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SUMÁRIO:
A consideração como gasto, nos termos do artº. 23º do CIRC, de uma variação patrimonial negativa resultante da responsabilidade da sociedade dominante pelo pagamento de uma dívida de uma anterior sociedade dominada, por força do disposto no artº. 501º. do CSC, deve ser aferida no momento do reconhecimento do gasto e não em momento anterior e cujo interesse próprio a sociedade que o suportou tem manifestamente que provar.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros, Professor Doutor Rui Duarte Morais (Árbitro Presidente), Drª. Marisa Almeida Araújo e Dr. Jorge Carita, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
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Em 16 de fevereiro de 2022, A... – SGPS, SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua de ..., ...-... ... ..., doravante também designada por “Requerente” ou “A...”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. nº. 3, alínea a), 6º. nº. 2, alínea a), e 2 do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.ºs 2021..., de 13 de janeiro de 2021, no montante de € 751.411,13, referente ao período de tributação de 2017, e 2022..., de 19 de janeiro de 2022, no montante de € 869.383,22, referente ao período de tributação de 2018, e correspetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021..., 2021..., 2022... e 2022... .
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Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado, não tendo as partes, no prazo que lhes foi concedido para o efeito, manifestado oposição a tal designação.
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O presente Tribunal foi constituído, no dia 20 de maio de 2022, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral coletivo que se encontra junta aos presentes autos.
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A Requerida ofereceu a sua Resposta no dia 27 de junho de 2022, tendo levantado uma questão prévia e defendendo-se por impugnação. Foi igualmente junto o respetivo processo administrativo.
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Por Despacho de 5/07/2022 o Tribunal dispensou, por falta de objeto, a reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT.
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Simultaneamente, não tendo sido requeridas diligências probatórias, foram as partes notificadas para, em 20 dias, querendo, apresentarem alegações ("simultâneas") relativas à matéria de facto e às questões de direito.
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Pelo mesmo despacho, a Requerente foi ainda notificada para, em 30 dias, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, do que deverá dar conhecimento ao CAAD, após o que será proferida decisão arbitral.
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A Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações escritas em 3 de outubro de 2022.
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O Tribunal determinou, por Despacho de 07/11/2022, nos termos do disposto no art.º 21º., nº. 2 do RJAT a prorrogação do prazo por dois meses.
II. Argumentação da Requerente
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A Requerente pretende que o Tribunal proceda à apreciação da legalidade dos seguintes atos tributários:
i). Liquidação adicional de IRC n.º 2021..., de 13 de janeiro de 2021, no montante de € 751.411,13, referente ao período de tributação de 2017, e correspetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2021..., no montante de € 16.762,08, e 2021..., no montante de € 62.062,25, de cuja demonstração de acerto de contas resultou o montante total a pagar de €1.022.884,07;
ii). Liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 19 de janeiro de 2022, no montante de € 869.383,22, referente ao período de tributação de 2018, e correspetivas liquidações de juros compensatórios n.ºs 2022..., no montante de € 16.222,45, e 2022..., no montante de € 72.152,34, de cuja demonstração de acerto de contas resultou o montante total a pagar de € 1.212.679,67.
A). Da Inequívoca Dedutibilidade da Variação Patrimonial Negativa em Referência nos termos do Artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
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A Requerente contesta as liquidações efetuadas pela AT - a qual defende a insusceptibilidade de dedução da variação patrimonial negativa em referência pela falta de preenchimento dos requisitos estabelecidos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC e, bem assim, pela violação do princípio da especialização dos exercícios, estabelecido no artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC - por entender que tal variação patrimonial negativa é perfeitamente dedutível nos termos das citadas disposições legais (vd. art.º 23º., nº. 1 do CIRC).
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A Requerente não concorda com o entendimento da AT, a qual defende que a celebração do acordo extrajudicial e consequente assunção da obrigação de pagamento do montante de € 15.000.000 ao C... não consubstancia uma atividade de gestão da Requerente, assumindo-se antes como um gasto realizado no interesse de terceiro, insuscetível por isso de subsumir-se no escopo da atividade da Requerente e, consequentemente, de preencher os pressupostos ínsitos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC – cfr. documentos n.ºs 3 e 13.
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Efetivamente, a Requerente defende não existirem dúvidas no enquadramento da VPN no disposto no nº. 1 do art.º 23º. do CIRC, por entender que esta disposição legal “… impõe a aceitação fiscal de todos os gastos incorridos no âmbito e por força da atividade empresarial dos sujeitos passivos, quer sejam diretamente geradores de lucro para a sociedade – tendo sido realizados para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC – quer contribuam para a atividade empresarial prosseguida pelo sujeito passivo – permitindo garantir a futura perceção de rendimentos sujeitos a IRC.”, recorrendo para defesa da sua posição a vasta doutrina expendida sobre esta matéria, e
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Concluindo do seguinte modo: “… de acordo com o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, serão dedutíveis todos os gastos que se justifiquem por motivos empresariais, relacionando-se com a atividade social da empresa, não havendo lugar a qualquer juízo de mérito, designadamente sobre a respetiva pertinência ou razoabilidade.”
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E, mais à frente, “…sendo a Requerente responsável, direta e objetivamente, pelo pagamento da totalidade da dívida decorrente do incumprimento do contrato de swap pela B..., não poderá senão concluir-se que o pagamento ao C... do montante de EUR 15.000.000, visando desonerá-la do pagamento de um montante superior cujo posterior ressarcimento era meramente eventual, foi efetuado no interesse da Requerente.”
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A Requerente defende a “…existência de um interesse próprio da Requerente no pagamento do montante em referência ao C... para cessação definitiva de todos os litígios pendentes entre as partes, o que justifica inquestionavelmente a classificação deste gasto como dedutível para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.”
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Termina afirmando que “….não pode senão concluir-se pelo inequívoco preenchimento de todos os pressupostos de que depende a dedutibilidade fiscal desta variação patrimonial negativa, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo por isso manifestamente inadmissível a correção operada pela Autoridade Tributária e os atos tributários e em matéria tributária subsequentemente emitidos e contestados nestes autos.”
B). Da Correta Imputação deste Gasto ao Exercício de 2017 e da Impossibilidade de Recusa de Dedução com Fundamento na Suposta Violação do Princípio da Especialização de Exercícios Estabelecidos no Artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, do CIRC.
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A Requerente entende que, para além do gasto em questão dever ser considerado como dedutível para efeitos fiscais, nos termos do disposto no art.º 23º. do CIRC, tal variação patrimonial negativa teria que relevar para o apuramento do lucro tributável de 2017. Isto apesar da B... já não ser detida pela Requente, argumento esse utilizado pela AT para excluir a dedutibilidade do gasto nesse exercício, por via da suposta violação do disposto nº. art.º 18º. do CIRC e consequente violação do princípio da especialização dos exercícios.
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A Requerente não compreende a posição da AT porquanto, apesar de já não ser detentora do capital social da B..., cumpriu com o princípio da especialização dos exercícios ao ter relevado o gasto precisamente no exercício em que o suportou.
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A Requerente entende não ser verdadeiro que ela “…já tivesse conhecimento deste gasto em exercícios anteriores a 2017, não estando, designadamente, preenchidos os pressupostos para constituição de uma provisão no exercício de 2016, motivo pelo qual não tem fundamento a invocação do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do CIRC.”
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Concluindo sobre esta matéria: “… a Requerente não reunia os pressupostos, de um ponto de vista contabilístico, para o registo de uma provisão no exercício de 2016 – a qual, nos termos do disposto no artigo 39.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, sempre seria aceite para efeitos fiscais –, mas reunia sim, em 2017, os pressupostos para proceder ao registo da variação patrimonial negativa nos seus capitais próprios, registando a débito, na conta 56 – Resultados Transitados –, o montante do exfluxo de EUR 15.000.000,00, efetivamente pago ao C... como forma de terminar os litígios pendentes entre este e a Requerente.”
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E ainda que “…é manifesto que a relevação da variação patrimonial negativa em referência no exercício de 2017 cumpriu escrupulosamente o princípio da especialização de exercícios estabelecido no artigo 18.º, n.º 1, do CIRC, pelo que a atuação da Requerente não merece, também neste âmbito, qualquer censura.“
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A Requerente entende igualmente ser ilegal a liquidação dos juros compensatórios e termina pedindo a restituição dos custos suportados com a constituição e manutenção de garantia bancária para suspensão do processo executivo.
III. Argumentação da Requerida
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A entidade Requerida começa, na sua Resposta, por levantar a questão que resulta do facto de que a Requerente “não se conforma com nenhum dos atos tributários supra indicados, nem tão-pouco com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., na parte em que refletem a desconsideração, como gasto do exercício de 2017, do montante de EUR 15.000.000 pago pela Requerente ao C... na sequência do acordo de transação extrajudicial celebrado, motivo pelo qual apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral.”, mas vir peticionar ao Tribunal “a anulação dos referidos atos tributários e em matéria tributária nos termos acima expostos.”
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No seu entender, atendendo a que a Requerente não colocou em causa a totalidade das correções efetuadas pela AT, não pode o Tribunal determinar uma anulação total das liquidações em causa e dos respetivos juros compensatórios, mas apenas a sua anulação apenas parcial.
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Já por impugnação, a Requerida começa por salientar que as liquidações em causa estão devidamente fundamentadas de facto e de direito no RIT, bem como nas Informações que sustentam a decisão proferida no contexto do procedimento de Reclamação Graciosa.
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A Requerida entende que os gastos “…, no montante de €15.000.000,00 considerados pela Requerente como variação patrimonial negativa, os termos do artigo 24.º do CIRC, que não cumprem os requisitos de dedutibilidade estabelecidos no artigo 23.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.”
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A posição da AT está fundamentada no RIT nos seguintes termos: «O sujeito passivo deduziu no Qd. 07 a título de variação patrimonial negativa, o montante de € 15.000.000,00 relativo a um pagamento efetuado ao Banco C... (C...) no âmbito de um acordo de transação extrajudicial o qual teve o objetivo de pôr termo a um conjunto de litígios existentes entre as duas entidades e no qual se incluí a rescisão de um contrato swap de cobertura de taxa de juro. Tal gasto não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável, não sendo compatível com os princípios gerais do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), uma vez que o mesmo foi assumido pela A..., substituindo-se à sua participada quando já não era passível obter junto desta um direito de regresso sobre o mesmo, pelo facto da participação já ter sido alienada e não ter sido acautelado esse ónus aquando da sua venda (ver ponto 111.1 deste relatório)».
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Reportando-se aos factos relevantes, a Requerida salienta que: “Em 11 de maio de 2007 e tendo em vista salvaguardar uma eventual subida da taxa de juro suportada no financiamento bancário, a B... celebrou com o C... um contrato swap de cobertura de taxa de juro cujo montante nominal ascendia a €10.000.000,00 e com data de vencimento em 11 de maio de 2017 (cfr. pág. 10 do RIT individual e contrato junto ao RIT como Anexo 2).”, para de seguida constar que:
“Em 02 de agosto de 2012 este contrato swap de cobertura de taxa de juro foi cancelado tendo sido realizado na mesma data outro contrato de swap de cobertura de taxa de juro para o mesmo montante nominal e com data de vencimento em 11 de maio de 2022 (cfr. contrato junto ao RIT como Anexo 2)”, para de seguida constatar que“…., conforme descrito na pág. 12 do RIT, relativamente à contabilização do contrato swap de cobertura de taxa de juro pela B..., esta sociedade não seguiu as instruções previstas na NCRF 27, pois embora viesse a cumprir o estipulado no contrato, reconhecendo como gastos (conta 6918000100 “gastos e perdas de financiamento – outros juros”) valores muito elevados de perdas (em 2015, ascenderam a cerca de 1,5 milhões de euros), não efetuava o reconhecimento das alterações do justo valor do instrumento derivado no balanço.”, para referir, de seguida, que não foi junta aos autos prova de que:“…em maio 2014 moveu, em conjunto com a B..., dois processos judiciais contra o C..., no âmbito dos quais peticionaram a declaração de nulidade dos contratos de swap de cobertura de taxa de juro, os quais alegadamente correram termos sob os n.ºs .../14...TVLSB e .../14...TVLSB junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.”
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A Requerida continua a sua análise referindo que:
“a). O valor dos financiamentos obtidos rondava em 2014 os 11 milhões de Euros (Vd. IES de 2014);
b). Em 2015 não consta qualquer valor referente a financiamentos obtidos, “…que tinham sido objeto de cobertura pelo contrato de swap de cobertura de taxa de juro, contrato que ainda se encontrava em vigor em 31-12-2015, concluindo o RIT, na pág. 20, “que estes passivos financeiros foram desconhecidos”,
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Realidade esta que leva desde logo a AT a questionar a razoabilidade e a necessidade económica e comercial da manutenção do referido contrato de swap de cobertura de taxa de juro e dos respetivos encargos financeiros suportados, salientando especificamente que nunca a Requerente respondeu a dias perguntas então formuladas. A saber:
“i). Qual foi o motivo para continuar com o contrato de swap de cobertura?
ii). Porque não foi o mesmo objeto de rescisão antes de atingir o montante das responsabilidades referidas e antes mesmo dessa participação ter sido alienada?».
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A Requerida refere algumas das vicissitudes porque passou a empresa agora denominada B..., que culmina com a venda pela A... da participação que aí possuía, pelo valor de € 1,00 e em resultado da qual a Requerente apurou uma menos valia de € 11.725.000,00 (que concorreu para o apuramento do lucro tributável, nos termos do regime previsto no art.º 51º. do CIRC).
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A Requerida refere de seguida que: “Em 11 de fevereiro de 2016, venceu-se uma prestação do contrato de swap de cobertura de taxa de juro, no montante de € 575.969,584, que não foi paga pela B..., nem pelos novos acionistas da empresa.”, tendo com esse facto o C... comunicado a tal empresa o vencimento total da dívida (€ 56.592.068,85), a qual veio a ser declarada insolvente em 27 de julho de 2017.
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“Em 22 de maio de 2018, a B... cessou a sua atividade em sede de IRC e IVA acordo com o estipulado no n.º 3 do art.º 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).”
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“Em outubro de 2017, foi celebrado um Acordo de Transação Extrajudicial entre a A..., a B... e o C..., nos termos do qual a A... assume o pagamento do montante de € 15.000.000,00 ao C....”
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“O montante de € 15.000.000,00 foi pago pela A... ao C... em 27 de dezembro de 2017 (cfr. pág. 4 do Anexo 1 ao RIT individual), tendo sido relevado contabilisticamente, a débito, na conta 56 – “Resultados transitados”, afetando negativamente os capitais próprios da A..., em contrapartida da saída de depósitos à ordem (crédito da conta 12).”
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“A contabilização da operação, que se reporta a um acordo que visou a resolução dos litígios judicias interpostos pelo C... contra a sociedade B..., decorrentes do incumprimento contratual desta, e tendo a Requerente assumido o dispêndio por conta da B..., não tem enquadramento naquela conta 56, pois conforme refere a nota explicativa desta conta do SNC, “… excecionalmente, esta conta também poderá registar regularizações não frequentes e de grande significado que afetam positiva ou negativamente os capitais próprios, mas não o resultado do período, nomeadamente as provenientes de alterações nas políticas contabilísticas e erros, nas condições previstas na NCRF 2 - Políticas Contabilísticas, Alterações em Estimativas Contabilísticas e Erros (...)”, o que não corresponde ao sucedido no caso em apreço (cfr. pág. 13 e 14 do RIT).”
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”Fiscalmente, a Requerente inscreveu no campo 704 – variações patrimoniais negativas - da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2017, o montante de € 15.000.000,00, afetando negativamente o resultado tributável declarado individualmente pela A... e, consequentemente, o resultado fiscal do Grupo de sociedades.”
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Sobre esta realidade fáctica o RIT tomou a seguinte posição:
“Apesar da A... ter comprovado documentalmente o gasto que quer ver reconhecido como variação patrimonial negativa em 2017, no montante de 15 Milhões de euros, a AT demonstrou que o mesmo nunca poderia concorrer para a formação do lucro tributável do sujeito passivo uma vez que: • O gasto em referência foi assumido pela A... em lugar da sua participada quando já não era possível obter junto desta um direito de regresso sobre o mesmo pelo facto da participação já ter sido alienada e não ter sido acautelado esse ónus aquando da sua venda, situação incompatível com os princípios gerais do artigo 23.º do Código do IRC. De acordo com a doutrina e jurisprudência apresentadas, e muito embora possa ser exigido por parte dos credores da D... a assunção das responsabilidades por perdas por si geradas quando a A... tinha uma posição de domínio sobre essa, nos termos do artigo 501.º do CSC, os encargos daí decorrentes continuariam a ser da esfera da atividade da sua participada e não da sua própria atividade;” • Ainda que teoricamente se pudesse admitir a dedutibilidade fiscal de tal gasto, o seu registo já deveria ter ocorrido em exercícios anteriores a 2017 quando a alegada dívida já se encontrava constituída e conhecida, conforme preconiza o n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC. Se tivessem sido respeitados os critérios de reconhecimento contabilístico subjacentes à operação em análise (contrato swap de taxa de juro) na esfera da D... que implicaram uma degradação substancial do seu capital próprio, a sociedade-mãe seria obrigada a injetar mais fundos na sua filial (via prestações suplementares por exemplo). E quando se verificasse a alienação da sua subordinada (em 2016), essa componente de capital não teria relevância fiscal nos termos previstos pelo artigo 51.º-C do Código do IRC.”.
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Para se concluir no RIT do seguinte modo:
“De acordo com o demonstrado anteriormente este gasto não é imputável à A... em 2017, nem em qualquer outro exercício.».
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Defendendo a Requerente que : “… o pagamento do montante em causa visou sobretudo o seu interesse societário, pois, atendendo ao estabelecido no art.º 501.º do CSC, assistia ao C... o direito de reclamar diretamente à A... a satisfação do crédito que aquele detinha sobre a B... …” A Requerida, concordando que assim seja, e aceitando que “…mesmo em caso extinção da relação de domínio total, mantém-se a responsabilidade da então sociedade-mãe pelas obrigações constituídas anteriormente a esse momento pela sociedade-filha, conclui que “…cessa responsabilidade por novas obrigações que nasçam a partir daí.”
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Invocando ainda os autores que vão ao ponto de defender que a “… responsabilidade da sociedade-mãe por dívidas da sociedade-filha contraídas antes ou durante a vigência da relação de grupo cessa, de forma automática, com o termo da relação de grupo.”
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Aplicando estes princípios aos factos a Requerida salienta a cronologia dos acontecimentos do seguinte modo:
i). a Requerente detinha 100% da B... desde 06 de dezembro de 2000 (data da constituição da sociedade B...), verificando-se uma situação de domínio total inicial nos termos do n.º 1 do art.º 488.º do CSC;
ii). 01 de fevereiro de 2016, a A... vendeu a sua participação na B..., à sociedade com sede em Malta E... LTD, pelo preço de € 5.000,00;
iii). em 01 de fevereiro de 2016 a relação de grupo entre a A... e a B... termina. (nos termos da primeira parte da alínea c) do n.º 4 do art.º 489.º5 do CSC aplicável por força da norma remissiva constante do n.º 3 do artigo 488.º do CSC,);
iv). “apenas após a saída da B... da esfera do GRUPO F... é que esta entidade entrou em incumprimento do contrato de swap”. (Como refere a Requerente, nos artigos 12.º e 125.º do PPA);
v). “Em 11 de fevereiro de 2016, ocorreu a falta de pagamento pela sociedade B... dos juros vencidos a favor do C..., no montante de € 575.969,58, facto que veio justificar o vencimento antecipado do contrato de swap de cobertura de taxa de juro nos termos contratualizados e na consequente obrigação de a B... proceder ao pagamento do montante adicional de € 56.592.068,85.”
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Conclusão da Requerida com base no RIT:
“…a responsabilidade pelo incumprimento do contrato de swap de cobertura de taxa de juro, e de toda a cadeia de acontecimentos que se seguiram ao dia 11 de fevereiro de 2016, é da B... e dos seus novos sócios à data desses factos, e não da Requerente.”
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A Requerida defende que, embora o contrato de swap tenha sido celebrado antes de 1 de fevereiro de 2016, “…em boa verdade, o incumprimento já se deu sob a alçada da atual detentora do capital, tendo sido esta última que determinou o não pagamento do valor em causa.”
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Desse modo, a Requerida conclui que o art.º 501º. do CSC tem plena aplicação, como pretende a Requerente, mas relativamente à atual detentora do capital social da B... e não à anterior:
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“Portanto, tal como a Requerente assume no artigo 77.º do PPA, relativamente ao pagamento de €15.000.000,00 efetuado pela A... a favor do C... em 2017, este constituiu um pagamento da A... por conta de terceiro, a B..., sociedade que já não se encontrava numa relação de grupo com a A... desde 01-02-2016 e que é a responsável pela constituição da obrigação por incumprimento contratual ocorrido em 11 de fevereiro de 2016.”
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“Tendo aquele montante sido considerado contabilisticamente pela Requerente a débito da conta de resultados transitados, originou uma variação patrimonial negativa não refletida no resultado líquido que apenas poderia ser fiscalmente relevante se verificados os requisitos de dedutibilidade associados a qualquer gasto fiscal nos termos das normas do Código do IRC, nomeadamente do n.º 1 do art. º 23 do Código do IRC, o que de facto não sucede, conforme fundamentação expressa no RIT e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.”
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A Requerida passa de seguida a contestar outro argumento utilizado pela Requerente para defender a dedutibilidade fiscal do gasto em causa e que passa pelo entendimento de que salvaguarda dos possíveis “danos reputacionais para todo o GRUPO F..., comprometendo a sua relação com a banca e, consequentemente, o seu financiamento externo futuro” consequentes da manutenção do litígio judicial existente entre a A..., B... e o C... .” Ao que o RIT contrapõe:
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“…que o mecanismo legal a utilizar pela Requerente passaria por “repercutir esse gasto na esfera da B... e reclamar esse crédito junto desta empresa, uma vez que a responsabilidade pelo incumprimento do contrato era dela inequivocamente e não da A... . O débito deste encargo junto da B... teria assim o objetivo de dar cumprimento ao direito de regresso constante do artigo 524.º do Código Civil, o qual prevê que "o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe compelir tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes compete.”
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Neste contexto a Requerida defende que apesar das alterações ao art.º 23º. do CIRC “…
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“…antes como agora, a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.”
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Depois de citar em seu auxílio diversa jurisprudência e Doutrina a Requerida conclui que:
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“In casu, a Requerente não logrou demonstrar como lhe incumbia cabia, nos termos do artigo 74.º da LGT, que estamos perante um gasto (conceito distinto de pagamento) suportado comprovadamente no interesse exclusivo da empresa A..., como exige o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC para efeitos de dedutibilidade fiscal.”
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E isto, porque, como a Requerente assume, tratou-se de uma decisão que serviu apenas os interesses dos acionistas do Grupo económico e não os da A..., tem que se concluir que:
“...se por conveniência estratégica de outros interessados, mormente dos principais acionistas do GRUPO, e não no estrito interesse societário da empresa A... que viu o seu património ser coartado substancialmente sem justificação económica e racional para tal, a Requerente suportou aquele dispêndio e não o repercutiu sobre o(s) devedore(s) efetivo(s), o mesmo não constitui gasto fiscal por absoluta falta de verificação das condições de dedutibilidade previstos no n.º 1 do art.º 23.º do CIRC.”
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Relativamente à questão do princípio da especialização dos exercícios refere o RIT o seguinte:
“«Por fim e por mero dever de raciocínio se se equacionasse a aceitação da divida da D... como gasto a ser imputado à A... SGPS em momento posterior à extinção da relação de domínio, deveria a mesma já se encontrar constituída no momento em que ocorreu a alienação desta participada - situação que claramente não aconteceu. Repetimos, se por mera hipótese, a divida já se encontrasse constituída em 2016 e a A... provasse que a mesma se reportava exclusivamente à sua atividade, deveria ter reconhecido um gasto em 2016. Não o tendo feito, não poderia, também por este facto, em 2017 (além de toda a argumentação que relatamos anteriormente) por força do princípio da especialização dos exercícios, imputar a este exercício, gastos de exercícios anteriores que eram do seu total conhecimento. A periodização do lucro tributável é um dos principias base da determinação do lucro tributável, conforme consta do n.º 2 do artigo 18.º do CIRC "As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas." . Se a 31/12/2016 esta divida estava constituída, o gasto já deveria ter sido reconhecido em 2016 (obviamente na empresa a que respeita). Sendo uma situação que se encontrava plenamente conhecida pelos órgãos decisórios da empresa, não se pode considerar a mesma como sendo desconhecida à data dos factos pelo que não pode relevar fiscalmente em 2017 por não estar em conformidade com o princípio da especialização dos exercícios ou do acréscimo previsto no artigo 18.º do CIRC». invocando a Requerida em abono desta posição diversa Jurisprudência.
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Pugnando a Requerida a final pela improcedência do pedido de anulação dos juros compensatórios e não se pronunciando sobre o pedido de indemnização por garantia indevida.
IV. Saneamento
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O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas.
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O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
V. Matéria de Facto
V.1. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais - facto não controvertido.
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A Requerente é a sociedade dominante do GRUPO F..., o qual se encontra abrangido pelo RETGS – facto não controvertido.
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Em 2007, uma das sociedades que compunha o GRUPO F... a D... SA (“D...”) celebrou um contrato de swap de taxas de juro com o BANCO C..., S.A. - cfr. documento n.º 4;
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Em 2012, o referido contrato de swap foi renegociado - cfr. documento n.º 5 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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O valor dos financiamentos obtidos rondava em 2014 os 11 milhões de Euros (Vd. IES de 2014);
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Em 2015 não consta qualquer valor referente a financiamentos obtidos, “…que tinham sido objeto de cobertura pelo contrato de swap de cobertura de taxa de juro, contrato que ainda se encontrava em vigor em 31-12-2015, concluindo o RIT, na pág. 20, “que estes passivos financeiros foram desconhecidos” (RIT, pág 20);
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Tanto no momento da celebração do referido contrato, como no momento da sua renegociação, a D... era integralmente detida pela Requerente, tendo sido as suas participações sociais alienadas, a 1 de fevereiro de 2016, à E... HOLDING Ltd., entidade externa ao GRUPO F...- cfr. documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Em maio 2014, a Requerente e a D... moveram dois processos judiciais contra o C..., no âmbito dos quais peticionaram a declaração de nulidade dos contratos de swap, os quais correram termos sob os n.os .../14...TVLSB e .../14...TVLSB junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juiz 12 e 19 do Juízo Central Cível de Lisboa, respetivamente) - facto não controvertido;
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Após a sua saída da esfera do GRUPO F..., a D..., cuja designação social foi posteriormente alterada para B... SA, entrou em incumprimento do estabelecido no contrato de swap, tendo deixado de proceder ao pagamento das prestações legalmente devidas ao C... cfr. documento n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Em concreto, a B... não procedeu ao pagamento dos juros vencidos a favor do C... a 11 de fevereiro de 2016, no montante de EUR 575.969,58, o que justificou, por parte do C..., o vencimento antecipado do contrato de swap cfr. documento n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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O vencimento antecipado do contrato de swap gerou na esfera jurídica da B..., ainda no decurso das ações em que foi peticionada a declaração de nulidade desse contrato, o dever de proceder ao pagamento do montante de EUR 56.592.068,85, acrescido da prestação já vencida no mês de fevereiro (EUR 575.696,58) - cfr. documento n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Não obstante a interpelação do C... para proceder ao pagamento do montante global de EUR 57.168.038,49, a B... permaneceu em situação de incumprimento, ainda que no decurso das ações em que foi peticionada a declaração de nulidade dos contratos de swap - cfr. documento n.º 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Neste contexto, o C... requereu a declaração de insolvência da B... junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo de Comércio, Juiz 3), em processo que correu os seus termos sob o n.º .../17...T8LSB - facto não controvertido;
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Posteriormente, a 29 de junho de 2017, o C... instaurou, contra algumas entidades do GRUPO F... e contra a própria B..., uma ação declarativa sob a forma de processo comum, requerendo, entre o mais, a anulação de uma operação de redução do capital social da B... levada a cabo enquanto tal sociedade ainda se encontrava no perímetro fiscal do GRUPO F..., mais solicitando, em procedimento cautelar autónomo, o arresto das participações sociais alienadas no âmbito dessa mesma operação de redução do capital (processos judiciais n.ºs .../17...T8LSB e .../17...T8LSB-A, ambos correndo termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio, Juiz 5) - facto não controvertido;
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Com o intuito de pôr termo aos litígios então pendentes, em outubro de 2017, a Requerente, outras entidades do GRUPO F... e a B... celebraram um acordo de transação extrajudicial com o C... - facto não controvertido;
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Nos termos do acordo celebrado, a Requerente assumiu a obrigação de efetuar um pagamento perante o C..., no montante de EUR 15.000.000 - facto não controvertido;
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Esse montante de € 15.000.000,00 que foi pago pela A... ao C... em 27 de dezembro de 2017 (cfr. pág. 4 do Anexo 1 ao RIT individual), foi relevado contabilisticamente, a débito, na conta 56 – “Resultados transitados”, afetando negativamente os capitais próprios da A..., em contrapartida da saída de depósitos à ordem (crédito da conta 12);
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A contabilização da operação, que se reporta a um acordo que visou a resolução dos litígios judicias interpostos pelo C... contra a sociedade B..., decorrentes do incumprimento contratual desta, e tendo a Requerente assumido o dispêndio por conta da B..., não tem enquadramento naquela conta 56, pois conforme refere a nota explicativa desta conta do SNC, “… excecionalmente, esta conta também poderá registar regularizações não frequentes e de grande significado que afetam positiva ou negativamente os capitais próprios, mas não o resultado do período, nomeadamente as provenientes de alterações nas políticas contabilísticas e erros, nas condições previstas na NCRF 2 - Políticas Contabilísticas, Alterações em Estimativas Contabilísticas e Erros (...)”, o que não corresponde ao sucedido no caso em apreço (cfr. pág. 13 e 14 do RIT).”
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Fiscalmente, a Requerente inscreveu no campo 704 – variações patrimoniais negativas - da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC referente ao período de tributação de 2017, o montante de € 15.000.000,00, afetando negativamente o resultado tributável declarado individualmente pela A... e, consequentemente, o resultado fiscal do Grupo de sociedades. – facto não controvertido;
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Por sua vez, o C... comprometeu-se a exonerar e não mais reclamar perante a Requerente qualquer dos créditos anteriormente reclamados ao abrigo (ou em conexão) com o contrato de swap facto não controvertido;
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Em 22 de maio de 2018, a B... cessou a sua atividade em sede de IRC e IVA acordo com o estipulado no n.º 3 do art.º 65.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) – facto não controvertido;
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Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2019..., a Requerente foi objeto de uma ação de inspeção tributária interna ao exercício de 2017, em sede da qual foram-lhe solicitados diversos elementos e esclarecimentos, designadamente relativos ao supra referido montante de EUR 15.000.000, inscrito como variação patrimonial negativa na contabilidade da Requerente e por ela deduzido nos termos do artigo 23.º, n.º 1, ex vi artigo 24.º, ambos do CIRC - cfr. documento n.º 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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A que respondeu por email de 3 de junho de 2019 - documento n.º 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Tendo sido informalmente informada pela Autoridade Tributária da intenção de corrigir o lucro tributável do exercício de 2017 com fundamento na desconsideração da variação patrimonial negativa de EUR 15.000.000 relativo ao pagamento efetuado ao C..., a Requerente, procurando reverter tal intenção, remeteu ao Inspetor Tributário responsável o acordo de transação no qual se fundou tal pagamento - cfr. documento n.º 10 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Não obstante, através do ofício n.º ..., de 15 de julho de 2020, a Requerente foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, em sede do qual foram propostas as seguintes correções à sua matéria coletável de IRC do exercício de 2017:
(i) Correção relativa à dedutibilidade do gasto de EUR 15.000.000: «O sujeito passivo deduziu no Qd. 07 a título de variação patrimonial negativa, o montante de € 15.000.000,00 relativo a um pagamento efetuado ao Banco C... (C...) no âmbito de um acordo de transação extrajudicial o qual teve o objetivo de pôr termo a um conjunto de litígios existentes entre as duas entidades e no qual se inclui a rescisão de um contrato swap de cobertura de taxa de juro. Tal gasto não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável, não sendo compatível com os princípios gerais do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), uma vez que o mesmo foi assumido pela A..., substituindo-se à sua participada quando já não era possível obter junto desta um direito de regresso sobre o mesmo, pelo facto da participação já ter sido alienada e não ter sido acautelado esse ónus aquando da sua venda»
ii). Correção relativa à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos: «O sujeito passivo não acresceu ao Lucro Tributável, o montante de € 2.424.063,66, relativo à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos preconizada pelo artigo 67.º do CIRC e de acordo com as instruções de preenchimento da declaração de rendimentos Modelo 22 emanadas pelo Despacho n.º 2608/2017 do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais » - cfr. documento n.º 11 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Notificada para o efeito, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, em sede do qual pugnou pela alteração de entendimento da Autoridade Tributária e requereu que esta se abstivesse de determinar qualquer correção na sua esfera - cfr. documento n.º 12 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Através do ofício n.º ..., de 10 de agosto de 2020, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção, o qual converteu em definitivas as correções projetadas - cfr. documento n.º 13 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Subsequentemente, com o fito de refletir tais correções na esfera do GRUPO F... nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC, foi encetada, a coberto da ordem de serviço n.º OI2019..., uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2017 do grupo - cfr. documento n.º 14 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Através do ofício n.º ..., de 28 de setembro de 2020, a Requerente foi notificada do projeto de relatório elaborado no âmbito da referida ação de inspeção, o qual veio replicar as seguintes correções já determinadas na sua esfera individual:
(i) Correção de EUR 15.000.000, proveniente da desconsideração da variação patrimonial negativa relativa ao pagamento efetuado ao C...;
(ii) Correção de EUR 2.424.063,66 relativa a gastos de financiamento líquidos alegadamente excessivos - cfr. documento n.º 14 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Notificada para o efeito, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, aceitando a correção determinada em matéria de RFAI, mas pugnando pela alteração de entendimento da Autoridade Tributária quanto ao mais - cfr. documento n.º 15 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Através do ofício n.º ..., de 26 de outubro de 2020, a Requerente foi notificada do relatório final de inspeção tributária, o qual converteu em definitivas as correções projetadas, mais determinando a antecipação, conforme requerido pela Requerente em sede de audição prévia, da dedução de € 129.025,16 de créditos fiscais SIFIDE que estavam a ser reportados para os períodos de tributação seguintes - cfr. documento n.º 16 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Tais correções deram origem aos atos tributários sub judice relativos ao exercício de 2017 - cfr. documento n.º 1 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Não se conformando com os referidos atos tributários, a Requerente apresentou, junto da Unidade dos Grandes Contribuintes, reclamação graciosa dos mesmos, à qual foi atribuído o n.º de procedimento ...2020... - cfr. documento n.º 17 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Através do ofício n.º ...-DJT/2021, de 5 de novembro de 2021, a Requerente foi notificada de projeto de indeferimento da reclamação graciosa;
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A 9 de dezembro de 2021, através do Ofício n.º ...-DJT/UGC, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. documento n.º 3 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Por não ter efetuado o pagamento voluntário da alegada dívida tributária resultante do documento n.º 1, no montante de € 1.022.884,07, a Requerente foi citada da instauração contra si do processo de execução fiscal n.º ...2021..., destinado à sua cobrança coerciva - cfr. documento n.º 19 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Subsequentemente, a Requerente requereu a suspensão do referido processo de execução fiscal, mediante a prestação de garantia idónea (sob a forma de hipoteca voluntária sobre imóveis), a qual foi aceite pela Autoridade Tributária - cfr. documentos n.ºs 20 e 21 juntos ao pedido de pronúncia arbitral;
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Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2020..., foi instaurada uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2018 do GRUPO F...;
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Através do ofício n.º..., de 28 de setembro de 2021, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do grupo, foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária, em sede do qual foram propostas, entre outras, as seguintes correções:
i). Acréscimo à coleta de IRC do montante de EUR 1.057.691,48, decorrente da eliminação do prejuízo fiscal apurado pela Requerente em 2017 resultante da inscrição como variação patrimonial negativa desse exercício do montante de EUR 15.000.000 supra referido e deduzido em 2018;
ii). Correção, no montante de € 61.575,42, dos créditos SIFIDE deduzidos no exercício de 2018 em virtude da antecipação da dedução do montante de € 129.025,16 para 2017 (cfr. artigo 30.º supra) e da subsequente antecipação dos créditos SIFIDE reportados para 2019 (€ 67.449,74) cfr. documento n.º 22 junto ao pedido de pronúncia arbitral; - cfr. documento n.º 22 junto ao pedido de pronúncia arbitral.
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Ambas as correções supra descritas consubstanciam a transposição das correções determinadas ao exercício de 2017 para o exercício de 2018 - facto não controvertido;
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Através do ofício n.º ..., de 28 de outubro de 2021, as correções projetadas foram convertidas em definitivas - cfr. documento n.º 23 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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Tais correções deram origem aos atos tributários sub judice relativos ao exercício de 2018 - cfr. documento n.º 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral;
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A Requerente não procedeu ao pagamento dos montantes refletidos nestes atos tributários.
V.2. Factos não provados.
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Considera-se não provada a alegação da Requerente que “apenas no contexto dos processos judicias instaurados pelo C..., a 29 de junho de 2017, contra algumas entidades do GRUPO F... e contra a própria B..., (processos judiciais n.ºs .../17...T8LSB e .../17...T8LSB-A, ambos correndo termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio, Juiz...5), é que a Requerente tomou conhecimento do incumprimento do contrato de swap e respetivo vencimento antecipado, bem como de que a contingência potencialmente resultante desse incumprimento ascendia já a € 57.168.038,49, montante ao qual acresceriam juros vincendos”.
O Tribunal firmou a sua convicção nesse sentido, face à relação de domínio ou de grupo existente entre a Requerente a sua participada a 100%, atual B..., pois permitindo-se a Requerente invocar a responsabilidade da primeira por dívidas da segunda, não pode depois invocar um conhecimento tardio de contratos dessa natureza, que envolvendo montantes tão significativos, nunca poderiam ser celebrados e renegociados sem a intervenção ou pelo menos sem o conhecimento da casa mãe.
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Nada ficou provado quanto aos “danos reputacionais” que a Requerente alegou como uma das justificações para o seu interesse empresarial em proceder ao pagamento ao C... da quantia em questão.
V.3. Fundamentação da decisão de facto.
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Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados e não provados, relevaram os documentos juntos aos autos, os quais se mostraram idóneos sobre os factos em discussão nos presentes autos.
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Ademais, é de salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
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Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e Resposta da Requerida e alegações de mabas as partes), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os factos com relevo para a decisão supramencionados.
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Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correta composição da lide processual.
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De resto, estão documentalmente comprovados e não foram objeto de controvérsia entre o Requerente e a Requerida.
VI - Do Direito
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Comecemos por abordar a questão prévia suscitada pela Requerida quando afirma que a Requerente não colocou em causa no presente processo a totalidade das correções efetuadas pela AT, pelo que não pode o Tribunal determinar uma anulação total das liquidações impugnadas e dos respetivos juros compensatórios, admitindo apenas, e por mera hipótese de raciocínio sem condescender, a sua anulação somente parcial.
E assim é na verdade.
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A Requerente pretende a anulação das liquidações que identifica, mas na sua origem estão diversas correções à matéria coletável, as quais apenas parcialmente foram postas em causa, mais especificamente, apenas aquela que diz respeito à não aceitação da variação patrimonial negativa de 15 milhões de euros, resultante do encargo suportado com o pagamento de uma dívida de terceiros.
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Assim, vejamos o que aconteceu relativamente a cada um dos dois exercícios aqui em causa.
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Relativamente ao exercício de 2017
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a Requerente foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, onde foram propostas as seguintes correções à matéria coletável desse exercício:
i). Correção relativa à dedutibilidade do gasto de € 15.000.000, cujos contornos já conhecemos, e
ii). Correção relativa à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos: «O sujeito passivo não acresceu ao Lucro Tributável, o montante de € 2.424.063,66, relativo à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos preconizada pelo artigo 67.º do CIRC e de acordo com as instruções de preenchimento da declaração de rendimentos Modelo 22 emanadas pelo Despacho n.º 2608/2017 do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (…)»
Estas correções foram tornadas definitivas através da notificação do Relatório final.
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Tendo em vista que essas mesmas correções fossem refletidas na esfera do GRUPO F..., foi encetada, a coberto da ordem de serviço n.º OI2019..., uma ação de inspeção tributária ao exercício de 2017 do grupo.
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Assim, a Requerente foi notificada do projeto de relatório elaborado no âmbito da referida ação de inspeção, o qual veio replicar as seguintes correções já determinadas na sua esfera individual:
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Correção de € 15.000.000, proveniente da desconsideração da variação patrimonial negativa relativa ao pagamento efetuado ao C...;
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Correção de € 2.424.063,66 relativa a gastos de financiamento líquidos alegadamente excessivos. (Vd. Doc. nº. 14 junto com o PPA).
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Importa salientar que além das correções anteriormente notificadas à Requerente a título individual, foram ainda projetadas as seguintes correções na esfera do GRUPO F...:
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Ajustamento à matéria coletável no montante de EUR 2.424.063,66, por efeito da opção prevista no artigo 67.º, n.º 5, do CIRC, anulando, por essa via, a correção de igual montante mencionada no ponto (ii) supra;
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Acréscimo à coleta de imposto do montante de EUR 7.443,26, deduzido pela Requerente enquanto crédito apurado pela sociedade G..., S.A., ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”);
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Como consequência dos ajustamentos supra, desagravamento da tributação autónoma em EUR 357.657,81 e antecipação da dedução de créditos SIFIDE que estavam a ser reportados para períodos de tributação subsequentes, no montante de EUR 129.025,16.”.
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Da totalidade destas correções a Requerente afirma ter apenas aceite a referente ao RFAI (ii)
Estas projetadas correções foram convertidas em definitivas pelo Relatório final, entretanto notificado à Requerente.
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Não se conformando com a prática de tais atos tributários a agora Requerente apresentou uma reclamação graciosa junto da Unidade de Grandes Contribuintes a qual veio a ser indeferida e que deu também lugar ao presente pedido de pronúncia arbitral.
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Admite-se que a então Reclamante tenha solicitado em sede de Reclamação Graciosa a anulação da liquidação resultante da totalidade das correções constante do Relatório (Vd. Doc. nº. 17 junto com o PPA).
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Tendo apenas posto em causa no presente PPA a correção referente à variação patrimonial negativa de 15 milhões de euros, a procedência de tal pedido conduz, a verificar-se, a uma anulação parcial da liquidação, a apurar em execução administrativa da decisão do CAAD, tarefa essa a levar a cabo por parte da Autoridade Tributária.
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Relativamente ao exercício de 2018
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Através do ofício n.º..., de 28 de setembro de 2021, a Requerente, na qualidade de sociedade dominante do grupo, foi notificada do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, em sede do qual foram propostas, entre outras, as seguintes correções:
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Acréscimo à coleta de IRC do montante de EUR 1.057.691,48, decorrente da eliminação do prejuízo fiscal apurado pela Requerente em 2017 – resultante da inscrição como variação patrimonial negativa desse exercício do montante de EUR 15.000.000 supra referido – e deduzido em 2018;
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Correção, no montante de EUR 61.575,42, dos créditos SIFIDE deduzidos no exercício de 2018 em virtude da antecipação da dedução do montante de EUR 129.025,16 para 2017 (cfr. artigo 30.º supra) e da subsequente antecipação dos créditos SIFIDE reportados para 2019 (EUR 67.449,74)”
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A Requerente entende que ambas as correções transcritas consubstanciam a transposição das correções determinadas no exercício de 2017 para o exercício de 2018, tendo tais correções sido convertidas em definitivas pela notificação do Relatório final.
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A final do seu PPA a Requerente solicita, e transcrevemos:
“NESTES TERMOS, requer-se a V. Ex.a a constituição de Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, 10.º, n.os 1, alínea a), e 2, do RJAT, solicitando-se a emissão de pronúncia arbitral sobre a ilegalidade dos atos tributários e em matéria tributária acima identificados. Nessa sede, e em face do exposto, requer-se ao Tribunal Arbitral que:
i. Determine a anulação dos referidos atos tributários e em matéria tributária nos termos acima expostos, em conformidade com o disposto no artigo 163.º do CPA; e
ii. Na medida da procedência do pedido anterior, condene a Entidade Requerida no pagamento dos custos suportados pela ora Requerente com a constituição e manutenção de garantias, nos termos do artigo 53.º, n.º 2, da LGT, e das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.”
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Efetivamente, não teve a Requerente o cuidado de solicitar apenas a anulação parcial do ato tributário em causa relativamente ao exercício de 2017, mas torna-se evidente, face à causa de pedir apresentada, que não é isso que a Requerente pretende.
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O seu objetivo é anular o ato tributário na medida, e apenas na medida em que ele ficou condicionado pela não aceitação do valor da variação patrimonial negativa, como custo fiscal, e nada mais.
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Todas as outras correções à matéria coletável referenciadas ao longo do processo não foram postas em causa, pelo menos neste PPA.
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Daí que também não se possa, atacando um ato de segundo grau, requerer a anulação da decisão de indeferimento total da Reclamação Graciosa apresentada, porque o que aí se pediu vai muito para além daquilo cuja anulação é pretendida por via deste PPA.
A ter provimento o pedido sempre parcial de anulação do ato tributário, sempre a decisão de indeferimento da reclamação terá que ser revogada, mas apenas parcialmente.
Isto relativamente ao exercício de 2017.
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Já relativamente ao exercício de 2018, o que a Requerente pretende é que o Tribunal se substitua à Autoridade Tributária e extraia as consequências para esse exercício de uma eventual anulação, sempre parcial, do ato tributário relativo ao exercício anterior.
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Ou seja:
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Acréscimo à coleta de IRC do montante de EUR 1.057.691,48, decorrente da eliminação do prejuízo fiscal apurado pela Requerente em 2017 – resultante da inscrição como variação patrimonial negativa desse exercício do montante de EUR 15.000.000 supra referido – e deduzido em 2018;
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Já não abordamos aqui a correção relativa ao SIFIDE, porquanto a mesma não foi posta em causa pela Requerente neste PPA.
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A competência do CAAD para anulação de atos de liquidação, não se estende à fixação da matéria coletável dos exercícios posteriores, nem à fixação dos prejuízos fiscais em função do reporte de anos anteriores, porquanto tal constitui tarefa exclusiva da Autoridade Tributária, na qual o Tribunal não se pode imiscuir e naturalmente para o que não possui os elementos que o habilitem a tal tarefa, que só aquela entidade possui, assim com a competência, que é exclusiva.
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Nestes termos, assiste razão à Requerida na questão prévia que coloca.
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Relativamente às questões de direito, importa salientar desde logo que não há sintonia entre as partes quanto à interpretação das normas jurídicas relevantes.
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O Tribunal tem que decidir se a celebração do acordo extrajudicial e consequente assunção da obrigação de pagamento pela Requerente de uma dívida de uma entidade terceira, que à data desse pagamento já não fazia parte do seu Grupo, do montante de € 15.000.000,00, pagamento esse efetuado ao C..., constitui uma variação patrimonial negativa que preenche ou não requisitos os estabelecidos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.
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E se concluir pela positiva, dando razão à Requerente, se tal gasto pode ser considerado no exercício de 2017, estando em causa as regras quanto à especialização dos exercícios, nos termos do art.º 18º. do CIRC.
VII - A Posição das Partes
A) O artigo 23.º do CIRC
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Está em causa no presente processo a interpretação e aplicação do disposto no art.º 23º. do CIRC, o qual consagra, hoje e ao tempo da verificação dos factos no presente processo, que «[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
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A Requerente faz uma leitura alargada deste preceito ali encaixando “…todos os gastos incorridos no âmbito e por força da atividade empresarial dos sujeitos passivos,…”,
Em duas vertentes:
“... quer sejam diretamente geradores de lucro para a sociedade tendo sido realizados para a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC…”
“… quer contribuam para a atividade empresarial prosseguida pelo sujeito passivo permitindo garantir a futura perceção de rendimentos sujeitos a IRC.”
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Apela-se aqui, ao que tem sido considerado como “gastos empresariais”, que, como se sabe, não obedecem ao primeiro dos requisitos acima exposto, ou seja, podem não ser diretamente geradores de lucros para as sociedades e podem não ter sido suportados para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto.
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E é neste aspeto que a entidade Requerida não concorda e que a leva a considerar que “a variação patrimonial negativa em referência não é dedutível em sede de IRC, na medida em que a celebração do acordo extrajudicial (e a consequente assunção da obrigação de pagamento do montante de EUR 15.000.000 ao C...) não consubstancia uma atividade de gestão da Requerente, assumindo-se antes como um gasto realizado no interesse de terceiro, insuscetível por isso de subsumir-se no escopo da atividade da Requerente e, consequentemente, de preencher os pressupostos ínsitos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.”
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Ora, por seu turno, a Requerente defende que: “…serão dedutíveis todos os gastos que se justifiquem por motivos empresariais, relacionando-se com a atividade social da empresa, não havendo lugar a qualquer juízo de mérito por parte da Autoridade Tributária, designadamente sobre a respetiva pertinência ou razoabilidade.”
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E continua a Requerente nas suas alegações, agora referindo-se à situação em apreciação nos autos:
“Com efeito, e contrariamente ao que a Autoridade Tributária parece querer fazer crer, a Requerente tinha um interesse próprio na realização do pagamento em referência, sendo a desoneração da B... do pagamento desse montante uma consequência meramente secundária e não a motivação subjacente à assunção de tal encargo.”
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Admitindo que a entidade terceira – B... – se possa considerar como indiretamente beneficiada do acordo de pagamento, isso não o transforma em mera liberalidade.
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Ora a Requerida aceita, conforma-se e vive bem com a liberdade de gestão da Requerente, e de qualquer outro sujeito passivo de imposto, mas isso não a obriga a aceitar como custo fiscal todas os atos praticados ao abrigo dessa mesma liberdade.
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E não defende a AT que, no caso concreto, se trata de uma mera liberalidade.
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Mas o que o Tribunal não compreende é que se ponha em causa que tal pagamento beneficiou em primeira linha a própria devedora, de seguida os seus acionistas à data do pagamento, que já não eram a Requerente, restando apenas no final, em último recurso, se tal beneficiou de algum modo a Requerente, o que nos parece estar por demonstrar.
B) O artigo 501º. do CSC
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A Requerente recorda o seu estatuto de sociedade gestora de participações sociais, atividade que exercia à data em que o contrato de swap aqui em causa foi celebrado, era a então D... uma sua participada a 100%, apelando à aplicação do regime previsto no art.º 501º. do CSC, segundo o qual «[a] sociedade diretora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste».
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Embora as partes concordem com a aplicação desta norma ao caso concreto, a Requerente justifica a sua aplicação com o facto da sociedade devedora ter pertencido ao seu Grupo, nomeadamente aquando da celebração do contrato de swap em causa, isto apesar de já não o ser aquando do pagamento efetuado ao C..., momento tornado irrelevante pela tese da Requerente.
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Por seu turno, a Requerida não pondo em causa o alcance da norma do CSC, pugna pela sua aplicação no momento em que o encargo é suportado.
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Recordemos os factos pertinentes e a cronologia dos acontecimentos com capital importância para a presente Decisão:
a). A Requerente é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais;
b). A Requerente é a sociedade dominante do GRUPO F..., o qual se encontra abrangido pelo RETGS;
c). Em 2007, uma das sociedades que compunha o GRUPO F... a D... SA (“D...”) celebrou um contrato de swap de taxas de juro com o BANCO C..., S.A.;
d). Em 2012, o referido contrato de swap foi renegociado;
e). Tanto no momento da celebração do referido contrato (2007), como no momento da sua renegociação (2012), a D... era integralmente detida pela Requerente;
f). Em 1 de fevereiro de 2016 a Requerente alienou as suas participações sociais na D..., à E... Ltd., por cinco mil euros, entidade externa ao GRUPO F..., cujos acionistas se desconhecem;
g). Em maio 2014, a Requerente e a D... moveram dois processos judiciais contra o C..., no âmbito dos quais peticionaram a declaração de nulidade dos contratos de swap;
h). Após a sua saída da esfera do GRUPO F..., a D... cuja designação social foi posteriormente alterada para B... SA - entrou em incumprimento do estabelecido no contrato de swap, tendo deixado de proceder ao pagamento das prestações legalmente devidas ao C...;
i). Em concreto, a B... não procedeu ao pagamento dos juros vencidos a favor do C... a 11 de fevereiro de 2016, no montante de € 575.969,58, o que justificou, por parte do C..., o vencimento antecipado do contrato de swap;
j). O vencimento antecipado do contrato de swap gerou na esfera jurídica da B..., o dever de proceder ao pagamento do montante de € 56.592.068,85, acrescido da prestação já vencida no mês de fevereiro (€ 575.696,58);
l). Não obstante a interpelação do C... para proceder ao pagamento do montante global de € 57.168.038,49, a B... permaneceu em situação de incumprimento;
m) Neste contexto, o C... requereu a declaração de insolvência da B... junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo de Comércio, Juiz 3), em processo que correu os seus termos sob o n.º .../17...T8LSB o que foi determinado em data que desconhecemos.
n). Posteriormente, a 29 de junho de 2017, o C... instaurou, contra algumas entidades do GRUPO F... (e não se sabe se contra a própria Requerente) e contra a própria B..., uma ação declarativa sob a forma de processo comum;
o). A Requerente admite que apenas no contexto desses processos judiciais teve a mesma conhecimento do incumprimento do contrato de swap e respetivo vencimento antecipado, bem como de que a contingência potencialmente resultante desse incumprimento ascendia já a € 57.168.038,49, montante ao qual acresceriam juros vincendos. (Contudo, consideramos que a Requerente, que tudo decidiu e negociou com a Banca, tinha forçosamente que ter conhecimento desta situação em momento anterior, já que o contrato inicial já data de 2007 e a sua renegociação de 2014);
p). Em outubro de 2017, com o intuito de pôr termo aos litígios então pendentes, a Requerente, outras entidades do GRUPO F... e a B... celebraram um acordo de transação extrajudicial com o C...;
q). Nos termos do acordo celebrado, a Requerente assumiu a obrigação de efetuar um pagamento perante o C..., no montante de € 15.000.000;
r). Por sua vez, o C... comprometeu-se a exonerar e não mais reclamar perante a Requerente qualquer dos créditos anteriormente reclamados ao abrigo (ou em conexão) com o contrato de swap facto não controvertido.
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Importa salientar que, para estes efeitos, - aplicado do disposto no art.º 501 do CSC - a data relevante é a de 1 de fevereiro de 2016, momento em que a Requerente alienou a totalidade da sua participação na D... posterior B..., (o que, só por si, levou ao reconhecimento de uma menos valia fiscal de € 11.725.000,00, que concorreu para o apuramento do lucro tributável, nos termos do regime previsto no art.º 51º. do CIRC).
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Factos ocorridos antes de 1 de fevereiro de 2016:
a). 2007 - celebração do contrato de swap;
b). 2012 - renegociação do contrato de sawp;
c). 2014 - a Requerente e a D... moveram dois processos judiciais contra o C... (nulidade dos contratos de swap) (Porque é que Requerente é parte neste processo?)
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1 de fevereiro de 2016 - , a Requerente alienou a totalidade da sua participação na D... posterior B...;
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Factos ocorridos depois de 1 de fevereiro de 2016:
a). 1 de fevereiro de 2016 - Alteração da denominação da empresa de D... SA para B... SA;
b). 11 de fevereiro de 2016 – a B... não procedeu ao pagamento dos juros vencidos a favor do C..., no montante de € 575.969,58;
c). o C... procedeu à interpelação da B... para proceder ao pagamento do montante global de € 57.168.038,49;
d). a B... permaneceu em situação de incumprimento;
e). o C... requereu a declaração de insolvência da B..., a qual foi determinada em data que desconhecemos;
f). 29 de junho de 2017 - o C... instaurou, contra algumas entidades do GRUPO F... e contra a própria B..., uma ação declarativa (anulação de uma operação de redução do capital social da B...) e em procedimento cautelar autónomo, o (arresto das participações sociais alienadas no âmbito dessa mesma operação de redução do capital);
g). Em outubro de 2017, a Requerente, outras entidades do GRUPO F... e a B... celebraram um acordo de transação extrajudicial com o C...;
h). A Requerente assumiu a obrigação de efetuar um pagamento perante o C..., no montante de € 15.000.000, o que fez em 27 de dezembro de 2017.
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Se estamos perante um pagamento efetuado pela Requerente em 2017, altura em que a B... já não era uma empresa por si participada – deixou de o ser a partir de 1 de fevereiro de 2016 -, há que concluir que a Requerente não pode utilizar em seu proveito (para efeitos fiscais) a responsabilidade que lhe poderia advir ao abrigo do disposto no artº. 501º.do CSC, porque quem o poderia efetivamente fazer seriam os acionistas da B... nessa data.
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Não pode a mesma disposição legal ser utilizada e aplicada elegendo duas entidades diferentes como responsáveis em simultâneo: os atuais e os anteriores acionistas.
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Aliás, se o Banco credor pretendesse acionar essa responsabilidade só o poderia fazer 30 dias após a constituição em mora, que ocorreu em 11 de fevereiro de 2016, momento em que a Requerente já não era acionista e consequentemente “sociedade diretora” – nem a B... sua “sociedade subordinada”.
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A nosso ver, a Requerente seria sempre parte ilegítima nesse eventual processo.
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A demandar alguém ao abrigo dessa responsabilidade o Banco credor teria que demandar a E... Ltd sociedade com sede em Malta, ao tempo, sociedade diretora da sociedade subordinada B... .
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A Requerente pagou assim, não uma dívida própria (pela qual poderia ser responsabilizada), mas sim uma dívida de terceiros.
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Inviabilizada assim a possibilidade de exercer o direito de regresso sobre a sua ex sociedade subordinada, nada a obrigaria a pagar essa dívida.
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A existência de um processo judicial em que era pedida a condenação da Requerente no pagamento de tal quantia não pode ser, só por si, justificativo suficiente para o pagamento efetuado.
A defesa do interesse empresarial da Ré obrigava os seus responsáveis a ponderar o risco de condenação (que, como vimos, era, pelo menos, muito diminuto) e, caso pretendessem optar por uma solução amigável do litígio (o que se compreende), a aceitar apenas um acordo “proporcional a tal risco”, o que não foi manifestamente o caso.
Por outro lado, importa relevar a existência de processos judiciais interpostos pela Requerente contra o C..., visando a anulação dos contrato de swap que são causa do pagamento efetuado, sobre cuja evolução a Requerente nada quis dar a conhecer a este tribunal arbitral.
Se a Requerente aceitou celebrar um acordo para por fim ao litígio nos termos em que o fez terá tido, certamente, as suas razões. Só que não cumpriu com o ónus de alegação e prova de factos concretos que capazes de permitir ao tribunal compreender qual o seu “interesse próprio” na realização de tal pagamento.
O mesmo é dizer que, tal como pode ser apreciado à luz da factualidade que a Requerente decidiu sujeitar à apreciação deste coletivo arbitral, o pagamento em causa não pode ser configurado de outra forma que não a de corresponder a um “ato anómalo “de gestão da Requerente.
C) Retomando o Art.º 23 do CIRC.
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Resolvida esta questão em desfavor da Requerente voltemos ao artº. 23º. do CIRC e a aceitação do gasto como encargo fiscal aí enquadrado, como pretende a Requerente e a sua recusa que conduziu a Autoridade Tributária à liquidação aqui posta em causa.
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Já referenciámos devidamente os argumentos de uma e outra parte quanto a esta matéria.
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A Requerente considera ter-lhe assistido um interesse próprio que a levou a suporta tal gasto, considerando que o mesmo está inserido na sua atividade empresarial e todos os que tiverem essas características assim devem ser tratados, sendo a motivação empresarial razão suficiente para reconhecimento do gasto, afastando-os dos juízos de mérito ou de razoabilidade por parte da Autoridade Tributária.
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Por seu turno a Requerida entende que a liquidação impugnada deve ser mantida porquanto o gasto suportado – do que ninguém duvida embora não haja nos autos documento comprovativo do pagamento do mesmo - , não tem enquadramento no disposto no artº. 23º, do CIRC.
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Baseia tal entendimento, entre outros aspetos, no seguinte:
a). O gasto foi assumido pela Requerente, substituindo-se à sua participada;
b). Fê-lo em momento em que já não era possível obter junto desta um direito de regresso sobre o mesmo e por já ter sido alienada a participação e
c). Não ter sido acautelado esse ónus aquando da sua venda.
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Atendendo a que o valor dos financiamentos obtidos rondava em 2014 os 11 milhões de Euros e que em 2015 não consta qualquer valor referente a financiamentos obtidos, tal permite à AT questionar a razoabilidade e a necessidade económica e comercial da manutenção do referido contrato de swap de cobertura de taxa de juro e dos respetivos encargos financeiros suportados, salientando especificamente que nunca a Requerente respondeu a duas perguntas então formuladas. A saber:
“i). Qual foi o motivo para continuar com o contrato de swap de cobertura?
ii). Porque não foi o mesmo objeto de rescisão antes de atingir o montante das responsabilidades referidas e antes mesmo dessa participação ter sido alienada?».
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Da interpretação que faz do disposto no art.º 23º. do CIRC a AT conclui no seu Relatório que, “….De acordo com a doutrina e jurisprudência apresentadas, e muito embora possa ser exigido por parte dos credores da D... a assunção das responsabilidades por perdas por si geradas quando a A... tinha uma posição de domínio sobre essa, nos termos do artigo 501.º do CSC, os encargos daí decorrentes continuariam a ser da esfera da atividade da sua participada e não da sua própria atividade;”
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Vejamos o que nos diz a Doutrina e a Jurisprudência quanto a esta matéria.
Recorde-se que artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redação após Reforma do IRC, dispõe: “Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
Importa anotar que em ambas as redações da norma, anterior e atual, o legislador procedeu a uma “… enumeração meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC”.
Importa salientar, como o faz a Requerida que “….a atual redação da norma eliminou a menção «comprovadamente sejam indispensáveis» constante da redação anterior, mas tal exclusão não significa, como parece defender a Requerente, a uma alteração radical nas regras da dedutibilidade dos gastos;”
Isto, porque continua “…, antes como agora, a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não”
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E releva, neste aspeto o Relatório Final da Comissão para a Reforma do IRC – 2013 que refere o seguinte:
«… é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem‑se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios.»
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Não se colocando em causa que os gastos controvertidos quanto aos seus efeitos fiscais estão devidamente documentados, restaria apurar se os mesmos revestem nas características de empresarialidade necessária para que surtam esse efeito, impondo para tal a Requerida que os mesmos:
“Sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. (posição suportada no texto do Acórdão tirado no Proc.º nº.381/2018-T do CAAD, que teve como Árbitro o Relator deste processo).
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Reconhecendo a Requerida que não cabe à AT “… sindicar a bondade e oportunidade das decisões da gestão das empresas nem se intrometer na liberdade e autonomia gestão,”
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O que é facto é que se defende que a mesma AT não pode abdicar, antes lhe incumbindo “…o escrutínio dos efeitos fiscais produzidos por tais decisões de gestão”
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Apela para seu conforto ao que vem expresso no Acórdão do CAAD, Proc. nº. 407/2019-T, (Fernanda Maçãs, Diogo Feio e Fernando Araújo) de cuja transcrição salientamos o seguinte:
«O abandono da referência expressa à indispensabilidade dos gastos, que constava da redacção em vigor até final de 2013 (“Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora […]”) satisfaz um entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, o de que a dedutibilidade das “business expenses” deve abarcar gastos e perdas, e não apenas gastos, e reportar-se às despesas ordinárias, que são comumente realizadas e geralmente aceites como úteis, e apropriadas, pelos padrões de um sector de atividade, deixando somente de fora:
1) aqueles gastos que, de acordo com padrões objetivos, sejam inapropriados, inúteis, inadequados para promoverem rendimentos do sujeito passivo que estejam sujeitos a tributação;
2) aqueles gastos que, embora fossem abstratamente apropriados, úteis, adequados, não se demonstra que efetivamente o tenham sido – não havendo prova de que, no período de tributação de referência, foram “gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo”;
3) aqueles gastos e perdas que são enumerados, ainda que de forma não-exaustiva (“nomeadamente”), pela própria lei, como sendo indedutíveis – não sendo indiferente, neste âmbito, que a mesma Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que republicou o CIRC e que alterou a redacção do art. 23º, 1, tenha introduzido um novo art. 23-º-A (“Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”) que amplia drasticamente o número desses gastos e perdas enumerados como expressamente indedutíveis (art.º 23º-A, 1: “Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação”)
Embora sem a ênfase da “indispensabilidade comprovada”, o regime mantém-se basicamente inalterado, no sentido de que continua a ter de existir uma relação entre os encargos financeiros suportados pelo sujeito passivo, por um lado, e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, por outro lado – significando isso, na prática, que, no respeito embora de uma latitude razoável na gestão das empresas, a AT não tem que aceitar como dedutíveis todos e quaisquer encargos suportados pelas empresas e por elas apresentados, mesmo aqueles que tenham sido efectivamente incorridos e estejam devidamente documentados.
E isto porque, em síntese:
1) Nem todos os gastos ou perdas “incorridos ou suportados pelo sujeito passivo” o foram, ou o são, com o objectivo ou a idoneidade de “obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
2) Mesmo alguns encargos, gastos e perdas que satisfazem o critério do nº 1 do art. 23º são afastados pela própria lei, por não satisfazerem os requisitos dos n.os 2 e seguintes do art. 23º, ou por estarem abarcados na enumeração do art. 23º-A do CIRC.
A restrição que subsiste na aceitação de encargos dedutíveis, no art. 23º, reforçado pelo art. 23ºA do CIRC, faz todo o sentido como salvaguarda dos princípios constitucionais de “repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art. 103º, 1 da CRP) e de tributação do rendimento real das empresas (art. 104º, 2 da CRP): pois se trata de evitar que artifícios contabilísticos, jurídico formais, interfiram no apuramento da realidade económica de que dependem a defesa e consagração efectivas daqueles princípios constitucionais, prevenindo a erosão da base tributável. Devendo notar-se que, no novo art. 23º-A do CIRC já se abrigam expressamente algumas “thincapitalization rules”, regras de “safe haven” ou de “earnings stripping”, com as quais se busca contrariar o uso do “endividamento intra-grupo” como técnica de “planeamento fiscal” (“One of the main channels of profit shifting is the use of internal debt to channel funds from low-tax to high-tax jurisdictions. Governments can restrict this behavior by the use of thin-capitalization rules (TCRs), which limit either directly or indirectly the internal or total debt-to-capital ratio of […] subsidiaries”) . Quando se trata de ponderar os objectivos fiscais da informação contabilística, de imediato avultam os da obtenção de informação idónea à colecta equitativa de receita para o erário público, evitando perdas ou desigualdades que resultassem, ou resultem, de operações aptas a operar transferências de lucros, conversões contabilísticas de lucros em encargos, e outras formas de instrumentalização da substância económica em prejuízo tanto da receita como da igualdade tributária. Novamente em síntese, as alterações ao art. 23º do CIRC não significam um enfraquecimento dos objectivos de fiscalização das condições e limites dentro dos quais os encargos de um sujeito passivo podem ser apresentados, considerados, aceites ou rejeitados: 1) Seja porque, muito simplesmente, o art. 23º não foi revogado, e continua a desempenhar a mesma função que anteriormente; 2) Seja porque a sua posição, dentro do CIRC, passou a estar, a partir de 2014, reforçada com a adição do art. 23º-A.”
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Quanto à Doutrina a Requerida apela ao mesmo entendimento que perfilha GUSTAVO LOPES COURINHA, in Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2020, pp. 113-115:
«O critério hoje relevante na lei [art.º 23.º do CIRC] é, portanto, o da exigência de uma redação entre o gasto e a atividade societária. […] Na atual redação da lei fica, por isso, essencialmente excluído, um grande conjunto de despesas: aquelas cuja efetivação não se pode imputar aos interesses societários, mas aos interesses pessoais dos sócios ou de terceiros: E isso implica que, quanto a um conjunto muito vasto de despesas, onde se dá a interseção entre a esfera pessoal e societária ou entre diversas esferas societárias, se deva concluir que, em regra, não existe interesse coletivo da empresa.».
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Posto isto importa consagrar uma total adesão por parte do Tribunal à tese defendida pela Requerida e decidir nesse sentido.
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Relevante igualmente se torna ter em consideração a Doutrina alimentada a favor da sua tese pela Requerente, mas que não permite ao Tribunal altera o sentido da sua decisão.
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CONCLUSÕES
a). A D..., enquanto sociedade totalmente participada pela Requerente, obteve diversos financiamentos bancários ao longo da sua atividade (11 milhões em 2014, não tendo sido detetados pela AT quaisquer financiamentos em 2015, sendo natural que tenham existido outros muito anteriores), por virtude dos quais e em contexto que desconhecemos, levou a que tivesse celebrado, em 2007 e com o C..., um contrato de swap, para cobertura de taxas de juro, pretendendo, eventualmente, garantir que tais financiamentos não gerassem custos adicionais em função das possíveis oscilações das taxa de juro contratada.
b). Por razões que o Tribunal não conseguiu apurar, esses contratos foram renegociados em 2014, mantendo-se no entanto em vigor até 2016, desconhecendo-se as razões pelas quais os mesmos não foram denunciados.
c). Atendendo a que a Requerente era ao tempo a única acionista da D..., provavelmente com administrações colaborantes (necessariamente indicadas pelo acionista único em assembleia geral em que só esse acionista esteve presente), nada leva a crer que, quer em relação aos contratos de financiamento, aos de swap e à sua renegociação, considerando igualmente os enormes valores envolvidos (não estamos a falar de um ALD da frota automóvel), os mesmos não fossem do conhecimento da Requerente e desde a sua outorga (de 2007 a 2012);
d). Desconhecendo-se as razões pelas quais a Requerente alienou em 1 de fevereiro de 2017 a totalidade da sua participação acionista na D..., por 5 mil euros, a entidade com sede em Malta cujos acionistas se desconhecem, e apesar de tal ter provocado uma menos valia fiscal de 11 milhões de euros, que não há notícia que a AT tenha questionado, a Requerente pretende ainda que venha a ser reconhecido como gasto/custo fiscal o valor de uma variação patrimonial negativa provocada pelo pagamento ao C... de 15 milhões ao abrigo de um acordo confidencial que não foi por ela revelado no contexto do presente processo.
e). Valor esse que foi pago quando a Requerente já não era acionista da D..., entretanto redenominada B... (eventualmente denominação maltesa) e pelo qual a Requerente se considerou legalmente responsável ao abrigo do disposto no artº. 501º. do CSC.
f). Contudo, o Tribunal entende que, à data do dispêndio do gasto – 12 de dezembro de 2017 -, só a nova acionista da B..., que o passou a ser a partir de 1 de fevereiro de 2107 – poderia por tal encargo ser responsabilizada.
g). O Tribunal entende igualmente que, apesar das alterações introduzidas pelo legislador na redação do artº. 23º. Do CIRC, o gasto aqui em causa não tem ali enquadramento, como muito bem o defende a entidade Requerida.
Não podendo, pelas razões atrás sumariadas, ser aceite a dedutibilidade do gasto em causa, fica prejudicada a apreciação da segunda questão suscitada neste processo, a do seu registo em violação do princípio da especialização dos exercícios.
VIII. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
a). Julgar improcedente o pedido arbitral relativamente ao exercício de 2017, mantendo-se as liquidações efetuadas na ordem jurídica;
b). Julgar improcedente o pedido arbitral relativamente ao exercício de 2018, mantendo-se as liquidações efetuadas na ordem jurídica, em decurso do decidido na alínea anterior, não podendo o CAAD apreciar da sua ilegalidade autonomamente;
c). Não apreciar o pedido de devolução de juros compensatórios e o pedido de indemnização por garantia indevida, face ao acima decido.
IX. VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, 97.º-A, n.º 1 a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido indicado pela Requerente é de € 2.222.146,85 (dois milhões duzentos e vinte e dois mil cento e quarenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), o que não foi contestado pela Requerida, pelo que se fixa o mesmo como valor do processo.
X. CUSTAS
Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 28.764,00 (vinte e oito mil setecentos e sessenta e quatro euros).
Notifiquem-se as Partes.
Notifique-se o Ministério Público.
Lisboa, 28 de novembro de 2022
O Tribunal Arbitral Coletivo
Professor Doutor Rui Duarte Morais
(Presidente)
Drª. Maria Isabel Almeida Araújo
(Adjunto)
Jorge Carita (Adjunto) (Relator)
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