Sumário:
I – Não são contrárias à lei, salvo se vier a ser demonstrada a existência de negócio artificioso com base na cláusula geral antiabuso, as operações de fusão por incorporação numa sociedade subsidiária de um grupo societário de outras sociedades cujas participações sociais por ela haviam sido adquiridas, e a subsequente transferência para a entidade incorporante dos encargos financeiros com o contrato de mútuo realizado pela empresa mãe para financiar essa aquisição;
II - Concluindo-se que os encargos inerentes aos financiamentos incorridos num momento anterior à fusão, tendo em vista a aquisição de participações sociais, poderiam potenciar, na perspetiva das entidades intervenientes, a geração de rendimentos e lucros, esses encargos são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do Código de IRC, não obstante a operação de fusão por incorporação.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
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A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., ..., ...-... …, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação adicional n.º 2019..., bem como do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., referentes ao período de tributação de 2015, com um valor a pagar de € 218.862,53, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
Em 13 de março de 2008, o Grupo B..., tendo como empresa-mãe a C... BV, sociedade de direito Holandês, criou a D..., Unipessoal, Lda., posteriormente denominada A..., S.A.
Em 7 de abril de 2008, foi celebrado, entre a D... Lda. e E... BV, na qualidade de promitentes-compradores, e a Família F... e a G... SGPS SA, na qualidade de promitentes-vendedores, pelo preço de € 12.500.000,00, um contrato promessa de compra e venda das participações sociais de sociedades locais que exerciam a mesma atividade: H..., S.A., I..., Lda., J..., Lda., K..., Lda., L..., Lda. e M... Lda.
O contrato de compra e venda, outorgado em 23 de junho de 2008, implicou que o Grupo B... tivesse de recorrer a um financiamento na referida importância junto da instituição bancária N... BANK NV, o qual foi depois alocado à D... Lda., mediante um acordo de financiamento entre esta entidade e a sua acionista única.
Em 5 de dezembro de 2008, houve lugar a uma reorganização do Grupo B... em Portugal, mediante a fusão por incorporação das sociedades H..., I..., J..., K... e L... na D..., Unipessoal, Lda., posteriormente denominada A..., S.A.
A fusão por incorporação visou simplificar a estrutura societária do Grupo B... em Portugal, facilitando a gestão das várias unidades de negócio em que o mesmo se encontra envolvido e maximizando as sinergias e os proveitos das sociedades que integram o grupo, implicando que passasse a existir uma estrutura única e centralizada.
A Autoridade Tributária veio questionar, em sede de procedimento de inspeção, os gastos financeiros decorrentes de encargos pagos pela Requerente à sua acionista, que, no exercício de 2015, ascenderam a € 771.685,00, por considerar que esses gastos não são dedutíveis para efeitos fiscais à luz do disposto no artigo 23.º do CIRC, vindo a entender que esses custos, relacionados com a aquisição das sociedades que compunham o Grupo B... Portugal deveriam ter sido refletidos apenas na E... BV.
Entende a Requerente que os encargos financeiros incorridos com a aquisição das participações o foram no interesse da empresa, sem os quais não teria sido possível adquirir as sociedades que compunham o Grupo B... Portugal, nem gerado os resultados económicos daí decorrentes, e não incumbe à Administração sindicar, para efeito da dedutibilidade dos custos, o mérito ou demérito das decisões estratégicas adotadas pela Requerente, que se enquadram no âmbito da sua gestão empresarial e estão relacionados com a sua atividade.
A Autoridade Tributária, na resposta, sustenta que os gastos de financiamento não são fiscalmente dedutíveis atento o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, tendo em consideração que a Requerente se encontra numa situação de relações especiais com E... BV, sendo detida a cem por cento por esta entidade, que, por sua vez, é detida a cem por cento pela C... BV. E a alocação à Requerente de recursos financeiros resulta de um processo de decisão, imputado aos investidores do Grupo B..., onde se entendeu por vantajoso incumbir a Requerente de adquirir a totalidade do capital social do grupo O..., o que revela que há elementos da aquisição das participações sociais que estão «fora do interesse da sociedade», na medida em que estão subordinados à estratégia definida pelo grupo B... .
Por outro lado, o objeto social da Requerente consiste exclusivamente na “fabricação de embalagens de plástico” e na “valorização de recursos não metálicos”, e não tendo como atividade estatutária a compra e venda de participações sociais dificilmente se poderá discernir a ligação da aquisição de cem por cento do capital da A... possa ter com a sua atividade operacional.
Ficando demonstrado que o empréstimo em causa, tendo sido disponibilizado por uma empresa em relação de domínio com a Requerente, não foi aplicado na própria empresa, mas sim na aquisição das participações financeiras das empresas que constituíam o originário grupo O... .
E nesse sentido, a Autoridade Tributária conclui que os gastos financeiros não são dedutíveis porque os recursos financeiros não foram aplicados na exploração da atividade da empresa.
2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 21 de outubro de 2022, foi determinado o prosseguimento para alegações pelo prazo sucessivo de dez dias, que foi prorrogado por mais dez dias, a solicitação da Requerente, concedendo-se igual faculdade à Autoridade Tributária.
As partes apresentaram alegações em 15 de novembro de 2022, mantendo as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 14 de junho de 2022.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
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Na década de 1950, foi fundado nos Países Baixos o Grupo B..., que se dedicava inicialmente ao fabrico de isolantes em cortiça e passou a fixar-se, mais tarde, no fabrico de poliestireno expansível e à produção e venda de produtos em poliestireno expandido (EPS) e polipropileno expandido (EPP).
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O Grupo B... tem como “empresa-mãe” a sociedade C... BV, entidade constituída ao abrigo do direito holandês.
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Para além da sociedade dominante (C... BV), o Grupo constitui uma sub-holding que detém todas as entidades subsidiárias residentes nos Países Baixos (C... BV) e uma outra sub-holding que detém as subsidiárias fora daquele território (E... BV), sociedades com sede na Holanda.
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No âmbito do seu plano estratégico para 2008-2010, a E... BV constituiu, em 13 de março de 2008, a sociedade D... Unipessoal Lda., posteriormente denominada A..., S.A. (ora Requerente).
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Em 23 de junho de 2008, a D... Unipessoal Lda. e a E... BV celebraram, pelo valor global de € 12.500.000,00, um contrato de compra e venda de participações sociais das sociedades H..., S.A., I..., Lda., J..., Lda., K..., Lda., L..., Lda. e M... Lda.
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Estas eram sociedades locais que exerciam atividades congéneres da D... Lda. e integravam o grupo O... .
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Para adquirir as participações sociais das entidades mencionadas na antecedente alínea E), a E... BV recorreu a um financiamento junto da instituição bancária N... BANK NV, no valor de € 12.500.000,00.
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A D... Unipessoal Lda. passou a suportar os juros do empréstimo na sequência de um acordo de financiamento celebrado, em 16 de julho de 2008, entre essa entidade e a E..., BV e os respetivos montantes financeiros foram transferidos para a E..., BV.
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Os juros relativos ao financiamento foram contabilizados como gastos da D... Unipessoal, Lda. nos anos de 2014, 2015 e 2016 nos montantes de € 486.558,00, € 771.685,00 e € 221.724,00, respetivamente.
J) No âmbito de uma reorganização do Grupo B..., em 5 de dezembro de 2008, foi realizada a fusão por incorporação, na D..., das sociedades H..., S.A., I..., Lda., J..., Lda., K..., Lda. e L..., Lda., tendo a sociedade incorporante alterado a sua designação social para A..., SA.
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Em 27 de julho de 2012, foi realizada a fusão por incorporação na A..., SA. da sociedade M... Unipessoal Lda.
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As operações de fusão por incorporação visaram os objetivos de restruturação comercial, através da concentração, numa única entidade das sociedades em que a D... detinha participações sociais e a racionalização dos recursos/meios disponíveis mediante a criação de uma estrutura única e centralizada (doc. n.º 10 junto ao pedido arbitral).
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A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva externa de âmbito parcial em IRC, credenciada pela Ordem de Serviço 0I2018..., com referência ao período de tributação de 2015, e em vista à análise e controlo das operações financeiras intragrupo.
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Os serviços inspetivos, na sequência da ação de inspeção, concluíram pela desconsideração fiscal dos gastos financeiros suportados pela Requerente relacionados com os encargos associados à obtenção do financiamento bancário pela E... BV, e que originou a liquidação adicional de IRC n.º 2019..., com um imposto a pagar de € 218.862,53.
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A liquidação adicional teve por base o Relatório de Inspeção Tributária, que consta do processo administrativo junto com a resposta, que aqui se dá como reproduzido (PA, págs. 1-51), e cuja conclusão é do seguinte teor:
III.1.4.7. Conclusão
Em suma, no caso em análise, conforme já demonstrado, os pagamentos de "jurosi' efetuados pela A... SA à E... BV, redundaram na obtenção de um duplo benefício fiscal, consubstanciado em primeira instância na diminuição do lucro tributável em sede de IRC (Portugal) e em segunda na Isenção de tributação (Holanda).
Se, pelas suas características, estes juros são qualificados e tributados (isentos) pela empresa beneficiária na Holanda porquanto se subsumem a lucros distribuídos, e atento ao princípio da substância sob a forma, o que agora se pretende em Portugal é tão só ter em atenção o mesmo tratamento e em consequência desreconhecê-los enquanto gastos fiscalmente dedutíveis no cálculo do lucro tributável na empresa que os suportou.
Deve entender-se, em face do exposto, que não se encontra preenchidos os critérios de elegibilidade de gastos do artigo 23.º do IRC, à luz de critérios objetivos de normalidade empresarial e racionalidade económica e do escopo societário. Estamos claramente diante de uma das formas típicas de transferência de lucros e erosão da base tributária.
Tanto mais, quanto é certo que as normas sobre custos dedutíveis devem ser interpretadas e aplicadas em conformidade com os objetivos antielisão que presidem a todo o ordenamento jurídico nacional, europeu e internacional, devendo ser utilizadas para prevenir a erosão da base tributável,
Na sequência de um encadeamento das operações de restruturação empresarial os valores dos juros não foram sujeitos a tributação nalgum dos patamares da cadeia de transferência intersocietária.
Assim, o montante dos juros pagos peia A... SA a desconsiderar ascende ao montante de €221.724,00, €771.685,00 e €486.55,00, respetivamente nos anos de 2016, 2015 e 2014, com o subsequente resultado que seguidamente se apresenta.
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A Requerente apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação adicional, que foi indeferido pelo despacho do chefe de divisão, de 17 de novembro de 2017, praticado com subdelegação de competência.
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A decisão de indeferimento da reclamação graciosa baseou-se na informação dos serviços que consta do processo administrativo junto com a resposta, que aqui se dá como reproduzido (PA 3, págs. 182-195).
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Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Requerente interpôs recurso hierárquico, que foi objeto de indeferimento por despacho da Diretora de Serviços do IRC, de 27 de dezembro de 2021, praticado com delegação de competência.
R) A decisão de indeferimento do recurso hierárquico baseou-se na informação dos serviços que consta do processo administrativo junto com a resposta, que aqui se dá como reproduzida (PA 4, págs. 243-257).
S) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto em dívida.
T) O pedido arbitral deu entrada em 29 de março de 2022.
Factos não provados
Não há factos não provados que revelem para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.
Matéria de direito
5. Dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais
5. A Autoridade Tributária procedeu à correção da liquidação de IRC da Requerente, relativamente ao exercício de 2015, por considerar não serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, os encargos financeiros decorrentes do empréstimo realizado através de instituição bancária pelo Grupo B..., que foi utilizado para a aquisição de participações de outras sociedades que foram entretanto incorporadas, por fusão, na D..., que passou a designar-se A..., S.A.
Na sequência da transmissão do capital social, a Requerente passou a assumir os encargos financeiros resultantes do financiamento (empréstimo bancário) que tinha servido para a aquisição das participações sociais e, posteriormente, houve lugar à fusão por incorporação na Requerente das sociedades adquiridas.
Neste condicionalismo, a Administração Tributária sustenta que os rendimentos gerados pela atividade da sociedade incorporante passaram a suportar os custos com a aquisição de capital das outras sociedades, e, nesse sentido, os fundos não estão a ser utilizados na respetiva exploração nem constituem fonte produtora dos proveitos ou ganhos que resultem da sua atividade empresarial, pelo que os mesmos não reúnem os requisitos de indispensabilidade e correlação que são exigidos pelo artigo 23.º do Código do IRC.
Em contraposição, a Requerente considera que, tendo em atenção que a incorporante beneficiária da fusão agregou a realidade jurídico-económica que existia nas sociedades incorporadas, os critérios do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC devem ser aferidos no contexto empresarial próprio da entidade que deduz os gastos devendo atribuir-se a estes custos uma conexão empresarial com a atividade da Requerente, enquanto sociedade incorporante.
Estando em causa a dedutibilidade, para efeitos fiscais, de gastos de financiamento incorridos com a aquisição de participações sociais de sociedades que passaram a integrar a Requerente, por efeito de uma operação de fusão por incorporação, interessa ter presente, num primeiro momento, a disposição do artigo 23.º do Código de IRC.
Na redação resultante da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, e aplicável ao período de tributação em análise, o n.º 1 desse preceito passou a dispor que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Embora a nova redação tenha afastado o requisito de indispensabilidade do gasto, continua a ser exigível, para a sua relevância fiscal, a conexão entre os gastos e o interesse empresarial, ainda que não significando uma necessária relação causal entre os gastos e os rendimentos.
Tem-se como assente e constitui entendimento jurisprudencial firme que da “noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).
Nessa mesma linha de entendimento, o STA, referindo-se ao antigo conceito de indispensabilidade, e chamando a atenção para o carácter casuístico do seu preenchimento, formula o seguinte critério:
“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objeto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou, ao menos, com nítido excesso desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa” (acórdão de 29 de março de 2006, Processo nº 1236/05).
Em síntese conclusiva, deve entender-se que a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a atividade produtiva não deverá ser entendida em sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, mas pressupõe uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram no interesse próprio da entidade que assume os custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
É nesse âmbito compreensivo que se enquadra a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 30 de junho de 2013).
6. No caso vertente, como resulta da matéria de facto tida como assente, o financiamento obtido pela E... BV teve como finalidade a aquisição de capital social de sociedades que exerciam o mesmo tipo de atividade ou atividades complementares relativamente à Requerente e que vieram a ser incorporadas nesta última entidade.
E cabe fazer notar - como tem sido sublinhado pela jurisprudência – que a fusão de sociedades por incorporação, ainda que implique a perda de personalidade jurídica das sociedades incorporadas, não determina o desaparecimento da realidade económica que elas constituíam, que passa a encontrar-se integrada na sociedade incorporante por efeito da reorganização societária (cfr. acórdão do STA de 13 de abril de 2005, Processo n.º 01265/04).
E é em relação à realidade económica no seu conjunto, resultante da incorporação, que cabe aferir se os encargos inerentes ao financiamento incorrido num momento anterior à fusão, tendo em vista a aquisição de participações sociais, podem ter contribuído para originar rendimentos sujeitos a tributação que, como tal, possam ser deduzidos para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.
O que se afigura determinante, por conseguinte, não é que o sujeito passivo tenha sido constituído para adquirir participações sociais de outras sociedades mas que essa aquisição se torne passível de contribuir para a obtenção de rendimentos tributáveis.
Como se viu, os motivos determinantes para a fusão por incorporação foram a restruturação comercial, através da concentração, numa única entidade das sociedades em que a D... detinha participações sociais, a racionalização dos recursos/meios disponíveis e a criação de uma estrutura única e centralizada que assegurasse uma redução dos custos administrativos e operacionais e um aumento de produtividade e rentabilidade (alínea L) da matéria de facto).
Há assim uma ligação entre o mútuo efetuado para compra de participações sociais e a estratégia de restruturação e redimensionamento que se pretendeu que a sociedade incorporante pudesse desenvolver posteriormente.
Como pode concluir-se, o aumento do ativo da Requerente, por efeito da fusão por incorporação, está relacionado com razões empresariais que poderiam potenciar, na perspetiva das entidades intervenientes, a geração de rendimentos e lucros. Por outro lado, a assunção dos encargos inerentes aos investimentos anteriormente efetuados pelas sociedades incorporadas não pode deixar de ser entendida como uma necessária consequência da transferência global do património, que está subjacente às considerações de racionalidade económica que justificaram a fusão, sendo certo que é o Código das Sociedades Comerciais que admite que a fusão de sociedades pode realizar-se mediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra (artigo 97.º, n.º 4, alínea a)).
Esses encargos financeiros não podem, por isso, deixar de ser considerados afetos à exploração.
Como se faz notar no acórdão proferido no Processo n.º 610/2018-T, se não se pode questionar, num momento prévio à fusão, que os encargos financeiros associados aos financiamentos obtidos pelas sociedades para aquisição de um ativo constituem juros de capitais alheios aplicados na exploração, e, como tal, são dedutíveis nos termos do disposto no 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, não é a fusão por incorporação que pode conduzir a uma diferente consequência jurídica.
Ou seja, se os juros eram fiscalmente aceites previamente à fusão, também o serão após a fusão, visto que o que está em causa é a transmissão dos direitos e obrigações das sociedades incorporadas para a sociedade incorporante de acordo com as regras do direito comercial, pelo que continuam a ser considerados juros de capitais alheios aplicados na exploração.
Poderia discutir-se se um dado investimento constitui um ato normal de gestão quando, por virtude de uma ulterior operação de fusão, tem em vista permitir a dedução pela sociedade incorporante de um passivo que resulta da própria aquisição das sociedades incorporadas.
Afigura-se, porém, que a desconsideração dos efeitos fiscais, neste contexto, apenas poderia ter lugar pelo recurso à cláusula geral antiabuso a que se refere o artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, que, em síntese geral, pressupõe que tenha sido praticado um ato ou negócio artificioso ou fraudulento que represente o abuso das formas jurídicas e que tenha como objetivo único ou principal a obtenção de uma vantagem fiscal (sobre este aspeto, António Castro Caldas/J.M Cabral Sacadura, “A dedutibilidade de encargos financeiros no âmbito de fusões e aquisições”, in Atualidade Jurídica Úria Menéndez, n.º 36, 2014, págs. 125-126).
Cláusula esta cuja aplicação está sujeita a procedimento próprio, sendo exigida a autorização do dirigente máximo do serviço, a audição prévia do contribuinte e dever especial de fundamentação por parte da Autoridade Tributária (cfr. artigo 63.º do CPPT). Não é esse o fundamento dos atos tributários que estão em causa, que se reconduzem unicamente à desconsideração da dedutibilidade de custos fiscais nos termos do artigo 23.º do Código de IRC.
Resta acrescentar que não tem qualquer relevo para o caso a alegada isenção da tributação, segundo o regime da participation exemption, relativamente aos montantes transferidos, a título de gastos de financiamento, para a E... BV enquanto sociedade residente num outro Estado. Com efeito, a correção tributária resultante da não dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais que foram contabilizados pela Requerente, apenas poderá encontrar fundamento no regime jurídico aplicável à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, não podendo tomar-se em consideração a situação fiscal de uma terceira entidade, ainda que esta se encontre numa relação de domínio com a sociedade de direito português que foi objeto de procedimento inspetivo.
Por todo o exposto, não pode deixar de reconhecer-se que se encontram preenchidos os requisitos da dedutibilidade dos encargos financeiros como custos fiscais, havendo de julgar-se procedente o pedido arbitral.
Neste mesmo sentido se pronunciou, em situação similar, o acórdão do STA de 22 de março de 2018 (Processo n.º 0208/17) e esse entendimento tem sido seguido nas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 606/2016-T, 610/2018-T e 470/2020-T, que incidiram sobre idênticos atos de correção adicional, e no Processo n.º 93/2015-T, cuja doutrina foi igualmente seguida nos Processos n.º 120/2017-T, 120/2018-T e 191/2019-T.
Em idêntico sentido se pronunciou o acórdão proferido no Processo n.º 177/2020-T, no âmbito de um pedido pronúncia arbitral deduzido pela ora Requerente e que, com base na mesma factualidade, se reportava à liquidação de IRC referente ao ano de 2016.
7. Resta acrescentar que não tem relevo para a solução do caso a alegação da Requerida, constante dos artigos 77.º a 80.º da resposta, segundo a qual houve lugar, ao longo do tempo, à conversão do empréstimo em prestações acessórias, que assim passou a constituir um instrumento de capitais próprios, que não se enquadra no conceito de “juros de capitais alheios”.
Embora o Relatório de Inspeção Tributária faça alusão, no ponto III.1.3.2., à conversão, em 22 de dezembro de 2009, do empréstimo inicialmente concedido, no montante de € 12.500,00 em prestações acessórias, e à conversão do remanescente em prestações acessórias, em 1 de abril de 2016, o certo é que essa questão não constitui fundamento da correção tributária.
No ponto III.1.4.7. do Relatório, em que se pretende extrair a conclusão dos resultados do procedimento inspetivo, e que se encontra transcrito na alínea O) da matéria de facto, a Autoridade Tributária limitou-se a considerar que “os pagamentos de juros efetuados pela A... SA à E... BV, redundaram na obtenção de um duplo benefício fiscal, consubstanciado em primeira instância na diminuição do lucro tributável em sede de IRC (Portugal) e em segunda na isenção de tributação (Holanda)”, vindo a concluir que “não se encontra preenchidos os critérios de elegibilidade de gastos do artigo 23.º do IRC, à luz de critérios objetivos de normalidade empresarial e racionalidade económica e do escopo societário”.
Ou seja, o motivo determinante da liquidação adicional de imposto foi o não preenchimento dos requisitos gerais de dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, à luz do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, sem que se tivesse presente a caracterização dos encargos financeiros como juros de capitais alheios nos termos da alínea c) desse preceito.
Ora, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, funciona o princípio da proibição da fundamentação a posteriori. Isto é, o tribunal tem de limitar-se à formulação do juízo sobre a legalidade do ato sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respetiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio ato, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, seja por iniciativa oficiosa do tribunal, seja por meio de novos argumentos que tenham sido invocados pelas partes na pendência do processo impugnatório (cfr. acórdão do STA de 27 de Junho de 2016, Processo n.º 043/16).
Não cabe, por isso, ao tribunal analisar a legalidade da liquidação impugnada com base em considerações que não lhe serviram de fundamento, e, em especial, o argumento invocado na resposta quanto à conversão do empréstimo em prestações acessórias.
Juros indemnizatórios
8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III – Decisão
Termos em que se decide:
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Julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação adicional de IRC.º 2019..., referente ao período de tributação de 2015, com um valor a pagar de € 218.862,53, e o correspondente ato de liquidação de juros compensatórios;
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Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 218.862,53, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 28 de novembro de 2022
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
José Eduardo Silva Gonçalves
O Árbitro vogal
Álvaro Caneira