Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2022-T
Data da decisão: 2023-01-05  ISP  
Valor do pedido: € 5.457.168,27
Tema: Contribuição de Serviço Rodoviário. Pedido de revisão oficiosa; Excepções de incompetência do Tribunal, ilegitimidade, e caducidade do direito de acção.
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Sumário

I – A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, não se verificando nem a incompetência do tribunal em razão da matéria por estar esta limitada à apreciação das pretensões dos sujeitos passivos relativas a impostos, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.

II – O sujeito passivo da CSR tem legitimidade processual ativa na ação de impugnação através de processo arbitral, ao abrigo do art.º 9.º nº 4 do CPPT.

III – Não constitui objeto insuscetível de ser apreciado em processo arbitral tributário o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de CSR por ilegalidade abstrata, por violação do Direito da União Europeia.

IV – Constitui invocação de “erro imputável aos serviços”, para efeitos da segunda parte do nº 1 do art.º 78.º da LGT, a invocação de ilegalidade abstrata da liquidação de CSR, por desconformidade da respetiva lei com o Direito da União Europeia.

V – A CSR, não prossegue “motivos específicos”, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária;

VI – A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo, e que além disso não se repercutiu negativamente nas margens de venda ou no volume de vendas do sujeito passivo, de modo a que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa;

VII – A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico e do enriquecimento sem causa do mesmo em virtude da sua restituição não pode ser efetuada através de meras presunções.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professor Nuno Cunha Rodrigues (árbitro-presidente), Professora Nina Aguiar e Dr. António Melo Gonçalves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12.07.2022, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

A..., S.A., doravante Requerente, com o NIF..., com sede na Rua ... n.º ... – ..., ...-..., ..., em 04.05.2022 veio requerer um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», com as alterações subsequentes, em conjugação com os artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de pronúncia arbitral visa a declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa efetuado pelo diretor da Alfândega de Braga, em 11.04.2022, e, bem assim, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, referentes ao período de janeiro a dezembro de 2018, mas unicamente na parte respeitante à liquidação em CSR. 

Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros, integrando um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 12.07.2022.

Na mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, devendo, no mesmo prazo, ser remetida cópia do processo administrativo, o que sucedeu em 29.09.2022.

Em 30.09.2022, o Tribunal Arbitral dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenou a notificação das Partes para a apresentação de alegações escritas, facultativas, pelo prazo sucessivo de 15 dias.

Em 03.10.2022, a Requerida veio solicitar a junção de um Documento que designou como «Anexo 20», que integra uma informação de serviço elaborada pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) da AT.

Por despacho do Tribunal Arbitral de 11.10.2022, no âmbito do princípio do contraditório, foi dado à Requerente a faculdade de, no prazo de 5 dias, se pronunciar, tendo exercido esse direito, sem se pronunciar especificamente sobre a sua admissibilidade.

A Requerente veio apresentar alegações em 18.10.2022 e a Requerida em 02.11.2022, tendo o Tribunal ficado habilitado a emitir a respetiva pronúncia.

 

II - SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária. 

O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver. Foram suscitadas pela Requerida diversas exceções dilatórias sobre as quais o Tribunal se irá pronunciar mais adiante.

 

III – DA POSIÇÃO DAS PARTES

a) Da Requerente

A Requerente, em linhas gerais, alega o seguinte:

Violação da Diretiva n.º 2008/118 pela Contribuição de Serviço Rodoviário

  • A CSR constitui um imposto incidente sobre os grandes combustíveis rodoviários – gasolina, gasóleo rodoviário e GPL auto – sujeitos também ao ISP.
  • A CSR serve-se em parte das regras que disciplinam o ISP mas constitui um imposto distinto, com enquadramento legal, estrutura e finalidade próprias.
  • Ao nível europeu, a tributação dos produtos petrolíferos e energéticos é enquadrada pela Diretiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”) harmonizados e pela Diretiva n.º 2003/96, de 27 de Outubro de 2003, que cuida especificamente da tributação dos produtos petrolíferos e energéticos.
  • À luz da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de Dezembro de 2008, sendo da iniciativa do legislador nacional e onerando produtos já sujeitos ao ISP, a CSR configura um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados (excisable goods).
  • Para prevenir que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Diretiva 2008/118 subordina a criação destes impostos não harmonizados sobre excisable goods à dupla condição de (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico”.
  • De acordo com a jurisprudência consolidada do TJUE, este “motivo específico” não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, sendo que a afectação da receita a despesas determinadas pode constituir um indicador de um “motivo específico” na criação destes impostos.
  • Porém, entende aquele Tribunal que nem toda a afectação comprova um “motivo específico”, sendo necessária uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto, não se verificando essa ligação direta quando a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”.
  • Na falta dessa afectação adequada da receita, para que se concluísse existir “motivo específico” seria necessário, em segunda linha, e no entendimento daquele Tribunal, que a estrutura do imposto claramente servisse para desmotivar o consumo que ele queira prevenir.
  • É certo, porém, que a CSR foi criada por razões de ordem puramente orçamental.
  • A Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que cria a CSR, não faz apelo a qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social.
  • As razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR estão na necessidade de encontrar receitas próprias para financiamento da EP – Estradas de Portugal, E.P.E., empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, entretanto transformada na Infraestruturas de Portugal, IP, S.A..
  • A receita da CSR encontra-se genericamente consignada ao financiamento da Estradas de Portugal, E.P.E.
  • A CSR serve, portanto, para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afectação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um “motivo específico”.
  • A estrutura da CSR não indicia, tão pouco, que esteja subjacente à respetiva criação qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social.
  • Bem pelo contrário, a incidência objectiva da CSR, a sua incidência territorial e a sua estrutura de taxas, distintas do ISP, atestam que o objetivo subjacente à sua criação está em encontrar receitas próprias e estáveis para uma entidade pública e não em desmotivar um qualquer comportamento por parte dos contribuintes, como melhor se verá adiante.
  • Em suma, o legislador português não fixou uma afectação da receita da CSR que comprove que esta tenha sido criada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental.
  • O legislador português tão pouco dotou a CSR de uma estrutura que comprove que a sua criação tenha sido ditada por “motivo específico” distinto de uma finalidade orçamental.
  • Assim, a CSR criada pela Lei n.º 55/2007, deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118.

Obrigatoriedade de reembolso do tributo liquidado

  • É jurisprudência assente do TJUE que os Estados-membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu.
  • Não obstante, aquele Tribunal tem reconhecido aos Estados-membros a possibilidade de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do Direito Europeu quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte.
  • Esta exceção, contudo, apenas é admitida pelo TJUE em termos muito estritos.
  • Para que a mesma proceda, é necessário que se demonstre a repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela administração tributária, mesmo quando um imposto indireto seja concebido pelo legislador com o objetivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens.
  • A acrescer a isto, entende o TJUE que, mesmo quando se comprove a repercussão, não se pode concluir que haja enriquecimento sem causa do sujeito passivo, uma vez que a repercussão pode levar a uma quebra do volume de vendas, maior ou menor.
  • Entende, portanto, aquele Tribunal, que cabe à administração tributária o ónus de provar, primeiro, a repercussão do imposto, depois, o enriquecimento sem causa do contribuinte, atendendo aos particularismos económicos que rodeiam as transações, não se podendo voltar o ónus da prova da repercussão e do enriquecimento sem causa contra o contribuinte.
  • Decorre também da jurisprudência do TJUE, que a invocação de uma exceção de enriquecimento sem causa com o fim de recusar o reembolso de imposto contrário ao Direito da União exige norma de Direito interno que a preveja.
  • Ao indeferir o presente pedido de revisão oficiosa, a AT presume igualmente o enriquecimento sem causa da Requerente sem desenvolver qualquer esforço na sua demonstração incorrendo também em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
  • Ao indeferir o pedido de revisão oficiosa a AT impõe ainda à Requerente que comprove inexistir enriquecimento sem causa em inversão e violação clara daquele que tem sido o entendimento do TJUE incorrendo noutro erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
  • Falta base legal no Direito interno português que permita às autoridades nacionais recusar o reembolso de imposto liquidado em violação do Direito da União por apelo ao enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

A Requerente termina pedindo:

  1. Que seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa referente aos atos de liquidação em causa;
  2. Que seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados no que respeita ao montante liquidado a título de CSR;
  3. Que a AT seja condenada a reembolsar a Requerente pelo valor total de CSR indevidamente pago, relativamente aos actos de liquidação juntos aos autos, no montante de € 5.457.168,27 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.

b) Da Requerida

Na sua resposta, a Requerida veio defender-se por exceção, invocando a incompetência absoluta do tribunal, a ilegitimidade e a caducidade do direito de ação, e também por impugnação, tendo, no essencial, dito o seguinte:

Exceção de incompetência devida à natureza do tributo em causa

  • O objeto do processo não é suscetível de apreciação e decisão pelo tribunal arbitral constituído, pois a CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto no nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, (aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro) e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelos quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
  • Quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto.
  • De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
  • Existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores e apenas subsidiariamente pelo Estado, artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receia própria da IP.
  • A CSR representa, assim, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de novembro.
  • De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
  • Trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de (taxa nem de) imposto.

Exceção de incompetência devida à natureza do pedido

  • Verifica-se ainda incompetência absoluta do tribunal em virtude da natureza do pedido da Requerente, que suscita junto desta instância arbitral a legalidade do regime da CSR, no seu todo.
  • No seu articulado a Requerente põe em causa, não uma, ou mais normas da Lei n.º 55/2007, de 31/08, e demais legislação atinente a esta contribuição, mas o regime da CSR, in totum, fazendo referência às motivações da própria lei e à sua estrutura.
  • Pelo que, pretendendo a Requerente, em rigor, a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa, com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos.

Ilegitimidade da Requerente

  • O mecanismo de liquidação da CSR representa uma espécie de substituição tributária, na medida em que:
  • A CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que se substituem à Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (IP), a quem é destinada a CSR liquidada e cobrada pela AT, como contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias; e
  • O valor da CSR é determinado em função dos consumos de gasolina, de gasóleo rodoviário e GPL auto e não com base no preço efetivo dos serviços prestados pela IP aos utilizadores das vias rodoviárias nacionais.
  • Importa, todavia, realçar que, embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível sendo, portanto, este último, o contribuinte da CSR.
  • Ora, a Requerente pretende que lhe seja restituído o montante de € 5.457.168,27, liquidado a título de CSR, relativamente a introduções no consumo efetuadas no período de janeiro a dezembro de 2018, que teria pago indevidamente, sem ter como provar, o que alega no pedido de pronúncia arbitral, ter efetivamente suportado o custo do pagamento desse montante ao Estado.
  • Efetivamente, dedicando-se a Requerente à comercialização de produtos petrolíferos, tais produtos já foram vendidos sendo que, no respetivo preço de venda foram incluídos os montantes pagos pela vendedora, designadamente para a sua introdução no consumo, tendo repercutido no preço de venda todas as despesas por si assumidas a título de liquidação de CSR.
  • E, assim sendo, não se vislumbra que exista na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido.
  • Importa então determinar o impacto que a eventual anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e o consequente reembolso dos montantes pagos a título de CSR, terá na esfera da Requerente.
  • Ora, tendo em conta a relação material controvertida que subjaz aos presentes autos, o montante das liquidações de CSR que porventura viessem a ser anuladas, teriam necessariamente de ser restituídas a quem suporta aquela contribuição financeira – o consumidor final – e não à Requerente, que faz repercutir a CSR no preço de venda do combustível.
  • Ora, comprovado que está que a Requerente repercutiu os custos da liquidação da CSR no custo de venda dos combustíveis, resulta que a eventual anulação do ato tributário contestado beneficiaria de modo imediato a esfera da Requerente, consubstanciando uma situação de enriquecimento sem causa, não sendo por isso legítimo (direto) o seu interesse na presente demanda.
  • Assim, não existe causa de pedir, como se verifica, carece a Requerente de legitimidade (ativa) que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância.

Caducidade do direito de ação

  • Deve proceder a exceção da intempestividade do pedido arbitral, com base na extemporaneidade do pedido de revisão da liquidação efetuada cujo indeferimento está na origem do presente pedido arbitral, nada havendo a censurar na decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira/Alfândega de Braga por ter decidido nesse sentido.
  • Com efeito, constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 03.05.2022, do despacho de indeferimento de 11.04.2022, do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 11.01.2022, ao abrigo do artigo 78º da LGT (cfr. PA). E para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão.
  • A Requerente apresentou, em 03.05.2022, o presente pedido de pronúncia arbitral, na sequência do despacho de indeferimento, datado de 11.04.2022, do pedido de revisão oficiosa apresentado em 11.01.2022, dos atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos, na parte relativa aos montantes liquidados a título de CSR, com base nas declarações de introdução no consumo submetidas pela Requerente, no período de janeiro a dezembro de 2018, tituladas pelos 12 DUC constantes do PA, cujo termo do prazo de pagamento do imposto ocorreu, sucessivamente, em 28.02.2018, 29.03.2018, 30.04.2018, 30.05.2018, 29.06.2018, 31.07.2018, 31.08.2018, 28.09.2018, 31.10.2018, 30.11.2018, 31.12.2018 e 31.01.2019.
  • Quanto ao prazo previsto na 1ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT (prazo da reclamação administrativa), o mesmo já se encontra precludido, uma vez que o termo do prazo de pagamento voluntário relativo ao último dos 12 DUC ocorreu em 31.01.2019 e o prazo para apresentação da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento da CSR) terminou em maio de 2019.
  • Relativamente ao prazo previsto na 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT só é aplicável se o fundamento de revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
  • No que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de CSR sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro), não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária.
  • Atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espetro do princípio da legalidade e, não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num “julgamento” de pretensa desconformidade com o direito comunitário (atribuição reservada aos Tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de “erro”, que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.  Não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. n.º 2 do art. 266º, da CRP e art. 55º da LGT). Nessa conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a que acresce o facto de a própria requerente, referir no pt. 17º da sua exposição que devem ser considerados “ilegais”, os atos de liquidação praticados pela Administração Tributária (1ª parte do n.º 1 do art. 78º da LGT – prazo de 120 dias, há muito precludido)”.
  • De facto, a AT está sujeita ao Princípio da Legalidade (cfr. nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e artigo 55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do disposto no nº 4 do artigo 8º da CRP). Neste sentido, tem sido pacificamente entendido na doutrina e jurisprudência que, a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias, (cfr. artigo 18º nº 1 da CRP), a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artigo 281º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artigo 18º nº 1, da CRP), o que não é o caso.
  • Assim sendo, perante a norma em vigor, a Administração Tributária e Aduaneira (AT), em obediência ao Princípio da Legalidade, não poderia ter atuado de modo diferente, sob pena de estar ela a violar essa legalidade, e, nessa conformidade entende a Requerida que, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT. Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pela Requerente, em 03.05.2022, na sequência do indeferimento, pelo Diretor da Alfândega de Braga do pedido de revisão apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e consequentemente ser a Requerida absolvida do pedido.

Por impugnação

  • De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, a CSR visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, SA, e constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis.
  • Nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 55/2007, a CSR “incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”, variando o seu valor em função do produto petrolífero utilizado.
  • Por sua vez, o art.º 7º, estatui que as “taxas do ISP são estabelecidas por portaria conjunta nos termos do Código dos Impostos Especiais de Consumo, por forma a garantir a neutralidade fiscal e o não agravamento do preço de venda dos combustíveis em consequência da criação da contribuição de serviço rodoviário”.
  • Tais taxas vieram a ser estabelecidas pela Portaria n.º 16-C/2008, de 09/01 e em obediência ao disposto no referido art.º 7º, tornou-se necessário “baixar” as taxas unitárias do ISP incidentes sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário, no exato montante do valor da CSR, conforme referido expressamente no preâmbulo da referida portaria.  Não se procedeu (nem foi essa a intenção do legislador) a um desagravamento da tributação do produto em causa, uma vez que este continuou a ser tributado exatamente no mesmo montante, embora em moldes diferentes.
  • Consequentemente, salienta-se que, por força da entrada em vigor da CSR (em 01.01.2008), foi fixada uma nova taxa para o gasóleo rodoviário no montante de € 278,41/1000 litros (n.º 2 da Portaria n.º 16-A/2008 de 09/01, conjugado com o art.º 7º da Lei n.º 55/2007), de modo a “acomodar” o montante de CSR fixado no n.º 2 do art.º 4º da mesma lei. O gasóleo passou, assim, a ser tributado nos seguintes moldes: aplicação de uma taxa de ISP (€ 278,41/1000 lts.) a que acresce o montante estabelecido legalmente, a título de CSR, sendo as referidas taxas, objeto de atualização.
  • Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do mesmo diploma, a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e, não obstante constitua receita da Infraestruturas de Portugal, IP, SA (artigo 6.º), a sua liquidação e cobrança incumbe à AT, aplicando-se “à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”.
  • O mecanismo de liquidação da CSR representa uma espécie de substituição tributária, na medida em que a CSR é devida pelos sujeitos passivos de ISP, que se substituem à Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (IP), a quem é destinada a CSR liquidada e cobrada pela AT, como contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias.
  • Por outro lado, o valor da CSR é determinado em função dos consumos de gasolina, de gasóleo rodoviário e GPL auto e não com base no preço efetivo dos serviços prestados pela IP aos utilizadores das vias rodoviárias nacionais. A CSR constitui, pois, a contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, suportada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado.
  • A Requerida considera que, ao contrário do que defende a Requerente, existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, através da Lei nº 55/2007, tendo em consideração que:
  1. Esta lei atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP-Estradas de Portugal, EPE (artigo 9.º), atual Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. remetendo a sua definição para decreto-lei;
  2. Estabelece que a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado (artigo 2.º);
  3. Determina que a CSR constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, medida através do consumo de combustíveis (artigo 3.º n.º 1, que concretiza o princípio acima referido);
  4. Prescreve que a CSR constitui fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (artigo 3.º n.º 2);
  5. Estabelece que o produto da CSR constitui receita própria da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (artigo 6.º);
  6. O Decreto-lei n.º 380/2007, de 13/11, que definiu as bases da referida concessão, prevê a CSR entre as fontes de financiamento do concessionário Infraestruturas de Portugal, IP, S.A.
  • E sendo a CSR uma receita própria da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., a questão dos objetivos/finalidades subjacentes à mesma, terá que ser analisada à luz do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui àquela entidade a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e que aprova as bases da concessão.
  • E ao contrário do que afirma a Requerente (“o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que fixa as bases de concessão da então Estradas de Portugal, cuida de aspetos pontuais relativos à arrecadação e entrega do produto da cobrança da CSR, sendo omisso, porém, quanto à sua aplicação”), da análise efetuada ao contrato de concessão acima identificado, verifica-se a existência de uma série de objetivos/finalidades, subjacentes à atividade da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., que permite refutar de forma clara a argumentação apresentada pela Requerente de que “falta à CSR afetação de receita que revele finalidade não orçamental”.
  • Desde logo no nº 4 da alínea b) da base 2 é claramente referido que a concessionária deve: Prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II anexo às presentes bases.
  • Por seu turno na base 12, que estabelece as obrigações de informação da concessionária, ao longo de todo o período da concessão, estatui que a concessionária compromete-se a fornecer informação sobre sinistralidade, remetendo ao “InIR, no 1.º trimestre de cada ano, um relatório respeitante ao ano anterior, no qual é prestada informação circunstanciada, nomeadamente com vista à aplicação do disposto na base 66, sobre os níveis de sinistralidade registados na concessão, cobrindo aspetos como os pontos de acumulação de acidentes e identificação das suas causas e comparação com congéneres nacionais e internacionais, acompanhado por auditoria efetuada por entidade idónea e independente sobre tais níveis de sinistralidade”.
  • No que concerne à sinistralidade, em particular, a base 42, estatui que: “1 - A concessionária deve manter um contínuo controlo dos níveis de sinistralidade registados na concessão e promover a realização de auditorias anuais aos mesmos. 2 - A concessionária deve propor ao InIR, em consequência dos resultados das auditorias anuais a que se refere o número anterior, medidas tendentes à redução dos níveis de sinistralidade, propondo, do mesmo modo, o regime de eventual comparticipação do concedente na respetiva implementação, sem prejuízo das demais especificações legais na matéria.”.
  • Na secção IV, relativa às penalidades e especificamente na base 63, é estabelecido que a concessionária se encontra sujeita a um regime de penalidades específico relativo: a) Ao nível de serviço das vias; b) Às externalidades ambientais; e c) À sinistralidade registada nas vias.
  • Sendo que na parte I, são inclusive definidos objetivos de redução de sinistralidade, com recurso a indicadores de atividade relacionados com a segurança rodoviária, nomeadamente: I) Número de pontos negros (Rede EP) II) Gravidade dos acidentes nas travessias urbanas (na Rede EP) III) Número de vítimas mortais (na Rede EP).
  • Na parte II, são definidos objetivos de sustentabilidade ambiental, com base nos seguintes indicadores ambientais: a) Estabilização da concentração de NO2 nas infraestruturas rodoviárias b) Correção das situações em que 80 % da população está exposta a níveis sonoros acima de 70 dB(A) c) Correção de 80 % das situações em que o incumprimento é superior a 5 dB(A) face aos valores do Regulamento Geral do Ruído d) Reduzir em 70 % a descarga de águas de escorrência sem tratamento prévio sempre que Cu > 0,1 mg/l, Zn > 1 mg/l e Pb > 0,1 mg/l em zonas hídricas sensíveis aos poluentes rodoviários e) Redução em 50 % dos atropelamentos da fauna até 2013; aumento em 50 % da eficácia das passagens hidráulicas/fauna até 2013.
  • Em termos práticos e reais e de acordo com a informação constante do site da Infraestruturas de Portugal constata-se que nas últimas décadas Portugal tem vindo a registar uma evolução muito relevante na redução da sinistralidade rodoviária.
  • No que se refere às Inspeções de Segurança Rodoviária Realizadas, uma das atividades fundamentais da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. em termos de segurança rodoviária são as Inspeções de Segurança Rodoviária, efetuadas por equipas de inspetores de segurança e com uma abrangência nacional, que permitem identificar desconformidades e problemas de segurança rodoviária relacionados com a infraestrutura, bem como, propor as medidas corretivas com melhor custo-benefício. Desde 2015, o Centro de Prevenção ao Acidente ganhou robustez tendo sido inspecionados e analisados 106 acidentes graves (com registo de vítimas mortais e/ou feridos graves) ocorridos na rede IP, o que permitiu analisar as possíveis causas dos acidentes e assim ter uma atuação mais eficaz sobre a rede.
  • Verifica-se assim que o invocado “motivo específico” para a “razão de ser” da CSR, também se consubstancia em objetivos ambientais e de redução de sinistralidade, verificando-se o condicionalismo contestado pela Requerente e não estando por isso em causa despesas gerais ou com finalidades puramente orçamentais, indo inclusive ao encontro do preconizado no âmbito do acórdão do TJUE (Primeira Secção), de 25 de julho de 2018, processo C-103/17, em que se considera que se “prossegue uma finalidade específica, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si mesmo, assegurar a finalidade específica invocada. É esse o caso, em particular, se o produto desse imposto deve ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos ambientais especificamente relacionados com o consumo de eletricidade sujeito ao referido imposto e para promover a coesão territorial e social, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.
  • É inequívoco que existem na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário, ao contrário do que pretende a Requerente.

A questão do reembolso

  • Mas ainda que assim não fosse, “a ordem jurídica comunitária e a proteção dos direitos que ela consagra não exigem a concessão do reembolso de impostos indevidamente liquidados ao contribuinte em condições tais que produzam o seu enriquecimento sem causa”, tal como expresso no ponto n.º 26 do Acórdão do TJUE Hans Just.
  • No caso do gasóleo e da gasolina, a procura é altamente inelástica.
  • Quando a procura de um determinado produto apresenta características de inelasticidade, então não haverá qualquer tipo de reação diferenciada por parte dos consumidores e a procura não irá ser alterada pela variação de preços.
  • O imposto irá recair sobre o consumidor, porque o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto.
  • Combinando a procura inelástica dos produtos em causa, com o facto de estar em causa um imposto monofásico e específico, as condições de repercussão total do imposto encontram-se preenchidas, pelo que de acordo com as regras da racionalidade económica, a CSR será efetivamente paga pelo consumidor final.
  • Nem o direito comunitário nem os princípios do Estado de Direito e da proteção da confiança implicam o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo através do reembolso de um imposto que foi repercutido em terceiros.
  • Mais, consubstanciaria uma clamorosa injustiça, com consequências financeiras muito gravosas, se a AT se visse obrigada a restituir à Requerente um montante de imposto/contribuição que entregou à Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., nos termos da lei, e que aquela não suportou porque repercutiu o encargo nos consumidores finais dos combustíveis, conduzindo a um inadmissível enriquecimento sem causa de uma empresa em desfavor do interesse público.
  • Na esteira da jurisprudência há muito assente pelo TJUE, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas e, assim, repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos.
  • Ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça (TJUE), são incompatíveis com o direito comunitário as modalidades de prova cujo efeito seja fazer com que seja praticamente impossível ou excessivamente difícil a devolução dos impostos arrecadados contra as disposições de Direito comunitário, considerando o TJUE que tal se verifica quando se imponha ao contribuinte o ónus de provar que os tributos indevidamente pagos não foram repercutidos sobre outros sujeitos.
  • Também não se pode exigir ao Estado que, para provar a efetiva repercussão do imposto por parte do sujeito passivo sobre terceiros, faça uma prova impossível.
  • A prova da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor, só pode partir da análise de factos conhecidos e demonstráveis e, portanto, que possuam alguma consistência prática.
  • Com vista a fazer prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi aberta pela AT a Ordem de Serviço n.º OI2021..., constando da Informação nº 02-CMCN/2022, de 20/03/2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT, os resultados da análise efetuada que comprovam que a CSR liquidada relativamente às introduções no consumo efetuadas em 2018, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente constituiu encargo, não da requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis.
  • O ISP/CSR é parte integrante do custo das mercadorias vendidas como, aliás, não podia deixar de ser tendo em conta quer a sua definição teórica, quer o seu enquadramento normativo.
  • É sobre o custo das mercadorias vendidas (CMV), o qual integra o ISP e a CSR, que a A... terá que aplicar uma percentagem de forma a chegar a uma margem bruta que lhe permita aferir da viabilidade e continuidade do negócio. Ou seja, mesmo que, por absurdo, todos os restantes gastos não existissem, a totalidade do CMV terá sempre que ser refletida no preço praticado ao cliente sob pena de não só o negócio não ser viável como até incorrer em ilegalidade (venda abaixo do seu preço de custo).
  • A A... não segrega dentro da conta 3115 o valor da CSR do valor do ISP. Essa segregação é feita nas guias de entrega de imposto onde, aí sim, é feita a separação entre os montantes devidos a título de ISP e de CSR.
  • Face ao tratamento contabilístico plasmado na NCRF 18, podemos concluir que: A CSR consubstancia uma verba que não é subsequentemente recuperável das entidades fiscais pela entidade que procede à sua liquidação (como é o caso por exemplo do IVA, quando o mesmo nos termos do respetivo código é dedutível), constituindo consequentemente uma componente do custo de compra dos inventários. Neste sentido, tal como corretamente procedeu o sujeito passivo, a CSR deve ser contabilizada na conta 31 – compras, pois o custo de compra dos inventários deve incluir esta componente. Os custos previamente incluídos na mensuração do inventário, ou seja, o valor reconhecido na conta 31 – compras é reconhecido como gasto do período (conta 61 – CMV) no momento (no período de relato) em que aqueles inventários são vendidos. Daqui resulta, que o procedimento adotado pelo sujeito passivo se encontra em conformidade com o tratamento contabilístico consagrado na NCRF 18.
  • Assim, como a CSR é um gasto do período em que os inventários (combustíveis) são alienados, esta contribuição é repercutida no custo dos inventários, pelo que será a entidade que adquire à A... aqueles combustíveis que suportará (ou o repassará, se revender aqueles combustíveis) o encargo com aquela contribuição.
  • Em suma, o tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, o qual tem acolhimento na NCRF 18, traduz a realidade dos factos: o resultado apurado pela A... não é diminuído pela existência da CSR (pois a CSR é incorporada no custo dos combustíveis) refletindo que esta contribuição consubstancia a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, e, consequentemente, constitui encargo do consumidor do combustível (que, relativamente aos combustíveis vendidos não é a A... mas os utilizadores dessas rodovias).
  • Conclui-se que a análise e demonstração da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor feita pela Autoridade Tributária, parte de factos conhecidos e demonstráveis, e, portanto, que possuem consistência prática, permitindo, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova possível e suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
  • Ao reembolsar a CSR à Requerente, o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado) e a Requerente passaria a ser a beneficiária efetiva de uma receita que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efetivamente o encargo com a CSR foram os consumidores finais).

A Requerida termina dizendo que o tribunal deve julgar não verificada a hipótese de ato claro ou aclarado, pelo que, tem de forçosamente considerar que se levantam dúvidas suficientes, em face da jurisprudência invocada, que obstam à aceitação do entendimento da Requerente sem prévia consulta ao TJUE, para que este possa exercer as suas competências próprias, nos termos dos Tratados, concluindo assim pela necessidade de reenvio prejudicial para aquele tribunal.

Quanto ao reembolso do tributo pago, e ao pagamento de juros indemnizatórios, ambos pedidos pela Requerente, a Requerida aduz o seguinte:

  • As atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão, em conformidade, aliás, com o já decidido pela instância arbitral nesse sentido.
  • Incumbindo às alfândegas efetuar as liquidações, compete-lhes igualmente promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais, designadamente, quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência das ações, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo.
  • A alínea c), do n.º 3, do mesmo artigo 43.º, ao dispor que são igualmente devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”, consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão da liquidação.
  • Deste modo, e seguindo abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mormente a vertida nos Acórdãos de 28.01.2015, no Processo n.º 0722/14, de 11.12.2019, no Processo n.º 058/19.9BALSB, de 20.05.2020, no Processo n.º 05/19.8BALSB, de 26.05.2022, no Proc. n.º 159/21.3BALSB, entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (cf. artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).

Em alegações finais, a Requerente acrescenta ainda a argumentação que se sintetiza como segue:

Quanto à exceção de incompetência devida à natureza do tributo

  • A CSR é cobrada independentemente da utilização da concreta “rede rodoviária nacional” que a Infraestruturas de Portugal tem a seu cargo, incidindo também sobre os combustíveis usados na circulação em muitas outras estradas do País, geridas por entidades públicas distintas, nomeadamente nas estradas geridas pelos municípios, aos quais compete administrar a generalidade das vias de circulação em meio urbano.
  • A CSR não apresenta por isso a estrutura comutativa própria das contribuições.
  • Conforme conclui o TJUE no despacho proferido no processo C‑460/21, a 7 de Fevereiro de 2022 (Despacho A... S.A.), a Contribuição de Serviço Rodoviário foi criada com uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita, não lhe estando subjacente qualquer “motivo específico” de política ambiental, energética ou social.
  • Porque assim é, no Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas a CSR é integrada entre os impostos indiretos.
  • A própria AT qualifica abertamente a CSR como um imposto ao indeferir o pedido de revisão oficiosa, designadamente nos pontos 3.37 a 3.51
  • Qualificação à qual a própria AT está vinculada, sendo irrelevante uma fundamentação realizada a posteriori, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.
  • A qualificação da CSR como imposto foi reiterada pela AT na resposta ao pedido arbitral, designadamente no âmbito da defesa por impugnação. Entre outras passagens, ilustra-o o ponto 125 da resposta, em que a Requerida refere que “[a]s taxas da CSR possuem valor fixo, estabelecido na própria Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, incidindo sobre os litros do produto transacionado/introduzido no consumo e não sobre o valor da transação, tal como acontece com o IVA, por exemplo. Trata-se assim de um imposto específico, uma vez que possui um valor fixo, independente do nível de preço”.
  • Ilustra-o também o ponto 149 da resposta, em que a Requerida transcreve a Informação n.º 02-CMCN/2022, de 20.3.2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes, na qual se refere (Ponto 6 - “Do peso dos impostos no preço de venda dos combustíveis”) que “[c]onsiderando o total de impostos (ISP + CSR + Taxa de carbono) pago através das guias mensais e atendendo ao CMV determinou-se o peso dos impostos (excluindo o IVA) no total do Custo das Mercadorias Vendidas”.
  • A invocação da exceção de incompetência material pela Requerida configura por isso um verdadeiro venire contra factum proprium, i.e., um abuso de direito resultante da adoção de comportamentos contraditórios, proibido nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

Quanto à exceção de incompetência devida à natureza do pedido:

  • Antes do mais, importa relembrar que o “uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas”.
  • Sendo certo que “[n]a interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, pelo que o tribunal deve extrair da redação dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”.
  • O pedido arbitral aqui em causa foi deduzido pela Requerente com a seguinte formulação: “Termos em que se requer a V. Exa. que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente e, em consequência: a) Seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa referente aos atos de liquidação acima melhor identificados; b) E, bem assim, seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados no presente pedido no que respeita ao montante liquidado a título de CSR; c) E, consequentemente, seja a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor total de CSR indevidamente pago, relativamente aos atos de liquidação juntos aos autos, no montante de € 5.457.168,27 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.” Não pode restar, portanto, qualquer dúvida de que o pedido arbitral deduzido pela Requerente respeita à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato) e dos atos tributários de liquidação objeto daquele pedido na concreta parte que respeita à CSR (objeto mediato).

Quanto à exceção de ilegitimidade:

  • Quanto ao concreto ponto da legitimidade ativa no processo arbitral tributário, lembre-se que esta é atribuída aos sujeitos passivos — designadamente contribuintes diretos, demais obrigados tributários e outras pessoas que provem um interesse legalmente protegido — nos termos do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
  • A CSR foi liquidada à Requerente precisamente porque enquanto sujeito passivo e contribuinte direto integra a relação jurídico-tributária, qualidade em que figura nos documentos de liquidação emitidos pela AT, como se evidencia no pedido arbitral.

Quanto à caducidade do direito de ação

  • (...) [F]ora procedente a tese da Requerida, a administração tributária, ao aplicar o direito interno, ficaria inteiramente dispensada de ponderar por si mesma a violação do Direito Europeu e de garantir a este proteção.
  • Esta, porém, é tese que contraria toda a doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores na matéria, que sempre reconheceram na aplicação de lei nacional violadora do Direito Europeu uma expressão do erro de direito imputável aos serviços, capaz de abrir aos contribuintes a via do pedido de revisão contemplado no artigo 78.º da LGT.
  • Há mais de 20 anos, com efeito, que a jurisprudência dos nossos tribunais, em particular do STA, clarificou que o conceito de “erro imputável aos serviços” deve ser interpretado no sentido de compreender os erros de direito cometidos pela AT, resultem eles da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.
  • Neste sentido, tal como sentencia o STA, a “imputação dos erros, aos serviços da autoridade tributária e aduaneira (AT), é independente, prescinde, da demonstração da culpa dos serviços/agentes, envolvidos na emissão do ato errado. Neste conspecto, o termo “imputável” vale, aqui, em primeira linha, com o significado, comum, de “suscetível de ser imputado; atribuível”, o qual, conformado com a necessária, compatibilização aos interesses em jogo (no art. 78.º da LGT), quer dizer, erro, no sentido de ilegalidade, não resultante de, provocada por, atribuída a, uma informação/declaração/intervenção do contribuinte ou obrigado tributário” — Acórdão STA, 7.04.2022, proc. n.º 02031/16.0BEBRG.
  • Nesta mesma linha, vinca o STA que “todo o erro imputável aos serviços, quer ele resida nos pressupostos de facto, quer respeite à escolha e/ou aplicação do direito, faculta à Administração a revisão oficiosa, no prazo de quatro anos; e permite ao contribuinte reclamá-la, verificado que seja esse mesmo pressuposto.” — Acórdão STA, 24.05.2006, proc. n.º 01155/05.
  • Olhando também ao caso da violação do Direito Europeu, explicita ainda o STA: “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.º 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” - Acórdão STA, 12.12.2001, proc. n.º 026233.
  • Em face da jurisprudência citada, torna-se claro que a emissão dos atos de liquidação da CSR e a interpretação e aplicação de normas jurídicas em sentido contrário ao Direito Europeu consubstancia erro unicamente imputável à AT e que permite à Requerente promover a revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT.
  • O princípio da legalidade não pode ser invocado pela administração tributária para se vincular à aplicação de normas de direito interno violadoras do Direito Europeu.
  • Bem pelo contrário, o Direito Europeu integra o próprio bloco normativo cuja integridade a administração tributária — toda a administração — está obrigada a preservar por força dos princípios da legalidade e do primado, sem que nisso medeie decisão judicial. Por isso se diz que “[o] Tribunal de Justiça veio equiparar os órgãos administrativos dos Estados-membros ao juiz nacional, transformando-os em órgãos administrativos comunitários de aplicação direta e imediata do Direito Comunitário, isto em detrimento do respetivo Direito interno” — Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública – O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, 2003, 678.
  • Por isso se sustenta que existe uma “obrigação para a Administração Pública de recusar a aplicação de normas ou atos nacionais contrários ao Direito Comunitário, e de aplicar este mesmo contra Direito nacional de sentido contrário, conforme doutrina acolhida, de forma modelar no caso Factortame (…) A Administração Pública vai ter, ainda mais do que o legislador, a necessidade de levar essa doutrina em conta no desempenho da sua missão de aplicar o Direito” — Fausto de Quadros, Direito da União Europeia, Almedina, 2004, 530.
  • De tudo isto resulta que a AT tem o dever de recusar por sua iniciativa a aplicação de normas nacionais contrárias ao Direito Europeu, sem que para o efeito seja necessária declaração prévia da sua ilegalidade por tribunal, como o aponta a jurisprudência do TJUE sobre a interpretação do Direito da União e a validade dos atos das instituições, em correspondência com o artigo 19.º, n.º 3, alínea b), do TUE — cf. acórdãos arbitrais de 19.3.2021, proc. n.º 396/2020-T e de 9.12.2020, proc. n.º 744/2019-T.
  • A tese (que fez vencimento no acórdão arbitral n.º 629/2021-T) de que, no caso de o pedido de revisão oficiosa invocar ilegalidade por violação do bloco de legalidade, não ser aplicável o prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º, implicaria que nos casos, menos graves, em que o contribuinte fosse confrontado com uma errada interpretação da lei “na sua aplicação ao caso”, pudesse beneficiar de um prazo de quatro anos para defender os seus direitos; e que nos casos, mais graves, em que a própria lei atentasse contra o Direito Europeu que lhe serve de parâmetro, apenas dispusesse para o efeito do prazo de 120 dias que cabe para a reclamação graciosa ou dos três meses que cabem para a impugnação judicial.
  • Assim, tendo sido apresentado o pedido de revisão dentro do prazo de quatro anos previsto na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, e havendo erro imputável aos serviços no sentido em que este é definido pelos nossos tribunais superiores, impõe-se concluir que o pedido foi apresentado tempestivamente, sendo pois improcedente a exceção dilatória de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

Quanto ao vício de violação de lei dos atos de liquidação da CSR por contrariedade ao Direito Europeu, as alegações da Requerente não acrescentam argumentos novos relevantes, na apreciação do tribunal.

Quanto à questão do reembolso do tributo correspondente às liquidações impugnadas, igualmente, as alegações da Requerente não acrescentam argumentos novos relevantes, na apreciação do tribunal.

Nas suas alegações finais, a Requerida veio reforçar a argumentação expendida já em sede de resposta, como em síntese de transcreve:

Sobre a incompetência do tribunal em virtude da natureza do tributo

  • A CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.
  • Assim, e contrariamente ao alegado pela Requerente, a CSR é um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de (uma taxa nem) imposto.
  • Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cfr. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007. A CSR representa, assim, uma contraprestação pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de novembro.
  • Considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º do RJAT, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
  • Destarte se concluindo, também por esta via, que a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 99.º e n.º 2 do artigo 576.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Sobre a incompetência do tribunal em virtude da natureza do pedido

  • considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º do RJAT, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.

Sobre a ilegitimidade processual da Requerente

  • A repercussão da CSR no preço de venda ao público do combustível, está demonstrada nos artigos 120 a 161 da Resposta da Requerida, assentando na estrutura tributária própria e específica da CSR, no funcionamento do mercado de combustíveis (a procura é altamente inelástica), no mecanismo de repercussão económica da CSR e na análise e descrição do tratamento contabilístico e no enquadramento fiscal efetuado pelo sujeito passivo à CSR (suportada pela junção da documentação de algumas transações reais).
  • Estes elementos são demonstrativos de que o encargo fiscal é efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do tributo, pelo que o reembolso da CSR a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa.
  • E, assim sendo, não se vislumbra que exista na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido.

Sobre a caducidade do direito de ação

  • Os atos tributários de liquidação visados foram praticados ao abrigo dos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 55/2007, uma lei da República em vigor há 14 anos, cuja conformidade com o direito comunitário nunca foi posta em causa por qualquer tribunal, nacional ou comunitário - competindo a esses órgãos a declaração de ilegalidade de quaisquer normas - e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num “julgamento de não conformidade” com o direito comunitário.
  • Assim sendo, perante a norma em vigor, a Administração Tributária e Aduaneira (AT), em obediência ao Princípio da Legalidade, não poderia ter atuado de modo diferente, sob pena de estar ela a violar essa legalidade, e, nessa conformidade entende a Requerida que, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 78º da LGT.
  • Assim sendo, o pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado pela Requerente, em 03.05.2022, na sequência do indeferimento, pelo Diretor da Alfândega de Braga do pedido de revisão apresentado fora do prazo legal para o efeito, tem de ser considerado extemporâneo e consequentemente ser a Requerida absolvida do pedido.

Sobre a obrigatoriedade de restituição do tributo (no caso de declaração de ilegalidade) – questão da repercussão

  • A prova da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor, só pode partir da análise de factos conhecidos e demonstráveis e, portanto, que possuam alguma consistência prática.
  • A informação nº 02-CMCN/2022, de 20/03/2022, da Unidade dos Grandes Contribuintes da AT junta aos autos, consubstancia a análise e a descrição do tratamento contabilístico e do enquadramento fiscal efetuado pelo sujeito passivo à CSR, no período em causa, suportada pela junção da documentação de algumas transações comerciais reais, corresponde, por si só, à demonstração objetiva da realidade dos factos, através de elementos que se relacionam com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.
  • A análise da repercussão da CSR feita pela Autoridade Tributária (e consequentemente do enriquecimento sem causa), nomeadamente a que incide sobre o tratamento contabilístico e o enquadramento fiscal efetuado pelo sujeito passivo à CSR, faz prova adequada, possível e suficiente de que a CSR foi repercutida no preço de venda praticado pela A... .
  • Se no âmbito deste processo de venda, a Requerente no custo das mercadorias vendidas incorpora o encargo respeitante à CSR, tal significa que a CSR faz parte do preço de venda do combustível. Ou seja, a Requerente está a cobrar ao seu cliente o encargo com a CSR. E esta conclusão não configura qualquer presunção, mas apenas a constatação de um facto.
  • É verdade que, tal como a Requerente refere, a lei não impõe que a CSR conste das faturas como um elemento separado, mas tal não significa que a CSR não esteja incluída no preço de venda dos combustíveis. Bem pelo contrário.
  • Se no custo dos inventários está incluído o valor da CSR significa que o encargo com a CSR está a ser transferido para o seu cliente.
  • Mas independentemente do preço de venda, o que é relevante é saber se o Custo das Mercadorias Vendidas incorpora (ou não) a CSR. Se a CSR estiver a ser incorporada no Custo das Mercadorias Vendidas tal significa que está a ser repercutida no preço de venda uma vez que o preço de venda incorpora o Custo das Mercadorias Vendidas acrescido da margem obtida pela Requerente na comercialização daqueles combustíveis.
  • Não faz sentido apresentar cenários que não têm correspondência com a situação concreta, e a situação concreta é que o preço faturado é superior ao Custo das Mercadorias Vendidas dos combustíveis vendidos (e no CMV está incluída a CSR).
  • Nos artigos 148 a 151 das suas Alegações, dá exemplos de diferentes preços de venda mantendo constante o Custo das Mercadorias Vendidas, pretendendo concluir que os elementos constitutivos do mesmo não se repercutiram no consumidor quando é, na opinião da Requerida, a conclusão contrária que deve ser retirada: independentemente do preço de venda, o Custo das Mercadorias Vendidas mantém-se inalterado pelo que todos os elementos que fazem parte da sua constituição se encontrarão obrigatoriamente repercutidos no preço pago pelo consumidor final sendo que os diferentes price points exemplificados impactarão, isso sim, a margem unitária por litro vendido.
  • Conclui-se que a análise e demonstração da repercussão da CSR nos preços praticados ao consumidor feita pela Autoridade Tributária, parte de factos conhecidos e demonstráveis, e, portanto, que possuem consistência prática, permitindo, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto, sendo a certeza a que conduz a prova possível e suficiente, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.

Sobre a obrigatoriedade de restituição do tributo (no caso de declaração de ilegalidade) – questão do enriquecimento sem causa

  • Tendo a AT feito prova cabal de que os montantes pagos pela Requerente a título de CSR, relativamente às introduções no consumo efetuadas durante o ano de 2018, foram efetivamente repercutidos no preço de venda ao público dos combustíveis, não há causa justificativa para o reembolso da CSR à Requerente e um eventual reembolso da CSR à Requerente conduz a um enriquecimento sem causa, na medida em que se estaria a reembolsar um montante a uma entidade distinta daqueles que no final suportaram o encargo com a CSR (os consumidores finais).
  • Não é possível estabelecer uma relação entre a integração do montante da CSR nos preços praticados, com eventuais prejuízos associados à diminuição do volume de venda de combustíveis.
  • A Requerida considera que ficou demonstrado que a CSR não causou qualquer prejuízo resultante da diminuição das suas vendas.
  • Como se viu, a Requerente incorpora a CSR no Custo das Mercadorias Vendidas e na atividade de venda de combustível tem apurado uma margem de comercialização positiva (e em consonância com as margens médias de comercialização no sector dos combustíveis no mesmo período que podem ser consultadas no Anuário de Estatísticas do INE de 2018).
  • Consequentemente, pelo exercício da comercialização por grosso de combustível a Requerente tem obtido um resultado positivo.

Sobre a obrigatoriedade de restituição do tributo (no caso de declaração de ilegalidade) – questão da existência de uma previsão legal para a não restituição do tributo com base em enriquecimento sem causa

  • Para a Requerente não existem disposições legais no direito interno que expressamente prevejam que as autoridades nacionais possam recusar o reembolso de impostos indiretos contrários à Diretiva n.º 2008/118/CE, com fundamento no enriquecimento sem causa.
  • O princípio da proibição do enriquecimento sem causa é um dos mais gerais do nosso sistema jurídico, constitui uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia.
  • O enriquecimento sem causa tem fundamentos jurídicos no próprio sistema, possuindo efetiva normatividade.
  • Os conflitos de interesses em matéria de enriquecimento sem causa e restituição do indevido, são resolvidos através de normas específicas – anulabilidade, gestão de negócios, responsabilidade civil, etc. – ou por recurso direto ao instituto do enriquecimento sem causa, expressamente consagrado nos art.ºs 473.º a 482.º do Código Civil, se não houver outro meio jurídico aplicável.
  • Não havendo uma lei específica que afaste a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou que atribua outros efeitos ao enriquecimento, impedindo o recurso àquela obrigação, fica aberta a via do enriquecimento sem causa.
  • De onde resulta que, o facto de o CIEC não conter uma norma sobre a proibição de restituição por enriquecimento sem causa, não exclui o eventual recurso ao instituto do enriquecimento sem causa expressamente consagrado nos art.ºs 473.º a 482.º do Código Civil.

 

IV - QUESTÕES A DECIDIR

São as seguintes as questões a decidir:

  1. Exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, em virtude da natureza do tributo – imposto ou contribuição financeira – que deu origem às liquidações impugnadas;
  2. Exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria, em virtude do conteúdo ou objeto do pedido, mais concretamente a questão de saber se o pedido visa a declaração de ilegalidade da lei que institui a CSR;
  3. Exceção de ilegitimidade processual da Requerente, por esta não ser titular de um interesse material relevante na causa;
  4. Exceção de caducidade do direito de ação, nomeadamente por não ser admissível o recurso, por parte da Requerente, ao pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos, previsto na segunda parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT;
  5. Conformidade do tributo liquidado com o Direito da União Europeia, nomeadamente com a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo;
  6. Em caso de conclusão pela ilegalidade das liquidações, a possibilidade de afastar o direito ao reembolso, com base em enriquecimento sem causa;
  7. A obrigatoriedade, em caso de conclusão pela ilegalidade das liquidações e pela obrigação de reembolso, de pagamento de juros indemnizatórios e do respetivo cômputo.

V - MATÉRIA DE FACTO

O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social reside, entre outras atividades, na exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos;
  1. Entre janeiro e dezembro de 2018 apresentou declarações de introdução no consumo de produtos petrolíferos, que se encontram discriminadas no pedido de pronúncia, as quais deram origem a atos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, como abaixo se discrimina:

 

Período

N.º da liquidação

Data

CRS

(Euros)

Montante

(Euros)

2018/01

...

12.02.2018

412 885,59

1 933 994,83

2018/02

...

12.03.2018

457 320,74

2 149 206,96

2018/03

...

12.04.2018

383 154,36

1 816 750,41

2018/04

...

14.05.2018

394 840,09

1 888 296,89

2018/05

...

12.06.2018

422 338,69

2 040 645,16

2018/06

...

12.07.2018

453 500,03

2 173 682,43

2018/07

...

13.08.2018

563 048,70

2 666 897,76

2018/08

...

12.09.2018

496 313,95

2 409 113,38

2018/09

...

12.10.2018

382 301,40

1 817 080.21

2018/10

...

12.11.2018

532 943,52

2 534 347,79

2018/11

...

12.12.2018

485 437,31

2 293 643,71

2018/12

..

21.01.2019

473 083,89

2 220 703,61

 

 

  1. As contribuições se serviço rodoviário liquidadas no ano de 2018 foram pagas na sua totalidade, sendo a soma do montante pago a título de CSR de € 5 467 168,27 (cinco milhões, quatrocentos e sessenta e sete mil, cento e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos).
  2. Em 11.01.2022, a Requerente apresentou na Alfândega de Braga um pedido de revisão dos atos tributários de liquidação do ano de 2018, tendo sido notificada do despacho de indeferimento do diretor da referida alfândega em 11.04.2022.
  3. A Requerente apresentou na mesma alfândega, em 10.02.2020 e 30.09.2021, idênticos pedidos de revisão oficiosa, para os anos de 2016 e 2017, nos montantes, respetivamente, de 4 873 427,68 € e 4 787 419,42 €.

O Tribunal não dá como provados outros factos.

Relativamente à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC) e dizer se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), ex vi artigo 29º do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.

 

VI - DAS EXCEÇÕES

A Requerida, na sua resposta, suscita as seguintes exceções:

  • Incompetência absoluta do tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter como objeto atos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”;
  • Incompetência absoluta do tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter como objeto a apreciação em abstrato da legalidade da Contribuição de Serviço Rodoviário;
  • Ilegitimidade processual ativa da Requerente;
  • Caducidade do direito de ação.

Importa, desde já, proceder à apreciação das exceções suscitadas.

 

A) Exceção de incompetência absoluta do tribunal por o pedido de pronúncia arbitral ter como objeto atos de liquidação de um tributo qualificável como “contribuição financeira”

A Requerida sustenta que as liquidações em causa se referem a um tributo que tem a qualificação de “contribuição financeira”, estando a apreciação da sua legalidade excluída da competência dos tribunais arbitrais, por força dos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

Em primeiro lugar, nos termos do art.º 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais tributários abrange a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de quaisquer tributos, pelo que a qualificação da CSR como contribuição financeira não determinaria a incompetência do tribunal, mas apenas a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária, ao abrigo do art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Desde a revisão constitucional de 1997, que deu à alínea i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP a sua atual redação, não pode restar mais qualquer dúvida de que o sistema tributário português comporta três categorias de tributos: os impostos, as taxas e as “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” (acórdãos TC n.º 365/2008, de 02.07.2008; e n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15).

Quanto à taxa, ela consiste numa prestação pecuniária, definitiva, sem caráter sancionatório, que forma o objeto de uma obrigação ex lege, e que se destina ao financiamento dos gastos públicos; esta espécie de tributo distingue-se do imposto pelo caráter bilateral, ou sinalagmático da relação jurídica da qual é o objeto, na medida em que o sujeito passivo da taxa tem um direito especificamente ligado ao seu pagamento, direito esse a que corresponde um dever jurídico por parte do sujeito ativo, sendo que um e outro se contêm na estrutura da relação jurídica tributária (vd. acórdãos do TC nº 20/2003, de 15.01.2003, proc. 327/02; n.º 461/87, de 16.12.1987, proc. 176/87; n.º 76/88, de 07/04/1988, proc. 2/87; n.º 67/90, de 14.03.1990, proc. 89/89; 297/2018, de 07/06/2018, proc. 1330/17, entre muitos outros).

Quanto ao imposto, ele consiste numa prestação pecuniária, que forma o objeto ou conteúdo material de uma obrigação ex lege, com caráter definitivo, mas sem caráter sancionatório, e que se destina “à satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” (acórdãos TC n.º 539/2015, de 21.10.2015, proc. 27/15; nº 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21). O imposto caracteriza-se ainda por se inserir numa relação tributária unilateral, não sinalagmática, o que significa que não existe, pela  parte do sujeito passivo, nenhum direito específico correlacionado com a obrigação tributária, nem da parte do sujeito ativo, nenhuma obrigação específica para com o primeiro, que tenha o caráter de contrapartida pelo pagamento do imposto (esta conceção do imposto encontra-se plenamente sancionada por uma vasta e consistente jurisprudência do Tribunal Constitucional, podendo citar-se os acórdãos  nº 582/94, de 26.10.1994, proc. 596/93; n.º 583/94, de 26.10.1994, proc. 536/93; n.º 584/94, de 26.10.1994, proc. 540/93; n.º 1140/96, de 06.11.1996, proc. 569/96; n.º 274/2004, de 20.04.2004, proc. 295/03, entre muitos outros).

Dada a estrutura unilateral, não sinalagmática, da relação tributária que tem como objeto o imposto, a definição do respetivo quantum baseia-se na capacidade contributiva dos sujeitos passivos (acórdão TC n.º 437/2021, de 22.06.2021, proc. 82/21); já no caso da taxa, dada a estrutura bilateral ou sinalagmática da relação jurídica tributária da qual aquela é objeto, a definição do respetivo quantum baseia-se numa aproximação ou estimativa do valor da contraprestação (princípio da equivalência jurídica) (acórdão TC n.º 301/2021, de 13.05.2021, proc. 181/20), podendo esse valor ser definido pelo custo que a prestação tem para o sujeito ativo, pelo valor do benefício que o sujeito passivo obtém, ou ainda por outras grandezas sempre estreitamente correlacionadas com a prestação pública individualizada que integra o sinalagma.

Quanto à “contribuição financeira” (designemo-la assim, ficando entendido que nos referimos às “demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas” referidas na al. i) do nº 1 do art.º 165.º da CRP, e salvaguardando que não se encontra doutrinal ou jurisprudencialmente encerrada a questão da designação, única ou plural, desta categoria de tributos bem como das espécies que ela possa comportar), o Tribunal Constitucional tem optado por não adotar uma definição fechada, recorrendo antes a vários contributos que vão sendo desenvolvidos pela doutrina.

No acórdão nº 7/2019 (de 13.05.2021, proc. 301/21, relator Almeida Ribeiro), o Tribunal Constitucional diz:

“Segundo Sérgio Vasques estes tributos situam-se no terreno intermédio que vai das taxas aos impostos, incluindo-se nesta categoria «não apenas as taxas de regulação económica, mas toda a parafiscalidade associativa, as contribuições para a segurança social, as contribuições especiais de melhoria, assim como o universo crescente dos tributos ambientais, todos eles com estrutura paracomutativa, dirigidos à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários»[1] (...).”

No mesmo aresto o tribunal cita também Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:

“E de acordo com Suzana Tavares da Silva estes tributos podem «agrupar-se em três tipos fundamentais: 1) como instrumento de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados[2] (ex. prevenção de riscos naturais) - contribuições especiais financeiras; 2) como instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja atividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários[3] (ex. taxas de financiamento das entidades reguladoras) — contribuições especiais parafiscais; e 3) como instrumentos de orientação de comportamentos (finalidades extrafiscais) — contribuições orientadoras de comportamentos ou (...) contribuições especiais extrafiscais» (...)”

Finalmente, no mesmo aresto, o Tribunal cita a sentença do tribunal a quo, nos seguintes termos:

 “(...) [E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade /causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos,[4] acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública — mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas - sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários.”

Não há, pois, dúvida de que a “contribuição financeira” é hoje entendida, consensualmente, como uma prestação pecuniária coativa definitiva e não sancionatória (um tributo, portanto) que forma o objeto de uma relação jurídica tributária com uma estrutura de “bilateralidade ou comutatividade coletiva ou grupal”, na medida em que a obrigação tributária impende individualmente sobre os membros de um grupo de sujeitos passivos, mas tendo essa obrigação uma contrapartida, a qual consiste numa prestação, de caráter público, a que está obrigado o sujeito ativo, não individualizada, mas coletiva, na medida em que a atividade é prestada de forma difusa ao grupo de sujeitos passivos.

Sendo, assim, a comutatividade coletiva o traço distintivo que caracteriza a contribuição financeira, a dificuldade está em concretizar em que se traduz essa comutatividade coletiva que não assenta, como na taxa, numa contrapartida aproveitada ou provocada individualmente pelo sujeito passivo.

O Supremo Tribunal Administrativo já por várias vezes analisou a questão e, sem em nenhum momento se afastar da jurisprudência do Tribunal Constitucional, tem caraterizado o “nexo de bilateralidade ou comutatividade coletiva” nos seguintes termos (STA 2 Sec. ac. de 04.07.2018, proc. 01102/17, relator Casimiro Gonçalves):

 “(...) quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário; todavia, ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”

Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC nº 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC nº 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.”

Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT.

Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental[5]), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC nº 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98).

Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”.

O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.

A mesma conceção encontra-se plasmada no acórdão do TC nº 232/2022 (de 31.03.2022, proc. 105/22, relator J.E. Figueiredo Dias), em que o tribunal afirma:

“[E]sta linha divisória estabelece-se entre a existência ou não de um nexo de bilateralidade/causalidade entre o Estado e o sujeito passivo do tributo, ou seja, apenas se podem qualificar como contribuições financeiras a favor de entidades públicas os tributos que se possam reconduzir a uma prestação pecuniária coativa destinada a compensar prestações administrativas aproveitadas (bilateralidade) ou provocadas (causalidade) pelos respetivos sujeitos passivos (...)”[6]

E o tribunal acrescenta nesse mesmo aresto, com particular importância para a questão que nos ocupa no presente processo:

“(...) acabando por se reconduzir à categoria de impostos de receita consignada as prestações pecuniárias coativas cobradas com o intuito de financiar despesa pública – mesmo que se trate de despesa pública concretamente identificada no âmbito da consignação das receitas – sempre que essa despesa se não possa reconduzir ao suporte financeiro de medidas ou atividades administrativas provocadas pelos sujeitos passivos ou de que estes sejam beneficiários”.[7]

Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos.

Confrontemos esta construção, totalmente amparada na jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo, bem como na doutrina por estes citada, com o decidido no processo arbitral nº 629/2021-T (decisão de 03.08.2022, relator Vítor Calvete) sobre a mesma questão de que se ocupa o presente processo arbitral.

A decisão arbitral cita Filipe de Vasconcelos, nos seguintes termos:

“(...) [O] nexo bilateral que subjaz ao respetivo facto tributário [tem] caráter derivado, já que resulta de uma presunção de benefício ou utilidade na esfera dos sujeitos passivos, por pertencerem ou integrarem, num determinado intervalo de tempo, um grupo, tendencialmente homogéneo de interesses”, (...) “homogeneidade de interesses” e (...) “responsabilidade de grupo (…) que se deve ao facto de os sujeitos passivos deste tipo de tributo partilharem um ónus ou responsabilidade de custeamento ou suporte da atividade pública que não pode atribuir-se isoladamente, mas apenas em face daquela que é a respetiva inserção no grupo a que efetivamente pertencem.”[8]

Cita ainda Suzana Tavares da Silva, nos seguintes termos:

“(...) [A] A. recorre, para a delimitação dos contornos das contribuições financeiras, aos critérios desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão:  “1) incidir sobre um grupo homogéneo; 2) manter uma proximidade com a obrigação tributária e as suas finalidades; 3) corresponder a uma relação encargo/benefício capaz de demonstrar que as receitas geradas são fruídas pelos membros do grupo” (p. 91).”[9]

Concluindo o Tribunal:

“(...) o nexo grupal – que faria das contribuições financeiras uma espécie de taxas coletivas – não se estabelece com os sujeitos passivos da CSR, mas sim com terceiros não participantes na relação tributária.”

A conclusão a que chegámos acima, com base na jurisprudência quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, mostra-se plenamente coincidente com a decisão arbitral citada.

Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública.

A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007).

Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.”

Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se  inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade.

A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP — Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento.

No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o  grupo dos respetivos sujeitos passivos.

Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei.

Nos termos do nº 1 do art.º 20.º da LGT, “a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte”.

Para que estivéssemos, no caso presente, perante uma situação de substituição tributária, era necessário que os consumidores que pagam o preço dos combustíveis aos revendedores estivessem na posição de “contribuintes”.

Sobre o conceito de contribuintes, o nº 3 do art.º 18.º diz que “o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.” De onde se retira que o contribuinte é uma das espécies da categoria “sujeitos passivos” e estes são as pessoas (ou entidades) que estão obrigadas ao pagamento da prestação tributária, o que não acontece com os consumidores dos combustíveis.

Concluímos, assim, que não estamos perante uma situação de substituição, pelo que os sujeitos passivos da CSR são igualmente os respetivos contribuintes diretos.

Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede.

Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.

É ainda relevante a posição do Tribunal de Contas, na Conta Geral do Estado de 2008, onde se lê:

 “Face ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspectos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto pelo que, sendo considerada como receita do Estado, não pode deixar de estar inscrita no Orçamento do Estado, única forma de o Governo obter autorização anual para a sua cobrança.

Com efeito, a contribuição de serviço rodoviário é devida ao Estado, na medida em que é este o sujeito activo da respectiva relação jurídica tributária, pelo que os princípios constitucionais e legais da universalidade e da plenitude impõem a inscrição da previsão da cobrança da sua receita na Lei do Orçamento do Estado de cada ano.

(...)

Face ao exposto, não se antevê suporte legal bastante, face à Constituição e à lei, para a contribuição de serviço rodoviário ser paga directamente a uma sociedade anónima, sem passar pelo Orçamento do Estado. Para além disso, o Tribunal de Contas não pode deixar de assinalar que esta situação leva a uma saída de receitas e despesas da esfera orçamental e, por consequência, da sua execução, o que conduz à degradação, nesta sede, do âmbito do controlo das receitas e despesas públicas.”

A posição do Tribunal de Contas apenas reforça a conclusão do Tribunal, já anteriormente enunciada, de que a CSR é um imposto de receita consignada.

A interpretação que adotamos é igualmente corroborada por Casalta Nabais, J., Estudos sobre a Tributação dos Transportes e do Petróleo, Almedina, Coimbra, 2019, p. 15, em que o Autor afirma que “estarmos perante tributos que, atenta a sua estrutura unilateral, se configuram como efectivos impostos, muito embora dada a titularidade activa das correspondentes relações tributárias (e o destino da sua receita), tenham clara natureza parafiscal.

Logo, não procede a alegada exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT; e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às “pretensões relativas a impostos”.

 

B) Incompetência absoluta do tribunal por o objeto do pedido consistir na declaração de invalidade de todo o regime da CSR

Conforme indica na sua petição inicial, a Requerente requereu a constituição de tribunal arbitral “para se pronunciar sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente, proferido a 11 de Abril de 2022, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no âmbito do processo n.º ...2022... e, consequentemente, sobre os atos de liquidação – melhor identificados infra – que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (“ISP”), a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”) e outros tributos que são objeto daquele pedido, referentes ao período decorrido entre Janeiro e Dezembro de 2018, apenas na parte que respeita ao montante total de € 5.457.168,27 liquidado a título de CSR, nos termos e com os fundamentos que se expõem de seguida”.

No final da sua petição inicial, a Requerente formula o seu pedido nos seguintes termos:

“Termos em que se requer a V. Exa. que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado procedente e, em consequência:

a) Seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa referente aos atos de liquidação acima melhor identificados;

b) E, bem assim, seja declarada a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados no presente pedido no que respeita ao montante liquidado a título de CSR;

c) E, consequentemente, seja a AT condenada a reembolsar a Requerente pelo valor total de CSR indevidamente pago, relativamente aos atos de liquidação juntos aos autos, no montante de € 5.457.168,27 acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor.

Não fica qualquer dúvida de que a pretensão da Requerente consiste em que o tribunal arbitral:

  1. Declare a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa referente aos atos de liquidação em causa;
  2. Declare a ilegalidade dos atos de liquidação impugnados.

A Requerente não pede ao Tribunal que declare a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto nem que decrete a sua ineficácia.

A Requerente pede, sim, que o Tribunal declare (mediatamente) a ilegalidade dos atos de liquidação, a qual, na sua opinião, é consequência da desconformidade da Lei n.º 55/2007 com o direito comunitário, nomeadamente o n.º 2 do art. 1º Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.

Estamos aqui perante o que se designa por “ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação”, que se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação (STA 2 Sec., ac. de 20.03.2019, proc. 0558/15.0BEMDL 0176/18, relator Aragão Seia). Na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado (Lopes de Sousa, J., Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5ª ed., II vol., pág. 323).

Nos termos do corpo do art.º 99.º do CPPT, “constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, entendendo-se que aqui se inclui a ilegalidade abstrata da liquidação (CAAD, decisão arbitral de 31.01.2018, proc. nº 104/2017-T).

Portanto, pretendendo a Requerente a declaração da ilegalidade dos atos de liquidação, sendo a ilegalidade abstrata das liquidações fundamento de impugnação dos atos tributários, sendo os tribunais arbitrais competentes para apreciar a legalidade da liquidação e de, sendo o caso, declarar a sua ilegalidade, não se verifica procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral em virtude da natureza do pedido.

 

C) Exceção de ilegitimidade da Requerente:

Exceciona ainda a Requerida AT a ilegitimidade da Requerente, alegando que, embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição financeira é suportado pelo consumidor do combustível sendo, portanto, este último, o contribuinte da CSR.

Efetivamente – prosseguimos citando a Requerida – “dedicando-se a Requerente à comercialização de produtos petrolíferos, tais produtos já foram vendidos sendo que, no respetivo preço de venda foram incluídos os montantes pagos pela vendedora, designadamente para a sua introdução no consumo, tendo repercutido no preço de venda todas as despesas por si assumidas a título de liquidação de CSR. E, assim sendo, não se vislumbra que exista na esfera jurídica da Requerente, um interesse juridicamente protegido.”

Sobre esta questão, importa começar por recordar quais são as fontes de direito aplicáveis no processo arbitral tributário.

Além do próprio Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, nos termos do artigo 29.º daquele Regime, são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos:

a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias;

b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária;

c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários;

d) O Código do Procedimento Administrativo;

e) O Código de Processo Civil.

Nos termos do art.º 9.º, n.º 1 do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido.

Por sua vez, quanto à legitimidade no processo tributário, o nº 4 do mesmo preceito dispõe que

têm legitimidade, “além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.”

Assim, conclui-se que, em processo tributário, os “contribuintes”, incluindo os substitutos e responsáveis, têm legitimidade no processo.

Resulta evidente da expressão “contribuintes, incluindo os substitutos e responsáveis”, que o termo “contribuintes” utilizado pelo CPPT corresponde ao termo “sujeitos passivos” utilizado pelo artigo 18º, nº 3 da LGT, o qual abrange os contribuintes diretos, os substitutos e os responsáveis.

Também nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, “[s]em prejuízo do disposto no número seguinte e no capítulo II do título II, o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.”

Por sua vez, o nº 3 do art.º 18.º da LGT diz que o sujeito passivo [da relação jurídica tributária] é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.

Já vimos anteriormente que os contribuintes diretos da CSR são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados.” E sendo assim, não cabe dúvida de que, no caso vertente, o sujeito passivo da relação jurídica tributária é a Requerente, a qual é titular da relação material controvertida.

Logo, a Requerente, enquanto titular da relação material controvertida, para efeitos do art.º 9º n.º 1 do CPTA, e enquanto sujeito passivo ou “contribuinte”, nos termos do art.º 9.º nº 4 do CPPT, é parte legítima no processo de impugnação dos atos tributários.

 

D) Exceção de caducidade do direito de ação

Finalmente a quarta exceção suscitada pela Requerida respeita à questão da caducidade do direito de ação, por intempestividade do pedido de revisão oficiosa.

O artigo 78.º n.º 1 da LGT prevê que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Contudo, com base no n.º 7 do mesmo art.º 78.º, os tribunais superiores têm entendido, numa jurisprudência que se pode dizer hoje plenamente unânime e consolidada, que “a Administração não pode demitir-se legalmente de tomar a iniciativa de revisão [oficiosa] do ato quando demandada para o fazer através de pedido dos interessados, já que tem o dever legal de decidir os pedidos destes, no domínio das suas atribuições” (STA 2 Sec., ac. de 29.05.2013, proc. 0140/13, relator Valente Torrão). Ou seja, os sujeitos passivos têm apenas o prazo da reclamação graciosa para pedir a revisão (não oficiosa) dos atos tributários, mas podem pedir à administração tributária que tome a iniciativa de desencadear a revisão oficiosa, a qual pode ser realizada no prazo de quatro anos previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º, dispondo o sujeito passivo de um prazo de quatro anos para efetuar esse pedido, o mesmo em que a Autoridade Tributária pode tomar a iniciativa de efetuar o procedimento.

No mesmo sentido, se pode ainda citar o acórdão do STA, 2 Sec., proc. 536/07, 20.11.2007, em que se afirma: “Embora este artº 78º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro do «prazo de reclamação administrativa», no seu nº 6 [nº 7 na redacção atualmente vigente] faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no nº 1 do artº 49º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa». Esta possibilidade de a revisão «oficiosa», que deve ser da iniciativa da administração tributária, ser suscitada por um pedido do contribuinte veio a ser confirmada pela alínea a) do nº 4 do artº 86º do C.P.P.T., que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».”

É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação), que se faça, também na sequência de pedido seu, a “revisão oficiosa” (que a Administração pode realizar por sua iniciativa).

A revisão oficiosa prevista na segunda parte do nº 1 do art.º 78.º tem de ter obrigatoriamente por fundamento “erro imputável aos serviços”.

Por conseguinte, quando seja o sujeito passivo a pedir à Autoridade Tributária que leve a cabo essa “revisão oficiosa”, o sujeito passivo tem naturalmente o ónus de invocar esse “erro imputável aos serviços”.

Torna-se aqui fulcral, como se deduz, a noção de “erro imputável aos serviços”.

Como tem afirmado o Supremo Tribunal Administrativo em inúmeras ocasiões, e como é confirmado, por exemplo, no acórdão já citado proferido no processo 1007/11, o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro”; ou no acórdão do mesmo tribunal de 12.12.2001 (2 Sec., proc. 26.233, relator Jorge de Sousa) em que se afirma que “esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro, já que a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços»”[10] (no mesmo sentido acórdãos do STA de 22-03-2011, proc. 01009/10; de 06/02/2002 proc. 26.690; de 05/06/2002 proc. 392/02; de 12/12/2001, proc. 26.233; de 16/01/2002 proc. 26.391; de 30/01/2002, proc. 26.231; de 20/03/2002, proc. 26.580; de 10/07/2002, proc. 26.668).

Assim, ao invocar “erro imputável aos serviços” nos termos e para os efeitos da segunda parte do n.º 1 do art.º 78º, o sujeito passivo pode alegar que o “erro imputável aos serviços” consiste em ilegalidade. Evidentemente, essa alegação de ilegalidade poderá ou não vir a revelar-se procedente. Mas o exame sobre a procedência da ilegalidade já não relevará, nesse caso, para a admissibilidade formal do pedido de revisão, ou para aferir a sua tempestividade, mas apenas para a decisão do mérito do pedido.

No caso dos autos, a Requerente dirigiu à Requerida AT, em 11.01.2022, um pedido de “revisão oficiosa” ao abrigo da segunda parte do nº 1 do art.º 78º, invocando “erro imputável aos serviços”, na forma de ilegalidade abstrata.[11] Mais concretamente, a Requerente invocou que as liquidações em causa são ilegais, por a CSR (Contribuição de Serviço Rodoviária), criada pela Lei n.º 55/2007 de 31/08, violar o direito da União Europeia, nomeadamente o n.º 2 do art. 1º da Diretiva 2008/118/CE, de 16/12/2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo.

Não há dúvida de que a ilegalidade abstrata é uma forma de ilegalidade do ato tributário, e mais concretamente da liquidação.[12]

A Autoridade Tributária, contudo, alega que, tendo as liquidações sido efetuadas em estrito cumprimento de uma lei vigente, não estando no seu poder deixar de aplicar uma lei que se encontra em vigor e que não foi declarada inválida por nenhum órgão competente para tal, não poderá falar-se nesta situação em “erro imputável aos serviços”.

Na sua resposta, a AT cita, neste ponto, uma passagem da fundamentação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em que se lê:

“3.5) No que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de CSR sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro), não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária”.

Afigura-se-nos que a posição da Autoridade Tributária quanto a este ponto, refletida tanto na resposta ao ppa como na citada passagem da decisão do pedido de revisão oficiosa, se traduz em sustentar a insusceptibilidade de a ilegalidade abstrata ser invocada a título de “erro imputável aos serviços”, para efeitos da segunda parte do nº 1 do art.º 78.º. Por outras palavras, sempre que a ilegalidade da liquidação, na perspetiva do sujeito passivo impugnante, resulte da ilegalidade da própria norma tributária, a ilegalidade da liquidação resultante da aplicação dessa norma nunca poderia ser atacada através de um pedido de revisão oficiosa com base em “erro imputável aos serviços”.

Concordamos que a questão é delicada, pois está em causa a interpretação do termo “erro imputável aos serviços”, e concretamente a sua extensão ao ponto de incluir nela não apenas o erro na aplicação ou interpretação de uma norma legal (ilegalidade concreta), mas também a aplicação correta de uma norma legal vigente, mas reputada ilegal pelo sujeito passivo.

Contudo, o Supremo Tribunal Administrativo já se debruçou sobre esta exata questão, pelo que, em cumprimento do disposto no nº 3 do art.º 8.º do Código Civil, que dispõe que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, e também porque se nos afigura totalmente correta a interpretação jurisprudencial, nada mais faremos do que seguir estritamente a jurisprudência daquele tribunal.

Vejamos então.

No acórdão proferido no processo 01009/10,[13] o STA começa por afirmar que “[o] «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade,[14] não imputável ao contribuinte, mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78°, n.º 2 in fine.”

Acrescentando em seguida:

“Havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a atuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”.[15]

Assim o facto de as “liquidações de CSR [terem sido] efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável” não implica a inexistência de “erro imputável aos serviços”, uma vez que o “erro imputável aos serviços” pode consistir numa ilegalidade abstrata. Pelo que, nesta parte, a alegação de intempestividade não procede.

Mas alega a Requerida na sua resposta, se bem interpretamos, que a ilegalidade abstrata resultante de violação de uma norma de direito da União Europeia é uma situação particular, em que, não cabendo à Autoridade Tributária nenhuma margem para decidir desaplicar a norma de direito interno, tal ilegalidade nunca poderia traduzir “erro imputável aos serviços”.

Em especial, essa forma de ilegalidade abstrata (incompatibilidade da norma interna com a norma de direito da União Europeia) não poderia configurar “erro imputável aos serviços” quando a norma de direito da União Europeia violada seja uma norma que “vincule diretamente todos os poderes públicos e os particulares”.[16] Por outras palavras, essa forma de ilegalidade não poderia, no entender da Requerida, configurar “erro imputável aos serviços” quando a norma de direito da União Europeia violada fosse uma norma “com mero efeito direto”.

Entendemos que é útil à clareza da decisão que as diversas questões sejam rigorosamente delimitadas.

Vejamos em primeiro lugar a questão do efeito direto da Diretiva n.º 2008/118, e a sua relevância para a apreciação da questão.

No acórdão Van Gend en Loos (caso C-26/62, 5-02-1963) o Tribunal de Justiça definiu “efeito direto” do direito comunitário. Diz o tribunal que o Direito comunitário não cria obrigações apenas para os Estados, mas também direitos para os indivíduos.  Por conseguinte - e nisto consiste o “efeito direto” – os indivíduos podem exercer tais direitos, invocando diretamente o direito comunitário tanto perante os tribunais nacionais como perante os tribunais europeus, perante normas que sejam claras, precisas e incondicionais.

No que diz respeito às diretivas, o acórdão Van Duyn v Home Office (caso C-41/74, 14-12-1974) estabeleceu a possibilidade de ser reconhecido efeito direto vertical a normas de diretivas, como é o caso da Diretiva n.º 2008/118.[17]

O acórdão Foster v British Gas (caso C-188/89, 12-07-1990), por sua vez, deixou assente que qualquer organismo governamental, empresa nacionalizada ou empresa do setor público pode ser considerado como entidade pública para efeitos de aplicação do “efeito direto vertical”.

Pois bem, afigura-se a este tribunal que o que a Requerente faz na presente situação é, precisamente, invocar uma norma constante de uma diretiva contra o Estado, o que pode fazer visto já estar cumprido o prazo de transposição, estarem em causa normas claras, precisas e incondicionais, sendo reconhecido à diretiva, neste contexto, efeito direto vertical.

Não vemos, pois, como o “mero efeito direto” que a Requerida afirma ser atributo da diretiva, possa ser um obstáculo à sua invocação para efeitos do nº 1 do art.º 78º da LGT.

Já a aplicabilidade direta, que tem apenas que ver com a necessidade ou desnecessidade de transposição do ato normativo europeu para o direito interno e que, após o acórdão Van Duyn v Home Office, não pode ser tido como prejudicial ao efeito direto do ato normativo, afigura-se-nos totalmente irrelevante para a questão.

Resta, pois, a mera questão de saber se, sendo a ilegalidade abstrata invocada decorrente de uma violação, por parte da norma tributária interna, de uma norma de direito da União Europeia, tal ilegalidade se apresenta à partida como insuscetível de ser invocada no âmbito do nº 1 do art.º. 78.º, determinando que o pedido de revisão oficiosa, porque não podia basear-se numa tal ilegalidade, seja intempestivo.

Basta agora referir que o acórdão já citado do STA no processo 01009/10 versa, precisamente, sobre uma liquidação, objeto de um pedido de revisão oficiosa, efetuada com base numa norma de direito da União Europeia.

E também no acórdão já citado de 12.12.2021 do STA se sumaria, no ponto I do respetivo sumário:

“As possibilidades de reação dos particulares contra atos ilegais de liquidação de tributos, quando está em causa a violação de normas de direito comunitário não se esgotam na impugnação judicial, sendo admissíveis, no caso de não pagamento do tributo, a impugnação dentro do prazo de oposição à execução fiscal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 286º do C.P.T., e a revisão do ato tributário, nas condições referidas nos arts. 94º do C.P.T. e 78º da L.G.T., seguida de eventual impugnação contenciosa de decisão de indeferimento.”

E ainda, finalmente, o acórdão do STA 2 Sec. de 08-02-2017, pro. 0678/16 (relator Casimiro Gonçalves) em que se afirma:

“Ora, como se viu, a recorrente sustenta que a ilegalidade imputada aos atos de retenção não configura erro imputável aos serviços, para efeitos do disposto no art. 78º da LGT e, nessa medida, não podia ser objeto do pedido de revisão oficiosa.

Mas não tem razão.

Com efeito, nada obsta a que a questão da ilegalidade por violação do direito comunitário seja apreciada em sede de pedido de revisão oficiosa.[18]

Tal como referido na sentença e na jurisprudência ali citada, a circunstância de ter decorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação do ato de liquidação, não impedia que a impugnante pedisse a respetiva revisão oficiosa e impugnasse contenciosamente o eventual ato de indeferimento desta, sendo que também «não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro.

Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício de violação de lei» (cfr. o ac. do STA, de 12/12/2001, proc. nº 026487).

(...)

Assim, é de concluir que, apesar de não ter sido deduzida reclamação graciosa, nos termos do art. 152º do CPT, a Impugnante podia pedir a revisão oficiosa, dentro do prazo legal em que a Administração Tributária a podia efetuar e podia impugnar contenciosamente a decisão de indeferimento”.

Podemos então concluir que, de acordo com jurisprudência do STA, o pedido de revisão oficiosa efetuado no prazo (quatro anos) previsto na segunda parte do nº 1 do art.º 78º da LGT pode ter como fundamento a ilegalidade abstrata da liquidação resultante da violação do Direito da União Europeia por parte da lei em que se baseia a liquidação.

Estamos plenamente de acordo com esta jurisprudência pois, a partir do momento em que se admite que o pedido de revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º, n.º1 conjugado com o nº 7 do mesmo preceito, constitui, não já um meio especial de a administração corrigir erros por si cometidos na aplicação do direito – como a letra da lei sugere – mas sim mais um meio de reação ao alcance do sujeito passivo contra a ilegalidade do ato tributário, há que entender “ilegalidade” como qualquer violação do bloco de legalidade, o qual inclui não apenas as leis de grau inferior que são imediatamente aplicáveis ao ato administrativo, mas também todas aquelas de grau hierárquico superior que, não se aplicando imediatamente ao ato administrativo em causa, condicionam a validade das leis de grau inferior, como é o caso das leis constitucionais e do direito da União Europeia, e ainda os regulamentos e até atos administrativos anteriores.

Face a tudo o que ficou exposto, podemos assentar nas seguintes conclusões, referentes à possibilidade de os sujeitos passivos efetuarem pedido de revisão oficiosa com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT:

  1. Os sujeitos passivos podem provocar, através de um pedido, o procedimento de revisão oficiosa da liquidação no prazo estabelecido no nº 1 do art.º 78.º da LGT, sempre que invoquem para isso “erro imputável aos serviços”;
  2. O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro;
  3. O erro de direito pode consistir numa ilegalidade abstrata, ie. numa ilegalidade da norma tributária;
  4. A ilegalidade abstrata pode ser originada numa incompatibilidade entre a norma tributária e o direito da União Europeia.

Deste modo, conclui-se que a Requerente podia, efetivamente, pedir a revisão das liquidações, com base na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, invocando a desconformidade da Contribuição de Serviço Rodoviário com a Diretiva n.º 2008/118/CE.

Por conseguinte, o pedido de revisão não foi intempestivo, pelo que não se verifica a caducidade do direito de ação.

Que a Autoridade Tributária apreciou, efetivamente, o fundo da questão colocada pela Requerente no seu pedido de revisão oficiosa (questão levantada pela própria Requerente no seu ppa e não pela Requerida), e que, por conseguinte, ocorreu um indeferimento desse pedido, resulta também patente da própria fundamentação da decisão do pedido, na qual se pode ler:

“3.5) No que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de CSR sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro), não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária.

(...)

3.10) Da análise efetuada ao contrato de concessão com a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (atual Infraestruturas de Portugal, SA), cujas bases constam do Decreto-Lei n.º 380/2007 de 13 de Novembro (posteriormente alteradas pela Lei n.º 13/2008, de 29 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 110/2009, de 18 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de maio), verifica-se a existência de uma série de objetivos, subjacentes à atividade da Infraestruturas de Portugal, S.A, que permite refutar de forma clara a argumentação apresentada pela requerente.

3.12) Desde logo na alínea b) da base 2 é claramente referido que a concessionária deve: Prosseguir os objectivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II anexo às presentes bases. 3.13) Por seu turno na base 12, que estabelece as obrigações de informação da concessionária, ao longo de todo o período da concessão, estatui que a concessionária compromete -se a fornecer informação sobre sinistralidade, remetendo ao InIR, no 1.º trimestre de cada ano, um relatório respeitante ao ano anterior, no qual é prestada informação circunstanciada, nomeadamente com vista à aplicação do disposto na base 66, sobre os níveis de sinistralidade registados na concessão, cobrindo aspectos como os pontos de acumulação de acidentes e identificação das suas causas e comparação com congéneres nacionais e internacionais, acompanhado por auditoria efectuada por entidade idónea e independente sobre tais níveis de sinistralidade.

 (...)

3.21) Verifica-se assim que o invocado “motivo específico” para a “razão de ser” da CSR, se consubstancia em objetivos ambientais e de redução de sinistralidade, verificando-se o condicionalismo apresentado pela requerente no pt. 51º da sua petição e não estando por isso em causa despesas gerais ou com finalidades puramente orçamentais, indo inclusive ao encontro do preconizado no âmbito do acórdão do TJUE (...)”[19]

Por conseguinte, há que concluir, embora não seja questão suscitada pela Requerida, que se está perante uma decisão da Autoridade Tributária que apreciou a questão da legalidade das liquidações, pelo que, dessa decisão, cabe impugnação nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT.

 

VII – DO ALEGADO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI

 

A Requerente alega que as liquidações impugnadas são ilegais, por o imposto a que dizem respeito, a Contribuição de Serviço Rodoviário, violar a Diretiva 2008/118 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo (adiante designada por “Diretiva”).

De acordo com o art.º 1.º n.º 1 da Diretiva, a mesma estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem direta ou indiretamente sobre o consumo de um conjunto de produtos, entre os quais se encontram os “produtos energéticos”.

Ao abrigo desta diretiva e em transposição da mesma, foi aprovado o Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (através do DL nº 73/2010), o qual criou, entre outros, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos.

No nº 2 do mesmo art.º 1.º, a Diretiva determina que os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.

A Requerente sustenta que a Contribuição de Serviço Rodoviário, incidindo sobre os mesmos produtos sobres os quais incide o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, não se fundamenta em “motivos específicos,” sendo, por conseguinte, insuscetível de enquadramento na norma do referido nº 2 do art.º 1º da Diretiva.

O Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou várias vezes sobre os requisitos enumerados no nº 2 do art.º 1º da Diretiva e dos quais esta faz depender a possibilidade de os Estados-Membros criarem impostos não previstos na diretiva e incidentes sobre os mesmos produtos.

Concretamente, o TJUE debruçou-se sobre o significado do requisito “motivos específicos” no Acórdão Statoil Fuel & Retail.[20]

Estava em causa no processo um imposto sobre as vendas instituído pelas autoridades locais da cidade de Taline. Este tributo, de acordo com a norma legal que o criava, era cobrado para a organização dos transportes públicos da área urbana da cidade. E a lei acrescentava especificamente que “o produto do imposto sobre as vendas será destinado, de modo específico, à realização desse objetivo.”

O imposto incidia sobre um vasto conjunto de vendas, incluindo as vendas a retalho de combustível líquido sujeito a impostos especiais de consumo.

O TJUE começou por observar que o “motivo específico” não é uma finalidade meramente orçamental, ie, de obtenção de receita (par. 37).

No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (par. 38).

Prossegue o tribunal explicando que a afetação do produto de um imposto ao financiamento, pelas autoridades locais, de competências que lhes foram atribuídas pode constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico.

Contudo, essa afetação a finalidades específicas, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado‑Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado‑Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas.

Veja-se, desde já, que as considerações até aqui reproduzidas se aplicam inteiramente à situação dos autos:

  • A CSR é um tributo cuja receita é, por imposição da lei que o cria, afetada a determinados fins específicos.
  • Esses fins específicos consistem, nos termos do nº 2 do art.º 3.º da Lei 55/2007, no financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E.,[21] e mais concretamente da respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.
  • A CSR tem, portanto, uma finalidade orçamental, o que não é, contudo, suficiente para afastar o seu enquadramento no nº 2 do art.º 1º da Diretiva.
  • A CSR tem a sua receita afeta a fins específicos, o que também não é, por si só, suficiente para garantir o seu enquadramento no nº 2 do art.º 1º da Diretiva. Pois, como diz o TJUE, a afetação de um tributo a uma finalidade específica não basta para o enquadrar no nº 2 do art.º 1º da Diretiva, uma vez que qualquer Estado‑Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas; e “caso contrário, qualquer motivo poderia ser considerado específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado, instituído por esta diretiva, de todo o efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória como a do artigo 1.°, n.° 2, deve ser objeto de interpretação estrita”.

O acórdão prossegue dizendo que “[P]ara que a afetação predeterminada do produto de um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo permita considerar que esse imposto tem um motivo específico na aceção da mesma disposição, é preciso que o imposto em causa tenha por objeto, por si mesmo, assegurar a realização do motivo específico invocado e que, portanto, exista um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo”.

Diz ainda o acórdão que, na falta deste “mecanismo” - um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo – “um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo apenas pode ser considerado como tendo um motivo específico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado, por exemplo, tributando significativamente os produtos considerados para desencorajar o seu consumo.”

Existem, pois, duas modalidades, digamos, de “motivo específico” (na aceção do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva: ou “um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o motivo específico; ou um tributo concebido, no que respeita à sua estrutura, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita a realização do motivo específico invocado.

Trata-se de duas modalidades alternativas de “motivo específico”, que não se sobrepõem nem se confundem.

Voltando ao caso concreto do acórdão Statoil Fuel & Retail, a receita do imposto em causa destinava-se e fora efetivamente utilizada no financiamento do exercício da competência do município em matéria de organização dos transportes públicos na respetiva área urbana. O tributo não cabia, portanto, na segunda modalidade de “motivo específico” indicada. Tal como o tributo no caso Statoil Fuel & Retail, também a CSR se destina a uma finalidade específica, que é o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E., e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento.

No caso Statoil Fuel & Retail, a respeito da afetação do imposto a uma finalidade específica, o tribunal observa que, embora essa circunstância possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, “é necessário declarar que essa afetação se refere a despesas gerais que incumbem à cidade de Taline, independentemente da existência do imposto em causa no processo principal. Ora, essas despesas gerais são suscetíveis de ser financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza. Por conseguinte o motivo específico invocado, ou seja, o financiamento da organização dos transportes públicos na cidade de Taline não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental.”

O que se verifica no caso da CSR é uma situação exatamente idêntica, já que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E., e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, corresponde a uma necessidade de despesas gerais que incumbem ao Estado, independentemente da existência do imposto em causa, e que são suscetíveis de ser financiados pelo produto de impostos de qualquer natureza.

O tribunal diz ainda (par. 45) que “a mera alocação da receita em causa” à finalidade indicada pelo Estado estónio como “motivo específico” não permite estabelecer um nexo direto, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça, entre a utilização das receitas do referido imposto e essas finalidades.

O tribunal concluiu pela não conformidade do imposto em causa com a Diretiva sobre impostos especiais de consumo.

Recentemente, o TJUE pronunciou-se sobre a Contribuição de Serviço Rodoviário, através do Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21.

Diz o tribunal nesse despacho (par. 30) que “para se considerar que prossegue um motivo específico, (...), a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.”

Esta afirmação do tribunal relaciona-se com a posição sustentada no processo (de reenvio prejudicial) pela Autoridade Tributária, ao afirmar que “o Decreto‑Lei n.º 380/2007, que atribui a concessão da rede rodoviária nacional à EP, agora denominada Infraestruturas de Portugal, S.A. (a seguir «IP»), confere a esta última a prossecução de objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que constituem o motivo específico da CSR”.

O tribunal afirma também que resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O que já vimos ser certo, pois é essa a finalidade constante do nº 2 do art.º 3.º da Lei 55/2007.

O tribunal diz ainda que “os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis.

O tribunal diz por fim que não foi levado ao seu conhecimento nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.

O tribunal conclui que o artigo 1.º n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que o imposto em causa, cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue «motivos específicos», sendo por isso o imposto incompatível com a diretiva.

Embora os tribunais nacionais estejam obrigados, por força do princípio do primado e da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TUE, a acatar as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia e, portanto, nada mais haja a acrescentar ao decidido por aquele tribunal, parece-nos clara a inconsistência na definição dos alegados “motivos específicos” da CSR, na medida em que a Lei 55/2007, no seu art.º 3.º, n.º 2 estipula que a CSR tem como finalidade específica o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E. e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento; enquanto o ponto 4 da Base 2 do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, estipula que é dever da concessionária (al. b) “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases.”

Não que exista, evidentemente, qualquer incompatibilidade entre estas duas missões cometidas à atual Infraestruturas de Portugal, S.A.. O que existe, sim, é inconsistência quando se sustenta que as duas finalidades constituem o motivo específico da CSR.

Inconsistência que se vê ainda mais nítida quando se considera que a finalidade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a cargo da entidade é a finalidade que a Lei  55/2007 atribui à CSR, e é uma finalidade de âmbito geral, que incumbe necessariamente ao Estado e que poderia ser financiada por quaisquer receitas fiscais; enquanto prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases é uma missão atribuída através de um contrato de concessão, e não consta da lei que cria e regula a CSR, não se encontrando na lei tributária nenhuma norma que assegure que a CSR é afetada na sua totalidade a essa finalidade específica, pelo contrário, resulta da lei tributária (Lei  55/2007) que o não pode ser.

Há, assim, que concluir, que a CSR não tem um “motivo específico”, antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de “motivo específico” o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118.

Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstrata.

 

VIII – OBRIGAÇÃO DE REEMBOLSO

Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços da Autoridade Tributária, o imposto foi indevidamente pago.

Nos termos do n.º 1 do art.º 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Evidentemente, esta regra da plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade (reposição da situação ex ante), implica em primeiro lugar o reembolso da prestação tributária indevidamente realizada (TCA-S, CT, ac. de 09.06.2021, proc. 12/05.8BESNT-A-A-A-C, relatora Patrícia Manuel Pires).

Esta obrigação de reconstituição da situação ex ante tem raiz no princípio da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Uma vez que os sujeitos passivos, ou os particulares em geral, têm o direito fundamental de serem tributados em estrito cumprimento da legalidade, pode dizer-se que, de uma liquidação tributária ilegal, resulta uma violação de um direito fundamental.

O princípio da obrigatória restituição dos impostos pagos indevidamente ao abrigo do Direito da União vale também naquele ordenamento, como decorrência do princípio do efeito direto das normas de Direito da União.[22]

Além disso, nesta matéria, vigora ainda o princípio da equivalência, que decorre do princípio da colaboração leal estabelecido no artigo 4º do TJUE,[23] e que significa que as condições em que o sujeito passivo pode obter a restituição de um imposto pago indevidamente em violação do Direito da União não podem ser menos favoráveis do que as que são aplicáveis para obter a restituição de um imposto indevidamente pago por violação do direito interno.[24]

Contudo, alega a Requerida que, no caso dos autos, não existe obrigação de reembolso do imposto indevidamente pago, pois esse reembolso causaria na esfera jurídica da Requerente um enriquecimento sem causa, uma vez que o encargo do imposto não foi efetivamente suportado pela Requerente, tendo esta repercutido o imposto nos consumidores adquirentes dos combustíveis sobre os quais incidiu o imposto.

A Requerida apoia a sua pretensão na própria jurisprudência do TJUE, que no acórdão de 27.02.1980, Hans Just I/S Caso C-68/79[25] afirma que (par. 26) “deve-se esclarecer a respeito que a proteção dos direitos garantidos nesta matéria pelo ordenamento jurídico comunitário não exige a concessão de restituição dos impostos indevidamente cobrados em condições que levem ao enriquecimento indevido dos titulares do respetivo direito. Nada se opõe, como tal, do ponto de vista do Direito comunitário, a que os tribunais nacionais levem em conta, de acordo com o seu direito nacional, o fato de que os impostos indevidamente cobrados possam ter sido incorporados nos preços da empresa tributada e repercutidos sobre os compradores.”

Em primeiro lugar, há que sublinhar que, no acórdão acabado de referir, o tribunal começa por observar (par. 22) que a abordagem comparativa dos sistemas nacionais demonstra que o problema do reembolso de impostos indevidamente pagos é resolvido de formas diferentes nos vários Estados-membros; e que, em certos casos, o pedido de reembolso de impostos indevidamente pagos deve ser proposto perante os tribunais ordinários (par. 23). Este é o caso, precisamente do sistema dinamarquês, ao qual se refere o processo decidido no acórdão.

Também no Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21 (que visa a CSR), o tribunal diz (par. 39) que “[A] obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas.

O tribunal diz ainda que “incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional;” e que “[E]m condições como as que foram mencionadas no n.° 39 do presente despacho, o ónus do imposto indevidamente cobrado não é suportado pelo operador que a ele está sujeito, mas pelo comprador sobre o qual foi repercutido. Assim, reembolsar ao operador o montante do imposto que já recebeu do comprador equivaleria para aquele a um duplo pagamento suscetível de ser qualificado de enriquecimento sem causa, sem que, porém, sejam remediadas as consequências da ilegalidade do imposto para o comprador.”

Porém, o tribunal diz também que (par. 42) “um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.”

O tribunal acrescenta no parágrafo 43 que “[C]onstituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá-la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo”.

Diz ainda o tribunal (par. 44) que “ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.”

Conclui o tribunal que (par. 47) “mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas”.

O que resulta da jurisprudência do TJUE a este respeito é que o afastamento da obrigação de restituição do imposto indevidamente pago pode ter lugar a título estritamente excecional, uma vez que se trata de um desvio a um princípio fundamental e reconhecido pela ordem jurídica europeia;[26] e que, para o órgão de jurisdição nacional poder afastar a obrigação de restituição não basta provar que existiu repercussão do imposto sobre o consumidor, é ainda necessário provar que o reembolso dará lugar a um enriquecimento sem causa. O tribunal ressalva claramente, a respeito deste último aspeto, que, mesmo tendo havido efetiva repercussão, a restituição do imposto indevidamente pago pode não originar um enriquecimento sem causa, se o imposto e a sua repercussão nos preços de venda tiverem tido como efeito a redução do volume de vendas ou das margens de comercialização.

Citando a decisão no processo arbitral 564/2020-T, “tal como foi também assinalado pelo Tribunal de Justiça, que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas. Pelo que sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto."

Ora, a Requerida demonstra que, contabilisticamente, a Requerente incluiu a CSR nos seus custos. Importa dizer que tal conduta contabilística é apenas uma decorrência das normas contabilísticas (par. 11 da NCRF 18) e não resulta de qualquer juízo ou opção sobre a efetiva inclusão do imposto nos custos.

A Requerida demonstra também que as margens de comercialização praticadas pela Requerente “não permitem a acomodação da CSR”, o que significa que se a CSR não fosse incluída no preço de venda as margens de comercialização se tornariam negativas.

Contudo, a Requerida não aduz quaisquer argumentos ou faz qualquer prova no sentido de que as margens de lucro da Requerente não se reduziram no período em análise, por comparação com outros períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa. Uma tal redução, a verificar-se, significaria ou poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

A Requerida também não faz qualquer prova de que o volume de vendas dos distintos produtos não sofreu uma redução no mesmo período, por comparação com períodos em que a taxa da CSR foi mais baixa, o que também poderia significar um efeito negativo da CSR sobre os resultados.

Em qualquer dos casos, ficaria fortemente posta em causa a hipótese de enriquecimento sem causa (convém voltar a sublinhar que a repercussão do imposto, seja ela legal ou económica, não é, só por si, suficiente para alicerçar a exceção de enriquecimento sem causa[27]).

Acresce que a Requerida teve, ou pelo menos poderia ter tido, através da operação de análise que desenvolveu (na sequência da Ordem de Serviço n.º OI202100308) acesso a esses dados.

Em face das apontadas limitações da prova apresentada pela Requerida, o tribunal deve sopesar os vários princípios jurídicos em jogo.

Em primeiro lugar, há que observar que o afastamento da obrigação de restituir o imposto indevidamente pago tira todo o efeito útil à decisão jurisdicional que tenha declarado a ilegalidade do ato de liquidação. Se através da impugnação, na circunstância em que se verifique a ilegalidade do ato e, portanto, a procedência da pretensão, o sujeito passivo, apesar disso, não consegue obter nenhum efeito útil da impugnação, o princípio da tutela jurisdicional efetiva fica seriamente comprometido. É o que diz o TJUE no Despacho de 07.02.2022, processo C-460/21, ao afirmar (par. 38): “o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça.”

Acresce, dentro do mesmo argumento, que o raciocínio aplicado pela Requerida, neste caso, à CSR, poderia, na verdade, ser aplicado a praticamente qualquer tributo cobrado ilegalmente. Uma taxa paga pela licença de construção de um prédio também é incluída no custo e refletida no preço do imóvel, do mesmo modo que o são as contribuições para a segurança social, o IMI, o IMT e o Imposto do Selo sobre os imóveis afetos à produção, o ISV e IUC pagos sobre os veículos, a taxa de saneamento, etc. Não existe praticamente nenhum tributo, pago pelas empresas, que não seja repercutido no preço dos bens ou serviços vendidos. O argumento da Requerida, quanto procedente, implicaria que em nenhum destes casos, a anulação da liquidação daria lugar à restituição do tributo indevidamente pago.

Em segundo lugar, há que ter em consideração o que diz o mesmo tribunal na mesma decisão (par. 43) sobre a necessidade de interpretar restritivamente a exceção do enriquecimento sem causa: “[C]onstituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo”.

Por fim e em terceiro lugar, há que atender ao que o tribunal diz sobre o ónus da prova nesta matéria: “[O] direito da União exclui (...) que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas (...) (par. 46); e “um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem[28] que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa.

Em vista de tudo o que antes foi ponderado, o tribunal arbitral, tendo em consideração o princípio da tutela jurisdicional efetiva, interpretando restritivamente a exceção de enriquecimento sem causa, e considerando ser sobre a Requerida que impende o ónus de provar o enriquecimento sem causa, considera não provada a exceção de enriquecimento sem causa.

Tal como na decisão do processo arbitral nº 564/2020-T, e cujo raciocínio é totalmente transponível para o caso presente, também neste caso o tribunal considera não ter sido efetuada prova evidente de que tenha havido uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores e sobretudo que a restituição provoque um efetivo enriquecimento sem causa, não neutralizado por variações nas margens de comercialização nem no volume de vendas.

Para efetuar a demonstração do enriquecimento sem causa, a Autoridade Tributária limita-se a juntar uma informação interna dos serviços que parte de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que a restituição efetivamente provoque um enriquecimento sem causa.

Com efeito, a informação em causa faz apelo ao próprio objetivo legislativo da criação da CSR, que terá sido o de onerar os utilizadores da rede rodoviária mediante o agravamento dos custos dos combustíveis. Reporta-se ao critério contabilístico do registo do custo das mercadorias vendidas quando os impostos imputáveis à aquisição devam incorporar esse custo. E argumenta ainda com a margem de comercialização para justificar que o operador não poderia deixar de repercutir o imposto sob pena de praticar preços de venda inferiores ao custo.

Ou seja, a Autoridade Tributária, para justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas.

Quanto ao efetivo enriquecimento sem causa, que não resulta automaticamente da repercussão do imposto, a AT não efetua qualquer prova.

 

IX – JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Dispõe a alínea b), do nº 1, do art.º 24º, do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito.

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a), do nº 1, do art.º 29º, do RJAT, no qual se estabelece que:“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Dispõe, por sua vez, o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

O artigo 43.º da LGT pressupõe que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial – ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

Por sua vez dispõe o nº 3 do mesmo artigo:

“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”

Aqui chegados importa responder à questão de saber se os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que o pagamento do tributo foi efetuado ou a partir de um ano após o pedido de revisão formulado pelo contribuinte.

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-06-2022 (proc. 1201/17, Relator Joaquim Condesso), prolatado em recurso para uniformização de jurisprudência nesta matéria, diz sobre esta questão:

“A questão do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligada à existência de procedimentos graciosos de reclamação, ou de revisão oficiosa, tem-se colocado diversas vezes e mereceu resposta uniforme, desde logo, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A anulação do ato tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos "ex tunc", tudo se passando como se o ato anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética (...).

Os juros indemnizatórios correspondem à materialização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C. R. Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

A norma constitucional remete para o instituto da responsabilidade civil, pelo que serão aplicáveis as respetivas regras.

A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal. Com estes pressupostos, pode dizer-se que a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual (...).

(...)

Revertendo ao caso dos autos, deve recordar-se, antes de mais, que é jurisprudência deste Tribunal, no que respeita à questão da obrigação de juros indemnizatórios nos casos de retenção indevida de imposto e em que foi deduzido meio gracioso (v.g. reclamação graciosa), que o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de eventual indeferimento, expresso ou silente, da pretensão deduzida pelo contribuinte (cfr. v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/12/2017, rec.926/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec.360/11.8BELRS).

Avançando, comecemos pelo exame do termo inicial da obrigação de juros indemnizatórios, quando ligado à existência do procedimento gracioso de revisão oficiosa.

Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão fundamento lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o ato a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al. c), da L.G.T. (...)”

Nos termos do nº 3 do art.º 8.º do Código Civil, o julgador, nas decisões que proferir, tem o dever de ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Mas entendemos que esse dever é ainda mais vinculante nos casos em que, sobre a questão controvertida, existe um acórdão uniformizador de jurisprudência, que, embora não tenha efeito vinculativo extraprocessual, tem um caráter orientador e persuasivo.

Assim, o tribunal arbitral conclui, em sintonia com a jurisprudência citada, que a Requerente teria direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre a quantia do imposto indevidamente pago, apenas desde a data em que se perfizesse um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, ie. desde 11 de janeiro de 2023.

Uma vez que a decisão arbitral é proferida antes dessa data, não há lugar à condenação ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII – DECISÃO

O Tribunal Arbitral Coletivo decide:

  1. Declarar a ilegalidade do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da Alfândega de Braga, em 11.04.2022, que recusou, por extemporaneidade, a apreciação do respetivo pedido;
  2. Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de Contribuição de Serviço Rodoviário, efetuadas pela Requerida e referentes ao período de janeiro a dezembro de 2018;
  3. Condenar a Requerida à restituição das prestações tributárias indevidamente pagas com base nessas liquidações;
  4. Indeferir o pedido da Requerente de pagamento de juros indemnizatórios;
  5. Condenar a Requerida AT no pagamento das custas do processo.

 

VIII - VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 5.457.168,27 (cinco milhões quatrocentos e cinquenta e sete mil cento e sessenta e oito euros e vinte e sete cêntimos).

 

IX- CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 68.544,00 (sessenta e oito mil quinhentos e quarenta e quatro euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerida.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 5 de janeiro de 2023

 

Os Árbitros

 

(Nuno Cunha Rodrigues (Presidente))

 

(Nina Aguiar – Relatora por vencimento)

(Ver declaração de voto)

 

 

(António de Melo Gonçalves)

(com declaração de voto em anexo)

 

Declaração de voto

Refere-se a presente declaração de voto, exclusivamente, à questão dos juros indemnizatórios.

A signatária, e relatora por vencimento no presente processo, tem vindo a decidir, em processos arbitrais anteriores, os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa num sentido divergente do adotado na presente decisão.

A razão do entendimento até agora seguido é a seguinte.

A atual orientação jurisprudencial tem precedente (não sendo necessariamente este acórdão a origem da doutrina) num acórdão do STA de 06-07-2005 (proc. n.º 560/07) em que foi relator o Conselheiro António Pimpão, em que se afirma:

“A norma em questão, art.º 43º da LGT, afirma (...):

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.
O sentido deste preceito é aquele que a FP lhe atribui quando admite que os juros indemnizatórios, a serem devidos, deverão ser contabilizados a partir de um ano após o pedido de revisão efetuado pela recorrida.

E entende-se que assim seja pois que se podia o contribuinte com fundamento em erro imputável aos serviços questionar a liquidação, nos termos do nº 1 do mencionado art.º 43º, tendo, em tal situação, caso a sua pretensão procedesse direito aos juros indemnizatórios contados nos termos do nº 3 do art.º 61º do CPPT (desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito) se deixou, eventualmente passar o pedido de impugnação e se socorreu do mecanismo da revisão imediatamente ficou sujeito às consequências deste mecanismo legal.

É que ao solicitar tal revisão é razoável que a AT disponha de certo prazo para a apreciar.”

(Sublinhado nosso).

A mesma ideia é repetida no acórdão do mesmo tribunal de 17-05-2006 (proc. nº 016/06) em que foi relator o Conselheiro Brandão de Pinho, em que se diz:

“O sentido do artigo 43.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária é o que a Fazenda Pública lhe atribui, no sentido de os juros indemnizatórios apenas serem os devidos a partir de um ano após o pedido de revisão.

Isto essencialmente porque o contribuinte podia ter reclamado ou impugnado a liquidação – que são os meios contenciosos “normais” (digamos assim), de pôr em causa, graciosa ou contenciosamente, o acto tributário, tendo então direito a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1; Se deixar passar tais prazos, socorrendo-se do mecanismo da revisão, ainda por cima oficiosa, fica naturalmente sujeito às respetivas consequências: sibi imputet, pois”(sublinhado nosso).

Daí que os juros indemnizatórios sejam devidos decorrido um ano após o pedido de revisão e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.”

E ainda no acórdão do mesmo tribunal de 02-11-2006, no proc. n.º 0604/06, em que foi relator o Conselheiro Baeta de Queiroz, em que se disse:

3.5. Na conceção da LGT, como se vê, os juros indemnizatórios relacionados com o desapossamento da quantia pecuniária que o contribuinte desembolsou por força de uma liquidação efectuada com erro imputável aos serviços são atribuídos se ele reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente. O contribuinte tem o ónus de reclamar ou impugnar (a ele se refere o nº 2 do artigo 78º da LGT) e, não o fazendo, perde a possibilidade de obter indemnização automaticamente traduzida na atribuição de juros indemnizatórios, embora não perca de todo a possibilidade de recuperar o que pagou (sublinhado nosso).

Em todos os arestos citados, o argumento decisivo para a interpretação do nº 3 do art.º 43.º da LGT no sentido da dilação do início da contagem de juros indemnizatórios (em todos os casos de pedido de revisão oficiosa, incluindo aqueles em que a AT não procede à revisão do ato e o sujeito passivo vem a obter a satisfação da sua pretensão em impugnação judicial), reside na inércia do sujeito passivo.

Ora, num caso em que o sujeito passivo apresente o pedido de revisão dentro do prazo da reclamação graciosa, este argumento não tem aplicação, pois não há qualquer inércia por parte do sujeito passivo.

Neste caso, e verificando-se ainda que a AT não concede na revisão do ato, que o sujeito passivo recorre, consequentemente, à via da impugnação judicial e que, nesta, finalmente, vem a obter o provimento da sua pretensão, parece óbvio que resultará injustiça se não se conceder ao sujeito passivo o direito a juros indemnizatórios a partir da data do pagamento indevido.

Afigura-se-nos, em processos em que esta situação se verifica, que a solução passa por aplicar diretamente o nº 1 do art.º 43º: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

Mas na realidade – foi o entendimento que perfilhámos em processos anteriores – esta norma afigura-se literalmente aplicável a qualquer situação em que o sujeito passivo obtém a anulação da liquidação em processo de impugnação judicial, independentemente de, anteriormente, ter efetuado um pedido de revisão oficiosa, apresentado uma reclamação, ou nenhum dos dois.

Sendo assim, o nº 3 do art.º 43º ficaria reservado aos casos em que a AT efetivamente concedesse na revisão do ato tributário, ie efetivamente revisse o ato.

Porém, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu recentemente um acórdão em recurso para uniformização de jurisprudência nesta matéria (ac. de 29-06-2022, proc. 1201/17, Relator Joaquim Condesso), em que diz sobre esta questão: “Nesta sede, deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão fundamento lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o ato a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al. c), da L.G.T. (...)”

Nos termos do nº 3 do art.º 8.º do Código Civil, o julgador, nas decisões que proferir, tem o dever de ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

Esse dever é ainda mais vinculante nos casos em que, sobre a questão controvertida, existe um acórdão uniformizador de jurisprudência, que, embora não tenha efeito vinculativo extraprocessual, tem um caráter orientador e persuasivo.

Desta forma, em nome do princípio da aplicação uniforme do direito, votámos favoravelmente a decisão no que diz respeito ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

O Árbitro Adjunto

 

(Nina Aguiar)

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

 

Não acompanho o entendimento do coletivo quanto à questão de mérito, pelas razões que passo a enunciar:  

1. Por força do disposto nos artigos 16.º do CPPT, e 101.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a infração das regras de competência em razão da hierarquia e da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria, estando em causa, em meu entender, a competência do tribunal arbitral em razão da vinculação e da matéria.

2. O RJAT, no que ao caso diz respeito, estabelece no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), a competência em termos de apreciação das pretensões, de declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, estando a Requerida, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sujeita à vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a litígios de valor não superior a 10 000 000 euros.

3. Como Ponto Prévio, a Requerente entendeu útil deixar registado que tinha impugnado junto do CAAD, pedidos e causas de pedir semelhantes às do presente processo, que visam os atos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, (ISP), a CSR e outros tributos, apenas no que toca à CSR, respeitantes aos anos de 2016 e de 2017 que deram origem aos processos arbitrais n.º 564/2020-T e n.º 620/2021-T.

Com efeito, respeitante ao ano de 2016, foi apresentado um pedido de revisão oficiosa na mesma alfândega, em 10.02.2020, tendo sido solicitada a restituição de 4 873 427,68 €, o qual foi indeferido, tendo dado origem ao processo n.º 564/2020-T.

Respeitante à CSR do ano de 2017, foi apresentado um pedido de revisão oficiosa na mesma alfândega, pedindo o reembolso de 4 787 419,42 €, o qual foi indeferido em 05.07.2021, o que motivou um pedido de pronúncia arbitral em 30.09.2021, que deu origem ao processo com o n.º 629/2021–T.

4. Os pedidos de revisão oficiosa são procedimentos típicos da relação jurídico-tributária, e correspondem à necessidade dos serviços tributários corrigirem situações que enfermem de alguma ilegalidade, sejam erros de direito ou materiais. Não correspondem a qualquer regime declarativo disponível para os Requerentes procederem a consecutivas correções das declarações de introdução no consumo e das liquidações que determinaram pagamentos, em função dos impulsos económicos gerados pelos respetivos substratos jurídicos, antes um regime complementar e supletivo de correção de erros, uma válvula de segurança da legalidade, através da reparação de erros que possam ter sido cometidos no âmbito do funcionamento da administração tributária. Tem de ser entendido sempre como um regime excecional de intervenção na atividade tributária normal e não como um regime alternativo ao que é facultado pelas reclamações graciosas ou pelas impugnações judiciais, sob pena de o regime recursivo e os prazos que o integram, ficarem desprovidos de qualquer efeito útil. 

5. No momento em que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa e de impugnação supracitado, respeitante ao ano de 2016, tinha conhecimento que, não tendo havido alteração do quadro legislativo nacional nem tendo havido qualquer alteração legal a nível do direito comunitário sobre a matéria em que apoiava a sua pretensão – a inexistência de «motivo específico» na aceção do n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2008/118/CE do Conselho de 16.12.2008, nem jurisprudencial, o mais sublinhado, o proferido no âmbito do processo C-553/13, em 05.03.2015, mas também o Acórdão Messer France, proferido no âmbito do Processo C-103/17, de 25.07.2018, os fundamentos e a causa de pedir que sustentaram a sua pretensão de devolução da CSR do ano de 2016, já subsistiam igualmente para os anos posteriores, pelo que, nenhuma razão havia para que não tivessem sido demandados na mesma ocasião em que foi apresentado o pedido para 2016.

6. Os tribunais arbitrais constituídos para apreciar os pedidos para 2016 e 2017, muito embora o pudessem presumir, não poderiam conhecer que a Requerente apresentasse idênticos pedidos com o mesmo fundamento para os anos posteriores, pelo que a sua Decisão, atento o facto de a vinculação da AT ter um teto máximo de € 10 000 000 e estarem em causa 4 873 427,68 € e  4787 419,42 €, mesmo no ano de 2017, o seu somatório corresponder a um montante de € 9 660 847,10, inferior ao teto máximo de € 10 000 000, observou os limites regulamentarmente fixados para a apreciação arbitral.

7. A sucessão de pedidos de revisão oficiosa repartida por anos, permitiu à Requerente o recurso ao regime da arbitragem tributária, quando tinha conhecimento que os fundamentos e as causas de pedir do ano de 2016 seriam exatamente as mesmas em que iria fundar os pedidos dos anos de 2017 e de 2018, subtraindo, deste modo, ao conhecimento dos tribunais, em primeira instância, a questão de saber se haveria um motivo específico para justificar a existência da CSR.

8. As fundadas conclusões da Requerente quanto à ilegalidade da CSR não foram adquiridas por efeito da publicação do Despacho A..., uma vez que, quando o mesmo foi prolatado, em 07.02.2022, já estava em curso o pedido de revisão oficiosa cujo indeferimento agora se impugna, aliás como o processo respeitante ao ano de 2017, cujo Tribunal, conhecedor da diligência pré judicial no processo respeitante ao ano de 2016, retardara a respetiva decisão.

9. A via arbitral é uma via alternativa aos tribunais, tendo consagração constitucional, como resulta do artigo 209.º n.º 2 da CRP, todavia, o legislador, entendeu estabelecer uma «alçada» para a via arbitral e exigiu uma intervenção jurisdicional, a partir de determinado montante, logo na primeira instância e não apenas em sede de recurso.

O artigo 37.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26.08, que aprovou a organização do sistema judiciário na ordem jurídica interna, preceitua que a competência se reparte pelos tribunais judiciais, segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.

Segundo o artigo 38.º, a competência é fixada quando a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, sendo igualmente irrelevantes as modificações de direito.

O artigo 39.º estabelece, por seu turno, uma proibição de desaforamento, no sentido de que nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. Relativamente à competência em razão da matéria, os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conforme o n.º 1 do artigo 40.º.

As normas supracitadas são aplicáveis ao regime da arbitragem, por força do artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT, que estabelece o regime subsidiariamente aplicável.

10. Há uma prevalência do princípio do Estado de direito no domínio da administração da justiça e esse princípio consubstancia-se na determinabilidade da instância pré-determinada por lei para julgar. Na sua dimensão positiva, o princípio define qual o órgão competente para julgar e os termos em que o pode fazer - no caso dos tribunais arbitrais há regras diferenciadas, consoante o valor da causa, seja superior ou inferior a 60 000 euros, e na sua dimensão negativa, proíbe o desaforamento, ou seja, impede que uma determinada causa em razão da matéria e do valor seja julgada por uma jurisdição diferente daquela que a matéria de facto, no momento da proposição da ação indica.

11. O pedido de revisão dos atos de liquidação da CSR do ano de 2018 não pode ser desligado dos pedidos de revisão dos anos de 2016 e 2017, os quais são factos dados como provados que a Requerente mencionou logo como Ponto Prévio no pedido de pronúncia (1.º e 2.ª) e, tecnicamente, o que se verifica é que, por via da repartição dos pedidos de revisão em função de diversos anos, a Requerente desaforou as causas, situação que o artigo 39.º da LOSJ não permite. Com efeito, o somatório de montantes de pedidos de revisão ascende nos anos de 2016, 2017 e 2018, a 15 118 015.37 €.

12. A Requerente, ao enveredar pelo fracionamento da pretensão, ano a ano, em vez de a apresentar imediatamente em bloco, uma vez que o regime de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT é um regime que, pela sua própria natureza, não pode deixar de se considerar especial e condicionado, criou objetivamente condições para se eximir à regra da vinculação, excedendo os limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico da CSR, numa situação que configura abuso do direito de recorrer, uma vez que às relações jurídico-tributárias aplicam-se sucessivamente, também as normas do Código Civil (CC), conforme decorre do artigo 2.º, alínea d) da LGT. O exercício do direito de recorrer deixa de ser legítimo, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, ou pelo fim social ou económico, conforme decorre do artigo 334.º do CC, afigurando-se, neste caso, que a Requerente, acreditando que as liquidações em CSR do ano de 2016 tinham sido ilegalmente efetuadas e deveriam ser anuladas, não deixou imediatamente de considerar que todas as outras efetuadas nos anos subsequentes não deixariam de estar igualmente afetadas pelo vício de violação de lei.

Por outro lado, não tendo recorrido judicialmente, ou em sede arbitral, nos prazos legalmente fixados, não pode deixar de se assinalar a retroatividade e o efeito surpreso para o Estado, pois, a Requerente teve sempre ao seu alcance a possibilidade de requerer uma informação vinculativa sobre a sua situação tributária, conforme o artigo 68.º da LGT, o que não terá feito.

13. Neste sentido, teria acolhido a exceção da incompetência do tribunal arbitral, em razão da violação das regras de vinculação em matéria de montantes e das normas legais de aforamento do processo previstas na LOSJ. Aliás, em termos de matéria, à luz das atribuições da AT e do regime de vinculação, ficam dúvidas sobre se a Requerida é uma administradora de impostos, pois essa atividade vai muito para além da receção de 1% do produto da CSR a troco dos encargos de liquidação e cobrança.

14. A questão da CSR dever ser considerada, por força do ordenamento comunitário, um imposto que deve obedecer a uma estrita motivação específica, ou um tributo com características próprias que o distinguem da normatividade associada aos impostos, é uma questão delicada. Ainda assim, atento o circunstancialismo e a especial ponderação com que o legislador nacional a criou, com expressas preocupações de referência à neutralidade fiscal, não dou por adquirido a sua desconformidade da CSR à luz do direito comunitário.

Aliás, tenho alguma dificuldade em compreender os pressupostos enunciados no Despacho A... no que respeita à estrutura do imposto, de que um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários não prossegue «motivos específicos», pois a mobilidade rodoviária é um dos mais importantes fatores de desenvolvimento dos países e de satisfação subjetiva, e a desmotivação dos consumos dos principais combustíveis rodoviários apenas se justificará quando os fabricantes de automóveis oferecerem soluções tecnológicas alternativas, economicamente acessíveis, sob pena de se paralisar o crescimento económico.

A finalidade e os efeitos de tais produtos não podem, a nosso ver, ser equiparáveis aos produtos do tabaco ou das bebidas alcoólicas.

15. Quando a CSR foi criada, o quadro geral em vigor era ainda o da diretiva 92/12/CEE, o qual no artigo 3.º, n.º 2 preceituava que «Os produtos mencionados no n.º 1 podem ser sujeitos a outras imposições indiretas com finalidades específicas, desde que essas imposições respeitem as regras de tributação aplicáveis em matéria de impostos especiais de consumo ou de imposto sobre o valor acrescentado para a determinação da base tributável, o cálculo, a exigibilidade e controlo do imposto».

A finalidade específica apontada à CSR, em nosso entender, era compatível com as regras em vigor no regime dos IEC, uma vez que se mostravam cumpridas todas as exigências para a sua adoção. A preocupação maior decorrente do regime comunitário dos impostos especiais sobre o consumo de combustíveis, de observância de taxas mínimas, de forma que, pela via fiscal, não fosse afetado o regular funcionamento das condições do mercado interno, tinha sido respeitada. O legislador nacional delimitou os combustíveis abrangidos pelo tributo e fixou taxas de tributação específicas próprias, configurando-a, não como um imposto «strito sensu», mas como uma contribuição devida apenas por uma determinada categoria de indivíduos detentores da capacidade de utilização dessas vias, em razão do tipo de combustível com que usualmente abastecem os veículos, tendo afastado o princípio da generalidade de todos contribuírem para o objetivo de criação e manutenção de uma rede de estradas nacional, uma vez que teve em conta que nem todos os contribuintes tem automóvel nem fazem uso das vias rodoviárias, tendo excluído igualmente dessa incidência, por via de isenção, os produtos constantes do artigo 89.º e as isenções comuns do artigo 6.º, ambos do CIEC.

16. A alteração introduzida pela diretiva 2008/118/CE, de 16 de dezembro de 2018, de modificar o conceito de «finalidade específica» por «motivação específica», tornou, a nosso ver, a conformidade com o direito comunitário, neste concreto aspeto, mais exigente, tendo o artigo 48.º, n.º 1 estabelecido a obrigação dos Estados Membros aprovarem e publicarem até 1 de janeiro de 2010, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à diretiva com efeitos a partir de 1 de abril de 2010.

Ainda assim, o legislador nacional, não terá vislumbrado razões para modificar a legislação, pois, terá pretendido que a CSR continuasse a manter uma matriz diferenciada relativamente aos IEC, preservando a qualificação de contribuição que lhe atribuiu, ficando os contribuintes restritos a uma determinada categoria de destinatários. 

Conforme o artigo 2.º do CIEC, na versão de 2010, os impostos especiais de consumos mantiveram-se subordinados ao princípio  da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que provocam no domínio do ambiente e da saúde pública, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária, limitação que não passou despercebido à doutrina, como decorre da anotação «Inexplicavelmente, não inclui os custos das infraestruturas viárias que são indissociáveis do consumo de produtos petrolíferos e energéticos», A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, pág. 42, in Código dos IEC, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, o que se poderá explicar pela vontade de não colocar em causa os pressupostos em que assentava a CSR, ou dos fazer coexistir no âmbito dos IEC, no entendimento da sua conformidade com o direito comunitário.

17. Contrariamente às taxas, não há na CSR um retorno dos montantes pagos, a gerir pelas entidades competentes, públicas ou concessionadas, em função de um princípio de proporcionalidade, isto é, uma equivalência jurídica na relação entre o benefício recebido por quem as paga e os custos que a satisfação desse mesmo benefício lhes proporciona, faltando essa natureza sinalagmática.

Como se assinala no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2015, as contribuições financeiras constituem figuras hibridas ou tertium genius entre as taxas e os impostos «que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não tem necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa (Gomes Canotilho/Vital Moreira em CRP, Anotada, I Volume, página 1095, 4.ª Edição Coimbra Editora)».

18. A Decisão Arbitral segue a jurisprudência resultante do referido Despacho, aliás na linha da anterior decisão arbitral proferida no processo n.º 564/2020-T.

O não acompanhamento do sentido decisório do reconhecimento da ilegalidade da tributação à luz do direito comunitário, não impede que manifeste a minha concordância com as considerações sobre a obrigação de reembolso da CSR e com as insuficiências de prova concreta da sua repercussão nos revendedores ou consumidores finais.

A referência pela Requerida de que a margem de comercialização praticada pela Requerente não permite acomodar a CSR, informação que se considera verdadeira e de boa-fé uma vez que resulta do apuramento inscrito na contabilidade, (artigo 75.º, n.º 1 da LGT), e não foi especificadamente contestada, poderá indiciar uma sistemática venda com prejuízo, prática proibida, prevista e punida pelo artigo 5.º, n.º 1, e 9.º alínea a), do Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de dezembro, situação que apenas numa investigação/inspeção, com recolha de prova junto dos intervenientes no processo de comercialização, poderá ser confirmada ou infirmada.

Concordo igualmente com o entendimento da Decisão sobre os juros indemnizatórios, o qual está de acordo com a mais recente jurisprudência do STA.

António Manuel Melo Gonçalves

 

O Árbitro Adjunto

António Manuel Melo Gonçalves

 



[1] Sublinhado nosso.

[2] Sublinhado nosso.

[3] Sublinhado nosso.

[4] Sublinhado nosso.

[5] Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto.

[6] Sublinhado nosso.

[7] Sublinhados nossos.

[8] Sublinhados nossos.

[9] Sublinhado nosso.

[10] Sublinhado nosso.

[11] Sobre o conceito de “ilegalidade abstrata da liquidação” ver os acórdãos: STA 2 Sec., ac. de 20.03.2019, proc. n.º 0558/15.0BEMDL 0176/18; STA 2 Sec., ac. de 09.042014, proc. 076/14; STA 2 Sec., ac. de 01.06.1994, proc. 017926, relator Santos Serra. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, Vol. III, 6ª ed., p. 443.

[12] Vd. o acórdão do STA 2 Sec., de 20.03.2019, proc. 0558/15.0BEMDL 0176/18, relator Aragão Seia, em que se lê: “Está-se aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstrata ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do ato tributário ou da liquidação. No mesmo sentido, STA 2 Sec., 19.04.2017, proc. 01113/16, relator Casimiro Gonçalves; STA Pleno Sec. CT, ac. de 05.07.2007, relator Pimenta do Vale.

[13] STA 2 Sec., ac. de 22.03.2011, proc. 01009/10, relatora Isabel Marques da Silva.

[14] Sublinhado nosso.

[15] Nesta afirmação o STA cita o acórdão do mesmo tribunal, STA 2 Sec., ac. de 12/12/2001, proc. 026233, relator Jorge de Sousa, remetendo ainda para os acórdãos: de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.

[16] A Requerida cita neste ponto a decisão arbitral prolatada no processo 19/2021-T.

[17] A Diretiva n.º 2008/118 foi transposta para o direito nacional pelo Decreto-Lei n.º 73/2010 (Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC)).

 

[18] Sublinhado nosso.

[19] Sublinhado nosso.

[20] Acórdão de 05.03.2015, Statoil Fuel & Retail, C‑553/13, EU:C:2015:149

[21] Hoje Infraestruturas de Portugal, IP, S.A.

[22] Caso 33/76 Rewe [1977] ECR 1989, par. 5; Caso 45/76 Comet [1976] ECR 2043, par. 12 e 13; e Caso 240/87 Deville [1988] ECR 3513, par. 11.

[23] TJUE, acórdão de 30.06.2016, Silvia Georgiana Câmpean, Caso C‑200/14, ECLI:EU:C:2016:494.

[24] TJUE, acórdão de 30.06.2016, Silvia Georgiana Câmpean, Caso C‑200/14, ECLI:EU:C:2016:494, par. 39.

[25] Recueil de jurisprudence 1980 p. 00501.

[26] No mesmo sentido, Caso 177/78 Pigs & Bacon Commission [1979] ECR 2161.

[27] Casos apensos C-192/95 a C-218/95 Comateb [1997] ECR I-165, par. 29 a 32; Casos apensos C-441/98 e C442/98 Michaïlidis [2000] ECR I-7145, par. 34 e 35 e Caso C-147/01 Weber’s Wine World [2003] ECR I11365, par. 98 e 99.

[28] Sublinhado nosso.