existe qualquer fundamento legal que permita à Autoridade Tributária expurgar as menos-valias brasileiras do cálculo do saldo das mais-valias a que alude o n.º 1 do artigo 43.º do CIRS.
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A Autoridade Tributária também evidencia um vício de raciocínio quando refere que “No que concerne às alegações do reclamante tem-se que se queria que lhe fossem consideradas as perdas provenientes dos ativos no Brasil, não podia optar pelo método de isenção.”
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Com efeito, o n.º 8 do artigo 81.º do CIRS consagra o direito dos residentes não habituais optarem pelo método do crédito de imposto, estabelecendo como consequência o englobamento dos rendimentos em causa – esta é uma norma que estabelece uma opção entre métodos para eliminação da dupla tributação.
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Do exposto resulta, pois, que a interpretação proposta pela Autoridade Tributária não tem qualquer fundamento legal, nem a mínima correspondência com a letra da lei.
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Neste mesmo sentido veja-se a decisão do CAAD proferida no âmbito do processo n.º 247/2021-T:
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“Entende a AT que as menos valias com origem no Brasil não relevam para o apuramento da matéria coletável dos rendimentos em análise. Contudo, esta interpretação não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei, que nada refere quanto a esta suposta limitação.
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A única restrição à origem das menos valias está no n.º 5 do artigo 43º do CIRS, que dispõe o seguinte:
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“5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.”
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Esta norma indica expressamente que não revelam, em primeiro lugar, apenas as menos valias que, em segundo lugar, tenham origem num território com um regime fiscal considerado claramente mais favorável. Excluída esta restrição, para os residentes todas as restantes menos valias obtidas noutros territórios são consideradas para o apuramento do saldo negativo ou positivo das operações previstas no art. 10º, n.º1, al. e) do CIRS. O CIRS não faz qualquer outra restrição. Uma vez que o Brasil não consta da Portaria n.º 150/2004 de 13 de Fevereiro (lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis), a não consideração da menos valia aí obtida, à luz das normas internas, não tem respaldo legal. (…)
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Em conclusão, na determinação do rendimento coletável decorrente de rendimentos enquadrados no art. 10º, n.º1, al. e) do CIRS, a desconsideração da menos valia com origem no Brasil contraria o disposto no art. 43º, n.º1 do CIRS, ilegalidade que aqui se reconhece”.
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Ao expendido acima, acresce outro fundamento que reforça a inadmissibilidade do entendimento proposto pela AT.
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De facto, o regime dos residentes não habituais cria um conjunto de incentivos fiscais, em parte concretizados no conjunto de isenções previstas no artigo 81.º do CIRS.
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Nesse sentido, não será concebível que a aplicação do regime dos residentes não habituais possa colocar os Requerentes numa posição de desvantagem face à aplicação das regras gerais de IRS.
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Ou seja, se o regime dos residentes não habituais é, notoriamente, um regime de beneficiação, estar-se-ia a desconsiderar a ratio do regime (sem prejuízo do respeito pela lei) se um residente não habitual, quando comparado com um residente sujeito ao regime geral, pudesse sair penalizado por ter optado pelo regime especial.
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Ora, é precisamente isso que a Autoridade Tributária logrou concretizar, por adotar um procedimento (bastante) mais restritivo do que aquele que seria aplicável a um sujeito passivo abrangido pelo regime geral que, não beneficiando das isenções previstas no artigo 81.º CIRS, teria a possibilidade de beneficiar da consideração da totalidade das suas operações mobiliárias (incluindo as referentes a ativos brasileiros) no apuramento do saldo.
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Tal constatação demonstra claramente como a posição da Autoridade Tributária é tão desprovida de fundamento legal, como de coerência técnica face à sistemática do Código do IRS e à ratio legis subjacente ao regime do residente não habitual.
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Ou seja, apesar de beneficiarem do regime do residente não habitual e de estarem a investir numa jurisdição como o Brasil (que não consta da lista de paraísos fiscais), a Autoridade Tributária adotou uma interpretação que os sujeita a uma fiscalidade mais gravosa do que a que seria aplicável na ausência de qualquer benefício fiscal.
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Dito de outra forma, a Autoridade Tributária entende que, por estarem sujeito a um regime especial (do residente não habitual), e por terem investimentos no Brasil, ficarão numa situação fiscalmente mais desfavorável do que aquela em que estaria um residente sujeito ao regime geral.
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Assim, não resta qualquer dúvida de que a perda realizada pelas transações com ativos de fonte brasileira é relevante para efeitos fiscais e terá necessariamente de ser considerada para o apuramento de saldo das mais-valias e menos-valias tributáveis do período de tributação em questão.
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Nesse sentido, por determinar o apuramento de uma menos-valia fiscal, a consideração das suprarreferidas perdas implica a anulação parcial da liquidação ora sindicada no montante de € 49 384,16.
Por seu turno, a Requerida defende, em síntese, o seguinte
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Relativamente à falta de fundamentação do ato recorda que a jurisprudência dos Tribunais superiores que prevê que a exigência legal e constitucional de fundamentação do ato tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.
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Sendo que, no que concerne aos atos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação, estes atos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
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Para além disso o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
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Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato.
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A isto acresce que, ao longo de todo o processo gracioso e até mesmo no PPA, resulta que os Requerentes perceberam as razões de facto e de direito que levaram à liquidação aqui posta em causa.
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Ainda sobre a preterição da fundamentação, em sede da decisão da reclamação graciosa, impugnada nos presentes autos, importa refletir sobre o entendimento defendido no Acórdão do TCAS nº 01788/07, de 19-06-2007:
“V)- A fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, por isso se impondo a adopção de um critério prático consistente na questão de saber se um destinatário normal, face ao "itinerário cognoscitivo e valorativo" constante do acto em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, o que aliás se coaduna com o princípio geral que se pode até extrair, nomeadamente, do disposto no artigo 236°, do Código Civil”.
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Desde já, é possível segmentar duas premissas associadas ao instituto em causa: que a fundamentação não é um conceito absoluto; e que, em virtude dessa natureza, falamos de uma noção ajustável em função das circunstâncias que medeiam o ato em causa, desde que este seja apreensível perante um destinatário normal (já referido anteriormente- bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil).
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No mesmo sentido, ou seja, em abono da afinidade entre a natureza relativa da fundamentação, e as circunstâncias particulares do ato administrativo a justificar, norteia o Acórdão do CAAD nº 150/2018-T, de 11/6/2018:
“Na verdade, a fundamentação envolve também uma aferição pela sua eficácia, ou seja, pela “impressão do destinatário” – não no sentido de ela dispensar a verificação dos requisitos objectivos da sua verificação (até porque, lembremos, não é somente da protecção dos interesses do destinatário, da “função garantística” da fundamentação, que se trata, estando também em jogo a própria transparência e correcção objectiva do processo decisório, a “função endógena” da fundamentação), nem no sentido psicologista de se remeter a uma indagação dos estados subjectivos de convicção do destinatário (o que seria impossível), mas sim no sentido de essa fundamentação ter a respectiva clareza avaliada pelo padrão do declaratário médio ou do declaratário concreto se este dispuser de mais informação do que o declaratário médio – como resulta do princípio geral consagrado no art. 236º, 1 e 2, do Código Civil.”
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Justamente, o mesmo aresto é elucidativo, ao concluir que o escopo da fundamentação, é, tanto mais satisfeito, quanto maior for a perceção revelada pelo destinatário, dos elementos que compõe o ato em causa:
“Mas, de acordo com o princípio geral da relevância do conhecimento, pelo declaratário, da vontade real do declarante, como estabelecido no nº 2 do art. 236º do Código Civil, não pode ser juridicamente indiferente, para a aferição da suficiência da fundamentação, a conduta do declaratário que seja reveladora da compreensão concreta, real, contextual, daquilo que foi transmitido juntamente com a decisão.”
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Continua, o mesmo Acórdão: “É da “impressão do destinatário”, para pedirmos emprestada a categoria civilística, que se trata neste critério de ponderação quanto ao preenchimento dos requisitos da fundamentação, ao menos na sua teleologia “garantística”; e isso fica perfeitamente plasmado na fórmula canónica da jurisprudência dos tribunais superiores: “Segundo a jurisprudência uniforme deste STA, e atendendo à funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, ao fim instrumental que o mesmo prossegue, um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação” (o Acórdão arbitral remete para o entendimento formulado no Acórdão do STA de 2 de Dezembro de 2010, Processo n.º 0554/10).
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Descendo ao caso vertido nos autos, como poderiam os requerentes, para além da dúvida metódica, sem conhecer a fundamentação que expressamente enunciou, sem conhecer perfeitamente os factos e o direito fundamentadores da decisão impugnada nos presentes autos, chegar tão agilmente, tão seguramente, à conclusão de que a liquidação em crise, não teria contabilizada as menos-valias originadas no Brasil, por via do método de isenção disposto no artigo 81º, nº 5 do CIRS?
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Se não bastasse, acerca da ausência, no entendimento do autor, de menção aos preceitos legais, que teriam presidido aos motivos do indeferimento do procedimento impugnado nos presentes autos, citamos o Acórdão do CAAD nº 421/2020-T, de 2022-01-24:
“Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que: “Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.”, e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.”.
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Neste contexto, não é despiciendo indagar, junto do contribuinte, a eventual miríade de dispostos normativos que poderão enquadrar o método de isenção em crise.
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Quando o projeto de decisão da reclamação graciosa, discorreu sobre a delimitação de todos os rendimentos auferidos no estrangeiro, cujas conclusões foram, inclusivamente, transcritas pelos requerentes, na respetiva petição inicial (pontos 8º e 9º).
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E esclareceu ainda que as menos-valias provindas do Brasil, não poderiam concorrer para a previsão do artigo 81º, nº 5 do CIRS.
Do mérito
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Antes de mais, importa centrar a discussão no cerne do dissenso em apreço.
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Com efeito, é mister salientar que não é controvertida a circunstância do saldo respeitante à alienação de valores mobiliários, oriundos do Brasil, encontrar-se abrangido pelo método de isenção.
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A partir desta premissa, os requerentes advogam que, à luz dos princípios genéricos, consagrados nas normas dos artigos 42º e 43º do CIRS, não haveria qualquer fundamento, tendente à rejeição do saldo negativo apurado, relativamente às menos valias apuradas, às quais foi aplicado o método de isenção.
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Ora, o método de isenção enquadra-se na eliminação da dupla tributação internacional do regime especial dos residentes não habituais.
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Versa sobre a especificidade respeitante ao tratamento fiscal, dispensado aos rendimentos auferidos no estrangeiro, por sujeitos passivos compreendidos neste regime.
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Justamente, o método de isenção dispõe uma peculiaridade normativa que, naturalmente, afasta o regime regra (crédito de imposto), quando confrontado, precisamente, com as particularidades injuntivas do regime dos residentes não habituais.
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Relembre-se que o regime dos residentes não habituais é um regime especial de tributação.
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Ora, o método de isenção, dentro de todas estas especificidades, funcionaliza a não tributação de rendimentos, que em princípio Portugal teria o poder de tributar, quer face às regras do direito interno, quer face às regras constantes das Convenções internacionais celebradas.
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Sugerem os requerentes que, não obstante a aplicação do método de isenção aos rendimentos em crise, os mesmos montantes deveriam concorrer para o saldo entre as mais e menos valias apuradas.
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Ora, isso levaria, na prática, na aplicação do regime regra de contabilização das mais-valias quando se apurassem perdas.
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E na aplicação do regime excecional quando se apurassem ganhos.
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Para além disso, o aludido entendimento ditaria que, além da renúncia ao poder de tributar, Portugal também ficaria privado de uma parte da tributação dos ganhos que não beneficiam do regime de isenção para eliminação da dupla tributação internacional, e sobre os quais não abdicou do seu poder de tributar.
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Tese, que, naturalmente, não poderá ser subscrita.
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Logo o afastamento dos montantes abrangidos pelo método de isenção, ao saldo total das mais e menos valias, decorre do regime de exclusão dos rendimentos como método de eliminação da dupla tributação internacional. A partir do momento em que são isentos de tributação em Portugal, os mesmos deixam de ser considerados para determinação do apuramento de qualquer saldo a tributar, ou de qualquer perda a deduzir ou reportar.
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Diga-se, ainda, que o confronto efetuado pelo impetrante, no que concerne à subsunção de um regime menos favorável aos residentes não habituais, quando cotejados à luz do preceituado para os demais residentes, traduz um argumento evidentemente desajustado das duas figuras.
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Desde logo, conforme já previamente elucidado, o regime dos RNH perfila-se como um alinhamento jurídico excecional, consagrado legalmente, relativamente ao tratamento fiscal dispensado aos residentes em território português.
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Depois, e em virtude dessa especialidade, os RNH gozam da possibilidade de beneficiarem do método de isenção, que pontifica no preceituado no artigo 81º, nº 5 e 7 do CIRS.
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Diga-se que esta particularidade normativa, não é disponibilizada aos residentes em território português.
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Ou seja, as duas situações não são, manifestamente, comparáveis.
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Do mesmo modo, é mister realçar o equívoco resultante da exegese proposta pelos requerentes.
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Com efeito, os requerentes advogam que o método de isenção peticionado, enquadrar-se-ia sistematicamente nas denominadas deduções à coleta, por via do disposto no artigo 81º e 78º, nº 1, do CIRS.
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Uma asserção que prejudicaria, na perspetiva do contribuinte, a interpretação da administração fiscal, porquanto, nas respetivas palavras “pretende “antecipar” a aplicação do método de eliminação da dupla tributação, convertendo a dedução à coleta numa verdadeira exclusão de incidência fiscal.”
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Ora, efetivamente o método de eliminação da dupla tributação internacional por crédito de imposto, que é o regime regra de eliminação da dupla tributação jurídica internacional, é uma dedução à coleta, visto que é à coleta que se abate a importância que for apurada nos termos do nº 1 do artigo 81º do CIRS.
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Atente-se que por este método, ao contrário do método de isenção, o titular do rendimento apenas obtém uma atenuação da dupla tributação e não uma verdadeira eliminação, nomeadamente porque a dedução pode não corresponder ao imposto efetivamente suportado no outro país. Basta que a fração da coleta do IRS correspondente a esses rendimentos, calculada nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 81 do CIRS, seja inferior ao imposto efetivamente suportado, ou o limite quantitativo da coleta apurada já não comporte aquela dedução.
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No caso da eliminação pelo método de isenção não é abatido ou deduzido qualquer valor à coleta, ao invés o rendimento é isento de tributação, sendo por essa via que se elimina a dupla tributação jurídica internacional, que de outro modo se verificaria.
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Podendo-se concluir que a isenção dos rendimentos suscetíveis de enquadramento na norma do artigo 81º, do CIRS, determina, ao invés, o apuramento de um valor de imposto nulo, sem a dedução de qualquer importância à coleta.
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Relativamente à diferença entre as duas figuras, melhor escreve ALBERTO XAVIER (Direito Tributário Internacional, 2014, Almedina, pgs. 743 e 744):
“No método de imputação (tax credit), o rendimento de fonte estrangeira não é isento, de tal modo que o Estado da residência, tributa o rendimento global do contribuinte, seja qual for a sua origem. Todavia, do montante do imposto assim apurado, deduz (credita) o imposto pago no país da fonte, desde que o imposto seja de natureza equivalente ao imposto pago no país de residência. O sistema de isenção considera o rendimento; o sistema de imputação, o imposto sobre o rendimento.”
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Sendo assim, entendemos ser seguro asseverar que os dois métodos de eliminação da dupla tributação sobreditos, para além de assentarem em pressupostos diversos não são confundíveis.
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Ou seja, configuram duas alternativas jurídicas que, feita a correspondente opção, implica a prossecução inteira de cada um dos respetivos ditames.
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Através de dedução à coleta, por via do crédito de imposto. Ou por via da isenção dos rendimentos auferidos no estrangeiro. E, neste caso o rendimento é desconsiderado, quer seja positivo, quer seja negativo.
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Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverão ser mantidos os montantes que presidiram às mais-valias controvertidas.
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FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Firmando a sua convicção nas alegações das partes e na prova documental apresentada tanto pelos Requerentes como pela Requerida, o Tribunal dá como provados os seguintes factos:
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Os Requerentes estão inscritos no cadastro de contribuintes com a qualidade de "residentes não habituais", remontando essa inscrição a 2018;
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Em 29-06-2021 os Requerentes procederam à entrega da Mod. 3 de IRS, tendo identificado no anexo J rendimentos de trabalho dependente (categoria A), capitais e incrementos patrimoniais (alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários) - declaração nº ...-2020-...-..., tendo dado origem à liquidação nº 2021 ... no valor de € 83.131,78;
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Em 30-08-2021 procederam à entrega de uma declaração de substituição – nº ...-2020-... -..., da qual resultou a liquidação nº 2021... no montante de € 50.659,45, tendo gerado um reembolso no valor de € 32.472,33;
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O imposto liquidado corresponde ao cômputo do saldo das mais e menos valias realizadas, fora do território português, pelos Requerentes, concretamente:
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€ 1.275,30, referente à tributação de mais-valias realizadas com o resgate de unidades de participação de fundos de investimento registados nas British Virgin Isalnds, sujeito a tributação à taxa especial de 35%; e
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€ 49.384,16, referente à tributação do saldo das mais-valias realizadas com ativos financeiros com origem em países não sujeitos a uma tributação privilegiada, à taxa de 28%.
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Em 27-12-2021, os Requerentes deduziram junto da AT uma reclamação graciosa sobre a liquidação de IRS n.º 2021..., relativa ao ano 2020 no montante de € 50.659,45 tendo por objeto a ilegalidade da desconsideração das perdas decorrentes de ativos mobiliários alienados em 2020 no Brasil.
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Apreciação da questão
A Requerente invoca, em primeiro lugar, como inquinando de ilegalidade, ainda que parcial, a liquidação de IRS que impugna, o vício de falta de fundamentação. Vejamos se procede.
Encontra-se densificado no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, o imperativo categórico decorrente do disposto no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, relativo ao direito à fundamentação dos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, nos termos seguintes:
Artigo 77.º
Fundamentação e eficácia
1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
É comummente reconhecido que a Demonstração de Liquidação de IRS que os sujeitos passivos recebem é parca em fundamentação expressa. E são públicos os reparos ao facto de a AT, especificamente no que concerne ao IRS, não divulgar as regras que ela própria define, de resto no exercício de um poder próprio de interpretar e aplicar a lei fiscal, para que o imposto sobre o rendimento pessoal seja liquidado por um programa informático que, uma vez em exploração, dispensa qualquer intervenção humana. Tendo a AT que liquidar, anualmente, alguns milhões de declarações de IRS, pratica aquilo que já SALDANHA SANCHES designava como "atos em massa", impossíveis de fundamentar individualmente, pelo que era admissível, também, a "fundamentação em massa", a qual consistiria, em rigor, precisamente na divulgação pública, das já referidas "regras de liquidação" que anualmente entram em exploração de forma padronizada, embora a Autoridade Tributária e Aduaneira não o tenha vinda a fazer, encontrando-se pois em omissão suscetível de prejudicar os interesses do Estado
Não pode, porém, neste caso, deixar de se ter em conta que tal liquidação é efetuada por declarações apresentadas pelos próprios contribuintes, assim se considerando como tais mesmo as "declarações automáticas de rendimentos", cujo regime se encontra consagrado no artigo 58.º-A do CIRS, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo preceito: converte-se em declaração entregue pelo sujeito passivo nos termos legais quando, no fim do prazo a que se refere o n.º 1 .do artigo 60.º, não se tenha verificado a confirmação nem a entrega de qualquer declaração de rendimentos, podendo o sujeito passivo entregar uma declaração de substituição nos 30 dias posteriores à liquidação sem qualquer penalidade.
E há ainda que se sublinhar que a liquidação tem por base, em regra, como teve também neste caso, os dados fornecidos pelo próprio sujeito passivo, cuja alteração prévia, caso tivesse existido, passaria sempre por um procedimento de comprovação que corre termos ao abrigo do artigo 128.º do CIRS, pelo que, quando tais dados são alterados pela AT, o sujeito passivo toma prévio conhecimento e apreende, também em regra, os fundamentos de tais correções, embora se note aqui outra omissão da AT relativamente à regulamentação, ainda que por instrumento de vinculação interna, desse mesmo procedimento, já que o mesmo parece não correr ao abrigo do Regime Complementar da Inspeção Tributária, antes corre termos nos serviços locais e por vezes distritais da AT.
Com estes pressupostos, é admissível uma fundamentação menos densificada das liquidações normais do IRS. Porque, como a jurisprudência vem recorrentemente firmando, a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada ato (cfr. Acórdãos do STA, proc. n.ºs 0787/08, de 05-03-209 e 0399/13.9 BEAVR, de 24-04-2019).
Como se escreveu na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 247/2021-T, e concordando-se com ela:
Cabe-nos verificar se neste ato em concreto, um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficou em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais.
No caso em concreto, o ato em causa – liquidação de IRS - tem a natureza de “processo em massa”. Nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidaçãoanual deste imposto (cf. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202, Ac. do STA de 17/06/2009, proc. n.º 0246/09 e decisão proferida pelo CAAD no processo n.º137/2013-T de 02.12.2013).
A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato sub judice não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação.
No caso em concreto a liquidação resulta dos factos e valores declarados pelos contribuintes. Deste modo, os factos e valores que constam da liquidação são do conhecimento dos declarantes, não podendo eles alegar o seu desconhecimento e por isso não se nos afigura que o ato padeça de falta de fundamentação. Citando o Ac. do TCA do Sul de 24.01.2020, proc. n.º267/07.3 BEALM:
I – Porque a liquidação se baseou nos elementos declarados pelos contribuintes resulta dos autos que o acto em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verifica qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo á liquidação adicional impugnada.
Mais, quanto a este vício alegado pelos contribuintes, cumpre-nos referir que é patente na reclamação graciosa e no seu pedido de pronúncia arbitral que os mesmos compreenderam os diversos motivos fácticos e jurídicos que determinaram a liquidação.
Na verdade, as divergências existentes entre a AT e os contribuintes são, como resulta do processo, questões de Direito que os contribuintes no seu articulado alegam e esgrimem sem qualquer limitação (tributação dos rendimentos provenientes de instrumentos financeiros derivados).
Desta feita, não nos parece, por esta via, que ocorra aqui qualquer vício de falta de fundamentação.
Neste sentido veja-se o Ac. do STA de17.06.2009, proc. n.º 246/09:
III - Nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.º da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação;
IV - Estando o conteúdo do acto tributário em sintonia com o resultado do procedimento administrativo de que aos contribuintes foi sendo dado conhecimento pela via adequada e tendo estes reagido contra o acto de indeferimento de reclamação que está na origem do resultado espelhado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do acto tributário por falta de fundamentação.
Improcede, pois, o alegado vício de falta de fundamentação do ato tributário.
Alegam ainda os requerentes a errónea quantificação da matéria coletável, com fundamento na desconsideração, no apuramento da matéria coletável das mais-valias (categoria G), das menos-valias que ocorreram no Brasil, na alienação onerosa de ativos mobiliários.
Os Requerentes obtiveram o Estatuto de RNH em 2018, pelo que, embora residentes em território português, a tributação do seu rendimento pessoal está subordinada a um regime especial, criado pelo DL 249/2009, de 23 de setembro, com as alterações subsequentes. É o que decorre do disposto nos n.ºs 8 e 9 do artigo 16.º do Código do IRS:
8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.
O n.º 8 transcrito é inequívoco a dispor que, para acesso ao estatuto de residente não habitual, a pessoa singular tem de tornar-se fiscalmente residente em território português nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 16.º. Isto é, um RNH é, para todos os efeitos, um residente em território português, adquirindo, por esse facto, o direito a ser tributado em conformidade com todas as normas do Código do IRS, designadamente quanto aos aspetos material, espacial, temporal e quantitativo do elemento objetivo do facto tributário, sem prejuízo das regras que lhe sejam especialmente aplicáveis em razão do seu estatuto fiscal especial.
Salienta-se pois, por ao caso em julgamento ser especialmente aplicável, o tratamento, inaplicável a outros residentes em território português e que é consagrado para os rendimentos da categoria G, Incrementos patrimoniais, que incluem as mais-valias obtidas fora do território português, no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, subordinado à epígrafe "eliminação da dupla tributação internacional", portanto, apenas em sede de liquidação do imposto, uma fase a jusante da relativa à determinação da matéria coletável:
5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos ..., bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:
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Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
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Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.
Deve ainda relevar-se o disposto no artigo 13.º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento e Protocolo anexo, assinados em Brasília em 16 de maio de 2000, que substituiu a Convenção anteriormente vigente[2], aprovada para ratificação pela Resolução n.º 33/2001 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 27/2001, tudo publicado no DR I Série, A, n.º 98, de 27 abril de 2021, e que entrou em vigor em 5-10-2001, mas com efeitos a 01-01-2000, nos termos do Aviso publicado em 14-12-2001, cujos n.ºs 1, 2 e 3, se referem a mais-valias ou ganhos de capital que, respetivamente, resultem da alienação de bens imobiliários, bens mobiliários que façam parte do ativo de um estabelecimento estável e de navios ou aeronaves utilizados no tráfego internacional e cujo n.º 4, aplicável ao caso que aqui se decide, prescreve o seguinte: Os ganhos provenientes da alienação de outros bens ou direitos diversos dos mencionados nos n.ºs 1, 2 e 3 podem ser tributados em ambos os Estados contratantes. De acordo com esta norma, as mais-valias mobiliárias realizadas pela pessoa singular enquanto tal no Brasil podem ser tributadas em ambos os Estados, pelo que está verificado o pressuposto legal para a aplicação do método da isenção. Acresce o facto de o termo "mais-valias" aqui ser utilizado, tal como o é no artigo 10.º do CIRS, num sentido amplo, abrangendo os conceitos técnicos de mais-valias e menos-valias, mais adiante, no aspeto quantitativo, unificados, por soma algébrica, em rendimento líquido da categoria G - cfr. artigo 43.º, n.º 1 do CIRS.
Está, pois, em causa a questão de saber se, dispondo o artigo 43.º, n.º 1, do CIRS que “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes” pode, sem violação de lei, segmentar-se tal valor em conformidade com a suscetibilidade de serem ou não tributados no Estado da fonte, apurando-se, deste modo, dois saldos na mesma categoria e para o mesmo sujeito passivo, incomunicáveis entre si se um deles for negativo. Este Tribunal considera que tal procedimento seria ilegal, por violar diretamente uma disposição expressa cuja aplicação não está excluída para os RNH e por violar, também, o princípio constitucional da capacidade contributiva.
Como, aliás, também se escreveu na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 247/2021-T, à qual se adere:
Os Requerentes são residentes, não habituais, em território nacional (art. 16º, n.º 8 do CIRS).
Deste modo a tributação dos seus rendimentos é feita numa base mundial, ou seja, são tributados em território nacional todos os rendimentos obtidos independentemente do local onde os mesmos são obtidos (art. 15º, n.º 1 do CIRS).
Tal como referido atrás, os rendimentos em análise dos contribuintes enquadram-se na categoria G do CIRS (art. 10º, n.º 1, al. e) do CIRS).
A tributação destes rendimentos só ocorre no momento da alienação, isto é, só se tributam as mais valias realizadas (art. 10º, n.º3 do CIRS). O CIRS adotou [na categoria, no segmento das mais-valias] a conceção do rendimento acréscimo, atenuada pelo princípio da realização. Assim, não são tributadas as mais valias potenciais ou latentes. O ganho sujeito a IRS é constituído pelo rendimento líquido apurado em cada ano (art. 10º, n. , al. c) do CIRS).
Nos termos do art. 43º, n.º 1 do CIRS:
“1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.”
Face à norma citada, o rendimento coletável é o resultado de todas as mais valias e menos valias do ano. Esta norma não faz qualquer restrição à origem da mais-valia ou da menos valia porque o rendimento dos residentes é todo tributado em território nacional independentemente da origem. Aliás, a “(…) inclusão destes rendimentos[3] na categoria G com a qualificação de mais valias – e não na categoria E, como rendimento de capitais – justifica-se até por poderem ter valor negativo, o qual nunca poderia ser tomada em conta se a respetiva qualificação fosse a rendimentos de capitais.”
Em cumprimento do princípio da realização para o apuramento das mais valias relevam as menos valias. Na interpretação desta norma devemos recorrer, por remissão do art. 11º, n. º1 da LGT, ao previsto no Código Civil. O art. 9º, n. º1 do C.C. estabelece o seguinte:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder “ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso””
Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO, “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”
Entende a AT que as menos valias com origem no Brasil não relevam para o apuramento da matéria coletável dos rendimentos em análise. Contudo, esta interpretação não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei, que nada refere quanto a esta suposta limitação.
A única restrição à origem das menos valias está no n.º 5 do artigo 43º do CIRS, que dispõe o seguinte:
“5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.”
Esta norma indica expressamente que não relevam, em primeiro lugar, apenas as menos valias que, em segundo lugar, tenham origem num território com um regime fiscal considerado claramente mais favorável.
Excluída esta restrição, para os residentes todas as restantes menos valias obtidas noutros territórios são consideradas para o apuramento do saldo negativo ou positivo das operações previstas no art. 10º, n.º 1, al. e) do CIRS. O CIRS não faz qualquer outra restrição.
Uma vez que o Brasil não consta da Portaria n.º 150/2004 de 13 de Fevereiro (lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis), a não consideração da menos valia aí obtida, à luz das normas internas, não tem respaldo legal.
No procedimento administrativo a AT invoca o art. 13º, n.º 4 da CDT celebrada entre Portugal e o Brasil para justificar, na sua opinião, a não consideração da menos valia com origem no Brasil. Esta norma atribui uma competência tributária cumulativa a ambos os países sobre os rendimentos decorrentes de mais valias.
Sucede que, nas relações entre os tratados de dupla tributação e a lei interna é necessário, em primeiro lugar, verificar se a lei interna fundamenta a tributação e, em segundo lugar, apurar se a pretensão de um país está limitada pela norma convencional.
No caso em apreço a norma interna (art. 43º, n.º 1 do CIRS) não fundamenta a tributação. Citando a Prof. Paula Rosado Pereira “(…) as CDT não têm um efeito positivo, visto não fundamentarem o exercício, pelos Estados, de pretensões tributárias que não tenham respaldo na lei fiscal interna.”
Uma vez que a lei interna portuguesa não fundamenta a pretensão tributária não se justifica a invocação da CDT porque esta não tem efeitos tributários positivos.
Acresce que, o próprio comentário n.º 3 aos art. 13º do MOCDE (Modelo adotado na CDT celebrada entre Portugal e o Brasil) refere:
“Cabe ao direito interno de cada Estado Contratante determinar se as mais valias devem ser tributadas e, na afirmativa, de que modo.”
O comentário n.º 12 ao art. 13º do MOCDE refere:
“O presente Artigo não especifica de que modo deve ser calculada a mais valia, remetendo, para o direito interno competente.”
A incidência do imposto e a sua determinação tem de ser apurada de acordo com a lei interna portuguesa.
Em conclusão, na determinação do rendimento coletável decorrente de rendimentos enquadrados no art. 10º, n.º 1, al. e) do CIRS, a desconsideração da menos valia com origem no Brasil contraria o disposto no art. 43º, n.º 1 do CIRS, ilegalidade que aqui se reconhece".
Ora, tendo sido desconsideradas, no apuramento do rendimento líquido correspondente às mais-valias, as menos-valias apuradas nas operações realizadas no Brasil, facto incontroverso, não pode deixar de concluir-se que se verificou o vício da errónea quantificação da matéria coletável, o que determina a procedência do vício alegado, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a anulação da liquidação na exata medida do pedido, uma vez que o Tribunal por ele se encontra limitado.
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Juros indemnizatórios
A Requerente pagou a importância liquidada em 3-09-2021, incluída no valor de € 83.131,78 (liquidação n.º 2021... e pede a restituição do montante de 49.384,16 que lhe foi restituído por substituição da declaração de rendimentos inicialmente apresentada, acrescido de juros indemnizatórios.
Resulta do exposto que o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente, na exata medida do pedido.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
No que concerne ao caso que aqui se julga, a não consideração no apuramento das mais-valias em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CIRS, é imputável à Requerida, por erro de direito.
Por isso, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre a quantia 49.384,16, que devem ser contados, desde a data em que o pagamento foi efetuado (3-09-2021), até à integral restituição aos Requerentes, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril
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DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, este Tribunal decide:
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Anular a decisão proferida na reclamação graciosa que antecedeu o presente pedido de pronúncia arbitral;
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Anular a importância a menos reembolsada aos Requerentes que vem peticionada em € 49.384,16;
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Declarar o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios a calcular nos termos do n.º 32 supra.
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VALOR DO PROCESSO
Tendo a Requerente indicado como valor da causa o montante de € 49.384,16 fixa-se neste montante o respetivo valor.
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DAS CUSTAS
Fixa-se em 2.142,00 € o valor das custas, a cargo da Requerida.
Notifique-se
Lisboa, 30 de novembro de 2022
O Árbitro singular,
(Manuel Faustino)
[1] Vide o acórdão do TCA Sul de 03.10.2022 proferido no processo n.º 437/18.9BESNT onde se refere claramente que “As características exigidas quanto à fundamentação formal do ato tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico”.
[2] Entre 01-01-1972 e 31-12-1999 vigorou uma CDT entre Portugal e o Brasil aprovada pelo DL n.º 244/71 de 2 Junho e que veio a ser denunciada unilateralmente pelo Brasil.
[3] A decisão tinha, em parte, por objeto, alienação de valores mobiliários correspondentes a instrumentos financeiros derivados não expressamente previstos na categoria E.
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