Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 206/2022-T
Data da decisão: 2022-11-25  IRC  
Valor do pedido: € 103.962,04
Tema: IRC – Derrama Estadual – Aplicação da lei no tempo – Incompetência material na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE.
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Sumário:

I - A Derrama Estadual criada pela Lei n.º 12- A/2010, de 20 de junho, apenas se aplica à parte do lucro tributável correspondente ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor, não havendo aqui uma situação de retroatividade cuja admissibilidade caiba apreciar.

II – Apenas estaríamos perante um caso de retroatividade se a Derrama Estadual fosse aplicada a uma parte do lucro tributável que se tivesse criado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ter o legislador resolvido esse conflito potencial através do critério pro rata temporis plasmado no artigo 1, n.º 2 da LGT.

 

Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Hélder Faustino e Marcolino Pisão Pedreiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. RELATÓRIO

 

  1. A Requerente GRUPO A..., S.A. (adiante abreviadamente designada por “Grupo A...” ou “Requerente”), com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...–... -... ..., titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (“NIPC”) n.º..., matriculada na conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, vem requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL E PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL Sobre a decisão de indeferimento do Procedimento de Reclamação Graciosa apresentado contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2017..., emitida em 5 de dezembro de 2017, a qual substituiu a liquidação de IRC com o n.º 2017..., com data de 27 de novembro de 2017, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., de 7 de dezembro de 2017, que havia substituído a liquidação de IRC com o n.º 2015... com data de 03 de junho de 2015, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., de 29 de novembro de 2017, – bem como sobre a ilegalidade da referida liquidação junta como Doc. n.º 2, o que faz ao abrigo do disposto no art.º 2.º, n.º 1, alínea a), no art.º 5.º, n.º 2, no art.º 6.º, n.º 1, no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) e seguintes, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e nos art.ºs 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, conjugado com o disposto no art.º 99.º, alínea a) e art.º 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) – ‘ex vi’ art.º 10.º, n.º 1, alínea a), do aludido RJAT –, nos termos e com os seguintes fundamentos:
    1. Na sequência de um procedimento inspetivo desencadeado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”) no decurso do ano de 2015, na esfera de uma das entidades pertencentes ao Grupo A... (B..., S.A.), por referência ao período de tributação de 2010, no âmbito do qual foram efetuadas correções ao lucro tributável desta sociedade no montante de Euro 1.069.835,03, foi emitida pela AT uma liquidação adicional de IRC, vertida na demonstração de liquidação com o n.º 2015 ... (Doc. n.º 5), na qual, entre outras correções, é corrigido o montante da Derrama Estadual para montante superior, por via do acréscimo da Derrama Estadual devida pela referida sociedade em Euro 26.745,88.
    2. A este propósito, importa salientar que a legalidade das correções promovidas pela AT à B..., S.A. foram contestadas pela sociedade, encontrando-se o processo a ser discutido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
    3. Com efeito, após a correção supra referida, passou a resultar um montante de Derrama Estadual a pagar pela Grupo A..., na qualidade de sociedade dominante do perímetro de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), no valor de Euro 207.924,08 (duzentos e sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos).
    4. Como é sabido, o art.º 87.º-A do Código do IRC, relativo à Derrama Estadual, foi introduzido pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, a qual entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, a 1 de julho de 2010
    5. Entende, por isso, a Requerente que, por referência ao exercício de 2010, a Derrama Estadual deverá incidir apenas sobre o lucro tributável apurado a partir de 1 de julho de 2010.
    6. Sendo tal entendimento da Requerente que funda o presente pedido, por forma a anular, de forma parcial, a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa acima referida.
    7. No passado e com base, precisamente, em tal entendimento, decidiu a Requerente apresentar um pedido de revisão do ato tributário, com vista à anulação da liquidação de IRC n.º 2017..., emitida em 5 de dezembro de 2017, respeitante, como se referiu, ao IRC devido por referência ao período de tributação de 2017 (cfr. Doc. n.º 2),
    8. O que fez no passado dia 15 de janeiro de 2018 – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 8, dirigido ao Diretor de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
    9. No seguimento deste pedido, foi a Requerente notificada, por via do despacho proferido em 12 de julho de 2018 – cfr. cópia que se junta como Doc. n.º 9, da convolação do Pedido de Revisão Oficiosa em Reclamação Graciosa, tendo sido os autos em apreço remetidos para a Direção de Finanças de ... .
    10. Na sequência do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado, convolado em Reclamação Graciosa, foi a Requerente notificada, em 13 de novembro de 2021, do respetivo projeto de decisão de indeferimento e para, querendo, exercer o direito de participação na decisão, em audição prévia, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 60.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”) – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 10, 14.º Sem que, no entanto, a Requerente tenha optado por exercer tal direito de audição prévia. Nestes termos,
    11. No passado dia 23 de dezembro de 2021, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa em epígrafe, por via da convolação em definitivo do projeto de decisão que havia sido notificado à Requerente – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 1,
    12. Nos termos do qual se refere que “Converto em definitivo o projeto de decisão e com os fundamentos do mesmo constantes e com base na presente informação, indefiro o pedido, nos termos projetados.” 17.º Em face da manutenção na ordem jurídica da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2010 e relativamente aos pedidos apresentados na supra referida Reclamação Graciosa, vem, por isso, a Requerente formular o presente pedido de pronúncia arbitral,
    13. Por referência ao período tributário de 2010, a Requerente procedeu, em 31 de maio de 2011, à entrega da correspondente declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao conjunto de entidades do grupo que se encontram enquadradas, para efeitos de tributação, no âmbito de RETGS, conforme cópia que se junta em anexo como Doc. n.º 11.
    14. Em conformidade com a declaração de rendimentos acima identificada, a Requerente apurou um montante de Derrama Estadual a pagar, no valor de Euro 181.178,20 (cento e oitenta e um mil, cento e setenta e oito euros e vinte cêntimos), devidamente inscrito no campo 373 do Quadro 10 da mencionada declaração Modelo 22 de IRC.
    15. O montante da Derrama Estadual supra, a ser entregue pela sociedade dominante em nome do grupo de empresas, foi constituído, por sua vez, pelas Derramas Estaduais apuradas individualmente por 3 entidades que dele fazem parte, a B..., S.A., a C..., SGPS, S.A. e a D..., S.A., as quais liquidaram, a este título, respetivamente, os montantes de Euro 116.395,97, Euro 57.421,31 e Euro 7.360,92 (cfr. Docs. n.ºs 12, 13 e 14).
    16. Posteriormente, e como já referido, em 2015, na sequência de uma inspeção tributária realizada à sociedade B..., relativamente ao período de tributação de 2010, na qual foram promovidas correções ao lucro tributável desta sociedade no montante de Euro 1.069.835,03, foi emitida pela AT uma liquidação adicional de IRC, vertida da demonstração de liquidação com o n.º 2015 ... (Doc. n.º 5), na qual, entre outras correções, é corrigido o montante da Derrama Estadual para montante superior, por via do acréscimo da Derrama Estadual devida pela referida sociedade, em Euro 26.745.88 – em especial, mediante aplicação da taxa de Derrama de 2,5% sobre o acréscimo de lucro tributável da B..., S.A., no seguimento das correções promovidas pela AT
    17. A este propósito, como se referiu acima, a legalidade das correções promovidas pela AT à B... foram contestadas pela sociedade junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... (Doc. n.º 7).
    18. De facto, em resultado da liquidação acima mencionada, a AT apurou um montante de Derrama Estadual total a pagar de Euro 207.924,08 (duzentos e sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos). Em adição,
    19. E como se pode verificar igualmente na mesma demonstração de liquidação de IRC, procedeu a AT à dedução, a título de benefício fiscal, de montante em valor equivalente ao referido montante de Derrama Estadual.
    20. Com efeito, por referência ao período de tributação de 2010, dispunha o Grupo A... de créditos fiscais a título de Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) gerados em 2008 e 2009 por várias sociedades do Grupo, no montante total de Euro 273.023,45 (duzentos e setenta e três mil, vinte e três euros e quarenta e cinco cêntimos), os quais foram devidamente inscritos no campo 355 do Quadro 10 da Modelo 22 de IRC apresentada pelo RETGS (cfr. Doc. n.º 11).
    21. Neste contexto, em sede da liquidação adicional que aqui nos ocupa, utilizou a AT parte daquele montante de SIFIDE, mais concretamente no valor da Derrama Estadual (Euro 207.924,08), para efeitos de dedução contra a totalidade da coleta desta, o que teve por efeito a “anulação” do montante da Derrama Estadual.
    22. Tendo, assim, ficado pendente de dedução (e, portanto, reportável para os períodos de tributação seguintes) o montante de SIFIDE no valor de Euro 65.099,371 (sessenta e cinco mil, noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos).
    23. Posteriormente, por referência ao período de tributação de 2011, cumpre notar que a AT promoveu a cessação do RETGS do Grupo B..., tendo as sociedades que integravam o perímetro do RETGS em 2010 sido tributadas individualmente em 2011, de acordo com o regime geral do IRC.
    24. Neste contexto, no período de tributação de 2011, parte do SIFIDE pendente de dedução, no montante total de Euro 47.981,24 (quarenta e sete mil, novecentos e oitenta e um euros e vinte e quatro cêntimos), foi deduzido às coletas individuais de quatro empresas que tinham gerado tais créditos de SIFIDE, nomeadamente a E..., SGPS S.A., a C..., SGPS S.A., a F..., SGPS S.A. e a G..., S.A.
    25. Posto isto, voltando à liquidação adicional que constituiu a razão de ser para a apresentação da Reclamação Graciosa que determinou a decisão de indeferimento ora sindicada, constatamos que a mesma tem na sua base o período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro do mesmo período de tributação.
    26. Não obstante, a Requerente considera que apenas era possível proceder à liquidação da Derrama Estadual incidente sobre o lucro tributável apurado a partir de 1 de julho de 2010.
    27. Facto que, não apenas impacta o montante de Derrama Estadual que era, efetivamente, devido, como, por conseguinte, tem relevo ao nível da utilização do benefício fiscal concedido a título de SIFIDE, conforme veremos adiante.
    28. No que à Derrama Estadual especificamente diz respeito, entende a Requerente que, atenta a data de entrada em vigor do art.º 87.º-A do Código do IRC, introduzido pela Lei n.º 12- A/2010, de 30 de junho – isto é, a partir de 1 de julho de 2010,
    29. E, por referência ao exercício de 2010, a Derrama Estadual deverá incidir apenas sobre o lucro tributável apurado a partir de 1 de julho de 2010.
    30. Refira-se, aliás e desde já, como detalhadamente exporemos mais à frente, que este é o entendimento de diversa jurisprudência que versou sobre o tema.
    31. Atenta a posição sufragada pela jurisprudência, não restam dúvidas à Requerente de que apenas poderia ser liquidada Derrama Estadual sobre o lucro tributável apurado a partir de 1 de julho de 2010.
    32. Por tal motivo, procedeu a Requerente à apresentação do pedido de revisão do ato tributário, convolado em Procedimento de Reclamação Graciosa – já junto sob o Doc. n.º 8 -, com vista à recuperação da Derrama Estadual que tinha sido liquidada, indevidamente, sobre o lucro tributável devido entre janeiro e junho de 2010,
    33. Isto é, passando-se a admitir apenas a Derrama Estadual liquidada e correspondente a apenas seis meses desse período de tributação – de junho a dezembro de 2010, não podendo a mesma incidir sobre os meses de janeiro a junho de 2010, atenta a data de entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho.
    34. Entende a Requerente que apenas deveria ter sido liquidado, a título de Derrama Estadual, o valor de Euro 103.962,04 (cento e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e quatro cêntimos),
    35. Correspondente à diferença entre o valor de Derrama Estadual liquidado e aquele que resultaria da aplicação da Derrama Estadual ao segundo semestre do período de tributação.
    36. De modo a garantir o cabal cumprimento da decisão de ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa que constitui o quid do presente Pedido (e, de modo mediato, da liquidação de IRC n.º 2017..., emitida em 5 de dezembro de 2017), a “correção” dos créditos fiscais de SIFIDE erradamente consumidos deverá ser efetuada por meio da possibilidade de reporte e possibilidade de dedução, em exercícios posteriores, do montante de consumo “excessivo” ocorrido em 2010,
    37. Deve sufragar-se o entendimento de que a Lei n.º 12-A/2010 apenas se pode aplicar à parte do facto tributário que ocorreu após a data da sua entrada em vigor, ou seja, após 30 de junho de 2010, devendo fracionar-se o montante da Derrama Estadual numa lógica pro rata temporis.
    38. Um entendimento contrário seria uma ostensiva violação do art.º 12.º, n.º 2 da LGT. 132.º De igual forma, refira-se que um entendimento contrário seria inclusivamente inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança.
    39. De facto, é entendimento unânime na jurisprudência do Tribunal Constitucional que a retroatividade inautêntica é protegida constitucionalmente pelo princípio da proteção da confiança – cfr. Acórdãos n.º 287/90, de 30.10.1990 e 128/2009, de 12.03.2009.
    40. Nessa medida, ainda que se considerasse que não existe vício de violação de lei por violação do art.º 12.º, n.º 2 da LGT (o que por mera hipótese académica se concebe), sempre se diria que a liquidação da Derrama Estadual no período compreendido entre 01 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010 seria inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança
    41. Daí resultando que o montante devido pela Requerente, enquanto sociedade dominante do RETGS, a título de Derrama Estadual, após soma algébrica dos valores referidos no parágrafo anterior, deveria ter ascendido apenas a Euro 103.962,04 (cento e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e quatro cêntimos), o que, por via da aplicação da proporção 6/12 em nome do pro rata temporis, resulta num diferencial de igual montante (portanto, de Euro 103.962,04).
    42. Deste modo, a AT utilizou indevidamente créditos fiscais de SIFIDE no valor de Euro 103.962,04, deduzindo-os contra uma Derrama Estadual que não era devida.
    43. Conforme mencionado anteriormente, da liquidação de IRC n.º 2015..., resultou um montante de Derrama Estadual liquidado no valor de Euro 207.924,08, o qual resulta da aplicação da taxa de Derrama Estadual aplicável à data sobre o lucro tributável correspondente a todo o período de tributação de 2010, isto é, sobre o lucro tributável apurado entre 01.01.2010 e 31.12.2010.
    44. Tendo em consideração os argumentos deduzidos anteriormente pela Requerente, bem como os defendidos pela jurisprudência supra citada, não restam quaisquer dúvidas de que a taxa de Derrama Estadual aplicável apenas poderia ter incidido sobre o lucro tributável correspondente a 6 meses – entre julho de 2010 e dezembro de 2010 –, não podendo incidir sobre os meses de janeiro a junho de 2010,
    45. Pelo que o valor da Derrama Estadual liquidada apenas deveria ter ascendido ao valor de Euro 103.962,04.
    46. Como acima referido, a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral deverá determinar o reembolso à Requerente do imposto indevidamente pago, por referência ao exercício de 2010, na medida em que a indevida liquidação de Derrama Estadual representou uma indevida dedução de benefícios fiscais que operam por dedução à coleta.
  2. A Autoridade Tributária apresentou a seguinte resposta:
    1. Segundo a requerente, o presente pedido de pronúncia arbitral é apresentado contra a decisão de indeferimento do Procedimento de Reclamação Graciosa , apresentado contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2017..., emitida em 5 de dezembro de 2017, a qual substituiu a liquidação de IRC com o n.º 2017..., com data de 27 de novembro de 2017, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., de 7 de dezembro de 2017 que havia substituído a liquidação de IRC com o n.º 2015..., com data de 03 de junho de 2015, conforme Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017..., de 29 de novembro de 2017 bem como sobre a ilegalidade da referida liquidação junta como Doc. n.º 2.
    2. Pedindo, a final, a anulação parcial da liquidação n.º 2017..., na parte relativa à derrama estadual incidente sobre o lucro tributável apurado entre 01.01.2016 e 30.06.2016, no montante de € 103.962,04 (cento e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e quatro cêntimos), por vício de violação de lei, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 12.º da LGT e, por consequência, a correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE, no mesmo montante, bem como determinar a liquidação, futura e em consequência da sua execução de julgado, de juros indemnizatórios.
    3. Quanto aos fundamentos do presente p.p.a., entende a Requerente, em suma, que tendo sido aditado um artigo ao CIRC – o art. 87.º-A - no decurso da formação do facto tributário, o mesmo apenas será aplicado ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor (01-07-2010).
    4. Todavia, a requerente não tem razão decaindo in totum os argumentos expendidos, como mais à frente se irá demonstrar.

 

POR EXCEÇÃO:

A) Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual, bem como para apreciação e condenação na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE

  1. A vinculação da AT à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la.
  2. Pelo que, salvo melhor opinião, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.
  3. Porquanto, tal interpretação implicará a dilatação das situações em que a AT obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigos 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].
  4. O respeito pela vontade exteriorizada na vinculação à arbitragem em matéria tributária, sendo um fator de certeza e de segurança jurídica representa, também, a efetivação das consequências intencionadas pelo exercício de ação das partes em litígio, a qual não pode ser isolada dos referidos normativos de proteção constitucional, sob pena de tal pressupor um poder (inconstitucional) do intérprete-julgador na delimitação dos poderes do Estado na privatização do exercício da justiça, mormente quando não se admite a possibilidade sistemática de recurso nas arbitragens tributárias.
  5. Pelo que, se afigurará inconstitucional uma interpretação que determine que o artigo 2.º do RJAT inclui a apreciação dos pedidos arbitrais aqui formulados pela requerente, quando a letra e o espírito da norma não o permitem.
  6. Antes de mais, nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT, “ com exceção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
  7. Conforme resulta do pedido, a requerente peticiona que a AT seja condenada a calcular a derrama estadual unicamente à parte do lucro tributável correspondente ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor, ao que acresce que segundo ela confessa o próprio montante da derrama estadual a apurar ainda não será certo, porquanto, a legalidade das correções promovidas pela AT à. B..., S.A. foram contestadas pela sociedade, encontrando-se o processo a ser discutido no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
  8. Efetivamente como a requerente refere no art. 6º do p.p.a. “ Com efeito, após a correção supra referida, passou a resultar um montante de Derrama Estadual a pagar pela Grupo A..., na qualidade de sociedade dominante do perímetro de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), no valor de Euro 207.924,08 (duzentos e sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos).”
  9. Mais esclarecendo no art. 36º do p.p.a. que: “ na sequência de uma inspeção tributária realizada à sociedade B..., relativamente ao período de tributação de 2010, na qual foram promovidas correções ao lucro tributável desta sociedade no montante de Euro 1.069.835,03, foi emitida pela AT uma liquidação adicional de IRC, vertida da demonstração de liquidação com o n.º 2015 ... (Doc. n.º 5), na qual, entre outras correções, é corrigido o montante da Derrama Estadual para montante superior, por via do acréscimo da Derrama Estadual devida pela referida sociedade, em Euro 26.745.88 – em especial, mediante aplicação da taxa de Derrama de 2,5% sobre o acréscimo de lucro tributável da B..., S.A., no seguimento das correções promovidas pela AT.”
  10. Assim, com a presente ação arbitral, o que a requerente pretende é, no fundo, obter o reconhecimento de um direito, de proceder a uma determinada forma de cálculo da derrama estadual, independentemente da anulação de uma liquidação.
  11. Ou seja, o pedido formulado pela requerente não se destina a obter a anulação, parcial, da liquidação de IRC, do ano de 2010, mas apenas a obter uma condenação da AT a adotar um determinado procedimento no cálculo da derrama estadual.
  12. Ainda por outras palavras, não pode o Tribunal Arbitral deixar de ter presente que a requerente pretende obter uma decisão que condene a AT a reconhecer-lhe um direito, a aplicar uma taxa sobre um determinado montante do quantum (metade) considerado no apuramento do IRC liquidado que, por ter sido impugnado, ainda nem se mostra ser definitivo e, mais ainda, que terá reflexo não só no cálculo dessa derrama e no valor final (quantum) do imposto devido, mas também com reflexos no valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE.
  13. Efetivamente a requerente refere ainda que: “em sede da liquidação adicional que aqui nos ocupa, utilizou a AT parte daquele montante de SIFIDE, mais concretamente no valor da Derrama Estadual (Euro 207.924,08), para efeitos de dedução contra a totalidade da coleta desta, o que teve por efeito a “anulação” do montante da Derrama Estadual.”, cfr. art. 41º do p.p.a 19. E que: “Tendo, assim, ficado pendente de dedução (e, portanto, reportável para os períodos de tributação seguintes) o montante de SIFIDE no valor de Euro 65.099,371 (sessenta e cinco mil, noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos)”, cfr. art. 42º do p.p.a 20. Tendo, segundo informação da requerente, no período de tributação de 2011, parte do SIFIDE pendente de dedução, no montante total de Euro 47.981,24 (quarenta e sete mil, novecentos e oitenta e um euros e vinte e quatro cêntimos), sido deduzido às coletas individuais de quatro empresas que tinham gerado tais créditos de SIFIDE, nomeadamente a E..., SGPS S.A., a C..., SGPS S.A., a F..., SGPS S.A. e a G..., S.A., cfr. art. 44º do p.p.a
  14. Ora, admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação destes pedidos, de apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual, bem como para apreciação e condenação da AT na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT.
  15. Posto isto, a pretensão jurídica formulada pela requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um ato devido, que não poderão ser obtidos por esta via.
  16. Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a requerente pretende obter, ou para, em alternativa, à ação administrativa especial, condenar a AT à prática de um ato devido. Mas se assim ainda também não se entender, sem conceder:

B) Da litispendência ou da necessidade de suspensão dos presentes autos até que seja proferida decisão no âmbito de processo de impugnação judicial

  1. Como se referiu terá sido apresentada impugnação judicial contra as correções à derrama estadual efetuadas à B..., cfr. doc. 7 junto pela requerente com o p.p.a.
  2. E pretende que o Tribunal Arbitral determine que a Derrama estadual unicamente se aplique a metade do quantum considerado no apuramento do IRC liquidado
  3. Deste modo, se o Tribunal Arbitral entender que está em causa no presente p.p.a. a apreciação da legalidade da liquidação ou de parte da liquidação de IRC, então estará a analisar ação idêntica à já proposta na impugnação judicial que também visa a anulação de tal liquidação.
  4. Pelo que, nos termos do artigo 581.º do CPC, é manifesta a identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
  5. E, a verificação da exceção da litispendência, determina a absolvição da requerente da instância, cfr. al.i) do art. 577º do CPC.
  6. Ainda que assim não se entenda, sem conceder, há sempre uma relação de prejudicialidade entre o presente p.p.a e a referida impugnação judicial, o que justifica a suspensão da presente instância cfr. art 272º do CPC até que seja proferida decisão, no âmbito daquela impugnação, relativamente à manutenção, ou não, da liquidação impugnada. Ainda que assim também não se entenda, sem conceder

POR IMPUGNAÇÃO:

  1. O Grupo A..., SGPS S.A., apresentou pedido de revisão do ato tributário o qual foi convolado em procedimento de reclamação graciosa, da liquidação de IRC com o nº 2017 ..., de 2017/12/05, a qual substituiu a liquidação de IRC nº 2017..., de 2017/11/27, que havia substituído a liquidação de IRC nº 2015 ... de 2015/06/03, todas referentes ao exercício de 2010.
  2. Advogava a então reclamante que a derrama estadual referente ao período tributário de 2010 apenas poderia incidir sobre a parte do lucro respeitante ao período que se inicia a 1 de julho de 2010, não podendo incidir sobre o lucro tributável apurado no período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 30 de junho de 2010, defendendo assim que deve dar-se uso à divisão pro rata temporis correspondente.
  3. Mais pretendendo a dedução do montante €121.080,17, referente a SIFIDE indevidamente deduzida contra a parte da derrama estadual de 2010 que, segundo a reclamante, não era devida contra a coleta de tributações autónomas apurada pelo RETGS por referência ao período de tributação de 2010.
  4. Por despacho de 22/12/2021, foi a reclamação graciosa da autoliquidação de IRC, indeferida entendendo-se ali “não ser configurável a existência de um grau de retroatividade suscetível de fazer frustrar a aplicação do nº 1 do artigo 87º-A do CIRC, após a publicação da Lei nº 12-A/2010 de 30 de junho.”, e que, “e que relativamente à aplicação do nº 2 do artigo 12º da LGT, refuta-se que possa ocorrer uma aplicação da lei nova “pro rata temporis”, até porque a Lei nº 12-A/2010 de 30 de junho aprovou todo um conjunto de medidas de consolidação orçamental, que visam reforçar e acelerar a redução do défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento, pelo que como medida de consolidação orçamental sempre prevalecerá o princípio da anualidade do imposto e de as alterações aos impostos periódicos vigorarem por todo o período de vigência do mesmo orçamento, ademais estando em causa o equilíbrio das contas públicas, num contexto de grave crise financeira em que se encontrava o Estado Português.”. Cf. fls .. PA 34.
  5. Inconformada, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral alegando, resumidamente, que a liquidação deve ser anulada, na medida em que “a Derrama Estadual referente ao período tributário de 2010 apenas deverá incidir sobre a parte de lucro tributável respeitante ao período que se inicia em 1 de julho de 2010 (…), não podendo, por via disso, incidir sobre o lucro tributável apurado no período compreendido entre 1 de janeiro e 30 de junho desse mesmo ano, devendo, para o efeito, dar-se uso à divisão pro rata temporis correspondente”.
  6. Impor-se-á, antes de nos debruçarmos sobre a questão de fundo, algumas considerações tendo por pano de fundo a natureza do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e seu cotejo com o normativo em causa. Vejamos,
  7. Ora, como é por todos sabido o Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas caracteriza-se por ser um imposto direto e periódico de carácter anual.
  8. E como decorre do n.º 9 do artigo 8.º do Código do IRC, o facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação, sendo o imposto devido por cada período de tributação.
  9. Na situação dos autos, o período de tributação da Requerente coincide com o ano civil, porquanto a mesma adotou um período de tributação compreendido entre 1 de janeiro e 31 de Dezembro.
  10. Donde, resulta claro que o facto tributário verificar-se-á a 31 de dezembro, último dia do período de tributação.
  11. Se assim não fosse desvirtuaríamos a regra da anualidade dos períodos de imposto, bem como a própria formação do rendimento a tributar.
  12. Vem a Requerente defender que a Lei nada estipula quanto aos efeitos da sua aplicação no tempo no que toca à nova taxa de derrama estadual, e que por isso a determinação de tais efeitos deveria ter sido realizada ao abrigo do artigo 12.º da LGT.
  13. Assim, sustenta que o período a considerar para efeitos de cálculo do lucro tributável será a partir de 01/07/2010, uma vez que estamos perante uma situação de retroatividade de 3.º grau, pelo que tal situação dará lugar à aplicação pro rata temporis da antiga e da nova lei.
  14. Mas não tem a requerente qualquer razão, na verdade:
  • O facto tributário que está na origem da tributação da derrama estadual é um facto complexo de formação sucessiva.
  • A derrama estadual tem como facto gerador da obrigação tributária, o Lucro tributável.
  • E o lucro não pode ser visto de forma parcelar ou isolada, mas sim, como um facto tributário complexo de formação sucessiva, o qual se inicia no primeiro dia de tributação e só está concluído no final do respetivo período de tributação.
  • Não se compaginando tais características com qualquer autonomização ou cisão por períodos temporais dentro do mesmo exercício fiscal. Vejamos, 47. Relativamente à alegada violação do preceito normativo vertido no art. 12º da LGT, será neste segmento pertinente introduzir uma breve referência sobre a temática da retroatividade, distinguindo a nossa doutrina três graus de retroatividade.
  • Assim, ocorrerá retroatividade de grau máximo (de 1º grau, perfeita ou própria) nas situações em que a lei nova se pretende aplicar a factos tributários passados e já totalmente consolidados.
  • A mesma será de grau intermédio (de 2º grau, imperfeita ou imprópria) quando a lei se pretende aplicar a factos tributários anteriores, ou seja, ocorridos no domínio da lei antiga, mas cujos efeitos ainda não totalmente concretizados, se produzem já na vigência da nova lei.
  • É ainda identificada a retroatividade dita de fraca, inautêntica ou imprópria (de 3º grau ou retrospetividade), situação em que os próprios factos não se verificam por inteiro na vigência da lei antiga, antes prolongam efeitos no âmbito da lei nova.
  • O caso dos autos, reafirme-se, reporta-se a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), qualificado na doutrina e na jurisprudência como um imposto periódico, condicionado por factos geradores de formação complexa e sucessiva que só se tornam plenos, para efeitos de tributação, no final do período de tributação.
  • A liquidação sub judice atendeu à alteração introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, que, como vimos, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, e determinou que : «Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte.»
  • O que traduz uma situação de retroatividade de 3º grau, ou utilizando outra terminologia, uma situação da retroatividade fraca, inautêntica ou imprópria, ou ainda, retrospetividade.
  • Ora, como medida de consolidação orçamental sempre prevalecerá o princípio da anualidade do imposto, e de as alterações aos impostos periódicos vigorarem por todo o período de vigência do mesmo orçamento, ademais estando em causa o equilíbrio das contas públicas, num contexto de grave crise financeira em que se encontrava o Estado Português.
  • Tenha-se igualmente em atenção o acórdão n.º 399/2010, do Tribunal Constitucional – que analisou as Leis n.º 11/2010, de 15 de Junho (que, criou um escalão adicional de tributação em IRS, sujeitando os rendimentos superiores a esse escalão a uma taxa de 45%) e 12-A/2010, de 30 de Junho – e que veio considerar que as mesmas prosseguem um fim constitucionalmente legítimo, designadamente por terem em vista a obtenção de receita fiscal tendente ao equilíbrio das contas públicas, algo que se considerou ter carácter urgente e premente e, como tal, não susceptível de afectar o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito. Mais se acrescentando que,
  • Considerando que o critério da hierarquia e cronologia não responderão a esta aparente antinomia já que nenhum dos diplomas em causa, CIRC e LGT têm valor reforçado,
  • Propendemos também para a solução fundamentada no critério da especialidade, para deixarmos dito que o CIRC, ou pelo menos a generalidade dos enunciados normativos dele constantes, constitui regulação especial para efeitos de fixação do critério de aplicação temporal da lei relevante em sede de tributação em IRC,
  • Pelo que prevalece relativamente ao disposto no art. 12º n.º 2 da LGT, por força do princípio Lex specialis derogat legi generall.
  • Afastada a norma da Lei Geral Tributária, que aparentemente poderia conduzir a uma tributação “pró rata temporis” prevalece o regime ínsito no n.º 1 do art. 87.º-A do CIRC, aplicado ao lucro tributável correspondente a todo o período de tributação, o que na situação dos autos se traduz ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2011.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 23-03-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24-03-2022. Em 16-05-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 16-05-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 03-06-2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

Após apresentada Resposta pela AT, o Tribunal proferiu, em 05-08-2022, o seguinte despacho:

«1. Notifique-se a Requerente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre as exceções invocadas pela Requerida.

2. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

3. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.

4. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

5. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.»

 

 

 

POSTO ISTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Tudo visto, cumpre decidir.

 

II. DECISÃO

  1. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Na sequência de um procedimento inspetivo desencadeado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”) no decurso do ano de 2015, na esfera de uma das entidades pertencentes ao Grupo A... (B..., S.A.), por referência ao período de tributação de 2010, no âmbito do qual foram efetuadas correções ao lucro tributável desta sociedade no montante de Euro 1.069.835,03, foi emitida pela AT uma liquidação adicional de IRC, vertida na demonstração de liquidação com o n.º 2015... (Doc. n.º 5), na qual, entre outras correções, é corrigido o montante da Derrama Estadual para montante superior, por via do acréscimo da Derrama Estadual devida pela referida sociedade em Euro 26.745,88.
  2. Com efeito, após a correção supra referida, passou a resultar um montante de Derrama Estadual a pagar pela Grupo A..., na qualidade de sociedade dominante do perímetro de sociedades tributadas ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (“RETGS”), no valor de Euro 207.924,08 (duzentos e sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos).
  3. No passado e com base, precisamente, em tal entendimento, decidiu a Requerente apresentar um pedido de revisão do ato tributário, com vista à anulação da liquidação de IRC n.º 2017..., emitida em 5 de dezembro de 2017, respeitante, como se referiu, ao IRC devido por referência ao período de tributação de 2017 (cfr. Doc. n.º 2),
  4. O que fez no passado dia 15 de janeiro de 2018 – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 8, dirigido ao Diretor de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.
  5. No seguimento deste pedido, foi a Requerente notificada, por via do despacho proferido em 12 de julho de 2018 – cfr. cópia que se junta como Doc. n.º 9, da convolação do Pedido de Revisão Oficiosa em Reclamação Graciosa, tendo sido os autos em apreço remetidos para a Direção de Finanças de ... .
  6. Na sequência do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado, convolado em Reclamação Graciosa, foi a Requerente notificada, em 13 de novembro de 2021, do respetivo projeto de decisão de indeferimento e para, querendo, exercer o direito de participação na decisão, em audição prévia, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 60.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”) – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 10, 14.º Sem que, no entanto, a Requerente tenha optado por exercer tal direito de audição prévia. Nestes termos,
  7. No passado dia 23 de dezembro de 2021, foi a Requerente notificada do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa em epígrafe, por via da convolação em definitivo do projeto de decisão que havia sido notificado à Requerente – cfr. cópia que ora se junta como Doc. n.º 1,
  8. Nos termos do qual se refere que “Converto em definitivo o projeto de decisão e com os fundamentos do mesmo constantes e com base na presente informação, indefiro o pedido, nos termos projetados.” 17.º Em face da manutenção na ordem jurídica da liquidação de IRC n.º 2017..., relativa ao período de tributação de 2010 e relativamente aos pedidos apresentados na supra referida Reclamação Graciosa, vem, por isso, a Requerente formular o presente pedido de pronúncia arbitral,
  9. Por referência ao período tributário de 2010, a Requerente procedeu, em 31 de maio de 2011, à entrega da correspondente declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao conjunto de entidades do grupo que se encontram enquadradas, para efeitos de tributação, no âmbito de RETGS, conforme cópia que se junta em anexo como Doc. n.º 11.
  10. Em conformidade com a declaração de rendimentos acima identificada, a Requerente apurou um montante de Derrama Estadual a pagar, no valor de Euro 181.178,20 (cento e oitenta e um mil, cento e setenta e oito euros e vinte cêntimos), devidamente inscrito no campo 373 do Quadro 10 da mencionada declaração Modelo 22 de IRC.
  11. O montante da Derrama Estadual supra, a ser entregue pela sociedade dominante em nome do grupo de empresas, foi constituído, por sua vez, pelas Derramas Estaduais apuradas individualmente por 3 entidades que dele fazem parte, a B..., S.A., a C..., SGPS, S.A. e a D..., S.A., as quais liquidaram, a este título, respetivamente, os montantes de Euro 116.395,97, Euro 57.421,31 e Euro 7.360,92 (cfr. Docs. n.ºs 12, 13 e 14).
  12. Posteriormente, e como já referido, em 2015, na sequência de uma inspeção tributária realizada à sociedade B..., relativamente ao período de tributação de 2010, na qual foram promovidas correções ao lucro tributável desta sociedade no montante de Euro 1.069.835,03, foi emitida pela AT uma liquidação adicional de IRC, vertida da demonstração de liquidação com o n.º 2015 ... (Doc. n.º 5), na qual, entre outras correções, é corrigido o montante da Derrama Estadual para montante superior, por via do acréscimo da Derrama Estadual devida pela referida sociedade, em Euro 26.745.88 – em especial, mediante aplicação da taxa de Derrama de 2,5% sobre o acréscimo de lucro tributável da B..., S.A., no seguimento das correções promovidas pela AT
  13. De facto, em resultado da liquidação acima mencionada, a AT apurou um montante de Derrama Estadual total a pagar de Euro 207.924,08 (duzentos e sete mil, novecentos e vinte e quatro euros e oito cêntimos).
  14. E como se pode verificar igualmente na mesma demonstração de liquidação de IRC, procedeu a AT à dedução, a título de benefício fiscal, de montante em valor equivalente ao referido montante de Derrama Estadual.
  15. Com efeito, por referência ao período de tributação de 2010, dispunha o Grupo A... de créditos fiscais a título de Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”) gerados em 2008 e 2009 por várias sociedades do Grupo, no montante total de Euro 273.023,45 (duzentos e setenta e três mil, vinte e três euros e quarenta e cinco cêntimos), os quais foram devidamente inscritos no campo 355 do Quadro 10 da Modelo 22 de IRC apresentada pelo RETGS (cfr. Doc. n.º 11).
  16. Neste contexto, em sede da liquidação adicional que aqui nos ocupa, utilizou a AT parte daquele montante de SIFIDE, mais concretamente no valor da Derrama Estadual (Euro 207.924,08), para efeitos de dedução contra a totalidade da coleta desta, o que teve por efeito a “anulação” do montante da Derrama Estadual.
  17. Tendo, assim, ficado pendente de dedução (e, portanto, reportável para os períodos de tributação seguintes) o montante de SIFIDE no valor de Euro 65.099,371 (sessenta e cinco mil, noventa e nove euros e trinta e sete cêntimos).

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

 

B. DO DIREITO

 

B1. DA ANÁLISE DAS EXCEÇÕES

 

B1.A. DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL ARBITRAL PARA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO DA AT AO APURAMENTO DO IRC SEGUNDO DETERMINADO CÁLCULO DA DERRAMA ESTADUAL, BEM COMO PARA APRECIAÇÃO E CONDENAÇÃO NA CORREÇÃO DO VALOR DE CRÉDITOS FISCAIS CONSUMIDOS A TÍTULO DE SIFIDE

 

Divida-se aqui a questão em duas partes:

  1. Quanto à exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual;
  2. Quanto à apreciação e condenação na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE.

 

Na autorização legislativa[2] em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objeto um ato em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de atos de liquidação ou de atos de fixação da matéria tributável e atos de segundo grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, atos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

Isto é, constata-se que o legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais a questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de atos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços. Este regime foi, posteriormente, generalizado no Código de Processo Tributário, que estabeleceu no n.º 1 do seu art. 24.º que «haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços», a seguir, na LGT, em cujo art. 43.º, n.º 1, se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e, finalmente, no CPPT em que se estabeleceu, no n.º 2 do art. 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Mas, na falta de qualquer disposição legal que permita concluir em contrário, o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Na verdade, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...».

Por outro lado, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.

Assim, podemos concluir o seguinte quanto ao caso sub judice:

  1. Quanto à exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação do pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual, afigura-se-me que improcede na medida em que do pedido decorre expressa e claramente a dedução da pretensão de anulação parcial da liquidação, pelo que infra se segue na análise do mérito.
  2. Quanto à apreciação e condenação na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que este Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar o pedido de cálculo da derrama estadual em função do SIFIDE, pelo que nesta parte procede a exceção de incompetência, absolvendo-se a Requerida da instância nesta parte.

No entanto, esta incompetência para apreciar um dos pedidos, havendo outros para os quais este Tribunal Arbitral é competente (os pedidos de anulação da liquidação adicional e do despacho de indeferimento da reclamação graciosa), apenas tem como consequência que o pedido para o qual o Tribunal é incompetente se considere «sem efeito», como se infere do que, embora a outro propósito, se refere no n.º 4 do artigo 186.º do CPC, ao aludir a situações em que «um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal». Isto evidentemente sem qualquer implicação na alteração no valor da causa, que para a Requerente já não era relevante no pedido inicial proferido, uma vez que considerou apenas a liquidação da Derrama Estadual ex toto.

Assim, procede a exceção de incompetência em razão da matéria quanto ao pedido de apreciação e condenação na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE, pelo que se absolve da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira, não ficando prejudicado o conhecimento dos restantes pedidos.

 

B1.B. DA LITISPENDÊNCIA OU DA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DOS PRESENTES AUTOS ATÉ QUE SEJA PROFERIDA DECISÃO NO ÂMBITO DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL

A AT suscita a questão da litispendência, argumentando Numa primeira análise afigura-se-me que a liquidação objeto do processo (2017 ... de 5.12.2017) constitui a reprodução da liquidação m 2015 ... de 3.06.2015, cuja legalidade de discute no Tribunal Estadual, conforme a própria Requerente invoca.

Na verdade, não tendo a liquidação objeto do processo um conteúdo inovador sendo meramente confirmativa, caso o fundamento jurídico da pretensão anulatória formulada no presente processo também tivesse sido invocado no processo do TAFViseu, com o consequente pedido de anulação da liquidação na parte correspondente, tenderia a considerar verificar-se uma situação de litispendência, com a consequente absolvição da instância.

No entanto resulta claramente da leitura da petição (doc. 7 junto com a p.i. constante de fls. 23 a 63  do denominado Doc. 01 a 19, parte I) que tal fundamento não foi alegado naquele processo, nem  pretensão anulatória, nesta parte, deduzida.

Assim sendo, será de concluir improceder a exceção de litispendência, e, igualmente, o pedido de suspensão por causa prejudicial.

Neste sentido, pode ler-se o acórdão já mencionado e proferido na decisão do proc.  620/2017-T[3]:

“não se provando que o ato de liquidação tenha sido impugnado no processo de impugnação judicial a que alude a Autoridade Tributária e Aduaneira com os mesmos fundamentos que são utilizados no presente processo arbitral, não se pode considerar demonstrado que ocorra litispendência.

Pela mesma razão de ser possível a referida cumulação de processos não se justifica a suspensão da instância no presente processo.”

Termos em que improcede a alegada exceção de litispendência.

 

B2. ANÁLISE DO MÉRITO

 

O que está em causa nos presentes autos é apenas uma questão controvertida - considerar se apenas era possível proceder à liquidação da Derrama Estadual incidente sobre o lucro tributável apurado a partir de 1 de julho de 2010.

 

Assim, vem a Requerente vem impugnar a liquidação da Derrama Estadual, entendendo que apenas deveria ter sido liquidado o valor de Euro 103.962,04 (cento e três mil, novecentos e sessenta e dois euros e quatro cêntimos) correspondente à diferença entre o valor de Derrama Estadual liquidado e aquele que resultaria da aplicação da Derrama Estadual ao segundo semestre do período de tributação.

Entende assim que esta liquidação padece de vício de violação de lei em virtude de, para efeito de determinação daquele valor, ter sido considerado o período de 1 de janeiro até 31 de Dezembro de 2010 quando, como alega, a Derrama Estadual apenas entrou em vigor a 1 de Julho daquele ano.

Por seu turno, a Requerida sustenta que o facto tributário que está na origem da tributação da derrama estadual é o lucro tributável que não pode ser visto de forma parcelar ou isolada, mas sim como um facto tributário complexo de formação sucessiva, com início no primeiro dia de tributação e conclusão no final do respetivo período de tributação, em conformidade com a característica de anuidade do imposto, que está presente no âmbito do IRC. Acrescenta ainda que dada a incidência complexa do tributo em questão e exigência que o mesmo acarreta em termos de visão unitária e global, tais características não se compaginam com qualquer autonomização ou cisão por períodos temporais dentro do mesmo exercício fiscal.

 

A questão de fundo a apreciar neste processo assenta em saber como se aplica o art. 2º da Lei nº 12-A/2010 de 30 de Junho, que criou a Derrama Estadual, ao exercício de 2010.

 

O referido art. 2º veio aditar ao Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, entre outros, o art. 87º-A com a seguinte redação:

 

«Artigo 87.º-A

Derrama estadual

 

1 - Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 2 000 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incide uma taxa adicional de 2,5 %.

2 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.

3 - Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º»

A pretensão da Requerente assenta no entendimento de que a Derrama Estadual apenas se pode aplicar à parte do lucro tributável apurado no período de 1 de Julho a 31 de Dezembro de 2010, enquanto a Requerida, AT, invocando o princípio da anualidade, defende que a Derrama Estadual deve aplicar-se a todo o exercício fiscal, ou seja, desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro do mesmo ano.»

 

Cumpre decidir.

Para decidir a questão principal importa antes de mais determinar a data de entrada em vigor da Lei nº 12-A/2010 de 30 de junho.

Ora, a própria Lei prevê esta questão no art. 20º, nº 1, estabelecendo como data de entrada em vigor do diploma o dia seguinte ao da sua publicação. Tendo a Lei nº 12-A/2010 sido publicada no Diário da República n.º 125/2010, 1º Suplemento, Série I de 30.06.2010, a sua entrada em vigor deu-se no dia 1 de julho de 2010.

Determinada a entrada em vigor, há agora que apurar a que factos se aplica: se apenas aos que ocorreram a partir de 1 de julho ou se também se aplica àqueles que ocorreram antes dessa data.

Não resultando daquele diploma legal qualquer resposta a esta questão, terá de se recorrer à Lei Geral Tributária (LGT), como prevê o art. 1º, aplicando-se ao caso concreto o art. 12º, como já foi decidido no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência do STA de 02.12.2015, proferido no proc. 734/15, caso em que se discutia questão de natureza semelhante, e nos Acórdãos proferidos pelo CAAD nos procs. 26/2016, 432/2016, 770/2014 ou 135/2013, entre outros.

O art.º. 12º da LGT dispõe assim:

 

«Artigo 12.º

Aplicação da lei tributária no tempo

1 - As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

2 - Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.

3 - As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes.

4 - Não são abrangidas pelo disposto no número anterior as normas que, embora integradas no processo de determinação da matéria tributável, tenham por função o desenvolvimento das normas de incidência tributária.»

 

Ora, no caso da Derrama Estadual, como esta incide sobre parte do lucro tributável da empresa, estamos perante um facto tributário de formação sucessiva, aplicando-se-lhe a regra do nº 2 do art. 12º: a lei nova só se aplica a partir da sua entrada em vigor, ou seja, no presente caso, a partir de 1 de julho.

Como se refere no acórdão do CAAD proferido a 23.01.2017, no proc. 432/2016, a propósito da aplicação do art. 12º, nº 2 da LGT, «trata-se de um critério plasmado na lei de modo absolutamente claro, inteligível, praticável, e que não leva neste caso concreto a qualquer injustiça; é, além disso, e repita-se, um critério que o legislador poderia expressamente ter afastado – e não fez».

Como ali bem se explicou «resultando das normas sobre aplicação da lei no tempo e sobre o âmbito de competência temporal das normas fiscais que a Derrama Estadual criada pela Lei n.º 12- A/2010, de 20 de junho, apenas se aplica à parte do lucro tributável correspondente ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor não temos aqui uma situação de retroatividade cuja admissibilidade caiba apreciar. Apenas estaríamos perante um caso de retroatividade se a Derrama Estadual fosse aplicada a uma parte do lucro tributável que se tivesse criado antes da data da sua entrada em vigor – o que vimos não acontecer por ter o legislador resolvido esse conflito potencial através do critério pro rata temporis plasmado no artigo 1, n.º 2 da LGT.

Apenas estaríamos perante um caso de retroatividade – cuja legitimidade cumpriria analisar – se houvesse na própria Lei n.º 12-A/2010, de 20 de junho, uma norma que derrogasse a regra constante do artigo 12.º, n.º 2 da LGT que é assim geral do Direito Tributário para os conflitos (ainda que aparentes) de normas fiscais no tempo no caso de factos tributários de formação sucessiva, norma essa que poderia, em tese atribuir a competência temporal da norma à totalidade do facto tributário que se estivesse a formar no dia da sua entrada em vigor (caso em que a norma seria parcialmente retroativa) ou apenas aos factos tributários continuados cuja formação se iniciasse após a sua entrada em vigor. Tendo em conta que a Constituição da República Portuguesa (CRP) tomou uma posição expressa sobre a retroatividade das normas fiscais em 1997 – introduzindo no artigo 103.º n.º 3 a regra que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa – e que em 1998 o legislador estipulou na LGT regras sobre a aplicação da lei fiscal no tempo – que apesar de não terem valor reforçado não podem deixar de se aplicar aos aplicadores da norma fiscal – o legislador da lei fiscal ordinária que queira dispor sobre a sua aplicação no tempo está vinculado a este quadro normativo, ou a tomar uma decisão expressa de derrogar as normas supletivas, como aqui poderia ter feito quanto ao artigo 12.º, n.º 2 (abrindo naturalmente depois a discussão sobre a legitimidade constitucional dessa opção em face do princípio de não retroatividade constante da CRP). »

Assim sendo, temos de considerar contrária à lei a aplicação da Derrama Estadual à parte do lucro tributável correspondente ao período anterior a 1 de julho de 2010.

A liquidação adicional em crise tem então de ser considerada ilegal na parte referente à Derrama Estadual sobre o lucro tributável correspondente ao primeiro semestre de 2010 por violação do art. 12º, nº 2 da LGT e, consequentemente, parcialmente anulada, procedendo integralmente nesta parte o pedido da Requerente, com as legais consequências.

Os Requerentes pedem ainda o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2015 8010036707 no que concerne ao montante da Derrama Estadual, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

C. DECISÃO

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral Coletivo:

  1. Julgar improcedente a exceção da litispendência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Indeferir o pedido de suspensão da instância formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  3. Julgar procedente a exceção de incompetência formulada pela requerida no que respeita ao pedido de apreciação e condenação na correção do valor de créditos fiscais consumidos a título de SIFIDE;
  4. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da liquidação de IRC n.º 2015 ... no que concerne ao montante da Derrama Estadual, com as respetivas consequências legais, incluindo juros indemnizatórios.

 

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 103.962,04, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 25 de novembro de 2022

 

O Árbitro - Presidente,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Hélder Faustino)

 

O Árbitro-Vogal,

 

 

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.

[2] Seguindo de perto a decisão 620/2017-T, deste Centro, disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=75&id=3368.