Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 168/2022-T
Data da decisão: 2022-11-17  Selo  
Valor do pedido: € 6.615,93
Tema: IS — Contrato de Suprimento
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DECISÃO ARBITRAL
 
A Signatária, DRA. ELISABETE FLORA LOURO MARTINS CARDOSO, foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 24 de maio de 2022. 
 
I. RELATÓRIO
 
1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-...Guimarães (doravante, Requerente), apresentou no dia 14 de março de 2022 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida).
O presente PPA tem por objeto: a “liquidação oficiosa de Imposto do Selo (IS) e dos respetivos juros compensatórios, realizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante apenas designada por AT) e que foram validamente notificados sujeito passivo”, liquidação que foi emitida pelos Serviços de Imposto do Selo no valor de EUR 6 615,93 (Serviço de Finanças de Guimarães-...) (doravante, Ato Impugnado). 
A Requerente pede ao Tribunal: “Termos em que deve julgar-se procedente a presente ação, declarando-se a ilegalidade e anulação, quer da liquidação oficiosa de imposto de selo, quer as liquidações de juros compensatórios impugnadas. Deve, ainda, em consequência, ser a AT condenada a restituir à requerente, acrescida dos competentes e respetivos juros, as quantias por aquela pagas à AT, por conta das liquidações e demonstração de acerto de contas objeto da presente ação”.
 
Sumariamente, a Requerente alega:
   
A) Vícios relativos ao procedimento de inspeção: 
A.1) “A AT não só não alega a forma como a inspeção teve origem, Como não esclarece ou explicita qual o fundamento da inspeção. À A..., em momento algum, foi dado conhecimento do teor e conteúdo da decisão que desencadeou a presente inspeção. (...) Assim, omitido o teor da decisão que fundamenta a presente inspeção e, bem assim, os fundamentos concretos da inspeção e que conduziram à seleção da A... como entidade inspecionada, a AT, para além de violar os princípios basilares e orientadores de todo o procedimento, Impossibilita o sujeito passivo do pleno exercício do seu direito de defesa (principio do contraditório), Devendo, por isso, ser o procedimento de inspeção declarado ilegal”;
A.2) “o despacho que ordenou a extensão da ação inspetiva, nos termos do art. 15º do RCPIT, limitando-se, em suma, a comunicar ao sujeito passivo que a mesma ia ser ampliada, com fundamento num despacho cujas verdadeiras razões e motivos são um absoluto mistério, Não se mostram preenchidos os requisitos de que a mesma depende, os quais se encontram plasmados no art. 15º do RCPIT, E, por conseguinte, a inspeção é ilegal por violação do princípio da legalidade, designadamente por violação de uma formalidade legal essencial e estruturante do procedimento inspetivo e, por conseguinte, determina a invalidade dos ulteriores termos procedimentais, ou seja, da liquidação que nele se suporta (cfr. art. 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do art. 4.º do RCPITA)”.
   
B) O demérito das conclusões da inspeção tributária e a ilegalidade das liquidações:
B.1) Nulidade do Relatório por incongruências de argumentação e manifesta falta de fundamentação; e 
B.2) Ilegalidade do ato de liquidação: “É notório que os empréstimos vindos de conceder à B... HK pela aqui Requerente A... já desde, pelo menos, o ano de 2013 não respeitam a créditos utilizados sob a forma de conta corrente em que o prazo de utilização não é determinado nem determinável, tal como pretende fazer valer a AT, Mas sim, verdadeiros contratos de suprimento, Razão pela qual, nenhuma razão assiste à AT na aplicação, in casu, da verba 17.1.4 da TGIS. ASSIM, Em face do exposto, resulta à saciedade que a correção operada pela AT, em sede de IS, padece de manifesto erro sobre os pressupostos de direito e de facto e, por conseguinte, por errada interpretação e aplicação dos normativos constantes do Código de IS, designadamente a verba 17.1.4, Devendo a liquidação de IS em crise ser declarada ilegal e, consequentemente, anulada”.
 
C) A Caducidade, e inexigibilidade, da liquidação dos juros compensatórios: 
 
2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 16 de março de 2022 e foi automaticamente notificado à Requerida.
 
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, em 5 de maio de 2022, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 2 alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a Signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
 
4. Ainda em 5 de maio de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não  tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
 
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 24 de maio de 2022. 
6. Em 26 de maio de 2022, o Tribunal proferiu despacho nos termos do disposto no artigo 17.º n.ºs 1 e 2 do RJAT a ordenar a notificação do dirigente máximo da Administração Tributária para apresentar Resposta (no prazo de 30 dias) e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do mesmo prazo. 
 
7. Em 29 de junho de 2022, a Requerida veio aos autos juntar o processo administrativo e apresentar Resposta, na qual veio contrariar os vícios procedimentais alegados pela Requerente, sustentando a validade formal quer do procedimento de inspeção tributária, quer do Relatório de Inspeção Tributária (RIT). A Requerida defende ainda que a fundamentação do ato de liquidação “é clara, objetiva, suficiente e congruente tendo sido dado integral cumprimento ao disposto no artigo 77.º da LGT, bem como aos requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 36.º do CPPT”. No que respeita ao “alegado erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito e da “errada” interpretação e aplicação dos normativos constantes do CIS”, a Requerida defende que “Importa desde já salientar que se subscrevem todas as conclusões expressas no RIT, para cujo teor se remete e se dá para todos os efeitos como integralmente reproduzido. Cumprindo apenas salientar, no que se refere ao denominado pelas partes intervenientes de «acordo de suprimento», e conforme o já supra melhor referido, que o RIT esclarece que a estrutura societária da ora Requerente se caraterizava a 31 de dezembro de 2017 por ser detida em 94,60% pela sociedade C... SGPS, S.A., NIF..., e em 5,40% pela sociedade não residente E... Company. E que a D... SGPS, S.A., NIF..., participava de forma direta em 96% no capital social da B... HK, confirmando a Requerente que no ano de 2017 a B... HK era maioritariamente detida pela D... SGPS, sendo que a A..., S.A., era detentora de 2,00% de participação direta no capital social daquela sociedade. Entenderam os SIT que o contrato celebrado entre a A..., S.A., e a sociedade B... HK seria na realidade um contrato de financiamento sem prazo determinado, verdadeiro contrato de conta corrente, sujeito a Imposto do Selo, nos termos da Verba 17.1.4 da Tabela anexa ao Código do Imposto do Selo. Aliás, quanto a este ponto, esclarece-se no RIT que no ano de 2017 a contabilidade da A..., S.A., apresentava os seguintes movimentos (débito) na subconta “41426207059 B... HK” (vide quadro infra): 
 
E que as operações em análise têm subjacentes contratos celebrados nos anos de 2015, 2016 e 2017, denominados pelos intervenientes de contratos de suprimentos, em que, decorridos os prazos ali fixados, não foram restituídas as quantias mutuadas, de uma só vez ou em parcelas, neles não existindo a aposição de qualquer data para a cessação da sua vigência, nem existindo registos de qualquer interpelação para o cumprimento de um qualquer prazo. Pelo que, no caso dos autos, vieram os RIT entender que a referência a uma data antes da qual o crédito não poderá ser liquidado, não é indicativa do momento exato em que se verificará o termo da relação creditícia entre as entidades intervenientes, antes tem efeito meramente suspensivo do encerramento da conta e do termo do contrato que, na falta de convenção escrita, fica dependente da vontade das partes, não estando, por esse motivo, determinado, nem se afigurando ser determinável. Concluindo assim que resulta claro que a vontade das partes foi na verdade a de celebrarem um contrato sem prazo determinado ou determinável de UTILIZAÇÃO (que é o que o legislador relevou, expressamente, na verba 17.1 e 17.1.4 da TGIS), em que os intervenientes na operação apenas se obrigaram a entregar valores uma à outra, sem que na realidade haja datas e montantes pré-definidos, não restando outra conclusão que não seja aquela de qualificar os fluxos registados na subconta “41426207059 B... HK” como sendo uma conta corrente, subsumível à verba 17.1.4 da TGIS. Destaque-se que o intérprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substância económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efetivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a perceção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente”. “Pelo que, e conforme o demonstrado não padecendo a ação de inspeção, o RIT, nem tão pouco as correções que deste resultam, que de resto deram origem as liquidações objeto dos presentes autos de qualquer ilegalidade, deverá o PPA necessariamente improceder”. A Requerida sustenta ainda (i) que a Requerente foi notificada do ato de liquidação dentro do prazo legal, não se verificando assim a caducidade do direito à liquidação de juros compensatórios, (ii) que a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios e (iii) que deverá ser indeferido o pedido de inquirição de testemunhas. 
 
8. Em 6 de julho de 2022, o seguinte despacho arbitral foi proferido pelo Tribunal, e no mesmo dia foi notificado às partes:
“Por aplicação do princípio da celeridade processual, uma vez que não foram alegadas exceções na Resposta da AT, notifica-se a Requerente para:
(i) informar os autos se mantém interesse na inquirição das testemunhas arroladas no pedido de pronúncia arbitral; e, em caso afirmativo, 
(ii) indicar quais os factos que, em seu entender, deverão ser objeto desse meio de prova. 
Prazo: 10 dias.”
 
9. Em 14 de julho de 2022, a Requerente veio pedir que “seja aproveitada nos autos a prova, no que respeita ao depoimento da testemunha F..., produzida no âmbito da citada acção arbitral, caso em que a Requerente prescindirá da demais prova testemunhal requerida”. Em 15 de julho de 2022, a Requerida foi notificada para se pronunciar sobre o requerimento de aproveitamento de prova apresentado pela Requerente e, em 12 de setembro de 2022, a Requerida veio aos autos sustentar o alegado na sua Resposta, e informar os autos que não se opunha ao aproveitamento de prova requerido. 
 
10. Em 19 de setembro de 2022, foi proferido o seguinte despacho:
   
“1) Ao abrigo do disposto no artigo 19.º alíneas c), e) e f) do RJAT, e face à não oposição da Requerida, defere-se o pedido de aproveitamento da prova produzida no processo n.º 325/2019-T no que respeita ao depoimento da testemunha F..., e ordena-se que o CAAD proceda ao envio da gravação da prova testemunhal produzida no referido processo. 
   
2) Ao abrigo do disposto no art.º 16.º als. c) e e) do RJAT, e do disposto no art.º 29.º n.º 2 do RJAT (uma vez que não foi alegada matéria de exceção pela Requerida, e face ao teor do Requerimento apresentado pela Requerente no dia 14/julho/2022):
2.1) dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT; e
2.2) faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentar alegações escritas sucessivas — prazo de 10 dias.
   
A decisão final será proferida até ao termo do prazo fixado no art.º 21.º/1 do RJAT (até 24 de novembro de 2022 — 5ª feira) devendo a Requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.
   
Notifica-se ainda a Requerente e a Requerida para juntarem aos autos as peças processuais em formato word”.
 
11. Em 30 de setembro de 2022, a Requerente veio juntar aos autos as respetivas Alegações e, em 4 de outubro de 2022, a Requerente veio juntar o documento comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente. Subsequentemente, em 14 de outubro de 2022, a Requerida veio igualmente juntar aos autos as suas Alegações. 
 
II. SANEAMENTO
 
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portarias n.º 112 A/2011 de 22 de Março). 
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído. 
O processo não enferma de nulidades. 
Cumpre apreciar e decidir. 
 
 
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1 FACTOS PROVADOS
1. A B... HK, é uma sociedade sediada em Hong Kong, que se dedica à comercialização de artigos têxteis no mercado asiático;
2. A Requerente é uma sociedade comercial anónima constituída em 1990-11-01, com a sua sede no lugar de ..., ...-... ...; 
3. A Requerente encontra-se coletada para o exercício da atividade de Tecelagem de Fio do Tipo Algodão, a que corresponde o CAE 13201, enquadrado para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal de periodicidade mensal e para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no regime geral, tributado pelo Regime Especial dos Grupos de Sociedades; 
4. O capital social da Requerente, em 31 de dezembro de 2017, era detido em 94,60% pela sociedade C... SGPS, S.A., NIF ..., e em 5,40% pela sociedade não residente E... Company; 
5. A Requerente é tributada pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), sendo a sociedade dominante, no período abrangido pelo procedimento de inspeção, a C... SGPS, SA, com o NIF ...;
6. No período abrangido pelo procedimento de inspeção integravam o perímetro do Grupo G..., tributadas no âmbito da aplicação do RETGS, as sociedades constantes do quadro infra:
 
7. No ano de 2017, a B... HK era maioritariamente detida pela D... SGPS, sendo a Requerente A... detentora de 2,00% de participação direta no capital social daquela sociedade;
8. A A... e a B... HK mantinha relações comerciais muito próximas, sendo que a A... socorria-se da B... HK nas transações comerciais estabelecidas com o mercado asiático (China, Japão, Coreia e Austrália);
9. A A... tinha interesse estratégico em assegurar essa parceria comercial e a fonte produtora dos rendimentos que a B... HK lhe permitia realizar, na medida em que a B... HK constitui a plataforma comercial da Requerente nos mercados da China e de toda a região dela envolvente, plataforma essa cuja importância estratégica é fundamental para o êxito dos negócios da Requerente nesses mercados;
10. A administração da A..., decidiu realizar vários “investimentos” na atividade da B... HK, tanto mais que, pretendia no futuro converter o crédito em capital;
11. A A... em cumprimento da estratégia que gizou veio efetivamente a adquirir, nos idos de 2018, a B... HK (convertendo os créditos detidos em capital), assegurando dessa forma esse ativo financeiro;
12. Como bem refere a AT no RIT (pág. 22), a A... celebrou em 2017, mais concretamente em 04 de janeiro de 2017, um contrato de suprimento com a sociedade  B... HK, nos seguintes termos:
 
“CONTRATO DE SUPRIMENTO
PRIMEIROS OUTORGANTES:
Dr. F..., NIF..., casado, residente na ..., ..., ..., da cidade de Guimarães, e Eng. H..., NIF..., casado, residente no lugar ..., da freguesia de ..., do concelho de Santo Tirso, intervindo o primeiro na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, o segundo da qualidade de Administrador, e ambos em representação da sociedade anónima denominada A..., SA, NIPC..., com sede no lugar de..., da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Guimarães sob o mesmo número;
SEGUNDOS OUTORGANTES:
Dr. F..., casado, residente na ..., ..., da cidade de Guimarães e Dr. I..., residente na Rua ..., nº ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, intervindo ambos na qualidade de directores e em representação da sociedade denominada B... Limited, com sede em …, …, …, …, Hong Kong.
Declararam os primeiros outorgantes, na indicada qualidade:
Que a sua representada detém 2,00% de participação directa no capital social da representada dos segundos outorgantes;
Que, por solicitação da representada dos segundos outorgantes e para cobrir necessidades financeiras desta, a sua representada empresta a título de suprimento à representada dos segundos outorgantes, um montante não superior a EUR 300.000,00 (trezentos mil euros), em uma ou mais prestações, de acordo com a solicitação da representada dos segundos outorgantes;
O montante do suprimento não vence juros;
Decorrido um ano e um dia sobre a data da entrega de cada uma das prestações, fica a representada dos segundos outorgantes obrigada a restituir à representada dos primeiros a quantia emprestada, de uma só vez ou em parcelas, de harmonia com o que acordado ficar entre as representadas dos aqui outorgantes;
Declararam os segundos outorgantes, na indicada qualidade:
Que aceitam o presente contrato nos precisos termos exarados”; 
   
13. Analisado os termos do contrato celebrado entre as partes resulta à saciedade que estamos perante um empréstimo de um sócio (A...) à sociedade (B... HK) até ao limite máximo de EUR 300.000,00, com vista a “cobrir necessidades financeiras”;
14. A sociedade obrigou-se perante o sócio a proceder ao reembolso das quantias mutuadas no prazo de um ano e um dia a contar da entrega das quantias mutuadas;
15. Contrato esse gratuito, e que foi sujeito a forma escrita;
16. O contrato de suprimento celebrado entre as partes contém cláusula expressa quanto à data prevista para o seu reembolso – um ano e um dia a contar da entrega das quantias mutuadas;
17. Os empréstimos concedidos pela A... à B... HK foram lançados na conta 41;
18. A conta 4 é uma conta de Investimentos - 41 Investimentos financeiros:
19. A qual, compulsados os seus movimentos no ano de 2017, verificamos lançamentos (empréstimos), num valor total de 297.000,00€, ou seja, o que havia sido contratualizado entre sócia (A...) e sociedade (B... HK):
 
20. Tendo, nesta sequência, a Contabilista Certificada, em representação da A... alegado que “As administrações das duas sociedades não elaboraram qualquer acordo escrito para a restituição dos suprimentos, o que foi decidido foi converter os suprimentos em capital social (...)”;
21. Compulsada a ata da Reunião do Conselho de Administração da A..., com o n.º 352, de 28.12.2018 - para a qual a AT remete e faz referência, mas em momento algum juntou aos autos -, foi deliberado, por unanimidade, tal como alega a AT no seu RIT: 
(i) adquirir a participação de 96% do capital da B... LIMITED, à sociedade D... SGPS, S.A., bem como o valor do crédito que a D... SGPS, S.A. detém sobre a B... LIMITED, no valor de 543.658,81 euros;
(ii) subscrever e realizar um aumento de capital da B... LIMITED através da conversão em capital social dos créditos que a A... passaria a deter sobre a B... LIMITED, no valor global de 2.155.565,72 euros. (Ata da Reunião do Conselho de Administração da A..., com o n.º 352, de 28.12.2018);
22. O que foi devidamente evidenciado contabilisticamente:
 
23. A Contabilista Certificado explicou em sede de inspeção, o acordo VERBAL que havia sido celebrado entre as partes quanto ao destino dos suprimentos – a sua conversão em capital social da sociedade  B... HK;
24. O que veio, efetivamente, a suceder em 2018; 
25. A Requerente foi objeto de uma inspeção tributária externa, com a ordem de serviço n.º OI2019..., que incidiu sobre o exercício de 2017;
26. Quanto à ação inspetiva propriamente dita refira-se que por carta-aviso datada de 2021-04-26, foi levado ao conhecimento da Requerente que iria ser objeto de uma ação de inspeção parcial externa em sede de IRC;
27. O procedimento de inspeção indicado no artigo anterior iniciou-se no dia 2021 06 25, concretizado com a assinatura da Ordem de Serviço pelos responsáveis da aqui Requerente, a contabilista J..., o presidente do conselho de administração K..., o administrador L... e o administrador H...;
28. A identificada ação inspetiva teve como objetivo a verificação do cumprimento das correspondentes obrigações tributárias do sujeito passivo;
29. Tendo como âmbito e incidência temporal, inicialmente, o controlo declarativo, tendo o procedimento âmbito parcial e sendo o mesmo incidente sobre de IRC;
30. Contudo, da análise à contabilidade e documentos de suporte verificou-se que, além das correções de IRC se impunham correções em sede de IS, tendo sido elaborada proposta para alteração do âmbito do procedimento de inspeção, que foi superiormente objeto de Despacho favorável;
31. Assim, consta do PA o Despacho fundamentado da alteração de âmbito, para parcial IRC e IS, do Chefe da Divisão II da Área da Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, datada de 2021-07-29;
32. Neste seguimento, por ofício datado de 03-08-2021, foi a Requerente notificada, na pessoa do seu legal representante, da alteração do âmbito da Ordem de Serviço;
33. Os atos de inspeção foram concluídos em 2021-10-11, com o envio da Nota de Diligência por correio registado, em conformidade com o vertido no art.º 61.º do RCPITA, e o procedimento inspetivo foi terminado com o envio do Relatório de Inspeção Tributária, por via do ofício datado de 13-10-2021;
34. Os atos supra identificados foram todos notificados aos representantes da Requerente, não tendo esta nunca posto em causa a existência das referidas notificações;
35. Atente-se, pela sua relevância, que nas mesmas datas em que ocorreram as notificações referentes ao início da ação inspetiva já supra melhor identificada, e do seu respetivo alargamento, foi a Requerente igualmente notificada para apresentação de elementos e prestação de esclarecimentos;
36. Notificação relativamente à qual a Requerente não se opôs, dando-lhe cumprimento, disponibilizando à Inspeção Tributária os elementos e esclarecimentos solicitados, os quais se encontram apensos aos Relatório Inspetivo;
37. As correções efetuadas tiveram por fundamento as conclusões resultantes da análise dos elementos então disponibilizados pela Requerente aos Serviços Inspetivos, bem assim, os esclarecimentos por si prestados no decurso do procedimento de inspeção; 
38. Concluídos os atos inspetivos, foi elaborado o projeto de Relatório Inspetivo o qual foi devidamente notificado à Requerente por via do ofício n.º..., de 2021 05 20, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias para o exercício do direito de audição, não tendo a Requerente exercido o direito de participação na formação da decisão que a lei lhe confere, foi o projeto convolado em definitivo e igualmente devidamente notificado à Requerente;
39. Pelo que, no âmbito da inspeção tributária externa com a ordem de serviço n.º OI2019..., os Serviços de Inspeção Tributária (doravante, SIT) vieram a concluir pelo apuramento do imposto em falta, a título de imposto do selo, no montante que ascendia a € 5.671,64, conforme mapa demonstrativo dos cálculos que se resume no quadro seguinte:
 
40. Transferências estas que, embora subjacentes a contratos de suprimentos celebradas nos anos de 2015, 2016 e 2017, entre as sociedades A... e B... Limited, foram consideradas pelo SIT como créditos utilizados sob a forma de conta-corrente, pelos fundamentos expostos no Relatório de Inspeção Tributária que foi junto pela Requerente e com o processo administrativo, os quais se dão por integralmente reproduzidos;
41. O Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 6 615,93, foi pago pela Requerente em 17/dezembro/2021, sendo o ato de liquidação deste imposto o objeto do presente PPA. 
   
   
III.2 FACTOS NÃO PROVADOS 
   
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.
   
   
III.3 FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
   
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 
     
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 
     
Os factos foram dados como provados com base (i) nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles, e (ii) no depoimento prestado pela testemunha E... que prestou depoimento no processo n.º 325/2019-T (prova aproveitada nos presentes autos).
 
IV. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
 
Conforme está assente, “De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribuna de Justiça, não é, porém, necessário que o tribunal tome posição sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas que conheça todas as questões relevantes para a decisão de direito ”. “Assim, apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia. Obviamente, sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal”  .
 
O artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, nos termos do artigo 29.º n.º 1 al. (c) do RJAT. “As regras estabelecidas no art. 124.º do CPPT implicam o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, nos termos da qual, julgado procedente um vício que obste à renovação do acto impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados”  . 
 
No caso concreto, a Requerente alega vícios formais e procedimentais, mas alega também vício de violação de lei substantiva — a qualificação do contrato celebrado pela Requerente como contrato de suprimento (a Requerida qualifica o mesmo contrato como conta corrente, e enquadra o mesmo na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo: “Crédito utilizado sob a forma de conta-corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30”). Assim, justifica se que o Tribunal comece por apreciar este vício de violação de lei substantiva, uma vez que a eventual procedência do PPA com fundamento neste vício determina a mais estável e eficaz tutela do direito da Requerente. 
 
Em suma, conforme resulta provado nos autos, a Requerente — detentora de 2% do capital social da B... HK — celebrou em 4 de janeiro de 2017 um contrato que qualificou como Contrato de Suprimento, através do qual “emprestou [à sua participada B... HK] a título de suprimentos”: (i) um montante não superior a EUR 300 000 (trezentos mil euros), entregue “em uma ou mais prestações, de acordo com a solicitação” da sua participada, (ii) “para cobrir necessidades financeiras” da mesma. 
 
Está ainda demonstrado nos autos que (a) o empréstimo não vence juros (cláusula 2), (b) “Decorrido um ano e um dia sobre a data da entrega de cada uma das prestações, fica a representada dos segundos outorgantes obrigada a restituir à representada dos primeiros a quantia emprestada, de uma só vez ou em parcelas, de harmonia com o que acordado ficar entre as representadas dos aqui outorgantes”, e (c) decorrido o período de um ano e um dia não foi feita qualquer restituição (não tendo a Requerente interpelado B... nesse sentido). 
 
Entende a Requerida que este “Contrato de suprimento” (doravante, Contrato) constitui na realidade um contrato de financiamento sem prazo determinado, verdadeiro contrato de conta corrente, uma vez que (i) os movimentos registados na contabilidade da Requerente apresentavam movimentos (débitos) na subconta “41426207059 B...”, (ii) as operações em análise têm subjacentes contratos celebrados nos anos de 2015, 2016 e 2017, denominados pelos intervenientes de contratos de suprimentos, em que, decorridos os prazos ali fixados, não foram restituídas as quantias mutuadas, de uma só vez ou em parcelas, neles não existindo a aposição de qualquer data para a cessação da sua vigência, nem existindo registos de qualquer interpelação para o cumprimento de um qualquer prazo. Pelo que, no caso dos autos, vieram os RIT entender que a referência a uma data antes da qual o crédito não poderá ser liquidado, não é indicativa do momento exato em que se verificará o termo da relação creditícia entre as entidades intervenientes, antes tem efeito meramente suspensivo do encerramento da conta e do termo do contrato que, na falta de convenção escrita, fica dependente da vontade das partes, não estando, por esse motivo, determinado, nem se afigurando ser determinável. Concluindo assim que resulta claro que a vontade das partes foi na verdade a de celebrarem um contrato sem prazo determinado ou determinável de UTILIZAÇÃO (que é o que o legislador relevou, expressamente, na verba 17.1 e 17.1.4 da TGIS), em que os intervenientes na operação apenas se obrigaram a entregar valores uma à outra, sem que na realidade haja datas e montantes pré-definidos, não restando outra conclusão que não seja aquela de qualificar os fluxos registados na subconta “41426207059 B...” como sendo uma conta corrente, subsumível à verba 17.1.4 da TGIS”.
 
Ora, aplicando o disposto no artigo 11.º n.º 2 da LGT, que nos diz “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”, vamos começar por analisar, o que é uma conta corrente e em que medida o Contrato em causa nos autos pode ser considerado como tal. 
 
O contrato “conta corrente” está regulado nos artigos 344.º e ss. do Código Comercial (CC), que prevê: “Dá-se contrato de conta corrente todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma à outra, se obrigam a transformar os seus créditos em artigos de «deve» e «há-de haver», de sorte que só o saldo final resultante de sua liquidação seja exigível.”
 “I – Designa-se por “conta corrente” o contrato pelo qual as partes se obrigam a lançar a crédito e a débito os valores que entregam reciprocamente no âmbito de uma relação de negócios, exigindo apenas o respectivo saldo final apurado na data do seu encerramento (artº 344 do Código Comercial).
II - Relativamente à sua natureza, importa notar que se está perante um verdadeiro negócio jurídico: apesar da identidade terminológica, ao contrário da conta-corrente contabilística - que consiste simplesmente num sistema especial diagráfico de escrituração em colunas de crédito e débito - a conta corrente regulada no Código Comercial pressupõe um acordo das partes destinado a produzir efeitos jurídicos próprios que transcendem a mera representação contabilística.
III - O funcionamento do contrato de conta-corrente impõe, por outro lado, que se distinga o encerramento ou fecho da conta e o termo do contrato. O encerramento ou fecho da conta é o facto e o efeito de actuar a compensação acordada, com vencimento do saldo, desaparecendo os créditos e débitos recíprocos, até ao limite da sua concorrência, com o apuramento de um - eventual - saldo, que se torna exigível.
IV - Com o encerramento e liquidação da conta fixam-se as relações entre as partes e determinam-se, caso exista um saldo, as pessoas do devedor e do credor (artºs 348 e 350 do Código Comercial).
V - O termo do contrato põe fim ao próprio relacionamento negocial das partes em termos de conta corrente e implica, necessariamente, o encerramento e liquidação da conta (artº 349 do Código Comercial).
VI - Entre os efeitos do contrato avultam a compensação recíproca entre os contraentes, até à concorrência dos respectivos créditos e débitos, no termo do encerramento da conta-corrente e a exigibilidade meramente terminal do seu saldo, de tal modo que, durante a sua vigência, nenhuma das partes possa ser havida como credora ou devedora: só com o encerramento da conta-corrente e o apuramento do respectivo saldo se fixa definitivamente a posição jurídica das partes (artº 346, nºs 3 e 4 do Código Comercial).
VII - Todavia, o contrato produz ainda outros efeitos relevantes. Desde logo, a transferência dos créditos inscritos em conta-corrente – sujeita todavia, no caso de títulos de crédito, à cláusula de boa cobrança – depois, o efeito novativo das obrigações de onde emergem esses créditos e, enfim, o vencimento de juros das quantias creditadas em conta-corrente, desde o dia do efectivo recebimento (artº 346 nºs 1, 2 e 5 e § único).
VIII - Não existindo contrato de conta-corrente, mas tão-somente conta-corrente contabilística, o seu fecho não tem a virtualidade de fixar ne varietur o estado das relações jurídicas entre as partes e de operar a compensação - e o consequente efeito extintivo - dos créditos e débitos recíprocos nem de tornar exigível o saldo correspondente.”  .
 
Constitui efeito do contrato de conta corrente “A compensação recíproca entre os contraentes até à concorrência dos respetivos crédito e débito ao termo do encerramento da conta corrente”, sendo que “O encerramento da conta corrente e a consequente liquidação do saldo haverão lugar no fim do prazo fixado pelo contrato, e na sua falta, no fim do ano civil” (artigo 346.º 3.º e artigo 348.º do CC). O artigo 346.º do CC determina que o vencimento de juros constitui um dos efeitos do contrato de conta corrente, podendo ainda este contrato comportar o direito do Mutuário a uma remuneração, e ao reembolso de despesas de negociação (artigo 347.º do CC), o que determina que o contrato de conta corrente é um contrato oneroso por natureza. 
 
Assim, temos de concluir que o facto de (i) decorrido o prazo estabelecido no Contrato não terem sido restituídas as quantias mutuadas; (ii) ter sido acordado o não pagamento de juros, e (iii) não existir registo de qualquer interpelação; não determina, como pretende a Requerida, o enquadramento do Contrato como contrato de conta corrente. Tal factualidade determina sim, o enquadramento do Contrato na noção de contrato de suprimento previsto no artigo 243.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais (CSC). De notar que, a estipulação do prazo de um ano e um dia, bem como a não utilização da faculdade de exigir o reembolso do empréstimo, constituem um índice do caráter de permanência deste Contrato, satisfazendo os principais pressupostos que definem o contrato de suprimento (artigo 243.º n.º 3 CSC).
Conforme refere a Requerente, os contratos de suprimento assumem características específicas, designadamente no que respeita ao regime de reembolso: 
(i) “os credores por suprimentos não podem requerer, por esses créditos, a falência da sociedade”, 
(ii) “Decretada a falência ou dissolvida por qualquer causa a sociedade: a) Os suprimentos só podem ser reembolsados aos seus credores depois de inteiramente satisfeitas as dívidas daquela para com terceiros; b) Não é admissível compensação de créditos da sociedade com créditos de suprimentos”, 
(iii) “O reembolso de suprimentos efetuado no ano anterior à sentença declaratória da falência é resolúvel nos termos dos artigos 1200.º, 1203.º e 1204.º do Código de Processo Civil” e 
(iv) “São nulas as garantias reais prestadas pela sociedade relativas a obrigações de reembolso de suprimentos e extinguem-se as de outras obrigações, quando estas ficarem sujeitas ao regime de suprimentos”.
 
Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/28/2011, proferido no processo nº 3705/09.7TBMTS.P1:
   
“1 – No contrato de suprimento a permanência (critério da) é, um elemento objetivo muito relevante, assente no tempo de duração dos créditos e indicador de que a entrega do sócio, que passou para a disponibilidade da sociedade, não foi feita de forma transitória, antes preenche as finalidades próprias de uma entrada de capital.
2 - Mas como, ainda assim, a permanência continua a ser um critério algo indeterminado, o legislador criou “índices de permanência”, isto é, presunções (ilidíveis) da existência de um contrato de suprimento, como a duração efetiva e o prazo estipulado.
3 - Perante o silêncio qualificador das partes, um contrato de suprimento indicia-se, por isso, se (a) foi estipulado um prazo de reembolso superior a um ano, (b) se, não tendo sido estipulado prazo, o reembolso não foi exigido durante um ano ou (c) se as partes estipularam um prazo de reembolso inferior a um ano, mas o reembolso, durante um ano, não veio a ser exigido – artigo 243.º, n.º 2 e n.º 3 do CSC”  . 
 
No caso concreto, o caráter de permanência fica demonstrado pelo facto de as partes terem estipulado um prazo de reembolso superior a um ano (“Decorrido um ano e um dia sobre a data da entrega de cada uma das prestações, fica a representada dos segundos outorgantes obrigada a restituir à representada dos primeiros a quantia emprestada, de uma só vez ou em parcelas, de harmonia com o que acordado ficar entre as representadas dos aqui outorgantes), e pelo facto de o reembolso não ter sido exigido durante um período superior a um ano. Na  verdade, o suprimento foi convertido em capital, o que é demonstrativo da intenção da Requerente “de que a entrega do sócio, que passou para a disponibilidade da sociedade, não foi feita de forma transitória, antes preenche as finalidades próprias de uma entrada de capital” — o depoimento da testemunha arrolada é demonstrativo da intenção da Requerente de investir no mercado desenvolvido pela B... .
 
O exposto é assim suficiente para julgar totalmente procedente o presente PPA, ficando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Requerente (todas elas questões formais relacionadas com a validade do procedimento inspetivo), e consequentemente determinar a anulação do ato impugnado, por ser manifestamente ilegal, devendo ser restituído à Requerente o Imposto do Selo pago indevidamente, ficando assim assegurado de forma estável e eficaz a tutela dos interesses da Requerente. 
 
No que respeita à condenação da Requerida ao pagamento dos juros indemnizatórios, “1. Nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética. 
2. A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr.artº.100, da L.G.Tributária; artº.61, nº.3, do C.P.P. Tributário).
3. Os juros indemnizatórios correspondem à concretização de um direito de indemnização que tem raiz constitucional. Com efeito, no artº.22, da C.R.Portuguesa, estabelece-se que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
4. As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros indemnizatórios derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. O juro consiste no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro. Especificamente, os juros indemnizatórios remuneram essa disponibilização a favor do credor tributário, em razão de uma acção inadequada e imputável à Fazenda Pública (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil). 
5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado, constituindo a contra face dos juros compensatórios a favor da Administração Fiscal e sendo tal matéria regulada pela lei em vigor à data do facto gerador da responsabilidade (cfr.artº.12, do C.Civil). Assim, a natureza dos juros indemnizatórios é substancialmente idêntica à dos juros compensatórios, sendo, como estes, uma indemnização atribuída com base em responsabilidade civil extracontratual. Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr.artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.). 
6. Os requisitos do direito a juros indemnizatórios previsto no artº.43, nº.1, da L.G.Tributária, são os seguintes:
a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) Que o erro seja imputável aos serviços;
c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
6. No âmbito do direito tributário, a interpretação de distinguir "erro" de "vício", como defende a doutrina e jurisprudência dominantes, e só relevar aquele, para efeitos de exame do direito a juros indemnizatórios, não é a que melhor garante a aplicação da teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário (cfr.artº.100, da L.G.T.). É que tal distinção pode conduzir a um tratamento diferenciado dos contribuintes, de forma injustificada. 
7. Cremos que a interpretação da expressão "erro imputável aos serviços" que melhor se estriba na letra da lei, considerando que a L.G.T. e o C.P.P.T. não distinguem os conceitos de "erro" e de "vício", deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" fundante da anulação, total ou parcial, do acto tributário. Nesse sentido vai, de resto, o estipulado no artº.100, da L.G.T., norma que deve ser concatenada com a do artº.43, nº.1, do mesmo diploma, a qual consagra, na lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação actual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um acto tributário, na mesma utilizando o legislador a expressão "ilegalidade" como fundamento da dita reconstituição. Ora, a expressão "ilegalidade" aqui utilizada comporta, também, a violação de normas de procedimento que, embora não contendam com a própria definição da relação jurídica tributária substantiva, viciam o acto de liquidação. Tal expressão, a "ilegalidade", é igualmente utilizada pelo legislador, e com a mesma amplitude, no corpo do artº.99, do C.P.P.T., quando define os fundamentos do processo de impugnação, espécie processual por excelência do contencioso tributário”  . 
 
In casu, estão verificados os pressupostos da condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios: 
 
(a) há um erro (de direito) no ato impugnado; 
(b) o erro é imputável aos serviços da Requerida (que emitiram o referido ato de liquidação na sequência de um procedimento de inspeção); 
(c) a existência desse erro está determinada nos presentes autos; e 
(d) desse erro resultou o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 
 
Nos termos do artigo 24.º n.º 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43º n.º 1 da LGT e 61º n.º 5 do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do imposto, até à data da efetiva restituição. 
 
Assim, com os fundamentos expostos, a Requerida é condenada ao pagamento de juros indemnizatórios (à taxa legal (4%), nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril) desde a data do pagamento indevido da liquidação de Imposto do Selo impugnada, até à data da efetiva restituição. 
V. DECISÃO
 
Termos em que, decide este Tribunal:
a) Julgar procedente o presente PPA sendo, por conseguinte, anulado o ato impugnado, e a Requerida condenada a restituir à Requerente o Imposto do Selo pago indevidamente;
b) Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data da efetiva restituição; e
c) Condenar a Requerida ao pagamento das custas do processo.
 
VI.     VALOR DO PROCESSO
 
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 6 615,93.
    
VII. CUSTAS
   
O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 612,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).
   
Notifique-se. 
Lisboa, 17 de novembro de 2022. 
 
 
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso 
(Árbitro Singular)