Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 224/2022-T
Data da decisão: 2022-12-02  IRC  
Valor do pedido: € 673.049,73
Tema: IRC. Gastos dedutíveis. Despesas de financiamento. Interesse da empresa
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DECISÃO ARBITRAL

 

            Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof. Doutor Diogo Feio e Dr. Nuno Maldonado Sousa, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-08-2022, acordam no seguinte:

 

            1. Relatório

 

            A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA (anteriormente denominada B..., Sociedade Unipessoal, Lda.) e doravante designada por “Requerente", com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., ...– ... Lisboa, pessoa coletiva nº..., veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2021..., da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021... e da Demonstração de acerto de contas n.º 2021... .

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 31-03-2022.

Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.

Em 12-07-2022, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 01-08-2022.

A AT apresentou Resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 03-11-2022, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas simultâneas.

As partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Não há nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:

  1. A Requerente tinha a anterior designação de B..., Sociedade Unipessoal, Lda;
  2. A Requerente foi constituída em 2002, tendo como objecto social, ”a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do I..., bem como quaisquer outros actos ou transacções diretamente relacionados com a supra mencionada actividade. ”(CAE Revisão 3 — 68200 — Arrendamento de bens imobiliários);
  3. A Requerente é integralmente detida, desde 2018, pela sociedade C... B.V. (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 2017, a Requerente era detida pela entidade D... S.A.R.L [anteriormente designada por E... ("E...")], integrando-se num grupo com a estrutura que consta da página 7 do Relatório da Inspecção Tributária (processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Até Outubro de 2007, a Requerente era detida pela referida E... e era indirectamente detida pelo Grupo F...;
  6. Em Outubro de 2007, a Requerente adquiriu 100% das participações sociais da sociedade G..., S.A. (doravante designada por "G..."), a qual detinha (e ainda detém) a propriedade do imóvel do centro comercial H... (designado, à data dos factos, por "I...");
  7. O preço de aquisição das participações sociais da G... foi de € 118.522.228,97 (documento n.º 5 do pedido de pronúncia arbitral do processo n.º 577/2017-T, cuja certidão está junta ao presente processo como documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. O activo da G... era unicamente composto pelo imóvel correspondente ao centro comercial do I..., o qual foi avaliado em € 171.677.000, conforme avaliação feita pela entidade independente J... (documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral do processo n.º 577/2017-T, cuja certidão está junta ao presente processo como documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. O passivo da G... correspondia a uma dívida bancária, no valor de € 55.000.000, contraída para financiar a construção do centro comercial (páginas 20 e 21 do Relatório da Inspecção Tributária);
  10. Para financiar a aquisição da G... (no referido valor de € 118.522.228,97), a Requerente recorreu, além de fundos próprios no montante de € 1.042.462,14, a dois financiamentos:

– um dos financiamentos, no valor de € 69.473.566,83, foi obtido junto do seu accionista directo (E...) (Balancete a 31/12/2017, que consta do documento n.º 5, e contrato que consta do documento n.º 6 do pedido de pronúncia arbitral do processo n.º 577/2017-T, cuja certidão está junta ao presente processo como documento n.º 5, cujo teor se dá como reproduzido);

– outro financiamento, no montante de € 48.006.200,00, foi obtido junto do banco K... AG ("K...") – actual L..., que integra o grupo da Requerente, sendo parte de um financiamento no valor de € 90.670.000,00, que foi parcialmente utilizado, no montante de € 42.663.000,00, para financiar a sociedade M..., Lda. ("M...”) através de um contrato de empréstimo celebrado com a Requerente (anexos III, VI e VII ao Relatório da Inspecção Tributária), cujos teores se dão como reproduzidos);

  1. Em resultado dos empréstimos contraídos (no valor total de € 160.143.566,83, contabilizado na rubrica #25, e dos empréstimos concedidos (no valor total de € 48.163.800,00 conforme montante registado na rubrica #278125, (0 qual, para além do financiamento ao Fórum Almada acima referido, no montante de € 42.663.800,00, incorpora, igualmente, um financiamento de € 5.500.000 concedido ao, N... Comandita) a Requerente registou, em 2017, os seguintes montantes de gastos e proveitos financeiros:

(a) € 5.506.595,97 — gastos financeiros suportados com os empréstimos contraídos registados na rubrica #69;

(b) € 2.441.637,10 — proveitos financeiros obtidos com os empréstimos concedidos registados na rubrica #79

(Relatório da Inspecção Tributária);

  1. A Requerente é, desde 2002, arrendatária única do centro comercial detido pela G..., pagando, em contrapartida, rendas anuais que ascenderam, em 2017, a € 4.200.000,00 (Relatório da Inspecção Tributária);
  2. Nos anos de 2014 a 2017 a Requerente teve lucros tributáveis de € 2.420.080,17, € 4.044.331,05, € 3.470.564,67 e € 4.324.913,56, respectivamente (ponto III.1.5 do Relatório da Inspecção Tributária);
  3. No ano de 2018 a Requerente teve lucro tributável no montante de € 5.642.238,83 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. No ano de 2018 a Requerente teve lucro tributável no montante de € 5.169.396,15 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Foi efectuada uma inspecção à Requerente relativa ao exercício de 2017 em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.3.1. Atividade Exercida e Enquadramento Fiscal

A B... é uma sociedade por quotas. Foi constituída por escritura pública a 22 de novembro de 2002 e tem como objeto social, conforme consta na certidão da conservatória do registo comercial, a "compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a supramencionada actividade."

Iniciou a sua atividade a 12 de dezembro de 2002 e tem como CAE o "68200- arrendamento de bens Imobiliários”. O I... é composto por 159 lojas incluindo restaurantes, um complexo de cinemas e um retail park. É detido pela G... SA (doravante designada G...) que, através de um contrato de arrendamento o arrenda à B... . O contrato foi firmado pela primeira vez em 12 de fevereiro de 2003, vindo a sofrer renovações sucessivas.

O referido contrato foi alterado a 24/02/2012, apresentando uma suspensão da cláusula seis (Renda) por um período de 2 anos, com início em 01 de março de 2012 e término a 28 fevereiro de 2014. O valor da renda de 600.000,006 foi suspenso, sendo praticado durante este período uma renda de 350.000,00€ que, após aditamentos efetuados ao contrato foi determinado vigorar até 31/12/2017.

As referidas rendas encontram-se registadas na conta de gastos "626111- Rendas- Edifícios" e totalizam o montante de 4.200.000,00€.

Em outubro de 2007 a B... adquiriu 100% da Sociedade G..., tornando-se sócia única desta sociedade e também responsável pelo pagamento do seu imposto por aplicação do regime de transparência fiscal a que está sujeita a sociedade adquirida.

No que refere ao enquadramento fiscal, a B... está registada no regime geral de tributação em IRC e no Regime "Normal Mensal por opção", em sede de IVA.

Em 2020 a sociedade passou a designar-se A..., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.

 

II.3.2. Apresentação do Grupo em que se insere a A...

De acordo com a Nota 5 do Relatório de Contas- "Partes relacionadas", a estrutura do Grupo, com referência 31/12/2017, da qual faz parte a A... é a seguinte:

 

 

 

(...)

Da análise ao balanço destaca-se o valor de "Financiamentos obtidos" no montante de 160.143.566,83€, que está diretamente relacionado com o valor dos investimentos financeiros no montante de 117.731.241,59€, que tem vindo a sofrer ajustamentos por via da constituição/reversão de imparidades.

Efetivamente a A... obteve dois financiamentos, que serão descriminados no capítulo III, que serviram para adquirir 100% do capital da sociedade G..., NIF... .

Por outro lado, a A... concedeu empréstimos no valor de:

> 42.663.800,00€ à M... e

> 5.500.000,00€ à N... Comandita,

 

O que perfaz o total de 48.163.800,00€ (Nota 5 do Relatório de Contas).

Por sua vez, de acordo com a Nota 14 do Relatório de Contas, as "Outras contas a receber" no montante de 2.360.363,08€ estão relacionadas, não só, com o valor de Acionistas, correspondendo aos juros obtidos com partes relacionadas, como também com os dividendos a receber da G... (Nota 13 do Relatório de Contas), e ainda remunerações fixas e variáveis a receber, entre outras.

Os "Diferimentos", no valor de 2.747.643,416, estão relacionados com descontos a clientes por reconhecer, comparticipações em mudança de loja, condomínio, entre outros (Nota 17 do relatório de contas).

Por último, é de salientar o valor de Resultados Transitados negativos, que apresenta um montante significativamente elevado (-52.508.055,33€) e que resulta do apuramento consecutivo de prejuízos fiscais.

Em consequência, também o total do Capital Próprio é negativo.

 

II.4.2. DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS

As variações verificadas na situação patrimonial a 31 de dezembro dos anos 2016 e 2017 são as seguintes:

 

 

Da análise à demonstração de resultados salienta-se o montante de 332.777,16€, relativo a "Ganhos/perdas imputados de subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos", que está diretamente relacionado com a participação financeira que a A... detém na sociedade G... que, de acordo com a Nota 13 do relatório de contas, foi incluída nas demonstrações financeiras do sujeito passivo pelo método da equivalência patrimonial. Como se verá mais adiante, esse mesmo montante foi ajustado no Q07 da declaração modelo 22 IRC/2017, pelo que não origina qualquer impacto fiscal.

No que respeita ao valor de "Fornecimentos e serviços externos", no montante de 7.486.004,34€, o mesmo está de acordo com o valor declarado no e-fatura.

Quanto às "Imparidade de dívidas a receber (perdas/reversões)", no montante de 650.808,52€, declaradas a título de rendimento, verifica-se não terem sido efetuadas quaisquer deduções no Q07 da declaração modelo 22 IRC/2017, pelo que não há qualquer prejuízo para o Estado.

O rendimento declarado a título de "Imparidade de investimentos não depreciáveis/amortizáveis (perdas/reversões)" no valor de 47.043.122,46€ não releva fiscalmente, pelo que foi deduzido no Q07 da declaração modelo 22 IRC/2017 traduzindo-se num efeito fiscal nulo.

Os "Outros gastos e perdas", no valor de 1.374.963,446, correspondem a impostos, comparticipações em mudança de loja, entre outros (Nota 21 do Relatório de Contas).

Os juros obtidos e os juros suportados, nos montantes de 2.441.637,10€ e 5.506.595,97€, respetivamente, estão diretamente relacionados com os empréstimos concedidos (acionistas) e com os financiamentos obtidos e serão objeto de análise no capítulo III.

 

II.4.3. MODELO 22

 

 

Do quadro acima salienta-se o acréscimo valor de 332.777,16€, que corresponde à imputação do resultado apurado pela G..., sociedade transparente detida a 100% pela A... .

Salienta-se ainda o valor de 1.489.237,67€, no campo 748, que está relacionado com os financiamentos obtidos e concedidos e será objeto de análise no capítulo III.

Ainda da análise ao quadro acima resulta que, ao Resultado Líquido de 2017, foram efetuadas correções resultantes da "Anulação dos efeitos do método da equivalência patrimonial", salientando-se a dedução do valor de 332.777,16€ que havia sido registado a título de rendimento, conforme se verificou aquando a análise à demonstração de resultados.

Tal como já foi mencionado o montante de 47.520.785,596 foi contabilizado a título de rendimento, como se verifica na demonstração de resultados, pelo que a sua dedução traduz-se num efeito fiscal nulo.

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. Em SEDE DE IRC - MATÉRIA COLETÁVEL

III.1.1. ANALISE CONTABILISTICA/ EMPRESARIAL III.1.1.1. FINANCIAMENTOS OBTIDOS

Da análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2017, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontra contabilizado numa subconta da conta SNC 25 (Financiamentos obtidos), e apresenta o seguinte saldo final:

 

 

III.1.1.2. Encargos suportados com empréstimos bancários

Analisadas as contas de gastos, verifica-se que a A... suportou os seguintes encargos:

 

III.1.1.3. Empréstimo concedido a empresa do grupo

Para além dos empréstimos que contraiu e relativamente aos quais o sujeito passivo suportou os juros acima referidos, a A... apresenta, no exercício de 2017, saldo devedor na conta de "Outras contas a receber e a pagar" (na realidade corresponde aos acionistas, conforme descrito no balanço), subconta 27B125, para os quais obteve juros, de acordo com o a seguir descrito:

 

(Contratos de empréstimo em anexo 6

 

III.1.1.4. Juros de financiamento concedidos

Analisadas as contas de rendimentos, verifica-se que a A... obteve os seguintes rendimentos relativamente aos financiamentos concedidos:

 

 

III.1.2. Factos apurados

Descrição/ Identificação dos financiamentos:

Do anteriormente exposto verifica-se que a A... recorreu a duas operações de financiamento, junto de empresas do Grupo onde está inserido, uma das quais a sua casa mãe, que detém o seu capital a 100%:

> O… AG, no montante de 90.670.000,00 €.

> E... (casa - mãe, em 2017, designada D... Sarl)), no montante de 69.473.566,83€;

 

III.1.2.1. Financiamento obtido junto do L...:

O empréstimo obtido junto do L... (designado no contrato inicial por K... AG, anexo 3) ascendeu ao montante de 90.670.000,00€ e foi realizado em Outubro de 2007, tendo sido alvo de adendas em fevereiro de 2013, fevereiro de 2015 e 17 de outubro de 2017. O empréstimo será reembolsado na sua maturidade, em março de 2018. Vence juros composto pela Euribor a 3 meses acrescido de um spread de 3,5% até 31 de outubro de 2017, passando para um spread de 5% a partir de 1 de janeiro de 2018 até 30 de março de 2018.

Analisados os contratos correspondentes às referidas operações de financiamento foi possível apurar que o financiamento obtido junto da L... AG, no montante de 90,670.000,00€, se "destina à prossecução das suas actividades comerciais", nomeadamente ao financiamento da operação de aquisição da participação social de 100% na sociedade G..., NIF ... .

Efetivamente, de acordo com a informação retirada do dossier de preços de transferência, em anexo 4, é referido (na página 15) que, em Outubro de 2007 o grupo decidiu que a "B..." iria adquirir 100% da participação na G..., NIF... . Com esta decisão, o sujeito passivo passou a deter, em 2007, uma participação de 100% no capital social da G... .

 

III.1.2.2. Financiamento obtido junto da E...:

O empréstimo obtido junto da E... (atualmente designada D... Sarl)) totalizou o valor de 69.473.566,83€. O contrato de financiamento (anexo 5) foi celebrado em outubro de 2007 com vencimento em outubro de 2017.

Prevê apenas o pagamento do montante em dívida na maturidade e vence juros à taxa fixa de 0,5%, com pagamento de juros anuais.

De acordo com o respetivo contrato, o financiamento obtido junto da E... foi efetuado no sentido de ser utilizado "para financiar a aquisição do imóvel", que de acordo com o mesmo contrato, "Imóvel" significa o centro comercial e parque comercial designado por I..., sito no ..., Portugal".

Porém, tendo sido objeto de ação de inspeção ao ano de 2013, e não concordando com as respetivas correções o sujeito passivo recorreu ao CAAD (Arbitragem Tributária) - Processo n.º 577/2017-T, que veio esclarecer, no correspondente acórdão (página 23, último parágrafo) que, não obstante a letra do respetivo contrato,

(...) «o financiamento solicitado à E... não foi destinado à aquisição do imóvel propriedade da G..., foi antes destinado à aquisição da totalidade das acções representativas do capital da G... ."

Efetivamente o imóvel continuou na esfera do património da G... .

Em consequência, temos assim que, estamos perante dois financiamentos:

> L... AG, no montante de 90.670.000,00€, e,

> E... (casa-mãe), no montante de 69.473.566,83€.

 

Ambos destinados a financiar a aquisição da participação social de 100% da G..., facto que será objeto de análise ao longo do relatório.

 

III.1.3. Relacionamento entre a A... e a G...

A análise à rubrica de investimentos financeiros permite-nos verificar e confirmar que, a 31/12/2017, a A... detinha uma participação de 100% na sociedade G..., NIF..., adquirida em outubro de 2007, conforme contrato de aquisição em anexo 7.

Sendo esta empresa (G...) abrangida pelo regime da transparência fiscal, por se tratar de uma sociedade de simples administração de bens, nos termos do artigo 6º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente.

Assim, e sendo a A... detentora de 100% da G..., é-lhe imputada 100% da matéria coletável desta última.

Nos termos do art.º 6º do CIRC- "Transparência Fiscal", "é imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

a) Sociedades civis não constituídas sob a forma comerciai;

b) Sociedades de profissionais:

c) Sociedades de simples administração de bens, (...)"

O regime da transparência fiscal caracteriza-se assim pela imputação aos sócios ou membros das entidades por ele abrangidas, dos resultados por estas obtidos independentemente da distribuição de lucros; o produto dessa imputação será integrado no rendimento tributável dos referidos sócios para efeitos de IRS ou IRC, consoante se trate, respetivamente, de pessoas singulares ou de pessoas coletivas.

As sociedades e outras entidades sujeitas ao regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, muito embora permaneçam sujeitos passivos deste imposto. Com efeito, a matéria coletável ou o prejuízo é calculado segundo as regras do código, estando adstritas ao cumprimento quer das obrigações acessórias, quer contabilísticas, quer declarativas.

Os objetivos a alcançar com a adoção deste regime são:

> A neutralidade fiscal em relação à forma jurídica das sociedades, no âmbito da tributação dos sócios ou membros da sociedade, sejam pessoas singulares ou coletivas como se a atividade fosse por eles diretamente desenvolvida;

> O combate à evasão fiscal, de forma a evitar a possibilidade dos sujeitos passivos utilizarem figuras jurídicas com o objetivo de não pagar ou reduzir impostos e,

> A eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios, pois estas sociedades não são tributadas em IRC mas sim na pessoa do sócio ou membro, seja pessoa singular ou coletiva e consequentemente no seu IRS ou IRC.

Do exposto, e estando a G... abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6º do CIRC, conclui-se que toda a sua matéria coletável deverá ser imputada à  A... e tributada na esfera desta última, o que acontece no caso em apreço.

 

III.1.4. Financiamento obtido pela G...

Na sequência do que vem sendo dito, importa referir que a G... detém no seu património um imóvel, designado "Centro comercial e parque comercial designado  I...", construído com recurso a um financiamento obtido no montante de 55.000.000,00€, relativamente ao qual tem vindo a suportar encargos financeiros.

Uma vez que a G... é detentora do centro comercial, celebrou com a  A... um contrato de cedência de exploração do referido centro comercial, cujo valor das rendas ascendeu em 2017.

ao montante total de € 4.200.000,00, o qual constitui um proveito da G... e um gasto da A... .

Dado que G... é uma empresa de simples administração de bens, conforme referido no ponto III.1.3. deste relatório, os lucros tributáveis foram integrados na sociedade A... .

 

III.1.5. Apuramento dos Resultados da A...

Apesar da matéria coletável da G... ser acrescida no Quadro 07 da modelo 22 da A..., por via da transparência fiscal, conforme referido no ponto anterior, os resultados contabilísticos e fiscais apurados pela A... apresentam a seguinte evolução cronológica:

 

 

 

Ou seja, resulta deste quadro que a partir de 2007 e até 2012 a A... deixou de apresentar Lucro Tributável, mesmo com a integração do resultado tributável positivo da G..., por via da transparência fiscal, concluindo-se que a matéria coletável imputada pela G... ao sujeito passivo no âmbito da transparência fiscal, era absorvido pelos prejuízos que a empresa em análise apura na sua atividade. Em 2013, não obstante a A... já ter apurado Lucro Tributável, o Resultado Líquido do período continuou a ser negativo. A partir de 2014, com exceção de 2016, a A... obteve resultados líquidos positivos. Contudo, em resultado de anos consecutivos a apurar prejuízos, apresentou Resultados Transitados, e consequentemente, o Total do Capital Próprio, significativamente negativos.

Da análise efetuada à IES da A..., verificamos que os resultados líquidos, e os fiscais negativos, se devem essencialmente aos elevados encargos financeiros suportados a partir de 2007 com os financiamentos contraídos para a compra de 100% da participação no capital social da G... . Situação que se comprova com a relação direta que se verifica entre o decréscimo significativo de encargos financeiros a partir de 2013 (resultante da revisão em baixa da taxa de juro relativa ao empréstimo contraído junto da E...- a partir de 1/1/2013, a taxa contratualizada passou de 7,25%, para 0,5%, por acordo entre as partes), e o apuramento de lucros tributáveis a partir desse mesmo ano.

 

III.1.6. Análise da operação à luz das regras de dedutibilidade dos gastos de financiamento nos termos do artigo 23º do CIRC

No sentido de verificarmos a dedutibilidade dos gastos de financiamento suportados pela A... importa analisar toda a situação envolvente no seio do Grupo, e recuar um pouco no tempo, no sentido de enquadrar o financiamento, bem como todos os factos, em 2007, data da aquisição da G... .

Assim, é necessário proceder a uma análise mais aprofundada da operação de financiamento subjacente à aquisição de 100% do capital social da sociedade G... .

Para tal, interessa decompor a referida operação e verificar o seu mérito no que respeita à dedutibilidade relativamente ao cumprimento previsto no artigo 23a do CIRC, pelo que vamos proceder à análise dos seguintes aspetos:

1) Operação de aquisição da participação financeira;

2) "Duplicação" dos encargos relativos a juros;

3) Critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC;

4) Conclusões.

 

1) Operação de aquisição da participação financeira:

 

Todo o contexto da operação de aquisição da G... se torna mais claro visto no âmbito da estrutura do Grupo, conforme organograma que nos foi disponibilizado pelo sujeito passivo com referência a 2007/ 2010, ano de aquisição da G... .

 

(...)

 

Atendendo a que o organograma anterior não contém percentagens de participação e designações comercias por extenso, apresentamos de seguida um organograma mais completo, retirado do acórdão do CAAD correspondente ao Processo n.º 180/2018-T, que versa sobre a matéria que está em causa na presente ação de inspeção e que vai ser objeto de referência mais adiante.

 

 

Da análise ao referido organograma é possível verificar que:

• A sociedade L... AG, é "cabeça" do Grupo, pois detém a totalidade do capital das sociedades que o integram, quer por via direta quer indireta;

• A P... AG detém 100% das sociedades detidas pela sua participada Q... SARL;

• A P... AG possui 94,90% do capital das sociedades detidas pela R... MBH [1];

 

> A G..., era inicialmente detida a 100% pela R... MBH, de forma direta;

> Em 2007, por decisão do Grupo, a sociedade R... MBH vende a sua participação total na G... à A..., que ficou com uma quota de 100%;

> Ou seja, não obstante a venda da participação da G... pela R... MBH à A..., a L... AG, ou, se preferirmos uma referência mais a jusante, a P... AG continua a ser, a final, a detentora da sociedade G..., ainda que de forma indireta.

 

• No que diz respeito aos empréstimos, será de salientar que as empresas contraentes, são entidades relacionadas, a saber:

a) O L... AG detém por via indireta a A...;

b) A E... detém diretamente 100% da A... .

 

Por sua vez, a E... SARL é detida a 100% pela T..., sendo esta última detida por via indireta pelo L... AG;

A rubrica de juros suportados com os financiamentos obtidos para aquisição de 100% da G..., tem um peso muito significativo na estrutura de custos da empresa, não se vislumbrando quais os benefícios imediatos e/ou mediatos, que lhe advém, decorrentes da operação praticada.

Refira-se que sendo a G... sujeita ao regime da transparência fiscal, imputa aos seus sócios a sua matéria coletável (100% à A...).

Em resumo:

a) A sociedade A... obtém de sociedades relacionadas, empréstimos para adquirir 100% da sociedade G...;

b) Contudo, a G... já pertencia ao Grupo;

c) Por sua vez, G... detém apenas um imóvel que está arrendado à A..., relativamente ao qual existe um contrato de arrendamento para exploração de lojas, pelo que a A... paga à G... uma renda mensal que em 2017 totaliza 4.200.000,00€;

d) Os valores das rendas são efetivamente pagos.

 

 2) "Duplicação" dos encargos relativos a juros

Tal como já foi referido anteriormente, a sociedade A... contraiu dois financiamentos para adquirir 100% das ações da G... .

Contabilisticamente os encargos financeiros resultantes destes empréstimos, que no exercício de 2017 atingiram o montante de 5.506.595,97€, foram reconhecidos como gastos nas contas 691116 e 691151.

Por outro lado, e num momento anterior, a G..., sociedade detentora do Complexo Comercial denominado "I..." à data, recorreu a um empréstimo bancário no montante de 55 milhões de euros para aquisição/construção do referido imóvel, contabilizando os encargos financeiros como gasto e consequentemente, afetando o resultado apurado em cada exercício.

Os efeitos das duas operações de financiamento em termos da sua repercussão nos resultados, após a integração da matéria coletável da sociedade transparente, traduzem-se numa duplicação de encargos financeiros na esfera da A... .

As características singulares da situação tributária da A... residem da conjugação dos seguintes factos:

(i) Detenção de uma participação representativa de 100% do capital de uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal – G...;

(ii) Tal participação ter sido adquirida a uma empresa do grupo com recurso a endividamento de outras empresas do mesmo grupo; e

(iii) Ser a única "cliente" da sociedade transparente, enquanto parte locatária no contrato de locação/exploração do imóvel da sociedade G..., donde decorre que os rendimentos desta entidade têm origem nos gastos daquela sociedade, ou seja, a atividade da sociedade participada depende exclusivamente do contrato celebrado com a sociedade mãe.

Neste contexto, cabe então saber qual a base legal que legitima a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação de 100% no capital da G..., que constitui uma sociedade transparente.

À luz do artigo 23.º do CIRC consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente contribuírem para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou seja, "os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

Na situação concreta sob análise, pode suscitar-se a dúvida a respeito da existência de uma conexão direta entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, pois que, em virtude da aplicação do regime da transparência fiscal à sociedade participada, os rendimentos que contribuíram para a determinação da matéria coletável imputada à A... são anulados com os gastos suportados por esta com os encargos financeiros para aquisição das ações da G... e por via indireta do imóvel.

Todavia, com o intuito de melhor dirimir esta questão importa estabelecer um confronto entre duas situações que configuram diferentes formas de exercício da mesma realidade económica mas que, por força da transparência fiscal, devem alcançar resultados fiscais equivalentes de modo a serem fiscalmente neutras: por um lado, uma, em que o imóvel (locado) é propriedade da sociedade locatária, por efeito de um ato aquisitivo ou de autoconstrução; e por outro lado, o mesmo imóvel é propriedade de uma sociedade participada (G...) qualificada fiscalmente como "sociedades de simples administração de bens" e, portanto, abrangida pelo regime da transparência fiscal.

É de concluir, então, que na primeira das situações prefiguradas, a sociedade que utiliza o imóvel, como se fosse proprietária do mesmo, apenas teria de suportar os encargos financeiros inerentes aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição/construção do imóvel e os demais encargos associados.

No segundo caso, ora subjudice, a mesma sociedade (locatária) está a suportar não só a sua quota-parte dos encargos com o imóvel, que incluem também encargos financeiros, incorporados quer no valor da renda quer no resultado imputado através da transparência fiscal, como ainda os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada.

Em última instância, a situação em presença acaba por conduzir a que, para efeitos de determinação do lucro tributável, os encargos efetivamente considerados pelo sujeito passivo, correspondam aos associados ao imóvel (juros, depreciações, impostos e taxas, etc.) registados pela sociedade participada, e repercutidos nesta por via da transparência fiscal e ainda os encargos financeiros suportados com os empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade transparente, sendo que o valor desta entidade se reconduz unicamente ao imóvel.

Por todo o exposto estamos perante uma duplicação de encargos financeiros por via da transparência fiscal, conforme a seguir se demonstra:

(i) Conforme já foi referido, a A... detinha uma participação de 100% na sociedade G... SA, NIF ..., adquirida em 31 de Outubro de 2007.

(ii) Sendo esta empresa abrangida pelo regime da transparência fiscal por se tratar de uma sociedade de simples administração de bens, nos termos do artigo 6º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente.

(iii) Assim, e sendo a A... detentora de 100% da G..., verifica-se que 100% da matéria coletável desta última é imputada à A... .

(iv) Por sua vez, a G... detém no seu património um imóvel, designado "Centro comercial e parque comercial designado I...", construído com recurso a um financiamento obtido no montante de 55.000.000,00€, relativamente ao qual tem vindo a suportar encargos financeiros.

(v) Dado que a G... configura uma empresa de simples administração de bens, conforme já foi referido, a matéria coletável foi integrada na sociedade  A... e indiretamente os encargos financeiros mencionados no ponto anterior.

Ou seja, a sociedade A... está a suportar não só os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada (G...) que detém o imóvel, como também os encargos financeiros associados ao empréstimo contraído pela G... para financiar a construção do imóvel "Centro comercial e parque comercial designado I..." por via da transparência fiscal. Estamos, portanto, perante uma duplicação de encargos financeiros relacionados com o referido imóvel locado.

Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a dupla dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade - o sujeito passivo - da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, bem como de encargos financeiros, todos relacionados com o mesmo imóvel, que faz cumular, na sociedade, um conjunto de gastos e que, subverte os objetivos, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.

 

3) Critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC

Para avaliação da dedutibilidade dos encargos para efeitos fiscais é determinante o critério da obtenção de rendimentos, previsto no artigo 23º do CIRC.

Determina o referido artigo 23º, na redação em vigor à data dos factos, que;

"Artigo 23.º

Gastos e perdas

 

l - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo paro obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. "

2- Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios (...)

 

Assim, atento o disposto no artigo 23º do CIRC, é necessário verificar em concreto, se os gastos financeiros relativos aos juros incorridos com os empréstimos que permitiram a aquisição de 100% da G..., foram suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a CIRC.

O legislador faz assim depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade geradora de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

Ora, a este respeito pronuncia-se o CIRC no ponto 42 da sua decisão relativa ao Processo n.º 180/2018- T, que, como já foi referido, versa sobre a mesma matéria que a que está em causa na presente ação de inspeção, dizendo que, relativamente a correções efetuadas ao ano de 2013:

“42. Em todo o caso, a referência à indispensabilidade dos gastos aponta objetivamente para uma relação mais estreita entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto. Isso significa, evidentemente, e mesmo no quadro da atual CIRC do artigo 23º n. º1 do CIRC, que a administração tributária não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas.” (sublinhado nosso).

 

Relativamente à mesma situação e à mesma empresa, mas para correções efetuadas ao ano de 2014, foi proferido pelo CAAD no Processo n.º 407/2019-T, no capítulo IV.2, Matéria de direito, A. 1., " Embora sem a ênfase da "indispensabilidade comprovada", o regime mantém-se basicamente inalterado, no sentido de que continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro lado - significando isso, na prática, que, no respeito de uma latitude razoável na gestão das empresas, a AT não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas apresentados, mesmo aqueles que tenham sido efectivamente incorridos e estejam devidamente documentados".

Ou seja, continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro, resultando desta correlação direta, a aceitação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais.

Assim, no caso em apreço deve-se questionar qual a motivação económica que conduziu ao endividamento do sujeito passivo para a aquisição de 100% do capital da G..., face aos elevados encargos que dela advém e que afetam muito negativamente os seus resultados, conforme se verifica no quadro constante no ponto III.1.5 do presente relatório.

A operação de financiamento em causa compromete os níveis de rendibilidade da empresa, que apenas encontra motivação num propósito de evitar a tributação em território nacional da atividade exercida pelo sujeito passivo através da "drenagem" de resultados subjacente ao pagamento de juros.

Da análise efetuada decorre que, ainda que o sujeito passivo por via da aquisição de 100% do capital social da G... esteja a imputar uma parte da matéria coletável desta sociedade (influenciada pelos encargos financeiros que esta suporta relativo ao empréstimo para construção do imóvel cuja exploração constitui a sua única atividade) por aplicação do regime da transparência fiscal prevista no artigo 6º do CIRC, esta é absorvida pelos encargos que o sujeito passivo incorpora nos seus resultados.

Efetivamente, a manifesta verificação da inexistência do interesse económico da operação, é patente no facto de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.

Ou seja, a A... pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial denominado "I...", à G..., cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património.

Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer acréscimo de valor, decorrente da operação, no seio da sociedade B..., à data.

E aqui refira-se que, a sociedade tem como objeto social a "compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a supra mencionada actividade", ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na G... nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu objetivo, pois a atividade do sujeito passivo não corresponde à compra e venda de participações sociais.

Ora, se por um lado não podemos descurar que é às empresas que cabe decidir quais as opções negociais que consideram preferíveis para assegurar os seus interesses, por outro lado, o critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, reprime qualquer ato de gestão que seja desconforme com o interesse social da empresa.

No caso em apreço, da análise objetiva do impacto dos gastos resultantes da operação de financiamento para adquirir 100% do capital da G..., concluiu-se que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo, ainda colocou em causa o seu propósito - O lucro. Veja-se que a empresa apresentou sempre, até 2012 resultado líquido negativo e consequentemente rácios de rentabilidade líquida negativa, como se evidencia no quadro do ponto III.1.5 do presente relatório.

Esta situação apenas é atenuada com a revisão das taxas de juro do contrato de financiamento obtido junto da casa mãe (E...), o que por si só, vem comprovar que, não tendo este financiamento permitido potenciar a atividade da empresa, revelou-se uma decisão de gestão desprovida de motivação económica.

Comprova-se assim que apesar de o sujeito passivo incorporar 100% da matéria coletável apurada pela G... (decorrente do regime da transparência fiscal), este acréscimo não é suficiente para compensar o efeito negativo resultante dos encargos que teve que suportar para a aquisição da participação no capital daquela sociedade.

Não podemos deixar de realçar a "coincidência" de a revisão em baixa da taxa de juro relativa ao empréstimo contraído junto da E... (a partir de 1/1/2013, a taxa contratualizada passou de 7,25%, para 0,5%, por acordo entre as partes) ter ocorrido no exercício em que entrou em vigor a alteração ao artigo 67º do CIRC, que introduz uma limitação à dedutibilidade para efeitos fiscais dos encargos de financiamento líquidos, funcionando como uma norma que pretende atingir objetivos de controlo de eventuais situações de abuso na utilização deste tipo de encargos, para fins que não os inerentes à sua natureza. Efetivamente, se não tivesse ocorrido esta alteração na taxa de juro, e a empresa mantivesse o mesmo nível de encargos financeiros que vinha suportando, face às novas regras teria que corrigir fiscalmente o seu resultado contabilístico, através de um acréscimo no quadro 07 da declaração mod 22, num montante bastante mais elevado que o efetuado, que corresponderia a uma percentagem muito relevante dos encargos suportados.

Conforme foi anteriormente amplamente demonstrado, coloca-se em causa a motivação económica que subjaz à operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo. Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da A..., visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram decididas no seio do grupo), antes pelo contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercido em análise.

Salienta-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um imóvel de que é proprietária, ficando a A..., a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 100%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram decididas no seio do Grupo, isto é, objetivamente não existiu qualquer vantagem nesta operação financeira.

Não poderão assim estes pontos, ser vistos de per si, mas como um todo, devendo ser aferido, o caso em concreto, com critérios rigorosos que impeçam um planeamento fiscal, que colocará em causa o princípio da igualdade entre contribuintes.

O requisito da obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, para avaliação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais, assume aqui especial relevância, pelo que não pode cingir-se a uma causalidade simplista. Deverá antes, ser aqui aferido por critérios de motivação económica, isto é, deverá ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos sujeitos a IRC, ou seja, numa perspetiva essencialmente económica, que acarreta uma definição clara e objetiva dos princípios que norteiam as decisões de gestão e as linhas mestras subjacentes aos negócios desenvolvidos pelas empresas, no âmbito da sua atividade, de modo a aferir do seu correto enquadramento para efeitos fiscais.

A respeito de toda esta matéria pronuncia-se o CAAD na sua decisão relativa ao Processo n.º 180/2018- T, que, não só versa sobre a mesma matéria que a que está em causa na presente ação de inspeção, como respeita a uma empresa do mesmo Grupo e que opera exatamente da mesma forma.

Assim, pronuncia-se o CAAD no referido processo, pontos 56 a 57, que se trata de "(...) uma situação manifesta de juros excessivos (...)" e que se "verifica uma duplicação de encargos e deduções dentro do grupo favorecido pela transparência fiscal (...)", concluindo no seu ponto 60 que:

"Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo dificilmente poderá ser vista como uma atividade económica como tal digna de consideração pelo direito fiscal. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência a efeitos económicos reais, a menos que a lei remeta exclusivamente para a forma jurídica. Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia à substância sobre a forma."

 

No Processo n.º 407/2019- T, pronuncia-se o CAAD no capítulo IV.2. Matéria de direito, ponto B. Conclusão, "Em suma, compreende-se que, prestando atenção, como é devido, à substância económica da operação de 2007, e aos encargos dela resultantes, mais do que à forma que assumiram, rapidamente se imponha a conclusão de que um conjunto de negócios intra-grupo de mera reafectação de titularidade e de redistribuição de encargos, sem modificação de participações sociais já anteriormente pertencentes ao grupo, dificilmente se aceitará como uma atividade económica digna de consideração pelo direito fiscal".

Ora, muito embora não assista à AT a prerrogativa de se substituir aos gestores das empresas nas tomadas de decisão de natureza empresarial, assiste-lhe o direito/dever de validar o cumprimento dos requisitos legais decorrentes dessas decisões, que determinam a aceitação dos gastos para efeitos fiscais, não estando obrigada a aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas contabilizados, mesmo que tenham sido efetivamente incorridos e que estejam devidamente documentados.

 

4) Conclusões

 

> A A... obteve dois financiamentos nos montantes de 90.670.000,00€ e 69.473.566,83€, destinados a financiar a aquisição de 100% da G..., relativamente aos quais suporta elevados encargos financeiros;

> Estando a G... abrangida pelo regime da transparência fiscal, nos termos do artigo 6.º do CIRC, imputa aos seus sócios,  A..., a matéria coletável que apura anualmente, o que dá origem a que ocorra uma "duplicação" de encargos no seio da sociedade A... e, consequentemente, subverte os princípios subjacentes à criação daquele regime, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal;

> Adicionalmente, a G... detém um imóvel - "Centro comercial e parque comercial designado  I...", construído com recurso a um financiamento obtido no montante de 55.000,000,00€, relativamente ao qual suporta encargos financeiros dedutíveis no apuramento do lucro tributável desta sociedade, gerando consequentemente uma diminuição na matéria coletável a imputar por via da transparência fiscal;

> O mesmo imóvel, detido pela G..., encontra-se arrendado à A... pelo montante anual de 4.200.000,00€.

 

Ora, do exposto, retira-se que o sujeito passivo recorre a dois financiamentos, no total de 160.143.566,83€, que geram encargos financeiros de 5.506.595,97€, para aquisição de uma participação financeira que, na realidade, já pertencia ao Grupo (G...).

Por outro lado, a G...detém outro financiamento que havia sido obtido à data da construção do imóvel em causa, cujos encargos financeiros são imputados à A... por via da transparência fiscal.

Acresce ainda que o imóvel detido pela G... está arrendado à A... pelo montante de 4.200.000,00€.

Estamos na presença de aquisições e operações de financiamento que ocorrem no "seio" do próprio grupo, motivo pelo qual são merecedoras de uma especial atenção, no sentido de afastar eventuais situações de planeamento fiscal, que desvirtua as normais relações entre os contribuintes e a igualdade de tratamento, situação que o legislador pretendeu acautelar ao conferir ao artigo 23º do CIRC, a natureza de cláusula geral.

De todo o exposto resulta que os encargos financeiros (juros e imposto de selo) suportados com a operação de financiamento para a aquisição da participação de 100% do capital da sociedade G..., não preenchem os requisitos legais enunciados no artigo 23º do CIRC para que se aceite a sua dedutibilidade para efeitos fiscais, em virtude de não se considerar comprovado o interesse económico, ou a necessidade para o desenvolvimento da atividade ou manutenção da fonte produtora da empresa, da operação que lhes está subjacente. Efetivamente, os gastos financeiros incorridos não geram diretamente quaisquer rendimentos, nem deles sai beneficiada a prossecução da atividade da empresa, como se comprova pela sua posição financeira a 31/12/2017, que apresenta resultados transitados e um total de capital próprio negativo (conforme balanço constante no ponto II.4.1.).

Conclui-se assim que, na presente situação, não se verifica estar cumprido o disposto no art.º 23 do CIRC.

 

III.2, CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS EM SEDE DE IRC

III.2.1. Encargos financeiros suportados

Os encargos financeiros suportados com os empréstimos contraídos para a aquisição da participação financeira de 100% da G..., no montante de 5.506.595,97€ descriminam-se do seguinte modo:

 

 

 

III.2.1.1. Dos Encargos financeiros correspondentes ao montante de Financiamentos Concedidos

Conforme já foi exposto, a A... obteve financiamentos no montante total de 160.143.566,83€ com a finalidade de adquirir 100% da participação financeira da G... .

Acontece, porém, que, a obtenção desses financiamentos, acabou por gerar um excesso de liquidez no seio da A..., que lhe permitiu, também a ela, a concessão de financiamentos.

Assim, conforme já foi mencionado no ponto III.1.1.3, a A... concedeu a título de empréstimos o montante total de 48.163.800,00€, donde se verifica que terá emprestado parte do financiamento que lhe foi concedido para a aquisição da participação financeira de 100% da G... .

Verifica-se também que, de acordo com o já referido no ponto III.1.1.4, o mesmo montante (48.163.800,00€) gerou rendimentos no valor de 2.441.637,10€.

Ora, conforme já foi referido anteriormente, de acordo com o disposto no artigo 23.º do CIRC, consideram-se como gastos dedutíveis os que comprovadamente contribuírem para a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou seja, "os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC".

Isto é, o legislador faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade geradora de obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.

Neste caso em concreto, relativamente aos 48.163.800,00€, verifica-se mesmo a existência de uma relação entre os respetivos encargos financeiros, suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro, resultando desta correlação direta, a aceitação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais.

Deste modo, a quota parte dos encargos financeiros relativos aos 48.163.800,00€ (cálculo no quadro seguinte), no montante de 1.656.130,14€, deverá ser aceite como gasto fiscal ao abrigo do disposto no art.º 23 do CIRC.

 

 

 

III.2.1.2. Resumo dos Encargos financeiros não aceites fiscalmente

 

 

 

III.2.1.3. Encargos financeiros à luz do normativo previsto no art.º 67 do CIRC

Nos termos do nº 1 do artigo 67º do CIRC, redação à data dos factos,

"Os gastos de financiamento líquidos concorrem para a determinação do lucro tributável até ao maior dos seguintes limites:

a) €1.000.000,00; ou

b) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos."

A restrição à dedutibilidade estabelecida no artigo 67º do CIRC não prejudica a aplicação das demais condições ou limites para a dedutibilidade dos gastos de financiamento, nomeadamente aqueles que resultam dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 23 do mesmo código.

Deste modo, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto III.2.1., no montante de 5.506.595,97€, é necessário recalcular a restrição imposta pelo artigo 67.º do CIRC, uma vez que os gastos de financiamento líquidos passaram de 3.064.98,87€ para 0,00 €.

Ora,

No exercício de 2017 o sujeito passivo apurou um resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, também designado por "EBITDA", no montante de 5.252,403,99€, conforme calculo do próprio sujeito passivo em anexo 8.

Nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 67º do CIRC, à data dos factos, o limite à dedutibilidade de gastos de financiamento é para o caso em análise fixado em 1.575.721,20€, que corresponde a 30% do EBITDA, por ser mais vantajoso para o sujeito passivo relativamente à condição prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 67º do CIRC.

Uma vez que, em consequência da correção proposta aos encargos financeiros no ponto III.2.1, o montante dos gastos de financiamento líquidos passou a ser inferior a 1.575.721,20€, não há nada a acrescer no campo 748 do Q07 da declaração modelo 22 de IRC/2013.

Assim é de corrigir o valor que havia sido acrescido pelo sujeito passivo no montante de 1.489.237,67€, devendo o mesmo passar a zero.

 

 

 

III.2.2. Resumo das correções ao Lucro Tributável

 

 

 

III.2.3. APURAMENTO DO LUCRO TIBUTÁVEL

Em resultado das correções efetuadas, descritas e fundamentadas no ponto III.2., o resultado tributável do sujeito passivo passou dum Lucro Tributável no montante de 4.324.913,56€ para um lucro corrigido de 6.686.141,72€, conforme se descrimina no quadro seguinte:

 

 

 

(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado nos termos e para os efeitos do art.º 60.º da LGT e artigo 60.º do RCP1TA, através do ofício n.º ..., de 17/09/2021 (registo CTT n.º RH ...PT), para, querendo, exercer o direito de audição.

Direito esse que veio exercer via email em 14/10/2021 e cuja petição deu entrada nestes serviços via CTT no dia 15/10/2021 (entrada GPS 2021...) e que se junta em anexo 9.

No exercício do direito de audição o SP veio contestar as correções efetuadas, relativas a encargos financeiros no montante de 2.361.228,16€ e, em consequência, derrama estadual, não aceites fiscalmente, tecendo, para o efeito, as alegações constantes na petição em anexo 9 que aqui se dão por integralmente reproduzidas, tendo vindo solicitar as anulações das correções propostas supra referidas.

Refira-se que, em nota de rodapé na sua petição (nota 2 a página 3 da petição), a A... chama a atenção para um lapso patente no Projeto de Relatório da Inspeção no primeiro parágrafo da secção III.2.3, o qual refere que o lucro corrigido é de 8.342.281,86€.

Relativamente à referida chamada de atenção cumpre-nos informar que, de facto, naquele parágrafo da secção IIl.2.3, onde está 8.342.281,86€, deve ler-se 6.686.141,72€. Face ao lapso detetado foram efetuadas as devidas retificações ao nível dos resultados declarado e corrigido, bem como à derrama estadual.

Uma vez que o Lucro Tributável Declarado ascendia a 4.324.913,56€, o Resultado Corrigido foi alterado no capítulo III para 6.686.141,72€ e a correção à Derrama Estadual para 70.836,84€, conforme ilustram os quadros seguintes:

 

 

 

 

 

Na sua petição o SP começa por relatar os factos já conhecidos e resumir as alegações dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), culminando por concluir, no ponto 38, página 12, que a operação de financiamento em apreço já foi apreciada em sede arbitral no âmbito dos processos n.º 133/2017-T e 577/2017-T do CAAD, relativos aos períodos de tributação de 2012 e 2013, tendo o tribunal decidido a favor da exponente.

Efetivamente, e conforme já foi mencionado em sede de Projeto de Relatório (2º parágrafo da página 19), a decisão que recaiu sobre aqueles processos foi relevante, porquanto veio esclarecer que os empréstimos em análise tiveram como objeto a compra da participação financeira na G... e não a compra do imóvel propriedade da G... (designado Centro Comercial I...). Assim, do acórdão proferido no âmbito dos processos n.º 133/2017-T e 577/2017-T do CAAD, resultou que, estamos perante dois financiamentos:

 

> L... AG, no montante de 90.670.000,00€, e,

> E... (casa-mãe), no montante de 69.473.566,83€,

ambos destinados a financiar a aquisição da participação social de 100% da G..., facto que é agora objeto de análise no presente relatório.

 

Não concordando com a correção efetuada, vem a A... apresentar fundamentos relativamente:

 

> À "alegada duplicação de encargos" e

> Ao "critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC".

 

Da alegada duplicação de encargos (pontos 40 a 80 da petição)

Resumidamente, no que respeita a este fundamento, o SP volta a alegar que, com base nas decisões proferidas no âmbito dos processos n.º 133/2017-T e 577/2017-T do CAAD, ficou provado que o financiamento da E... se destinou a financiar a aquisição da participação social na G... e não a aquisição do imóvel propriedade da G...., pelo que a dedução dos empréstimos em análise não configura a duplicação de encargos que foi invocada pela AT e a insistência desta nesse sentido afigura-se ilógica.

Ora, a este respeito já nos pronunciámos nos parágrafos anteriores referindo expressamente que os referidos acórdãos foram esclarecedores no que respeita ao objeto dos contratos de financiamento e portanto o que está em análise no presente relatório são os encargos financeiros de empréstimos destinados a financiar a aquisição da participação social de 100% da G... e não a aquisição do imóvel propriedade da G....

Mais alega o SP (pontos 55 a 62 da petição) que "a invocação da aquisição da participação a uma entidade do Grupo só teria relevância para a discussão em apreço, caso os SIT pretendessem invocar a violação das regras dos preços de transferência (...)" e sobre isso refere que, caso tivesse adquirido a G... a uma entidade fora do seu grupo económico, o valor da transação teria sido o mesmo. Por este motivo, conclui a A... que a invocação dos SIT da relação especial existente entre a si e a vendedora é incoerente e violadora dos princípios legais, pelo que deverá ser desconsiderada.

Relativamente a tal alegação cumpre-nos esclarecer que não foi posto em causa, pelos SIT, nem o valor da operação nem a taxa de juro praticada, pelo que não foi, nem poderia ter sido, invocada a violação dos preços de transferência.

O SP contesta ainda o facto de os SIT terem invocado o regime de transparência fiscal como causador da duplicação de encargos (alegações nos pontos 63 a 74), alegando que o preço de aquisição da G... (118.522.228,97€) já refletia o abatimento do valor do financiamento de 55.000.000€ existente na esfera da mesma e que, por isso, entende não existir qualquer duplicação de encargos.

Ora, por via da transparência fiscal a G... imputa à sua única sócia 100% da sua matéria coletável, pelo que não há dúvida de que, indiretamente a A... suporta os encargos financeiros que incidem sobre o financiamento de 55.000.000 concedido à G... .

Do critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC (pontos 80 a 135 da petição)

Para contestar este ponto o SP começa por fazer uma análise do artº 23 do CIRC concluindo no ponto 89 da sua petição que, "devem entender-se como gastos cobertos pelo art.º 23 todos aqueles que são incorridos ou suportados pela empresa em prol da prossecução dos seus interesses - e não de terceiros -que serão todos aqueles conformes ao seu objeto social".

Entende assim o SP que se acolhe uma aceitação geral dos gastos suportados pela empresa, desde que incorridos na prossecução da sua atividade, não se exigindo uma ligação direta entre os gastos e os rendimentos obtidos.

Mais refere o contribuinte (última frase do ponto 91) que "Apenas poderão ser desconsiderados como custos fiscais os que claramente não tenham a potencialidade de gerar um incremento dos rendimentos, independentemente do acerto ou desacerto dos actos de gestão".

No entanto, a exponente não nega o "poder-dever da AT em não aceitar todos e quaisquer gastos incorridos pelas empresas (...)".

Mais alega a A... que a AT extravasa claramente os seus poderes, imiscuindo-se nos seus atos de gestão e do grupo económico ao qual se encontrava inserida à data dos factos, rejeitando os gastos em apreço com base em critérios de racionalidade ou eficiência económica não previstos ou exigidos pelo art.º 23 do CIRC. Refere, no entanto, que a AT não censura qualquer pratica abusiva no caso em concreto, nem invoca os meios legais para o efeito, nomeadamente a clausula anti abuso.

A Exponente alega ainda que passou a ser proprietária indireta de um centro comercial que, naturalmente, gerará benefícios económicos quer da sua exploração, quer da eventual alienação futura, pelo que não entende que a AT considere inexistente qualquer interesse económico.

Conclui a Exponente dizendo que "o único facto perturbador para os SIT é o facto de a operação ter sido realizada entre entidades relacionadas, embora a mesma tenha sido praticada em igualdade de circunstâncias face a entidades independentes." (ponto 109) e não é pelo facto de a operação configurar uma operação intra-grupo que deixa de estar verificado o interesse individual da Exponente. Mais afirma que, "a capacidade dos grupos económicos em reorganizarem-se é algo que decorre da sua liberdade empresarial em decidir os seus destinos".

Ora, no que respeita às alegações da Exponente é de sublinhar que a AT não interferiu nas decisões de gestão, não pondo em causa a sua liberdade de gestão. No entanto, tal como a própria Exponente admite, a AT não tem que aceitar todos e quaisquer gastos incorridos pelas empresas (...)"-

A este respeito pronuncia-se o CAAD no Processo n.º 827/ 2019-T, cuja análise da matéria apreciada tem aplicação na situação em causa na presente ação de inspeção, referindo nos pontos 12 e 13 da página 40 do respetivo acórdão que,

"12. A redação atual do artigo 23.º do CIRC, vigente à data dos factos, ao afirmar a dedutibilidade de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, admite a dedução de todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, mesmo que não sejam indispensáveis para esse efeito, lançando mão de critérios de razoabilidade, normalidade e necessidade dos gastos para a operação da empresa e apontando, desse modo, para a dedutibilidade de gastos habitualmente incorridos e geralmente aceites de acordo com os padrões económicos do setor em causa e que sejam úteis e adequados.

13. Esta redação reconhece aos administradores uma considerável latitude na gestão das suas empresas, no âmbito do direito fundamental de livre iniciativa económica privada, admitindo-se que possam incorrer em gastos que, visando em abstrato a obtenção e garantia de rendimentos sujeitos a imposto, venham a manifestar-se, em concreto, desadequados, desnecessários ou até contraproducentes desse ponto de vista, sem que isso se traduza na sua indedutibilidade. Inversamente, o simples facto c/e certos gastos acabarem por gerar rendimentos no futuro e se mostrarem adequados à realização de objetivos empresariais não determina só por si que os mesmos possam ser qualificados como gastos fiscalmente dedutíveis. De um modo geral, deve entender-se que não cabe à administração tributária substituir-se aos gestores de empresas na tomada de decisões de natureza empresarial. Em todo o caso, isso não significa que a mesma tenha que aceitar a dedutibilidade de todos e quaisquer gastos incorridos pelas empresas. De resto, a alteração da redação do art.º 23 do CIRC foi acompanhada da introdução do art.º 23-A do CIRC que acolhe expressamente algumas "thin-capitalization rules", regras de "safe haven" ou de "earnings stripping", orientadas para a prevenção do uso do "endividamento intra-grupo" como técnica de planeamento fiscal agressivo"

 

Acrescenta o ponto 14 do mesmo acórdão (página 41) que:

14. Perfilhando como boas as palavras proferidas no Acórdão do CAAD no Processo n.º 407/2019-T, de 24.07.2020, "[e]mbora sem a ênfase da "indispensabilidade comprovada", o regime mantém-se basicamente inalterado, no sentido de que continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro lado -significando isso, na prática, que, no respeito embora de uma latitude razoável na gestão das empresas, a AT não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas apresentados, mesmo aqueles que tenham sido efetivamente incorridos e estejam devidamente documentados.

Por outro lado, a realidade económica e empresarial da exploração do Centro Comercial designado à data como I...", propriedade da G..., não foi alterada em consequência da operação em causa, ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Não foram, portanto, produzidos efeitos económicos com estas transações, não se compreendendo a racionalidade económica da operação em causa. As operações de obtenção de financiamento não produziram qualquer efeito significativo na posição económica das sociedades intervenientes, destacando-se apenas a redução do respetivo lucro tributável à custa da dedução dos encargos financeiros.

Ao contrário do que invoca o SP, verifica-se, de facto, uma duplicação de encargos e deduções dentro do Grupo favorecido pela transparência fiscal da G...., tendo em conta que esta havia contraído um empréstimo para a construção/aquisição do imóvel do Centro Comercial I..., contabilizando os encargos financeiros como gasto. Simultaneamente, a A... suporta encargos financeiros decorrentes da aquisição das ações da G..., o que resulta inevitavelmente na redução do resultado apurado em cada exercício. Daqui resulta um manifesto empolamento dos juros devidos e potencialmente dedutíveis, com a consequente redução do lucro tributável.

A este respeito já se pronunciou o CAAD nos processos já anteriormente referidos, Processo n.º 407/2019-T e Processo n.º 827/ 2019-T, e que versam sobre a mesma matéria e sobre o mesmo grupo de empresas a que pertencia o SP.

O acórdão do CAAD correspondente ao Processo n.º 827/2019-T refere ainda que:

"31. À luz dos factos provados, afigura-se inteiramente razoável a dúvida da AT acerca da motivação económica subjacente a uma operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo, não se vislumbrando qualquer tipo de vantagem económica significativa para a prossecução da atividade. Diferentemente, ao suportar elevados encargos com os empréstimos a (...) passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos nos exercícios em análise.

35. De um modo geral, considera-se que uma transação reveste-se de substância económica quando altera significativamente a situação económica do contribuinte para além da vantagem fiscal que possa gerar. Ora, a análise dos factos relevantes permite concluir que nem a H nem a posição financeira dos credores do Grupo conhecerem qualquer alteração económica significativa, nem qualquer outra consequência económica resultou ou era razoável esperar que resultasse para além do aumento adicional dos juros a pagar nos empréstimos intragrupo, certamente com vista a aumentar as deduções e a reduzir o lucro tributável18. Mesmo que haja um propósito comercial na operação - o que não é certo diante da permanência da realidade económica subjacente - o objetivo de reduzir a exposição fiscal, com a consequente redução da base tributária, afigura-se manifestamente preponderante (principal purpose test).

37. Por outro lado, em sede de dedutibilidade de gastos e perdas, o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, por estar em causa um facto constitutivo da dedução invocada (art. 74º, 1 da LGT)20. Por conseguinte, os gastos contabilizados fundadamente questionados pela AT, para serem fiscalmente dedutíveis, teriam que ser objeto de comprovação objetiva por parte do sujeito passivo que os contabilizou. Os gastos com juros excessivos não se reconduzem, objetivamente, aos critérios de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial subjacentes à letra e ao espírito do artigo 23º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), do CIRC, tendo como pano de fundo a normalidade empresarial, a racionalidade económica e o escopo societário. Estamos claramente diante de uma modalidade de interest strippping, por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados ("disqualified interest"; "disallowed interest").

38. Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo, praticando por vezes taxas de juro superiores aos valores de mercado e gerando problemas crónicos de falta de liquidez na esfera do sujeito passivo, dificilmente poderá ser vista como uma atividade empresarial subordinada a padrões geralmente aceitáveis de racionalidade económica, como tal digna de consideração pelo direito fiscal. A possibilidade de dedução dos respetivos encargos financeiros em momento algum foi ou poderá ter sido concebida e admitida pelo legislador fiscal quando este cinzelou a redação atual do artigo 23.º do CIRC. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência aos princípios constitucionalmente estruturantes do ordenamento jurídico-tributário, a todos os factos e circunstâncias relevantes nas transações realizadas e aos efeitos económicos substanciais por elas produzidos na esfera dos sujeitos passivos, a menos que a lei remeta expressa e exclusivamente para a forma jurídica 23. Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia da substancia sobre a forma.

40. Os factos constantes dos autos não permitem demonstrar a existência de uma relação de causalidade económica (atual ou potencial) entre a assunção dos encargos financeiros em presença e a sua realização no interesse próprio da (...), de obtenção de lucro, atento o respetivo objeto.

 

Daí que se deva considerar devidamente fundamentada, por parte da AT, a não dedutibilidade fiscal dos juros incorridos nos exercícios de 2015 e 2016, por não preenchimento dos pressupostos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo que este constitui o único fundamento legal em que a AT sustenta a correção resultante da não aceitação da dedutibilidade para efeitos fiscais de encargos financeiros, sendo que é unicamente à luz daquela disposição legal que deve ser apreciada a legalidade da correção e consequente liquidação aqui em causa."

 

Da mesma forma, também no presente processo estamos perante a inexistência de factos que permitam demonstrar que existe uma relação de causalidade económica (atual ou potencial) entre a assunção dos encargos financeiros em causa e a sua realização no interesse próprio da A... de obtenção de lucro, pois, também aqui estamos perante uma operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo, não se vislumbrando qualquer tipo de vantagem económica significativa para a prossecução da atividade. Verifica-se mesmo, conforme quadros evidenciados no ponto III.1.5, a diminuição dos resultados líquidos apurados a partir da data da operação em causa.

Face a todo o exposto mantém-se a correção proposta à matéria coletável no valor de 2.361.228.16€ e, a correção à derrama estadual é de 70.836.84€ e não 70.837,146, conforme havia sido proposto no Projeto de Relatório.

 

 

 

  1.  Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2021..., a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021... e a Demonstração de acerto de contas n.º 2021... (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. A operação de aquisição do capital social da Requerente teve em vista concretizar uma ligação mais directa entre a exploração e a titularidade do activo que era o B... (depoimento da testemunha U...);
  3. Os activos do tipo do centro comercial referido nos autos eram bastante lucrativos em 2007, pelo que eram apetecíveis a terceiros (depoimento da testemunha U...);
  4. Em 06-12-2021, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 30-03-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

A testemunha U... é economista e consultor fiscal e assessorou a G.... e a B... relativa nas operações de financiamento relativas à aquisição pela segunda do capital social da primeira.

A testemunha aparentou depor com isenção e cm conhecimento dos factos que foram dados como provados com base em seu depoimento.

 

3. Matéria de direito

 

Em 2007, a Requerente contratou empréstimos no valor total de montante total de € 160.143.566,83, tendo em vista adquirir a totalidade das participações da G..., S.A. (doravante designada por "G...."), a qual detinha (e ainda detém) a propriedade do imóvel do centro comercial A... (designado, à data dos factos, por "B..."), imóvel este que estava e ainda está arrendado à Requerente.

A Requerente, no ano de 2017, suportou encargos financeiros no valor de € 5.506.595,97 e esses financiamentos.

Parte desses financiamentos, no montante de € 48.163.800,00, foram utilizados para efectuar empréstimos remunerados que produziram rendimentos no montante de € 2.441.637,10.

A Autoridade Tributária e Aduaneira na inspecção que fez à Requerente aceitou a relevância como gastos de parte desses encargos financeiros, no montante de € 1.656.130,14, para determinação do lucro tributável por serem a quota parte dos encargos financeiros relativos aos € 48.163.800,00, por entender quanto a esta parte dos financiamentos «verifica-se que os encargos financeiros suportados correspondentes ao valor dos empréstimos concedidos, cumprem com o disposto no art.º 23 do CIRC, uma vez que os mesmos vieram a originar a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC».

Quanto à parte restante dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2017, no montante € 3.850.465,83, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção à matéria tributável da Requerente por entender que não devem ser considerados, para efeitos de apuramento do lucro tributável de IRC, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, por existir uma duplicação dos encargos relativos a juros e os encargos financeiros, na parte em que não se relacionam com empréstimos concedidos, não se enquadram no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

Como a Requerente já tinha procedido ao acréscimo de um montante de gastos de financiamento líquidos no valor de € 1.489.237,67, por ultrapassarem o limite fiscal previsto no artigo 67.º do Código do IRC, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu ao acréscimo adicional de € 2.361.228,16, à matéria tributável.

 

3.1. Questão da duplicação dos encargos financeiros

 

3.1.1. Posições das Partes

 

A fundamentação essencial utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é a seguinte:

(i) Conforme já foi referido, a A... detinha uma participação de 100% na sociedade G... SA, NIF..., adquirida em 31 de Outubro de 2007.

(ii) Sendo esta empresa abrangida pelo regime da transparência fiscal por se tratar de uma sociedade de simples administração de bens, nos termos do artigo 6º do CIRC, imputa aos seus sócios a matéria coletável que apura anualmente.

(iii) Assim, e sendo a A... detentora de 100% da G..., verifica-se que 100% da matéria coletável desta última é imputada à A... .

(iv) Por sua vez, a G... detém no seu património um imóvel, designado "Centro comercial e parque comercial designado  A...", construído com recurso a um financiamento obtido no montante de 55.000.000,00€, relativamente ao qual tem vindo a suportar encargos financeiros.

(v) Dado que a G... configura uma empresa de simples administração de bens, conforme já foi referido, a matéria coletável foi integrada na sociedade A... e indiretamente os encargos financeiros mencionados no ponto anterior.

Ou seja, a sociedade A... está a suportar não só os encargos financeiros associados aos empréstimos contraídos para financiar a aquisição da participação no capital da sociedade participada (G...) que detém o imóvel, como também os encargos financeiros associados ao empréstimo contraído pela G... para financiar a construção do imóvel "Centro comercial e parque comercial designado I..." por via da transparência fiscal. Estamos, portanto, perante uma duplicação de encargos financeiros relacionados com o referido imóvel locado.

Ora, o elemento singular que caracteriza a situação sob análise e que propicia a dupla dedução de encargos financeiros tem a ver com a concentração, na mesma sociedade - o sujeito passivo - da posição de locatária e de sócia da sociedade locadora abrangida pelo regime da transparência fiscal, bem como de encargos financeiros, todos relacionados com o mesmo imóvel, que faz cumular, na sociedade, um conjunto de gastos e que, subverte os objetivos, nomeadamente o da neutralidade e do combate à evasão fiscal, prosseguidos pelo regime de transparência fiscal.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– houve dois financiamentos distintos:

  • Financiamento contraído pela Requerente para aquisição da participação no capital social da G... e não do imóvel, como a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece no ponto III.1.2.2. do RIT;
  • Financiamento contraído pela G... para construção/aquisição do imóvel;

– os juros inerentes a cada um dos financiamentos referem-se naturalmente a realidades distintas, sendo os primeiros suportados pela Requerente e os segundos suportados pela G...;

– os SIT não invocaram qualquer prática violadora das regras de preços de transferência;

– o preço de aquisição da G... ascendeu a € 118.522.228,97, por ser este o valor de mercado da participação social da G..., que decorria do valor dos seus ativos e passivos avaliados por uma entidade independente – a J...;

– assim, o facto de a Requerente ter adquirido a participação social da G... a uma entidade do mesmo Grupo económico não tem qualquer relevância para a discussão em apreço, pois condições praticadas foram aquelas que teriam sido praticadas caso a mesma tivesse sido adquirida a um terceiro;

– num cenário de aquisição direta do imóvel, em outubro de 2007, o valor de aquisição do imóvel não seria apenas de € 55.000.000, mas o valor de mercado do imóvel, que na altura foi avaliado por € 171.677.000, conforme avaliação independente;

– o financiamento contraído pela G... para a construção já foi tido em conta na definição do valor dos seus activos e do valor de aquisição do seu capital social, pelo que não existe qualquer duplicação de financiamentos, acrescendo o montante total financiado (tanto na esfera da Requerente como da G...) ao montante que teria sido financiado, caso a Requerente tivesse adquirido o imóvel diretamente a uma entidade independente e a G... não existisse.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira reitera a posição assumida no RIT, dizendo, em suma, especificamente sobre esta questão da duplicação dos encargos, que

– «por via da aquisição integral da Sociedade G..., S.A. e da sua tributação pelo regime de transparência fiscal, a Requerente integra em “duplicado” o registo de gastos de financiamento para uma mesma realidade económica: a exploração do «Centro Comercial e parque comercial H...»;

– «a Aquisição da sociedade G..., S.A. com recurso a financiamento intra-grupo traduz-se numa duplicação de encargos e deduções de gastos dentro do mesmo grupo. Daqui, pode dizer-se, resulta um empolamento dos juros devidos e potencialmente dedutíveis, com a consequente redução do lucro tributável, quando ao mesmo tempo se constata que a realidade económica ao nível a exploração do «Centro Comercial e parque comercial H...» se mantém como antes».

 

3.1.2. Apreciação da questão da duplicação dos encargos financeiros

A prova produzida mostra que não houve a duplicação dos encargos relativos a juros que a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca como suporte da correcção efectuada.

Na verdade, os juros suportados pela G... com o financiamento destinado à aquisição do imóvel, que são imputados à Requerente por via da imputação da matéria colectável daquela nos termos do regime de transparência fiscal, são distintos dos juros suportados pela Requerente com a aquisição da participação social, pois no preço desta foi considerado o passivo da G... .

Na verdade, o activo da G... era unicamente composto pelo imóvel correspondente ao centro comercial do I..., que «foi construído com recurso a um financiamento obtido no montante de 55.000.000,00€, relativamente ao qual tem vindo a suportar encargos financeiros», como se refere no ponto III.1.4. do RIT.

Quando a Requerente adquiriu as participações sociais da G..., o imóvel foi avaliado em € 171.677.000, conforme avaliação feita pela entidade independente J..., realizada em 15-10-2007, que consta do documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral do processo n.º 577/2017-T, que faz parte da certidão junta ao presente processo como documento n.º 5.

No entanto, a Requerente adquiriu a totalidade do capital social da G... por € 118.522.228,97, como se refere na alínea G) da matéria de facto fixada, o que permite perceber que, como diz a Requerente, o valor do passivo de € 55.000.000,00 foi tido em conta na fixação do preço de aquisição.

Sendo assim, o pagamento cumulativo de encargos relativamente aos empréstimos contraídos pela Requerente para aquisição das participações sociais (nos valores de € 69.473.566,83 e € 48.006.200,00) e pela G... para construção do imóvel (no valor de € 55.000.000,00) não envolve duplicação de encargos de financiamento, pois reportam-se a empréstimos diferentes e, em última análise, por via indirecta da aquisição das participações sociais da G..., esses encargos referem-se, no conjunto, ao financiamento da integração no património da Requerente de um imóvel de valor aproximadamente correspondente à soma daqueles empréstimos.

Pelo exposto, a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto, ao considerar que ocorreu duplicação de encargos de financiamento.

 

3.2. Questão do não enquadramento dos encargos financeiros no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC

 

3.2.1. Posições das partes

 

A fundamentação essencial utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira é a seguinte, quanto ao não enquadramento dos encargos financeiros no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na parte em que não se relacionam com empréstimos concedidos, é a seguinte, no essencial:

 

Ou seja, continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro, resultando desta correlação direta, a aceitação da sua dedutibilidade para efeitos fiscais.

(...)

A operação de financiamento em causa compromete os níveis de rendibilidade da empresa, que apenas encontra motivação num propósito de evitar a tributação em território nacional da atividade exercida pelo sujeito passivo através da "drenagem" de resultados subjacente ao pagamento de juros.

(...)

ainda que o sujeito passivo por via da aquisição de 100% do capital social da G... esteja a imputar uma parte da matéria coletável desta sociedade (influenciada pelos encargos financeiros que esta suporta relativo ao empréstimo para construção do imóvel cuja exploração constitui a sua única atividade) por aplicação do regime da transparência fiscal prevista no artigo 6º do CIRC, esta é absorvida pelos encargos que o sujeito passivo incorpora nos seus resultados;

(...)

Ocorre «manifesta verificação da inexistência do interesse económico da operação, é patente no facto de nada se ter alterado no que diz respeito às relações comerciais estabelecidas entre as duas empresas, ou no que à atividade exercida por cada uma, diz respeito.

Ou seja, a A... pagava e (continua a pagar) uma renda pela exploração do Complexo Comercial denominado "I...", à G..., cuja atividade consiste exclusivamente na cedência deste espaço, que constitui o seu único património».

Face ao exposto, não decorre dos factos apurados qualquer acréscimo de valor, decorrente da operação, no seio da sociedade B..., à data.

(...)

a sociedade tem como objeto social a "compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como quaisquer outros actos ou transacções directamente relacionados com a supra mencionada actividade", ou seja, não se vislumbra a razão do negócio da compra da participação social na G... nem a ligação com o seu objeto social, fugindo ao seu objetivo, pois a atividade do sujeito passivo não corresponde à compra e venda de participações sociais.

(...)

assim que apesar de o sujeito passivo incorporar 100% da matéria coletável apurada pela G... (decorrente do regime da transparência fiscal), este acréscimo não é suficiente para compensar o efeito negativo resultante dos encargos que teve que suportar para a aquisição da participação no capital daquela sociedade.

(...)

coloca-se em causa a motivação económica que subjaz à operação de financiamento destinada à aquisição de uma sociedade por outra do mesmo Grupo, quando a mesma já era detida a 100% pelo Grupo.

Não há qualquer tipo de vantagem para a prossecução da atividade, ou manutenção da fonte produtora da A..., visto que a sociedade adquirida já se encontrava em situação de domínio do Grupo (as operações entre ambas já eram decididas no seio do grupo), antes pelo contrário, pois ao suportar elevados encargos com os empréstimos a empresa passou a uma situação económica/financeira delicada, conforme o demonstram os prejuízos acumulados, os capitais próprios negativos e a falta de liquidez, falta de liquidez essa traduzida na impossibilidade de pagamento da totalidade dos juros devidos no exercido em análise.

 

Salienta-se ainda o facto de a sociedade adquirida ter como única atividade o arrendamento à sociedade adquirente, de um imóvel de que é proprietária, ficando a A..., a pagar renda de um imóvel de que (embora por via indireta) é proprietária em 100%. Ou seja, a situação do arrendamento não se alterou por via da aquisição. Nem seria previsível que tal viesse a acontecer, visto que as operações entre ambas já eram decididas no seio do Grupo, isto é, objetivamente não existiu qualquer vantagem nesta operação financeira.

(...)

 

Uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo dificilmente poderá ser vista como uma atividade económica como tal digna de consideração pelo direito fiscal.

(...)

conjunto de negócios intra-grupo de mera reafectação de titularidade e de redistribuição de encargos, sem modificação de participações sociais já anteriormente pertencentes ao grupo, dificilmente se aceitará como uma atividade económica digna de consideração pelo direito fiscal".

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– os encargos financeiros suportados pela Requerente serão considerados dedutíveis, à face do artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CIRC, na redacção de 2014, se se concluir, que os mesmos foram incorridos ou suportados com o objetivo de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, tendo-se deixado de fazer referência ao requisito da indispensabilidade;

– devem entender-se como gastos cobertos pelo artigo 23.º do CIRC todos aqueles que são incorridos ou suportados pela empresa em prol da prossecução dos seus interesses - e não de terceiros - que serão todos aqueles conformes ao seu objeto social;

– a obtenção de um financiamento para a aquisição da participação social na entidade detentora do imóvel I... é uma operação realizada nos interesses de uma empresa que tem como objeto social “a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do I..., bem como quaisquer outros actos ou transações diretamente relacionados com a supra mencionada atividade”;

a indedutibilidade tem em que ficar circunscrito, única e exclusivamente, aos gastos que comprovadamente não tenham sido incorridos com a intenção de obter rendimentos em conformidade com o perfil lucrativo da empresa;

– a AT extravasou os seus poderes, imiscuindo-se nos atos de gestão da Requerente e do grupo económico no qual se encontrava inserida à data dos factos, rejeitando os gastos em apreço com base em critérios de racionalidade ou eficiência económica não previstos ou exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC;

– a legislação fiscal tem regras e mecanismos próprios para proteger a integridade do sistema fiscal da prática de operações abusivas, sem substância económica, nomeadamente a cláusula geral anti abuso e as regras relativas a preços de transferência;

– apesar dos SIT alegarem não vislumbrarem qualquer “motivação económica” na realização da operação em apreço – fundamento este que sustenta, em exclusivo, a rejeição da dedutibilidade dos gastos financeiros em apreço – os mesmos não censuram qualquer prática abusiva no caso concreto, nem invocam a aplicação dos meios legais acima referidos – esses com critérios, requisitos e procedimentos próprios – limitando-se a invocar o artigo 23.º do Código do IRC, o qual não exige qualquer comprovação de eficiência económica dos gastos para a sua aplicação;

– com a operação de aquisição do capital social da G..., a Requerente passou a ser proprietária indireta de um centro comercial que, naturalmente, gerará benefícios económicos quer da sua exploração, quer da eventual alienação futura;

– é este o racional económico subjacente a qualquer aquisição de ativos, não existindo qualquer especificidade nas condições e motivações da operação em apreço que a distinga de uma qualquer outra operação de aquisição de ativos realizada no mercado;

– o facto de a G... ser controlada pelo Grupo em nada muda o facto da Requerente ter passado a deter um ativo que antes não tinha, pelo que os benefícios económicos deste ativo irão ser gerados na sua esfera, sendo, aliás, da sua perspetiva que deve ser aferido o critério de obtenção de rendimentos sujeitos a IRC previsto no artigo 23.º do Código do IRC e não das outras empresas do grupo;

– a detenção de um ativo (que antes não tinha) tem a potencialidade de gerar rendimentos sujeitos a IRC na sua esfera, em conformidade com os seus interesses individuais, que não seriam gerados sem a aquisição da participação social em apreço;

– não é pelo facto de a operação em apreço configurar uma operação intra-grupo que deixa de estar verificado este interesse individual da Requerente, bem como o nexo de causalidade económica entre os gastos suportados com a aquisição da G... e os benefícios económicos que venham a resultar deste ativo para a Requerente;

– a capacidade dos grupos económicos em reorganizarem-se é algo que decorre da sua liberdade empresarial em decidir os seus destinos, cabendo, exclusivamente, aos gestores definir a estrutura organizacional que melhor se adequa aos seus objetivos económicos;

– foi no exercício desta liberdade empresarial que o grupo económico onde a Requerente se inseria decidiu consolidar os riscos e benefícios económicos associados ao centro comercial I... numa única entidade (Requerente), sendo esta uma das razões que motivaram a aquisição da G... por parte da Requerente;

– o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira levaria à conclusão de que as entidades em situação de relação especiais estão impedidas de praticar operações que duas entidades independentes podem praticar;

– a aplicação da cláusula geral antiabuso depende da utilização de um procedimento próprio que não foi utilizado e da verificação de requisitos que não foi feita;

– o artigo 23.º do Código do IRC, o qual não versa sobre situações de planeamento fiscal abusivo, mas somente sobre se os gastos incorridos visaram, ou não, a garantia ou obtenção de rendimentos sujeitos a IRC;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que a operação de financiamento em causa compromete os níveis de rentabilidade da empresa”, acrescentando “que para além da mesma não ter capacidade para potenciar os resultados do sujeito passivo, ainda colocou em causa o seu propósito – o lucro”, mas a obtenção de resultados positivos não é condição de dedutibilidade de gastos, que deve ser apurada com base nos dados disponíveis quando a operação é realizada;

– os resultados económicos decorrentes da operação de aquisição da G... não se circunscrevem apenas aos anos compreendidos entre 2008 e 2013 - identificados pelos SIT como sendo anos de resultados negativos - continuando a prolongar-se no tempo com resultados positivos;

– a consolidação da propriedade (ainda que indireta) do imóvel na esfera do arrendatário (i.e. a Requerente) tem necessariamente como efeito o aumento do seu resultado fiscal, por via da aplicação do regime de transparência fiscal, por força da neutralização do gasto que tinha com rendas que deixou de influenciar negativamente a sua matéria coletável;

– ainda que os gastos de financiamento suportados influenciem, também, negativamente o seu resultado fiscal, os mesmos foram temporários, por oposição à neutralização dos gastos com as rendas acima referida que se perpetua no tempo;

– os actos impugnados são ilegais por vício de violação de lei, em especial do disposto no artigo 23.º do CIRC, mas violam também o disposto nos artigos 103.º, n.º 3 e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (adiante abreviadamente designada por CRP) e o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 2, 8.º e 11.º da LGT;

– caso subsistam dúvidas ao Tribunal, a Requerente apela à aplicação do disposto no artigo 100.º da LGT, que determina que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida no Relatório da Inspecção Tributária, dizendo o seguinte, em suma, invocando jurisprudência arbitral:

 

– os tribunais devem respeitar o tratamento fiscal de uma transação reclamado por uma sociedade a) se a mesma possuir um propósito empresarial não fiscal para realizar a transação e b) se a transação tiver melhorado significativamente a posição económica da sociedade;

– as taxas de juro praticadas afiguram-se muito elevadas em relação ao risco de incumprimento, o qual, atendendo às relações especiais entre as sociedades em presença seria zero ou muito próximo do zero;

– trata-se de uma situação manifesta de juros excessivos, com forte impacto no lucro tributável, a que a autoridade tributária dificilmente poderia dar cobertura jurídica;

– nem o contribuinte nem a posição financeira dos credores do grupo conhecerem qualquer alteração económica significativa;

– mesmo que haja um propósito comercial na operação – o que não é certo diante da permanência da realidade económica subjacente – o objetivo de reduzir a exposição fiscal, com a consequente redução da base tributária, afigura-se manifestamente preponderante (principal purpose test);

– estamos claramente diante de uma modalidade de interest stripping, por sinal uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária. Os juros excessivos gerados e pagos no quadro das operações de financiamento analisadas devem ser considerados juros desqualificados (“disqualified interest”). Tanto mais, quanto é certo que as normas sobre custos dedutíveis devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os objetivos anti-elisão que presidem a todo o ordenamento jurídico nacional, europeu e internacional, devendo ser utilizadas para prevenir a erosão da base tributável;

– uma montagem de operações de crédito dentro de um grupo para financiar uma aquisição de participações sociais já pertencentes ao grupo dificilmente poderá ser vista como uma atividade económica como tal digna de consideração pelo direito fiscal. Os conceitos jurídico-fiscais devem ser sempre entendidos por referência a efeitos económicos reais, a menos que a lei remeta exclusivamente para a forma jurídica. Na interpretação e aplicação do direito fiscal deve aplicar-se o princípio da primazia à substância sobre a forma;

– não está demonstrado que os gastos de financiamento aqui em questão cumprem os requisitos estatuídos na letra e no espírito do artigo 23º do CIRC para serem aceites fiscalmente na medida em que não se demonstra que à assunção dos mesmos presidam critérios de racionalidade económica;

– não se demonstra que os empréstimos foram contraídos no interesse exclusivo da empresa entendida como uma entidade jurídica e tributariamente autónoma e de perfil lucrativo e que se encontram verificadas as características de razoabilidade, habitualidade, adequação e necessidade económica e comercial intrínsecas à disposição do mencionado artigo 23º do CIRC;

– pese embora a existência de uma cláusula geral e de cláusulas especiais antiabuso, e, bem assim, de normas específicas sobre preços de transferência, earnings stripping ou thin capitalization, toda a legislação fiscal deve ser interpretada e aplicada, na sua unidade sistémica, de maneira a refrear a erosão da base tributária e a transferência de lucros. Trata-se de levar a cabo uma interpretação teleológica, atenta ao objeto, propósito e espírito das normas fiscais, prevenindo a sua utilização manifestamente abusiva através de sofisticadas e agressivas operações de planeamento fiscal.

 

 

3.2.2. Apreciação da questão do não enquadramento dos encargos financeiros no artigo 23.º do CIRC

 

O artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 23.º

 

Gastos e perdas

 

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

 

 

c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;

 

 

Na redacção anterior deste n.º 1 do artigo 23.º estabelecia-se que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

            À face desta anterior redacção do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, foi-se estabilizando o entendimento doutrinal e jurisprudencial no sentido de para ser permitida a dedutibilidade de

 

gastos e para se demonstrar sua indispensabilidade para obtenção de rendimentos sujeitos a imposto não era necessária uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, bastando que aqueles fossem suportados no interesse da empresa, como foi reconhecido nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21-9-2016, processo n.º 0571/13 e de 15-11-2017, processo n.º 0372/16:

I – No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar quanto à indispensabilidade como requisito para que um custo seja dedutível na determinação da matéria tributável para efeitos de IRC (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção anterior a 2009), está completamente arredada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.

II – No mesmo entendimento, um custo será aceite fiscalmente desde que, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios.

 

            À face desta jurisprudência, não se considerava necessária, para admissão da dedutibilidade de gastos, a existência de uma relação de causalidade entre os gastos e a obtenção de rendimentos, mas a dedutibilidade é assegurada sempre que ela ocorra e não exista norma especial que a afaste: «serão indispensáveis, em primeiro lugar, os custos que apresentem conexão com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto» ( [2] ).

            A nova redacção do artigo 23.º, ao referir «todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC» não é, neste ponto, substancialmente diferente da utilizada na redacção anterior do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, pois nela já de incluía uma referência ao referir que a realização de gastos «para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», que, como se referiu, era interpretada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como não exigindo uma relação de causalidade entre gastos e rendimentos, mas assegurando a dedutibilidade quando essa relação exista.

            No caso em apreço, constata-se, desde logo, que a Requerente tem como objecto social «a compra e venda do imóvel do centro comercial designado como I..., bem como o arrendamento, exploração e gestão do I..., bem como quaisquer outros actos ou transacções diretamente relacionados com a supra mencionada actividade», pelo que a aquisição da totalidade do capital social da G... se integra no seu objecto social, na medida em que lhe proporciona a titularidade indirecta do imóvel, e a consequente possibilidade de o vender, obtendo mais-valias, que não lhe proporcionava a qualidade de arrendatária que tinha antes da aquisição.

            Por outro lado, em face da obtenção de lucro tributável pela Requerente em todos os anos de 2014 a 2019, inclusive, não pode deixar de entender-se que, apesar de ter contraído os empréstimos, as está em condições de obter lucros.

Para além disso, os empréstimos proporcionaram imediatamente à Requerente os rendimentos das rendas, que pagou como arrendatária e que lhe foram imputados por via da aplicação à G... do regime de transparência fiscal, pelo que, no mínimo, haveria erro da Autoridade Tributária e Aduaneira ao desconsiderar a relevância como gastos da totalidade dos encargos financeiros suportados com os empréstimos (na parte em que não foram utilizados para efectuar empréstimos), pois há uma relação de causalidade indirecta comprovada entre a aquisição das participações da G... e a obtenção de rendimentos das rendas, tributáveis em IRC, que tal aquisição proporcionou à Requerente. Na verdade, trata-se de rendimentos que a Requerente não obteria se não tivesse efectuado essa aquisição, assumindo a propriedade indirecta do imóvel do centro comercial, o que só lhe foi possível através dos financiamentos.

Por isso, não corresponde à realidade a afirmação que consta do RIT de que «as operações de obtenção de financiamento não produziram qualquer efeito significativo na posição económica das sociedades intervenientes», que desde logo, conduz à conclusão de que a correcção efectuada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto.

Para além disso, não se pode concluir que os gastos de financiamento não foram incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, quando se tributam os rendimentos que só puderam ser obtidos com uma aquisição baseada nesses financiamentos.

Em face do exposto, tem de se concluir que a obtenção dos empréstimos obtidos tendo em vista a aquisição daquelas participações sociais é um acto praticado no interesse individual da Requerente, pois integra-se no seu objecto social e tinha e tem potencialidade para lhe proporcionar lucros futuros, designadamente a título de mais-valias e rendimentos de rendas. ( [3] )

Mas, mesmo que não se tivessem verificado esses lucros e a Requerente não tivesse recebido esses rendimentos tributáveis em IRC, o hipotético insucesso comercial da operação não afastaria a dedutibilidade pois, como entende o Supremo Tribunal Administrativo, «um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)». ( [4] )

Por outro lado, existindo nexo de causalidade entre a realização de um gasto e a possibilidade de obtenção de rendimentos pelo sujeito passivo, está assegurada a dedutibilidade, à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, se não for afastada por aplicação de normas especiais, como são as que prevêem situações específicas de indedutibilidade (artigo 23.º-A do CIRC), as que prevêem as possibilidades de correcções com base nos regime dos preços de transferências (artigo 63.º do CIRC) e de aplicação da cláusula geral antiabuso (artigo 38.º da LGT) e as que prevêem limites aos gastos de financiamento (artigo 67.º do CIRC).

No caso em apreço, é manifesto que a situação dos autos não se enquadra em qualquer das previstas no artigo 23.º-A do CIRC e a Autoridade Tributária e Aduaneira, no Relatório da Inspecção Tributária, que constitui a fundamentação das correcções que efectuou, não enquadrou a actividade da Requerente em qualquer das situações previstas no artigo 23.º-A do CIRC. Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não efectuou qualquer correcção com base no regime dos preços de transferência, nem aplicou a cláusula geral antiabuso, embora venha dizer no presente processo que a taxa de juro era excessiva.

 

 

 

Mas, a fundamentação relevante para aferir da legalidade ou ilegalidade das liquidações é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária, pois o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele]. Por isso, os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [5] )

Por outro lado, o facto de a Requerente se integrar num grupo e a circunstância de a obtenção dos empréstimos se inserir na sua estratégia empresarial não pode afectar o juízo sobre a dedutibilidade dos encargos à face do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para determinação do lucro tributável da Requerente, pois, mesmo nos casos em que é aplicável o regime especial de tributação de grupos de sociedades, a determinação do lucro tributável tem de fazer-se, em primeira linha, a nível de cada sociedade que o integra, como se infere do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC, em que se estabelece que «o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo», o que tem ínsito que a determinação do lucro tributável é efectuada com ponderação do interesse empresarial dos gastos de cada uma das sociedades e não à luz do interesse do grupo.

Para além disso, o eventual planeamento fiscal que tenha sido efectuado a nível do grupo não foi objecto de censura no procedimento tributário pela Autoridade Tributária e Aduaneira por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral antiabuso.

Assim, está afastada a possibilidade de não aceitação dos gastos de financiamento em causa com base no regime dos preços de transferência (que era o regime que poderia ser aplicado no caso de a taxa de juro ser superior à que seria acordada entre pessoas independentes) ou aplicação da cláusula geral antiabuso, que depende de um procedimento próprio (artigo 63.º do CPPT), que não foi utilizado, e acentuada exigência de requisitos substanciais (enunciados no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, que não foram invocados como fundamento das correcções), e formais (previstos no artigo 63.º do CPPT, em que se inclui uma imprescindível autorização do dirigente máximo do serviço, que não foi dada, no caso em apreço).

Por outro lado, quanto à limitação geral à dedutibilidade dos gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º do CIRC, foi adequadamente aplicada pela própria Requerente, como é reconhecido no RIT, não podendo ser ampliada a limitação a situações aí não previstas.

Mas, a possibilidade de as operações de financiamento realizadas no interesse da empresa poderem, concomitantemente, interessar também a terceiros, a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira, não está prevista como fundamento de indedutibilidade dos encargos de financiamento, nem se compreenderia que estivesse, pois a generalidade das operações de empréstimos remunerados interessarão também a terceiros, designadamente ao credor que recebe os juros, seja ou não entidade do mesmo grupo, e, em última análise, a generalidade da actividade das sociedades comerciais, que são uma ficção jurídica, aproveita às pessoas individuais que, directa ou indirectamente, são titulares do seu capital social.

De qualquer modo, pode acrescentar-se, tendo em mente o acórdão arbitral proferido no processo arbitral n.º 180/2018-T, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nas suas alegações, que, a serem admissíveis correcções relativas a operações de planeamento fiscal abusivo à margem do regime procedimental da cláusula geral antiabuso (a que se reconduz a posição adoptada naquele acórdão), essas correcções não podiam deixar de ter como limite quantitativo o que fosse necessário para eliminação das vantagens fiscais indevidas (como decorre da parte final do n.º 2 do artigo 38.º da LGT, na redacção Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, vigente em 2017), o que, numa situação de operação de planeamento no âmbito de um grupo em que os juros suportados por uma das sociedades foram recebidos por outras do mesmo grupo, obstaria a que fosse recusada a dedutibilidade de todos os encargos sem ponderar concomitantemente os efeitos tributários positivos dessa operação, a nível da tributação dos juros na esfera das entidades credoras, o que é também exigência dos princípios da tributação do rendimento das empresas com base na capacidade contributiva e incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP).

            Assim, conclui-se que a aquisição das participações sociais da G... enquadra-se no conceito de gastos incorridos «para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC», adoptado no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC e a dedutibilidade não é afastada por qualquer disposição especial.

            Por isso, a correcção efectuada ao abrigo do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC e as liquidações de IRC e juros compensatórios com base nela efectuada, bem como a demonstração de acerto de contas, enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

4. Restituição de quantia paga indevidamente e juros indemnizatórios

 

         Em 06-12-2021, a Incorporada da Requerente pagou as quantias liquidadas, no montante de € 673.049,73, e pede o seu reembolso, acrescido dos juros indemnizatórios.

         De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga, no montante de € 673.049,73.

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso em apreço, conclui-se que há erro nas liquidações imputáveis aos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi esta que as elaborou por sua iniciativa.

Os juros indemnizatórios devem ser contados desde 06-12-2021, data em que a Requerente efectuou o pagamento das quantias liquidadas, até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1.  Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IRC n.º 2021..., a liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021... e a Demonstração de acerto de contas n.º 2021...;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 673.049,73;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4. deste acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 673.049,73, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 02-12-2022

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(relator)

 

(Diogo Feio)

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

 



[1] Atualmente tem a designação de S... MBH;

[2] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-12-2019, processo n.º 1775/15.8BELRA 01299/17.

[3] De resto, à semelhança do que se faz no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 2887/13.8BEPRT, «sendo o objecto da sociedade a aquisição da A…, o financiamento obtido para esse efeito, indubitavelmente, foi contraído para um fim social, sendo indispensável na medida em que a sociedade não detinha fundos próprios bastantes e destinava-se à obtenção de ganhos sujeitos a IRC».

[4] Acórdão o Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2017, processo n.º 0627/16.

[5] Como é jurisprudência pacífica, de que são exemplo os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 22–03–2018, processo nº 0208/17, e de 28-10-2020, processo n.º 2887/13.8BEPRT.