Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 203/2022-T
Data da decisão: 2022-12-05  IRC  
Valor do pedido: € 6.086.301,54
Tema: Artigos 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC. Perdas por imparidade. Princípio da justiça. Princípio da especialização dos exercícios. Artigo 68.º, n.º 1 do Código do IRC. Crédito de imposto por dupla tributação internacional: Incorreções formais. Princípio da prevalência da substância sob a forma.
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Sumário

I – Os requisitos previstos no artigo 28.º-A e 28.º-B do CIRC, que permitem deduzir as perdas por imparidade, não estão verificados relativamente ao ano de 2018, conforme resulta da declaração de IRC da Requerente, mas estão cumpridos no ano de 2019.

II – O princípio da especialização dos exercícios não é um princípio absoluto, não podendo ser interpretado e aplicado em prejuízo dos princípios da verdade material, capacidade contributiva e da justiça.

III - No presente caso, a violação do princípio da especialização dos exercícios não resultou de omissões voluntárias e intencionais da Requerente, resultantes de estratégias deliberadas, com vista a manipular resultados ou operar a sua transferência entre exercícios, por forma a contornar as finalidades visadas por lei com a consagração do princípio da especialização dos exercícios.

IV – Face a uma incorreção formal decorrente da inscrição de um valor na conta errada do modelo 22 do CIRC, que não prejudicou a AT, deve prevalecer a materialidade da inscrição do mesmo valor perante o incumprimento da obrigação formal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Professor Tomás Cantista Tavares e Professor Diogo Feio (árbitros vogais), o primeiro designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa e os segundos, respetivamente, pela Requerente e pela Requerida AT, para formarem o Tribunal Arbitral constituído em 28-06-2022, acordam no seguinte:

I. RELATÓRIO

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa apresentou, em 22/03/2022, um pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com a alínea a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

2. A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., praticado por referência ao exercício de 2018, no valor de € 0,00 e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021... (compensação n.º 2021 28185829), da qual resultou imposto a pagar no valor de € 0,00

3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD a 23-03-2022 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

4. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e depois de cada uma das partes terem nomeado os árbitros-vogais acima indicados, o Conselho Deontológico designou como Árbitro-Presidente do Tribunal Arbitral coletivo o Professor Nuno Cunha Rodrigues; que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

5. Em 06-06-2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28-06-2022.

7. Por despacho arbitral de 18-09-2022 foi dispensada a reunião do Tribunal Arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado o prosseguimento do processo mediante a notificação das partes para apresentarem alegações escritas facultativas pelo prazo sucessivo de quinze dias, o que ambas as partes vieram a fazer.

10. Foi indicado o prazo de três meses como data previsível para a prolação da decisão arbitral.

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

12 As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

13. O processo não enferma de nulidades.

II. DO PEDIDO DA REQUERENTE:

A Requerente solicita a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., praticado por referência ao exercício de 2018, no valor de € 0,00 e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021... (compensação n.º 2021...), da qual resultou imposto a pagar no valor de € 0,00.

A Requerente indica que estão em causa duas correções promovidas pela Requerida por referência ao exercício de 2018.

Em primeiro lugar, a Requerente discorda do entendimento dos Serviços de Inspeção Tributária, que determinou a não-aceitação da reversão de perdas por imparidade do valor de € 5.050.570,56, realizada pela Requerente no campo 781 do quadro 07 da Declaração Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2018, respeitante à recuperação fiscal da perda por imparidade constituída, no período de tributação de 2015, relativamente ao crédito da B..., Ltda. (“doravante B...”), a qual havia sido tributada à data.

De forma sintética, a Requerente invoca que havia alienado as participações sociais que detinha na B... em 2016 a C... e D... e que, por esse motivo, a responsabilidade pela dívida à Requerente se tinha mantido na esfera da B... .

Mais entende a Requerente que o crédito em questão enquadrava-se na sua “atividade normal” uma vez que era essa a natureza que tinha no momento em que tinha sido constituído, não se alterando a sua natureza por força da vanda da participação.

A Requerente considera ainda que, a partir do momento em que foi alineada a participação que detinha na B...– 18 de novembro de 2016 – deixou de se verificar a limitação consagrada na alínea d), n.º 3 do artigo 28-B do Código do IRC, passando a aplicar-se o regime regra, previsto no artigo 28.º-B, n.º 1 do CIRC.

Acresce ser entendimento da Requerente ter demonstrado a existência de provas objetivas de terem sido efetuadas diligências para o recebimento de créditos objeto de perdas por imparidade e que apenas no período de tributação de 2018, a Requerente pode recuperar o efeito fiscal da perda por imparidade do crédito da B..., por apenas nesse período se encontrarem cumpridos os requisitos previstos no artigo 28.º-B do CIRC para efeitos de aceitação dessa imparidade.

Em conclusão, a Requerente entende que se verificam os pressupostos legais que permitem a dedutibilidade fiscal da perda por imparidade no ano de 2018 e que, ainda que tal não fosse acolhido, a Requerente teria o direito a apresentar Declaração Modelo 22 do IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2019, no sentido de contemplar a recuperação fiscal da perda por imparidade do crédito da B..., atendendo a que a existência da prova de cobrança do crédito, não se verificando no período de tributação de 2018, verifica-se, indubitavelmente, no período de tributação de 2019.

Em segundo lugar, a Requerente discorda das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária ao crédito de Imposto por Dupla Tributação Internacional por julgar que o valor objeto de correção no quadro 7 do Modelo 22 do IRC é de € 22.895 e não o montante de € 181.950,54, que foi objeto de correção por parte da AT.

Pelo exposto, conclui a Requerente que a correção sub judice é ilegal, devendo ser anulada.

 

III. DA RESPOSTA DA REQUERIDA AT:

Em resposta, a Requerida AT arguiu que a constituição e tratamento das imparidades para créditos de cobrança duvidosa tem de conformar-se com princípios e regras básicas de funcionamento do quadro legal e lato do IRC, com destaque para o princípio da periodização do lucro tributável previsto no artigo 18.° do CIRC. E de tal princípio, comum aos normativos contabilísticos e fiscais, decorre que existindo evidências quanto ao risco de incobrabilidade da dívida, deve o gasto ser reconhecido nesse momento. Acresce que, por força do disposto pelo n.º 2 do artigo 18.° do CIRC, não são fiscalmente aceites os gastos de períodos anteriores, desde que nesse momento a sua ocorrência fosse manifestamente previsível.

Assim, a constituição de imparidades tem subjacente a imputação dos gastos aos períodos a que se referem evitando onerar excessivamente o período económico de tributação em que se concretizam.

Entende a Requerida que, atento o disposto no artigo 28.°-A, n.º 1 alínea a), do CIRC, a aceitação das perdas por imparidade referentes a créditos de cobrança duvidosa como fiscalmente dedutíveis, ocorre caso se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: i) resultem de créditos derivados da atividade normal; ii) possam ser consideradas de cobrança duvidosa; e iii) se encontrem evidenciadas na contabilidade.

Por outro lado, o artigo 28.º-B do CIRC determina que são considerados créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, especificando, no seu n.º 1, as situações em que esse risco se verifica e, no n.º 3, os créditos não abrangidos pela norma. Para as situações abrangidas pela alínea c) do preceito, foram consagrados três requisitos cumulativos: i) entrada em mora; ii) existência de prova objetiva de imparidade e que iii) tenham sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

Neste contexto, a Requerida considera que a Requerente reconheceu na sua contabilidade, no período de tributação de 2015, a perda por imparidade no valor de €5.050.570,56 e não cuidou de demonstrar que estavam reunidas as condições previstas nos artigos 28.º-A e 28.º-B do CIRC para que as mesmas pudessem ser deduzidas para efeitos fiscais.

Acrescenta a Requerida que, com a alienação da sua participação na B..., em 2016, e diante da sua pretensão em ver reconhecida fiscalmente a perda por imparidade por si constituída, cabia à Requerente respeitar todos os requisitos exigidos para o efeito, o que não ocorreu.

Entende a Requerida que a pretensão da Requerente de ver reconhecida fiscalmente a perda por imparidade, em 2018, dependia da demostração dos requisitos necessários e suficientes para que sobre os créditos em crise pudessem vir a ser constituídas imparidades aceites fiscalmente, tais como (i) a natureza desses créditos, (ii) o seu enquadramento legal, (iii) a sua mora e (iv) o cumprimento do estatuído no normativo legal.

Porém, na opinião da Requerida, tal ficou por demonstrar.

De harmonia com a Requerida, para que a perda por imparidade fosse reconhecida fiscalmente em 2018, no montante de €5.050.570,56, em resultado da imparidade que foi reconhecida contabilisticamente no período de tributação de 2015, não bastava que tal perda deixasse de se enquadrar no disposto n.º 3 do artigo 28.º-B do CIRC. Era ainda necessário que a Requerente efetuasse a prova da natureza do crédito (no sentido de se averiguar se era ou não resultante da sua atividade normal) e da mora, bem como deveria ser apresentada prova objetiva de que tais créditos estariam numa situação de imparidade e de que tinham sido efetuadas diligências para o seu recebimento, prova que a Requerente não fez.

Assim, sintetiza a Requerida, que não havendo provas de evidência objetiva da imparidade do referido crédito, não é possível considerar que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, conforme impõe o n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC.

Entendendo a Requerida que, no caso sub judice, estamos diante de perda por imparidade de um crédito do qual se desconhece: (i) a sua natureza (se está ou não relacionado com atividade normal da Requerente, como exige a alínea a) do n.º 1 do art.º 28.ºA do CIRC), (ii) a mora e (iii) as provas objetivas de imparidade do referido crédito (de modo a aferir o risco de incobrabilidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 28.º-B do CIRC) e cujo reconhecimento violou o princípio da prudência e o regime da periodização económica (exigido no normativo contabilístico e no disposto nos art.º 17.º e 18.º do CIRC), este não deve ser reconhecido.

Pelo exposto, conclui a Requerida, não deve ser admitida a dedução fiscal da perda por imparidade no período de tributação de 2018, constituída em 2015, no valor de €5.050.570,56.

Mais afirma ainda a Requerida que o legislador fiscal consagrou expressamente, no artigo 18.º do CIRC, que na determinação do lucro tributável é obrigatório observar a periodização económica ou especialização dos exercícios pelo que, face ao normativo contabilístico, reforçado pelas normas fiscais, uma componente negativa do lucro tributável - gastos - só poderá ser imputada a um período de tributação posterior se, à data de encerramento das contas do exercício a que respeita fosse manifestamente desconhecida ou imprevisível, o que não sucedeu in casu.

Para a Requerida as perdas por imparidade não podiam ser consideradas pela Requerente como manifestamente desconhecidas ou imprevisíveis à data do fecho das contas do exercício de 2016, não ocorrendo nenhuma situação suscetível de ser enquadrada na exceção ao princípio da especialização dos exercícios, consagrada no n.º 2 do artigo 18.º do CIRC.

Por outro lado, e no que se refere ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, entende a Requerida que, atendendo a que no apuramento da matéria tributável efetuada pela Requerente foram apenas considerados os valores líquidos dos rendimentos obtidos no estrangeiro, tal apuramento contrariou as disposições do CIRC, pelo que os SIT procederam à correção no valor daquele imposto.

Para a Requerida, a Requerente ao pretender demonstrar que os rendimentos estão reconhecidos contabilisticamente pelo valor ilíquido, ao contrário dos factos apurados pelos SIT, deveria vir demonstrar que os rendimentos obtidos no estrangeiro, correspondentes ao imposto pago no montante de €181.950,54, constam na sua contabilidade, numa conta de réditos (rendimentos), pelo seu valor ilíquido. Contudo, a Requerente não terá feito tal prova.

A Requerida conclui assim pela legalidade das correções controvertidas, devendo a liquidação impugnada manter-se na ordem jurídica.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

A. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente tem como objeto social a “construção metalúrgica e metalomecânica, montagens industriais e respetiva comercialização”;
  2. A Requerente possui créditos sobre a B..., vencidos entre 2013 e o primeiro semestre de 2015, no valor de 5.050.570,56€, que incluem juros de mora de 153.836,77€;
  3. Em 2015, a Requerente registou a imparidade desses créditos, em termos contabilísticos, no valor de 5.050.570,56€;
  4. Em 2015, a Requerente detinha mais de 10% do capital social da B...;
  5. Em 18 de novembro de 2016, a Requerente vendeu a totalidade da participação de capital que tinha na B... a C... e a D...;
  6. O contrato de compra e venda da participação social detida pela Requerente, foi celebrado pela Requerente e pela sociedade E..., Lda., na qualidade de vendedores, e pelos compradores, sem intervenção da B...;
  7. Nos termos constantes do considerado (b) e da cláusula 4.2. do contrato de compra e venda celebrado em 18 de novembro de 2016, os compradores assumiram integralmente as todas as dívidas e obrigações da B... existentes nessa data;
  8. A imparidade contabilística registada em 2015 não foi revertida em 2016, no momento em que ocorreu com a venda, por parte da Requerente, das quotas detidas na B...;
  9. Em 25 de março de 2019, a Requerente enviou uma carta registada com aviso de receção à B..., na qual se pode ler que “apesar de todas as diligências anteriormente efetuadas no sentido da cobrança dos valores vencidos, ainda se encontra por pagar a quantia de 5.050.570,56€”, intimando-a a efetuar o pagamento em dívida até 15 de abril de 2019;
  10. A carta enviada pela Requerente à B... em 25 de março de 2019 foi recebida pela B... em 1 de abril de 2019;
  11. A imparidade registada em termos contabilísticos de 5.050.570,56€ em 2015 foi levada, pela Requerente, a imparidade fiscal no ano de 2018;
  12. A Requerente lançou na conta # 68111 referente ao modelo 22 de IRC do ano de 2018 o valor de € 181.950,54 de impostos pagos no estrangeiro;
  13. No momento do apuramento do crédito de imposto foi efetuado um registo a crédito, por contrapartida da conta # 2418, no valor de € 159.055,54;

B. Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

C. Fundamentação da matéria de facto

O Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do Código do Processo Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário, ex vi artigo 29º, do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como o processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

 

VI. DO DIREITO:

São duas as questões decidendas que estão em causa no processo sub judice:

  1. Perdas por imparidade – Imparidade de cliente e
  2. Crédito de imposto por dupla tributação internacional.

Analisaremos cada uma destas questões de forma separada.

A) Perdas por imparidade – Imparidade de cliente:

No primeiro caso – perdas por imparidade - entende a Requerente que se verificam os pressupostos legais que permitem a dedutibilidade fiscal da perda por imparidade no ano de 2018 e, ainda que tal não fosse acolhido, a Requerente teria o direito a apresentar Declaração Modelo 22 do IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2019, no sentido de contemplar a recuperação fiscal da perda por imparidade do crédito da B..., atendendo a que a existência da prova de cobrança do crédito, não se verificando no período de tributação de 2018, verifica-se no período de tributação de 2019.

De forma diversa, entende a Requerida que a pretensão da Requerente em ver reconhecida fiscalmente a perda por imparidade, em 2018, dependia da demostração dos requisitos necessários e suficientes para que sobre os créditos em crise pudessem vir a ser constituídas imparidades aceites fiscalmente, tais como (i) a natureza desses créditos, (ii) o seu enquadramento legal, (iii) a sua mora e (iv) o cumprimento do estatuído no normativo legal o que, na opinião da Requerida, tal ficou por demonstrar.

Em síntese, prima facie, o que está em causa é saber se, em 2018, estavam preenchidos os requisitos legais cumulativos para o registo fiscal da imparidade de créditos relativos a dívidas da B... para com a Requerente, no valor de 5.050.570,56€, à luz do disposto no artigo 28.º-A e 28.º-B, do CIRC.

Em ordem proceder à apreciação desta problemática deve assinalar-se o disposto no Código do IRC a propósito de perdas por imparidade.

Assim, o artigo 28.°-A, n.º 1 alínea a), do CIRC, em vigor em 2018, dispunha da seguinte forma:

“Artigo 28.º-A

Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

b) (…)

2 – (…)

3 – (…)”

Com idêntica relevância para o presente caso, o artigo 28.º-B do Código do IRC determinava o seguinte:

“Artigo 28.º-B

Perdas por imparidade em créditos

1 - Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:

a) (…)

b) (…)

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 – (…)

3 - Não são considerados de cobrança duvidosa:

a) (…)

b) (…)

c) (…)

d) Os créditos sobre empresas participadas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

e) Os créditos entre empresas detidas, direta ou indiretamente, nos termos do n.º 6 do artigo 69.º, em mais de 10 % do capital pela mesma pessoa singular ou coletiva, salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1.

4 – (…)”

Aqui chegados, pode afirmar-se que os requisitos legais para o registo fiscal de imparidades de créditos são, de forma cumulativa, os seguintes:

  1. As imparidades contabilísticas devem ser “contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1 do CIRC);
  2. Devem estar “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal da empresa, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento das obrigações” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC);
  3. Devem ser consideradas de “cobrança duvidosa e sejam evidenciados, como tal, na contabilidade” (art. 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC), o que se verificará quando estejam em mora há mais de seis meses (cfr. artigo 28.º-B, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CIRC));
  4. Existam “provas objetivas de imparidade” e
  5. Foram efetuadas “diligências para o seu recebimento” (cfr. artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC);

Deve, por isso, ser analisado se cada um destes requisitos encontra-se verificado no caso sub judice:

  1. Da contabilização no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1 do CIRC):

Foi dado como provado que a Requerente registou a imparidade contabilisticamente em 2015 e que, em 2018, a registou em termos fiscais.

A este propósito deve observar-se que o tratamento de imparidades contabilísticas e de imparidades fiscais, sendo aparentemente idêntico é, na realidade, diverso.

Em termos contabilísticos, a NCRF 27 - Instrumentos Financeiros menciona que, caso exista evidência objetiva de imparidade, deve ser reconhecida uma perda por imparidade, definindo o § 24 do referido normativo contabilístico o que é considerado uma evidência objetiva.

Porém, é legítimo afirmar que o registo de imparidades fiscais é mais exigente do que o registo de imparidades contabilísticas na medida em que o primeiro pressupõe o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 28.º-A, n.º 1 do CIRC, nomeadamente a demonstração do preenchimento de todos os requisitos nele enumerados.

Acontece que a Requerente não podia ter registado a imparidade em termos fiscais no ano de 2015 uma vez que, nesse ano, verificava-se a presunção inilidível prevista no artigo 28.º-A, n.º 3, alínea d), atendendo à circunstância de, nesse momento, a Requerente ser detentora de mais de 10% do capital social da B... .

Por esse motivo, a Requerente procedeu ao registo da imparidade em termos contabilísticos e em termos fiscais em momentos temporais distintos: contabilisticamente em 2015 e fiscalmente em 2018. Ao fazê-lo, a Requerente respeitou o disposto no artigo 28.º-A, n.º 1 de harmonia com o qual podem ser deduzidas em termos fiscais perdas por imparidade quando contabilizadas em diferentes períodos de tributação.

Encontra-se, portanto, verificado este primeiro requisito.

Aqui chegados, cumpre verificar se os requisitos previstos no artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC se encontram cumpridos.

  1. Da existência de perdas por imparidade “relacionadas com créditos resultantes da atividade normal da empresa” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC):

No caso em apreço verifica-se que os créditos foram constituídos entre 2013 e 2015, conforme foi dado como provado. Nessa medida não pode deixar de se considerar que estes créditos resultaram da atividade normal da Requerente.

É certo que, em 2016, a Requerente alienou o capital social que detinha na sociedade B... .

Ao fazê-lo, transmitiu igualmente as dívidas da sociedade B... aos novos compradores, conforme consta do contrato de compra e venda celebrado, dado como provado, o que permitiu que, a partir da data da venda da totalidade das ações, a Requerente deixasse de estar abrangida pelo disposto no artigo 28.º-B, n.º 3, alínea d) do CIRC passando, assim, a poder invocar os pressupostos necessários à aplicação do artigo 28.º-B, n.º 1.

As dívidas em causa, registadas em 2018, são as mesmas que haviam sido registadas contabilisticamente pela Requerente em 2015 e que decorriam, inegavelmente, da atividade normal da empresa verificada nessa ano (e nos anos anteriores até 2013) e não em momento posterior – v.g. em novembro de 2016, quando ocorreu a venda do capital social detido pela Requerente na B... .

Na verdade, através desta última operação as dívidas da B... passaram a ser assumidas pelos compradores da B..., não tendo sido alterada a natureza ou a origem destas dívidas.

Por tudo isto, verifica-se que a Requerente cumpriu igualmente este requisito.

  1. Da existência de créditos de “cobrança duvidosa (…) evidenciados, como tal, na contabilidade” (cfr. artigo 28.º-A, n.º 1, al. a), do CIRC):

Em ordem a apurar o preenchimento deste requisito, a interpretação do artigo 28.º-A, n.º 1, alínea a) do CIRC deve ser conjugada com o disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c) do CIRC por forma a recortar a noção de créditos de “cobrança duvidosa”.

Assim, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado quando “os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.”

Como ficou provado, a imparidade contabilística foi registada em 2015 referindo-se a créditos que surgiram entre 2013 e 2015.

Mais tarde, em 2018, foi registada a imparidade fiscal. Neste ano já não se verificava qualquer das causas de afastamento da natureza de cobrança duvidosa, nos termos previstos no artigo 28.º-B, n.º 3 do CIRC (rectius a alínea d)).

Como tal não subsistem dúvidas de que, em 2018, as dívidas estavam em mora há mais de seis meses – para efeitos do disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea c) do CIRC (e, bem-assim, há mais de vinte e quatro meses pelo que o montante acumulado da perda por imparidade podia ser de 100% (cfr. artigo 28.ºB, n.º 2, alínea d) do CIRC)).

Observe-se ainda que, caso se entendesse que o risco de incobrabilidade surgiu apenas no momento da alienação das ações – i.e. novembro de 2016 – atenta a impossibilidade de, até essa data, os créditos serem considerados de cobrança duvidosa (cfr. a presunção inilidível prevista no artigo 28.º-B, n.º 3, alínea d) do CIRC) – também neste cenário já teria decorrido o prazo de vinte e quatro meses até ao registo da perda por imparidade (que ocorreu em 31 de dezembro de 2018).

A esta luz, considera-se que a Requerente cumpriu este requisito.

  1. Da existência de “provas objetivas de imparidade” (cfr. artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC):

Foi dado como provado que a Requerente registou perdas por imparidade contabilisticamente em 2015, referentes a créditos relativos à B... . Ao proceder dessa forma, a Requerente respeitou as regras estabelecidas pela NCRF 27 - Instrumentos financeiros assumindo a probabilidade objetiva de aqueles créditos não virem a ser pagos.

Essa imparidade contabilística permaneceu inscrita mesmo depois da venda das quotas detidas pela Requerente na B..., fazendo o contrato de compra e venda dessas quotas referência expressa à transmissão dessa dívida para os compradores, conforme foi dado como provado.

Como tal não pode deixar de se considerar que há provas objetivas de imparidade, para efeitos do disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC.

Assim, também este requisito se encontra verificado.

  1. Da realização de “diligências para o seu recebimento” (cfr. artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC):

O Código do IRC exige ainda que tenham sido efetuadas diligências para o recebimento dos créditos em mora.

No caso em apreço foi dado como provado que, em março de 2019, a Requerente solicitou, por carta registada, que a dívida lhe fosse paga, tendo essa missiva sido recebida pelo devedor.

Podem, adicionalmente, ter sido realizadas outras diligências por parte da Requerente para o recebimento dos créditos que, contudo, não foram dadas como provadas.

Certo é que a diligência realizada pela Requerente para o recebimento dos créditos em apreço ocorreu em março de 2019 e que a perda por imparidade foi registada, em termos fiscais, em 2018.

Ora o artigo 18.º, n.º 1 do CIRC consagra o princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios, que consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efetivo recebimento ou pagamento.

Como tal, não estando verificado, em 2018, o requisito previsto na parte final do artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC, uma vez que não ficou provado que a Requerente tivesse realizado diligências para o recebimento dos créditos em mora no ano de 2018, não podia a Requerente registar a perda por imparidades dos créditos em apreciação na declaração de IRC referente ao ano de 2018.

 

B) Da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios:

 

Como vimos anteriormente, o requisito previsto na parte final do artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC, não se encontrava verificado pelo que a Requerente não podia registar a perda por imparidades dos créditos em apreciação no ano de 2018.

A Requerente afirma, a este propósito, que teria o direito a apresentar Declaração Modelo 22 do IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2019, no sentido de contemplar a recuperação fiscal da perda por imparidade do crédito da B..., atendendo a que a existência da prova de cobrança do crédito, não se verificando no período de tributação de 2018, verifica-se, indubitavelmente, no período de tributação de 2019.

Na verdade, verifica-se que, em 2019, todos os requisitos legais para o registo fiscal de imparidades de créditos encontravam-se verificados, incluindo o previsto no artigo 28.º-B, n.º 1, al. c), do CIRC.

Cumpre, por isso, apreciar o entendimento defendido pela Requerente.

Por outras palavras, ter-se-á de indagar se a possibilidade de inscrição da perda por imparidade em 2019 não deve prevalecer sobre o princípio da especialização dos exercícios no caso sub judice.

Está em causa uma questão profusamente analisada pelos tribunais: a eventual prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios.

A este propósito, a esmagadora maioria da jurisprudência proferida tem considerado que o princípio da especialização dos exercícios deve ser conciliado com o princípio da justiça, de modo a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios tendentes a manipulá-los.

Este entendimento consta de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo – cfr. acórdão de 25 de junho de 2008, processo 0291/08 – do TCA Sul – cfr. acórdão de 25 de novembro de 2021, processo 410/04.4BELSB – e do CAAD, tais como as decisões proferidas no processo 874/2019-T; 327/2019-T; 588/2015-T e 431/2020-T.

Acompanhamos, a este propósito, os fundamentos expostos relativamente à prevalência do princípio da justiça sob o princípio da especialização dos exercícios na decisão tomada no processo n.º 334/2018-T:

“O princípio da periodização económica ou da especialização dos exercícios está positivado no n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRC e traduz-se na regra de que devem ser considerados como ganhos ou perdas de determinado exercício os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, que a esse exercício digam respeito, sendo irrelevante o exercício em que elas se materializam.

No n.º 2 daquele mesmo artigo 18.º prevê-se uma exceção para as componentes positivas ou negativas do lucro tributável que, na data do encerramento das contas de determinado exercício, eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

O princípio da especialização dos exercícios deriva da periodização dos resultados que é imposta por necessidades de gestão e de informação, sendo «caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação dada a um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde», impondo essa especialização «a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses» ; desta forma, «a periodização anual do imposto implica que tanto os rendimentos como os gastos (e as variações patrimoniais fiscalmente relevantes) sejam imputados a cada período de tributação. Esta imputação resulta essencialmente da aplicação das normas contabilísticas, justamente porque o nosso legislador entendeu que as regras de periodização aí previstas oferecem um sistema coerente, fiável e eficaz também para efeitos fiscais.»

(…)

A importância e razão de ser do princípio da periodização económica resultam evidentes se se tiver presente que «a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo a, designadamente:

a) Diferir no tempo os lucros;

b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;

c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v. g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).»  

Efetivamente, existem, «em abstracto, dois tipos de erros fiscais ligados à imputação temporal das componentes positivas e negativas do rédito ao exercício competente:

- a omissão ou esquecimento (erro voluntário ou involuntário): conhece-se a regra, que é indisputável, mas por algum motivo (ilegítimo ou justificado) não se regista o proveito ou o custo no ano devido;

- a álea ou abertura interpretativa: errónea inscrição temporal dum proveito ou um custo, efectuada, todavia, com base numa interpretação plausível da regra fiscal (geral ou específica) da especialização dos exercícios, regra essa que possui um conteúdo aplicativo equívoco (ou não concludente) diante do caso concreto.»

É, pois, vedado aos contribuintes definirem como bem entenderem ou segundo critérios de oportunidade ou, ainda, em conformidade com a sua estratégia comercial ou de gestão, o timing para declararem os proveitos e os custos decorrentes da sua atividade comercial ou industrial, porquanto lhes são legalmente impostos limites e regras para o efeito, designadamente no sentido de os obrigar a imputar esses proveitos e custos ao exercício a que digam respeito.

Assim, todos os custos e proveitos que sejam reconhecidos em determinada data devem ser registados no exercício a que correspondem de modo a que se produza uma imagem fidedigna da posição da empresa para esse período; ou seja, devem ser imputados «ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro» (acórdão do STA, proferido em 02/04/2008, no processo n.º 0807/07, disponível em www.dgsi.pt).

Porém, tem-se registado, por parte dos tribunais, duas teses antagónicas em torno do princípio da especialização de exercícios.”

A esse propósito, assinala o mesmo acórdão do CAAD que vimos acompanhando:

“a) a corrente primitiva, de cariz formal e legalista, não admite quaisquer violações do princípio da especialização de exercícios;

b) a tese actual, de cariz material, aceita a violação formal do princípio da especialização, desde que essas inscrições erróneas não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios.

Esta corrente jurisprudencial [a tese primitiva] não pactua com a violação da regra legal da especialização de exercícios. Não aceita a inscrição duma rubrica (positiva ou negativa) do rendimento, em exercício diverso do que lhe compete. Fica-se pelo mero enunciado do princípio. Sobrevaloriza-o face à ponderação doutros factores de justiça material, como a interferência em exercício alheio ao objecto do processo ou ao atendimento de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação plausível dum comando complexo).

A Jurisprudência consente, actualmente, a violação formal do princípio da especialização de exercícios, desde que não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios. Aceita a inscrição dum custo ou proveito em exercício diverso do que lhe competia, por intervenção de razões desculpabilizantes (actuação de boa-fé, sustentada numa interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição).

A tese actual (…) rompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)» 

Com efeito, constitui jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tem de ser temperada com a invocação do princípio da justiça – nomeadamente, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado –, o qual funcionará então como uma válvula de escape. Neste sentido, ficou lapidarmente consignado o seguinte no acórdão proferido em 19/11/2008, no processo n.º 0325/08 (disponível em www.dgsi.pt):

«O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Embora estes princípios constitucionais tenham um domínio primacial de aplicação no que concerne aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, introduzindo neste exercício aspectos vinculados cuja não observância é susceptível de constituir vício de violação de lei, a sua relevância não se esgota nos actos praticados no exercício desses poderes discricionários.

Na verdade, por um lado, o texto do art. 266.º da CRP não deixa entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa, pelo que, em princípio, dever-se-á fazer tal aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade.

Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, com primazia para o direito constitucional, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).

Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário.

Tanto são normas legais a primeira parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP, que impõe à Administração a observância do princípio da legalidade (…), como a sua segunda parte em que se prevêem os outros princípios e que generalizadamente impõem os modelos de actuação de toda a actividade administrativa, como também é uma norma legal a que, em determinada situação específica, prevê uma determinada actuação da Administração, designadamente, no caso em apreço, a aplicação do princípio da especialização dos exercícios (art. 18.º, n.º 1, do CIRC).

Por isso, para definir a legalidade a que a Administração está vinculada, terão de se ter em conta todas essas normas e fazer uma ponderação e escolha entre elas caso a sua aplicação global, abstractamente compatível, se demonstre inviável em determinada situação concreta.

Assim, (…), do referido art. 18.º, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.

Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.

Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.»

Neste mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo Sul da seguinte forma:

«I - O princípio da especialização ou autonomia dos exercícios impõe que os proveitos e os custos economicamente imputáveis a um determinado exercício, sejam considerados apenas nesse exercício, só eles podendo, assim, influenciar o seu resultado.

II - Tal princípio sofre as excepções, previstas na lei, quais sejam: nos casos em que haja imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das componentes positivas ou negativas e das obras de carácter plurianual (artigos 18.º, n.ºs 2 e 5 e 19.º do CIRC); nas situações em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte e quando esse erro não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar as transferências de resultados entre exercícios.»

(…)

Na jurisprudência tributária do CAAD, também constatamos o mesmo sentido decisório, entre outros, nos acórdãos proferidos em 24/11/2014, no processo n.º 367/2014-T, em 22/01/2016, no processo n.º 262/2015-T, em 29/04/2016, no processo n.º 588/2015-T, em 15/12/2017, no processo n.º 244/2017-T e em 24/10/2017, no processo n.º 233/2017-T (disponíveis em www.caad.org.pt/tributário/decisoes), respigando-se aqui o seguinte segmento deste último aresto:

«(…) Questão da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios

O princípio da justiça (…) é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a Administração Tributária ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando delas decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça será de sobrepor ao princípio da especialização dos exercícios nos casos em que do incumprimento não tenha resultado prejuízo para o erário público e aquele não tenha sido concretizado intencionalmente com o objectivo de obter vantagens fiscais.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), (…), desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios».

A própria Administração Tributária há muito reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial:

“Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.”

(…)

Nos casos em que o Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que deva prevalecer o princípio da justiça sobre a legalidade estrita relativa ao princípio da especialização dos exercícios são situações em que da não observância desse princípio não advém qualquer prejuízo para o erário público, nomeadamente situações em que o sujeito passivo não obteve vantagens ou até foi prejudicado pelo erro que praticou na aplicação do princípio da especialização dos exercícios. Em situações desse tipo, não se pode justificar que seja infligida ao contribuinte uma maior oneração fiscal, em nome de um respeito fetichista e acrítico pela observância da legalidade e à margem de qualquer perspectiva de prossecução do interesse público, que é o dever primacial a observar pela Administração Pública, como decorre do n.º 1 do artigo 266.º da CRP.»”

C) Da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios no caso sub judice:

Na sequência do enquadramento teórico efetuado e da descrição da jurisprudência acima exposta cumpre, agora, apreciar da aplicabilidade do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios ao caso sub judice.

Entende a Requerida que “não ocorreu nenhuma situação manifestamente desconhecida ou imprevisível suscetível de ser enquadrada na exceção ao princípio da especialização dos exercícios, consagrada no n.º 2 do artigo 18.º do CIRC.”

Porém, como vimos anteriormente, o princípio da especialização dos exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT). Tal implica uma análise específica de cada situação que visa indagar da admissibilidade de imputação de custos a outros exercícios económicos, quando não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.

Ora nos presentes autos foi dado como provado que os requisitos previstos no artigo 28.º-A e 28.º-B do CIRC que permitiam deduzir as perdas por imparidade não estavam verificados relativamente ao ano de 2018 mas estariam cumpridos relativamente ao ano de 2019, caso a Requerente tivesse feito esta opção.

Com efeito, a Requerente podia apresentar Declaração Modelo 22 do IRC de substituição relativa ao período de tributação de 2019, onde contemplasse a recuperação fiscal da perda por imparidade do crédito da B... .

A esta luz, e considerando a matéria dada como provada, pode afirmar-se que a violação do princípio da especialização dos exercícios no presente caso não resultou de omissões voluntárias e intencionais da Requerente, resultantes de estratégias deliberadas com vista a manipular resultados ou operar a sua transferência entre exercícios.

Na verdade a Requerente não contabilizou os custos em causa (perdas por imparidade), de forma correta, uma vez que não os levou ao exercício correspondente.

A Requerente terá cumprido, desde abril de 2019, todos os requisitos para registar a imparidade por referência a 31 de dezembro de 2018, pelo que terá inscrito o gasto fiscal da imparidade nesse ano de 2018, porque ainda não se tinha completado o prazo para a autoliquidação do ano de 2018, que apenas sucederia em final de maio de 2019.

Como foi anteriormente exposto, deve ter-se presente que o princípio da especialização dos exercícios não é um princípio absoluto, não podendo ser interpretado e aplicado em prejuízo dos princípios da verdade material, capacidade contributiva e da justiça.

Ora não foi dada como provada que a falta, no ano de 2018, de um dos requisitos para o registo fiscal da imparidade tivesse decorrido de “omissões voluntárias e intencionais da Requerente” ou que adviesse de “estratégias deliberadas com vista a manipular resultados ou operar a sua transferência entre exercícios.”

A falta de um dos requisitos foi, em rigor, ultrapassada em 2019, ano em que a Requerente podia registar fiscalmente a perda por imparidade.

Nestes termos, a correção efetuada à matéria coletável de IRC, referente ao exercício de 2018, consubstanciada na desconsideração do custo fiscal respeitante às perdas por imparidade registadas naquele exercício, atinentes aos créditos da Requerente sobre a B..., vencidos entre 2013 e o primeiro semestre de 2015, no valor de 5.050.570,56€, que incluem juros de mora de 153.836,77€; enferma de vício de violação de lei, por violação do princípio da justiça; daí decorrendo, necessariamente, a ilegalidade do ato de liquidação de IRC controvertido e a sua consequente anulação parcial, na parte em que teve como pressuposto esta correção.

d) Crédito de imposto por dupla tributação internacional:

Está pendente de apreciação a segunda questão suscitada pela Requerente no presente processo, relativa à incorreção formal na inscrição de crédito de imposto por dupla tributação internacional.

Determina o artigo 68.º, n.º 1 do CIRC a este propósito (correções nos casos de crédito de imposto), que, “na determinação da matéria coletável sujeita a imposto, quando houver rendimentos obtidos no estrangeiro que deem lugar a crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos do artigo 91.º, esses rendimentos devem ser considerados, para efeitos de tributação, pelas respetivas importâncias ilíquidas dos impostos sobre o rendimento pagos no estrangeiro.” (sublinhado nosso)

Na presente caso, a Requerida entende que a Requerente considerou os rendimentos pelo valor líquido dos rendimentos obtidos no estrangeiro – e não pelas importâncias ilíquidas, conforme determina o CIRC – tendo deduzido o valor de €181.950,54 pago no estrangeiro e relativo a impostos.

A Requerente reconhece a falha, que decorreu de um erro na inscrição do valor de €181.950,54. Aqui, deve registar-se que foi dado como provado ter sido efetuado um registo a crédito de parte desse valor, por contrapartida da conta # 2418, no montante de € 159.055,54.

Consequentemente, entende a Requerente, a correção devia ser operada pela diferença de valores, na quantia de € 22.895,00.

Quer o Requerente quer a Requerida estão de acordo que houve um erro formal que se traduziu na não-inscrição do valor de € 22.895,00, relativo ao valor total de € 181.950,54, decorrente de impostos pagos no estrangeiro.

Porém, não se pode afirmar que, ao não inscrever na conta certa o montante remanescente - € 159.055,54 – a Requerente tenha prejudicado a AT.

Regista-se, na verdade, uma incorreção formal por parte da Requerente no que respeita à inscrição de € 159.055,54 que, reitera-se, não prejudicou a AT.

Consequentemente haverá que ponderar se a realidade material que resulta da totalidade dos valores inscritos pode, neste caso, prevalecer face às exigências de natureza formal, i.e., da correta inscrição formal dos valores.

Vejamos.

O princípio da prevalência da substância sob a forma tem sido profusamente invocado em diversas decisões judiciais.

Assim, e de forma meramente exemplificativa, o acórdão n.º 523/05 de 3 de maio de 2005 do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) assinalou que "ao direito fiscal importa sobretudo a real configuração das situações de facto, «a realidade económica, a realidade de facto», «a relação económica»”.

Noutros acórdãos foi reconhecido que a inscrição formal de um bem na contabilidade pode ser desconsiderada para efeitos fiscais quando não corresponda à substância da função que o bem em causa desempenha na empresa concreta, afirmando-se assim a plena aplicação do princípio da prevalência da substância sob a forma (cfr. acórdãos do Pleno do STA de 12/11/1971 e de 21/04/1972 e Acórdão do STA de 21/04/1993).

Porém, para que se possa apurar da aplicabilidade do princípio da prevalência da substância sob a forma, é “necessária uma subsequente tarefa, por parte do julgador, de apuramento sobre esse custo, no sentido de concluir se o mesmo deve ser relevado fiscalmente, nomeadamente quando não se encontram verificados os requisitos de documentação e inscrição na contabilidade do respectivo custo”. Este entendimento foi, aliás, justamente assinalado no acórdão proferido no processo nº 307/2013-T, do CAAD.

Ora, no caso que aqui apreciamos, o valor de € 159.055,54 foi inscrito no modelo 22 do IRC, ainda que numa conta errada.

Ao proceder dessa forma, a Requerente não prejudicou a AT devendo, consequentemente, prevalecer a materialidade da inscrição no modelo 22 do Código do IRC sob o incumprimento da obrigação formal, relativamente ao registo deste valor.

Não estando em causa qualquer outra incorreção (formal ou material), porquanto não invocada pela AT, não pode deixar de se concluir que, também aqui, assiste razão à Requerente.

 

VII. DECISÃO:

Nestes termos, decide o Tribunal Arbitral:

Declarar procedente o pedido arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º 2021..., praticado por referência ao exercício de 2018, no valor de € 0,00 e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... (compensação n.º 2021...), da qual resultou imposto a pagar no valor de € 0,00 nos seguintes termos:

  1. A anulação da correção efetuada à matéria coletável de IRC, referente ao exercício de 2018, consubstanciada na desconsideração do custo fiscal respeitante às perdas por imparidade registadas naquele exercício, atinentes aos créditos da Requerente sobre a B..., vencidos entre 2013 e o primeiro semestre de 2015, no valor total de € 5.050.570,56;
  2. A anulação do valor objeto de correção ao quadro 7 do modelo de IRC, no montante de € 159.055,54.

 

VIII. VALOR DO PROCESSO:

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.086.301,54 (seis milhões oitenta e seis mil e trezentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

IX. CUSTAS:

Custas a cargo da Requerente, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, não cabendo proceder à fixação do respectivo montante, dado o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, a contrario.

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 5 de dezembro de 2022

Os Árbitros

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues (Presidente e relator))

 

 

(Tomás Cantista Tavares)

 

 

(Diogo Feio (com voto de vencido))

 

 

Voto de vencido

Votei vencido a decisão com os seguintes fundamentos de natureza jurídica:

Como é assumido no texto do acórdão há duas questões que estão em causa:

  1. Perdas por imparidade – imparidade de cliente e
  2. Crédito de imposto por dupla tributação internacional.

É assumido no texto da decisão arbitral que “…o que está em causa é saber se em 2018, estavam preenchidos os requisitos legais relativos a dívidas da B... para a Requerente, no valor de 5.050.570,56€, à luz do disposto do Código no artigo 28.º -A e 28.-B do CIRC” (pág. 11). Concordo em absoluto com essa assunção que remete para os textos legais em vigor em 2018.

Concordo também com a enumeração dos requisitos legais enumerados (pág. 13) para que a provisão possa ser registada no plano fiscal (sendo diferente a possibilidade registo contabilístico e de registo fiscal à luz do princípio da dependência parcial). Continuo a dar assentimento à referência (pág. 17) de que não está cumprido o requisito da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, pois não há prova de que tenham existido diligências para o recebimento do crédito em mora em 2018. Considero então que a perda por imparidade dos créditos não podia ser registada.

A minha discordância começa neste ponto. Considero que a imparidade em concreto apenas podia ser registada em 2019, discordando da aplicação que em concreto foi determinada pela maioria dos árbitros de permitir a sua consideração em 2018. A interpretação que defendo da prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização de exercícios é outra.

É referido no âmbito desta decisão (apontando-se em vária jurisprudência) que o princípio da especialização de exercícios deve ser conciliado com o princípio da justiça, como forma de permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios tendentes a manipulá-los (pág. 18). Sucede que as várias decisões se referem a gastos que já estavam fiscalmente constituídos e em que os sujeitos passivos diferiram o seu reconhecimento para um outro período. Não é isso, na minha interpretação, que está presente nesta situação.

Em 2018 não estavam preenchidos os requisitos de formação da imparidade para efeitos fiscais, pelo que o gasto nem sequer existia no plano fiscal. Com efeito, o Código do IRC exige, cumulativamente, a existência de mora bem como a realização de diligências para recebimento do crédito, para que o mesmo seja qualificado como um “crédito de cobrança duvidosa” e, por esta via, seja reconhecida a respetiva imparidade.

Estas exigências configuram, conforme menciona Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, p. 86, condições para a respetiva validade fiscal das imparidades. Ora, não tendo sido realizadas quaisquer diligências de cobrança do crédito durante o ano de 2018, inexiste, no plano fiscal, um gasto -que não é simples dependendo da realização de vários pressupostos - associado a esse mesmo crédito.

Face ao exposto, parece-me que aplicar o princípio da justiça ao caso em concreto da forma defendida nesta decisão não se fica pelo simples afastamento do princípio da especialização de exercícios, mas acaba por criar uma ficção de um gasto em 2018. De facto, como foi referido acima, nesse ano o facto constitutivo não tinha sequer sucedido, não se tratando assim, estritamente, de uma questão de imputação temporal de um gasto previamente constituído, pelo que a interpretação defendida na presente decisão extravasa a interpretação que faço da jurisprudência referida.

O ponto essencial da minha discordância é este, o princípio da justiça não se suplanta a um pressuposto do próprio gasto previsto no Código do IRC, sob pena de o princípio da justiça se poder transformar numa fonte de insegurança e injustiça.

Diogo Feio