Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 6/2022-T
Data da decisão: 2022-11-15  IVA  
Valor do pedido: € 2.688,12
Tema: Cumulação de pedidos; IVA - amostras; IRC - benefício fiscal à criação de emprego; dedução à coleta de IRC relativo a benefício fiscal do RFAI; ónus da prova.
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SUMÁRIO:

I. Nos termos do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, interpretado teleologicamente em atenção à ratio do instituto e em conjugação com a solução resultante do atual art. 104.º, n.º 1 do CPPT (na versão ditada pela Lei n.º 118/2019, de 17.09), é admissível a cumulação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a diferentes atos tributários de IVA e de IRC que tenham na sua origem o mesmo relatório de inspeção tributária.

II. Em termos de ónus da prova (arts. 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do CC), para efeitos da concretização das previsões da al. f) do n.º 3.º e do n.º 7 do art. 3.º do CIVA, incide sobre a AT a necessidade de demonstração dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação, correspondente à comprovação da ocorrência de distribuições de bens da empresa sem contrapartida legalmente equiparadas a entregas realizadas a título oneroso sujeitas a IVA, e ao sujeito passivo a prova dos factos atinentes à caracterização como amostras das entregas gratuitas de bens em ordem à exclusão da tributação.

III. Cabe ao sujeito passivo, nos termos do artigo 74.º da LGT, o ónus da prova dos factos que lhe conferem o direito ao benefício fiscal pretendido.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I. Relatório[1]

 

a) Partes e pedido de pronúncia arbitral

 

  1. A..., S.A., pessoa coletiva n...., com sede na ... ..., n.º ..., ..., ...-... ..., ... (a seguir, a Requerente), apresentou, em 4.1.2022, em conformidade com os artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.1, com as alterações posteriores (a seguir Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), pedido de pronúncia arbitral (a seguir, abreviadamente PI), em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (a seguir, Requerida ou AT), no qual peticiona a anulação dos atos tributários consistentes nos despachos do Diretor de Finanças de ... de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., das liquidações n.ºs 2021 ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativas aos períodos de tributação de 2017, de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., e da liquidação n.º ... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao período de tributação de 2017, com o consequente reconhecimento do direito da Requerente à restituição dos montantes de €2.089,89, com os juros compensatórios cobrados, e de €598,23, que foram indevidamente pagos, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

b) Constituição do Tribunal Arbitral

 

2. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, al. a) do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o signatário, que aceitou o encargo e a cuja designação as partes não apresentaram recusa.

 

3. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 15.3.2022.

 

4. O Tribunal foi regularmente constituído, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3) e encontram-se devidamente representadas.

 

c) História processual

 

5. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a anulação dos atos tributários constituídos pelo i) despacho do Diretor de Finanças de ... pelo qual se indeferiu expressamente a reclamação graciosa n.º ...2021... apresentada contra as liquidações n.ºs 2021 ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...,  ... e ... de IVA, relativas aos períodos de tributação de 2017, e ii) pelo despacho do Diretor de Finanças de ... pelo qual se indeferiu expressamente a reclamação graciosa n.º ...2021... apresentada contra a liquidação n.º ... de IRC, referente ao período de tributação de 2017, bem como iii) das referidas liquidações de IVA n.ºs 2021 ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e  ... e iv) da referida liquidação de IRC n.º..., o que sustentou na invocação de vícios de fundamentação insuficiente e de erro de facto e de direito no que concerne a certas correções subjacentes. 

 

6. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta (a seguir abreviadamente R), em que deduziu a exceção de cumulação ilegal de pedidos e, caso assim não se entenda, peticionou que o pedido arbitral seja julgado improcedente na sua totalidade, quer em sede de IVA quer em sede de IRC, por as correções impugnadas corresponderem à correta aplicação da lei aos factos.

 

7. Por despacho de 4.5.2022, foi facultado à Requerente, ao abrigo das als. a) e b) do art. 16.º do RJAT, o exercício do contraditório relativamente à exceção suscitada, o qual foi concretizado pelo requerimento de 9.5.2022, em que se sustentou a sua improcedência.

 

8. Por despacho de 23.05.2022, o Tribunal Arbitral, tendo em consideração a desnecessidade da definição de trâmites processuais específicos, que não foram requeridas diligências de prova específicas pelas partes e que foi facultado e exercido pela Requerente o contraditório relativamente à exceção de cumulação ilegal de pedidos invocada pela Requerida, ao abrigo do disposto na al. c) do art. 16.º e do n.º 1 do art. 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis consagrados pelos arts. 6.º e 130.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, dispensou a realização da reunião a que alude o art. 18.º do RJAT, bem como, nos termos do n.º 2 do art. 18.º do RJAT, a produção de alegações, e indicou o termo do prazo fixado no art. 21.º, n.º 1 do RJAT para prolação da decisão final, prazo este que, ao abrigo do art. 21.º, n.º 2 do RJAT, foi prorrogado, tendo-se fixado, por último, como data para emissão da decisão o dia 15.11.2022.

 

II. Saneamento

 

9. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.3).

 

a) sobre a exceção de cumulação ilegal de pedidos

 

10. A Requerida suscitou na sua resposta (arts. 8.º e seguintes) a exceção da cumulação ilegal de pedidos, em atenção ao disposto no art. 3.º, n.º 1, do RJAT, em confronto com o art. 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sustentando que, muito embora não obste à cumulação de pedidos que os mesmos respeitem a diferentes tributos, como sucede no caso, é essencial que a procedência dos pedidos cumulados dependa da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, não bastando que as correções em apreço tenham a sua origem na mesma ação inspetiva. Segundo a Requerida, como estão em juízo correções em sede de IVA e de IRC que envolvem apreciações assentes em normas legais e em matérias de facto inteiramente distintas, não se verificam os requisitos de que depende a cumulação de pedidos, que deve ser declarada ilegal.

 

11. No exercício do contraditório, a Requerente peticionou que seja julgada improcedente a exceção arguida, para o que invocou o disposto no art. 104.º do CPPT na sua última versão, que veio estabelecer que a cumulação é possível quando a apreciação dos pedidos tenha por base o mesmo relatório de inspeção tributária, o que constitui solução em consonância com o princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efetiva, bem como com a evidente economia processual de decidir, num único processo impugnatório, a legalidade dos atos tributários que resultem do mesmo relatório inspetivo, o que justifica uma interpretação teleológica das regras sobre cumulação de pedidos, dirigida a viabilizar a cumulação sempre que as razões de economia processual se verifiquem.

 

12. Como se observa, o dissídio entre as partes quanto à viabilidade da cumulação dos pedidos apresentados em sede do presente processo arbitral prende-se com aferir se é bastante para a verificação dos respetivos pressupostos que as correções respeitantes a IVA e a IRC aqui em julgamento tenham a sua origem na mesma ação inspetiva, respondendo negativamente a AT e positivamente a Requerente.

Para a resolução desta questão, há, pois, que ter presente, em sede fáctica, que todas as liquidações adicionais de IVA e de IRC sindicadas nos autos têm a sua origem na ação inspetiva realizada pela Direção de Finanças de ... ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2020...que culminou no Relatório de Inspeção Tributária (RIT) junto como doc. n.º 3 à PI e constante igualmente do procedimento administrativo remetido pela AT (cfr., ainda, as alegações constantes dos arts. 4.º e 5.º da PI e 3.º da R).

Isto posto, segue-se notar que, sobre a cumulação de pedidos em sede de processo arbitral, dispõe o art. 3.º, n.º 1 do RJAT o seguinte: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

No CPPT, a matéria da cumulação de pedidos é objeto do art. 104.º, que estabelece, na sequência das modificações introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17.09, que: “Na impugnação judicial é admitida a cumulação de pedidos, ainda que relativos a diferentes atos (...) desde que, cumulativamente: a) Aos pedidos corresponda a mesma forma processual; e b) A sua apreciação tenha por base as mesmas circunstâncias de facto ou o mesmo relatório de inspeção tributária, ou sejam suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo” (n.º 1) e que: “Não obsta à cumulação (...) referida no número anterior a circunstância de os pedidos se reportarem a diferentes tributos, desde que todos se reconduzam à mesma natureza, à luz da classificação prevista do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Geral Tributária” (n.º 2). Anteriormente a esta alteração, este art. 104.º do CPPT dispunha o seguinte: “Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos (...) em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão”.

 

13. Indagando, então, a possibilidade de atribuir como conteúdo interpretativo à previsão do n.º 1 do art. 3.º do RJAT a circunstância de ser o mesmo relatório de inspeção tributária que está na base dos diferentes atos de liquidação de IVA e de IRC sobre que incidem os pedidos de pronúncia arbitral cumulados, não é possível deixar de reconhecer, antes de mais nada, que, de modo expresso e direto, essa solução apenas se manifesta na atual redação do art. 104.º, n.º 1 do CPPT, sendo que o enunciado do art. 3.º, n.º 1 do RJAT se encontra literalmente mais próximo da formulação pretérita do que da formulação atualmente vigente do art. 104.º, n.º 1 do CPPT, embora aquele art. 3.º, n.º 1 do RJAT represente já um alargamento da viabilidade da cumulação em relação ao regime pretérito do art. 104.º, n.º 1 do CPPT, pois, enquanto nesta previsão se convocava a ideia de identidade da natureza dos tributos e dos fundamentos de facto e de direito invocados, para aquele artigo 3.º, n.º 1 é suficiente estar em causa essencialmente a apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Afigura-se, porém, que, não obstante este argumento textual, na fixação do sentido do n.º 1 do art. 3.º do RJAT, por força da sua ratio e de uma interpretação atualista, se deve admitir que o seu âmbito de aplicação compreende a hipótese de os diferentes atos tributários relativamente aos quais se cumulam pedidos de pronúncia arbitral assentarem no mesmo relatório de inspeção tributária, que opera assim como elemento aglutinador determinativo de homogeneidade dos fundamentos de facto e de direito dos diversos pedidos.

Como é sabido, a orientação atualista na interpretação dos textos legais encontra acolhimento, como cânone hermenêutico, no art. 9.º, n.º 1 do Cód. Civil, que estabelece que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, afirmação esta última que ampara uma lógica atualista. De acordo com o n.º 2 do mesmo art. 9.º, importa, porém, que a interpretação preconizada tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Tudo isto, recorde-se, vale para o âmbito fiscal, dada a orientação, há muito dominante, que foi recebida pelo art. 11.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de que, na determinação do sentido das normas fiscais, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação das leis.

A emergência de uma questão de interpretação atualista de disposições legais em atenção às condições específicas do tempo da sua aplicação coloca-se sobremaneira por força da evolução dos critérios jurídico-valorativos, portanto, pelo desenvolvimento e modificação dos modos de apreciação de certas matérias e institutos, que impõe ponderar se cabe manter o sentido inicial da norma próprio do tempo em que foi criada, ou se deve valer, recorrendo aos elementos hermenêuticos pertinentes, um novo sentido adequado à evolução ocorrida, desde que ainda comunicado pela letra do enunciado normativo. Como escrevia GALVÃO TELLES, Introdução ao estudo do Direito, vol. I, 11.ª ed., Coimbra, 2001, pp. 267-268: “O ordenamento jurídico forma um sistema sujeito a múltiplas incidências que podem refletir-se na significação de cada uma das suas normas. Um novo preceito legal emitido poderá impor, por repercussão, um novo entendimento de outra ou outras normas, sem diretamente as modificar”.

Pois bem, é manifesto, em face do atual teor do art. 104.º, n.º 1 do CPPT, que se alargou a faculdade de cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade de diferentes atos tributários, que passou a ser permitida em função direta de estar em causa o mesmo relatório de inspeção tributária.

Verificou-se, assim, uma clara evolução e desenvolvimento dos critérios jurídicos-processuais de admissibilidade da cumulação de pedidos em sede de impugnação judicial que se julga dever conduzir, no campo do processo arbitral tributário, a uma leitura atualista da disposição do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, fazendo compreender como caso de viabilidade da cumulação de pedidos de pronúncia arbitral o circunstancialismo em que os diversos atos tributários são originados pelo mesmo relatório de inspeção tributário.

Faz-se funcionar, deste modo, uma técnica hermenêutica atualista, em que surge como relevante para a ampliação de sentido do teor do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, o elemento sistemático da interpretação, que atende ao sistema e aos lugares paralelos nas condições específicas do tempo da sua aplicação (art. 9.º, n.º 1, in fine do Cód. Civil), mediante a valoração da solução vigente do art. 104.º do CPPT em ordem à concordância material da expressão verbal do art. 3.º do RJAT com tal solução. A relevância do elemento interpretativo da unidade do sistema é, aliás, um dos mais fortes determinantes da interpretação atualista, pois o apuramento de sentido de uma fonte normativa não se realiza em insularidade, mas envolve a inserção do texto legal no complexo jurídico global a que pertence e com que se compagina em cada momento dado.

Assim, na decorrência desta técnica hermenêutica atualista, baseada no elemento sistemático atinente ao art. 104.º, n.º 1 do CPPT nas suas condições atuais e na evolução valorativa que patenteia, o art. 3.º, n.º 1 do RJAT deve ser objeto de uma interpretação extensiva, nos termos da qual a homogeneidade dos fundamentos de facto e de direito é determinada pela apreciação do litígio nos diversos pedidos arbitrais envolver a consideração do mesmo relatório de inspeção tributária.

Esta solução, quase seria desnecessário dizê-lo, é também a que se mostra em consonância com a ratio do instituto da cumulação de pedidos que tem como objetivos e razão de ser assegurar a economia de meios processuais, a celeridade processual e decisória e prevenir a duplicação e possível contradição de julgamentos, o que justifica a interpretação teleológica nessa conformidade do enunciado normativo.

Por outro lado, não se vê que o texto legal, fronteira inultrapassável da interpretação, repudie esse sentido, o que assegura a legitimidade e não arbitrariedade do resultado interpretativo. Não se trata, com efeito, de um entendimento que transponha o uso linguístico possível das palavras, pois encontra suficiente respaldo na referência do texto legislativo do n.º 1 do art. 3.º do RJAT à apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, assumindo que, na sua globalidade e unidade, o relatório de inspeção tributária, nos factos que convoca e na análise que desenvolve, conforma a identidade essencial da materialidade fática e jurídica sujeita à apreciação jurisdicional.

Vista, pois, a interpretação acima preconizada quanto ao sentido operativo do art. 3.º, n.º 1 do RJAT, e dado que na base dos atos tributários atinentes a IVA e a IRC sujeitos à apreciação deste Tribunal se encontra o mesmo relatório de inspeção tributária e as correções que promoveu relativamente ao exercício de 2017 da Requerente, o que é bastante para compor a homogeneidade fáctica e jurídica exigida pelo teor daquele art. 3.º, n.º 1, julga-se improcedente a exceção alegada pela Requerida de cumulação ilegal de pedidos.

 

14. Não foram invocadas outras exceções ou questões prévias ou incidentais que impeçam o conhecimento da lide e não se detetam nulidades.

Cabe, em consequência, proferir decisão sobre o mérito da causa.

 

III. Questões a decidir

 

15. As questões submetidas à apreciação deste Tribunal que constituem o thema decidendum concernem aos vícios de violação de lei, por erro quanto aos factos e quanto ao direito, e de deficiência de fundamentação, que são imputados aos indicados atos de liquidação adicional de IVA e de IRC e dos subsequentes atos de indeferimento das reclamações graciosas contra eles apresentadas, no que concerne às seguintes correções:

i) Correção aritmética referente a IVA em falta quanto ao montante de €2.089.89 respeitante a todos os meses de 2017 decorrente de “ofertas de inventários” relativas a entregas de bens a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal;

ii) Correção aritmética à matéria tributável em IRC referente ao apuramento da dedução do benefício fiscal à criação de emprego;

iii) Correção aritmética à matéria tributável em IRC referente à despesa com o funeral de um colaborador;

iv) Correção aritmética ao imposto em falta em sede de IRC referente ao saldo em reporte considerado pela dedução à coleta de IRC relativa a benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2016;

v) Correção aritmética ao imposto em falta em sede de IRC referente ao valor de dotação considerado para dedução à coleta de IRC relativa a benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2017.

Vejamos, pois, os diversos vícios imputados pela Requerente aos atos sindicados no que concerne às correções assinaladas, para o que importa principiar por fixar a factualidade relevante.

 

IV. Matéria de facto

 

a) Factos provados

 

16. Em face das alegações formuladas nas peças processuais das partes, examinada a prova documental produzida, constituída pelos documentos apresentados com a PI e pelos elementos constantes dos dois procedimentos de reclamação graciosa respeitantes ao IVA e ao IRC e do procedimento inspetivo (a seguir designados respetivamente como PA-RG-IVA, PA-RG-IRC e PA-IT) que a AT, em conformidade com o n.º 2 do art. 17.º do RJAT,  juntou aos autos como procedimento administrativo (PA), julgam-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão do litígio:

 

I. A Requerente é uma sociedade de direito português que atua, desde 1977, na indústria da cutelaria (CAE 25710), nomeadamente no fabrico e produção de artigos de cutelarias, como facas, espátulas e outros bens de similar categoria (factualidade aceite conforme art. 1.º da PI e RIT, p. 5).

II. A Requerente em sede de IRC está sujeita ao regime geral de determinação do lucro tributável e em sede de IVA exerce atividades que conferem o direito à dedução, estando enquadrada no regime normal de tributação de periodicidade mensal, constituindo as suas principais operações ativas a venda de bens de cutelaria para o mercado interno, intracomunitário e países terceiros (factualidade aceite nos arts. 1.º, 2.º e 3.º da PI e no RIT, p. 5).

III. A Requerente, no ano de 2017, entregou a clientes bens por si comercializados que contabilizou em subcontas da rubrica “6884” – Ofertas e amostras de inventários” (facto reconhecido no art. 11.º da PI e RIT, p. 24), conforme quadro abaixo:

 

 

IV. Foram emitidos os seguintes documentos relativamente à entrega de bens indicada no ponto anterior com o valor base de €310,97 respeitante ao período mensal 2/2017 com o registo 2017-02-09...: documento com a indicação ... 2017/18, de 09/02/2017, referenciando B..., ..., ..., ..., Itália, relativo a Steak Knife 4.5” 115mm BLK..., documento com a indicação Guia de Remessa GR 2017/90, de 09/02/2017, igualmente referenciando B... e Steak Knife 4.5” 115mm BLK ..., fatura da ... à Requerente com o n.º LIS0..., de 14/02/2017, onde, entre diversas outras entidades, consta como destinatário B..., e se menciona como “Referência Expedidor” ... 18/2017 (cfr. os documentos juntos no doc. n.º 10 à PI bem como no doc. n.º 4 à reclamação graciosa ...202... constante do PA-RG-IVA).

V. A Requerente incluiu no campo 774 – benefícios fiscais – do quadro 07 da declaração modelo 22 de 2017 a importância de €69.191,10, atinente ao benefício fiscal previsto no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), relativo à majoração à criação de emprego, conforme montante indicado no anexo D da referida declaração modelo 22, o qual tem como origem a consideração dos trabalhadores e valores indicados no quadro seguinte (factualidade aceite conforme art. 37.º da PI e RIT, p. 7):

 

VI. Dos trabalhadores indicados no ponto antecedente apenas possuíam contrato escrito assinado de trabalho por tempo indeterminado C... e D...; relativamente a E... verificou-se ter sido comunicado à Segurança Social a sua admissão “na modalidade de contrato de trabalho sem termo certo, tempo completo” (cfr. os documentos constantes do anexo 1 ao RIT a fls. 74 e segs. do PA-IT e RIT, pp. 9-10).

VII. Nos anos de 2016 e de 2017 verificou-se a entrada e saída da Requerente, como entidade empregadora, dos trabalhadores que surgem identificados nos pertinentes Anexos B – Fluxo de Entrada ou saída de trabalhadores aos Relatórios únicos sobre a atividade social da empresa juntos no Anexo 2 ao RIT a fls. 95 e segs. do PA-IT que aqui se dão por reproduzidos, dos quais resulta que, no ano de 2016, entraram sete trabalhadores com contrato de trabalho com termo certo (código 20 da coluna 4 e coluna 5) e sete trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (código 10 da coluna 4 e coluna 5) e saíram dois trabalhadores com contrato de trabalho com termo certo (código 20 da coluna 4 e coluna 7) e sete trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (código 10 da coluna 4 e coluna 7) e, no ano de 2017, entraram dezasseis trabalhadores com contrato de trabalho com termo certo (código 20 da coluna 4 e coluna 5) e um trabalhador com contrato de trabalho sem termo (código 10 da coluna 4 e coluna 5) e saíram oito trabalhadores com contrato de trabalho com termo certo (código 20 da coluna 4 e coluna 7) e cinco trabalhadores com contrato de trabalho sem termo (código 10 da coluna 4 e coluna 7) .

VIII. A Requerente registou uma fatura referente a serviços funerários com um trabalhador da empresa na conta “6371 Gastos com ação social” no montante de €3.141,20 que considerou como gasto (factualidade aceite conforme art. 50.º da PI e RIT, p. 12).

IX. A Requerente inscreveu no quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 do ano de 2017, no campo 355 (benefícios fiscais), a dedução à coleta da importância de €177.825,78, sendo que parte deste montante, conforme referido no anexo D da referida declaração, decorreu da dedução de valores de dotação com origem no Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) previsto nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal ao Investimento (CFI), no montante de € 88.912,89 (factualidade aceite conforme arts. 53.º e 54.º da PI e RIT, p. 12).

X. Os investimentos em causa nos anos de 2016 e de 2017 incluíram os ativos com as seguintes naturezas e características (factualidade reportada no RIT, pp. 14 e segs. não impugnada pela Requerente como se observa dos arts. 58.º e 150.º a 155.º da PI):

a) ano de 2016

 

 

Tipo de investimento

Código ativo

Descrição

Valor em euros

Mobiliário/

Equipamento social

20160153

BLOCO GAVETAS P/SALA ENGENHEIROS

25,00

20160154

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

60,00

20160155

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

90,00

20160156

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

60,00

20160523

CADEIRA SERIE 500GIRATÓRIA C.BAIXA C.P

328,80

20160524

CADEIRA SERIE 500 GIRATÓRIA ESTIRADOR

376,80

20160551

CADEIRA soo GIRATÓRIA e. BAIXA e. PERM

438,40

20160614

VESTIÁRIO TRIPLO C/12 CACIFOSC/1800x9

225,00

20160680

VESTIÁRIO TRIPLO COM 12 CACIFOS C/180

427,50

20160427

ESTORES DIVERSOS (POSTO MÉDICO)

93,49

20160354

MICRO ONDAS ELECTRONIA D70H20ELDB 14

56,90

20160440

BEBEDOURO DE ÁGUA FRIA M-88AFO

2.646,20

Mobiliário/ Equipamento social Total

4.828,09

outros

20160003

EXTINTOR PO QUIMICO 6KG • 2 UNIDADES

60,00

20160004

EXTINTOR PO QUIMICO 6 KG

30,00

20160027

IPHONE 6S PLUS SPACEGRAY 64-GB-YPT

661,68

20160028

IPHONE 6S SILVER 64-GB-YPT

587,68

20160288

MÁQUINA DESTRUIDORA FELLOWES 325CI 4

873,70

20160369

ESTORES PARA JANELASLATERAIS POLIMEN

510,70

20160421

EXTINTOR PÓ QUIMICO 6KG

60,00

20160423

EXTINTOR ESPUMA 6LCLASS. F

43,00

20160428

ESTORES DIVERSOS

403,51

20160611

ESTORES ARMAZÉM NOVO PA E POR CIMA+

2.853,50

20160612

ESTORES ARMAZÉM NOVO PA E ARMAZÉM N

882,00

20160616

FORNECIMENTO E MONTAGEM DE 48 ESTOR

500,00

20160670

EXTINTOR C02 2KG

44,72

20160671

EXTINTOR PÓ QUIMICO 6KG

30,00

outros Total

7.540,49

reparação

20160358

GRANDE REPARAÇÃO MÀQUINA DE PASSAR

356,67

 

20160474

EXECUTAR DUAS COLUNASPARA MÁQUINA (observação: no documento remetido tem manuscrito refª a máquina antiga já pré-existente "200502422 Maq.lnjetar vertical Idra”, e constante dos mapas de AFT com início em 2005)

4.700,00

20160506

 

GRANDE REPARAÇÃO PRENSA MARCA GAME (observação: nos documentos remetidos tem manuscrito refª a máquina antiga já pré-existente "ficha imobilizado 20080026", e constante dos mapas de AFT com início em 2009)

839,00

20160508

5.916,75

20160509

1.779,00

reparação Total

13.591,42

Total Geral

25.960,00

         

b) ano de 2017

Código

associação

Código ativo

Descrição

Observação

Valor em

euros

20170021

20170021

MÁQUINA DE ELECTROEROSAO

PENETRAÇAO MARCA "JSED" MODELO EB6

fornecedor não comercializa estas máquinas novas- bem usado

9.500,00

20170022

20170022

PRATO MAGNETICO MICRO FINO 250x400

600,00

20170061

20170061

BALANCÉ 90 TONELADAS

fornecedor é fabricante de cutelaria- bem usado

2.250,00

20170161

20170090

TRANSPORTE E MUDANÇA DE PRENSA EXCÊNTRICA 160T MARCA DELTECO

associado a outro bem usado

850,00

20170161

PRENSA EXCÊNTRICA 160T MARCA DELTECO

fornecedor é fabricante de cutelaria- bem usado

35.000,00

 

20170199

 

20170199

MÁQUINA DE INJECTAR HORIZONTAL - CAIXAS ACRILICAS

fornecedor não comercializa estas máquinas novas- bem

usado

 

12.000,00

 

20170314

 

20170314

VIAT.MERCEDES-BENZSPRINTER DIESEL MAT.83-QL-41/MERCADORIAS

Viatura adquirida usada, a Matrícula é de 2015  e teve

anterior proprietário

 

20.934,96

Total

81.134,96

·

 

 

XI. No ano de 2020, com base na Ordem de serviço n.º OI2020..., a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção interna em sede de IVA e de IRC, relativamente ao ano de 2017, para controlo das obrigações declarativas e da coerência dos valores constantes das declarações periódicas de IVA e da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC, da qual resultou o Relatório de Inspeção Tributária, emitido com data de 12.01.2021, junto como doc. n.º 3 à PI e constante igualmente do PA-IT, pp. 44 e segs., cujo conteúdo se dá por reproduzido, pelo qual se promoveram as seguintes correções aritméticas em sede de IRC e de IVA:

 

 

 

 

XII. Nos termos do referido RIT, as indicadas correções sustentaram-se nos seguintes fundamentos que se transcrevem no que aqui diretamente releva em atenção ao thema decidendum em juízo:

- “3.1.1- Em sede de IRC - ano de 2017

3.1.1.1- Dedução à matéria coletável de benefício fiscal (BF) - Criação de emprego

Encontra-se incluído no campo 774 - benefícios fiscais - do quadro 07 da declaração modelo 22 de 2017, a importância de € 69.191,10, a deduzir no apuramento do resultado tributável, decorrente de benefício fiscal previsto no artigo 19° do EBF, relativo a majoração à criação de emprego, conforme decorre do montante indicado no anexo D da referida declaração modelo 22 (...).

A origem do apuramento do referido valor pelo SP tem origem na consideração dos montantes referentes aos trabalhadores e valores indicados conforme mapa do SP seguidamente reproduzido:

 

Dos pressupostos decorrentes da aplicação do artº 19º do EBF, deverá ser tido em conta nos cálculos dos encargos, aceites em 150% do montante contabilizado como custo do exercício, o definido na al. c) do nº 2 do artº 19° do EBF, nomeadamente que se consideram "encargos" os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade (TSU).

Considerando esta questão das remunerações e encargos, será de referir que nos cálculos seguidos pelo SP se identificam as seguintes incorreções:

•   Nas remunerações totais incluiu outros valores que não apenas as remunerações ilíquidas fixas, no caso considerou os subsídios de refeição na parte não considerada remuneração para efeitos de IRS, quando a base de cálculo do benefício fiscal deve ser sobre apenas as remunerações fixas (cfr. al. c) do nº 2 do artº 19° do EBF);

•   Também nos encargos o SP considerou gastos com seguros de acidentes de trabalho, quando a norma da al. c) do nº 2 do artº 19° do EBF apenas prevê como encargos admissíveis apenas as contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade (TSU).

No seguimento do referido quanto à base de cálculo, retirados das remunerações os montantes dos subsídios de refeição e dos encargos a parte referente a seguros, apura-se os seguintes valores potenciais de benefício fiscal corrigidos (e eventualmente aceites caso os restantes pressupostos da norma estejam cumpridos, o que se analisará adiante) por trabalhador:

 

 

Como resulta evidente, o SP apurou um valor incorreto e superior ao que decorreria da aplicação dos critérios de remuneração e encargos de forma correta, excedendo no total por si apurado em 3.325,00 €.

Contudo, não se trata apenas de apurar os valores corretos, uma vez que para efeitos do presente beneficio fiscal o SP tem de fazer prova e cumprir outros requisitos, designadamente, o previsto no nº 1 do artº 19º do EBF, ou seja, dado que só são admitidos os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado (ou seja, efetivo ou sem termo), terão de se comprovar o cumprimento destas situações.

Ainda no que se refere à "criação líquida de postos de trabalho", a al. d) do nº 2 do artº 19º do EBF define-a como "a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições", pelo que importa também atender ao cumprimento desta situação.

Sucede, no que se refere à questão da criação líquida de postos de trabalho, o SP não remeteu documentação suficiente, que fizesse prova de que cumpre todos os referidos pressupostos.

O SP inicialmente apenas remeteu contratos de trabalho que efetivamente documentam a obrigação de contratação sem termo relativamente a dois dos trabalhadores: C... e D... .

Relativamente aos restantes trabalhadores num segundo momento nada mais informou, apenas o vindo a fazer numa terceira insistência, tendo no caso fornecido mais alguns elementos de contratos de trabalho conforme procuramos sintetizar no quadro abaixo. Destaca-se que o SP não apresentou contratos de trabalho escritos para todos os identificados trabalhadores, apresentando para alguns comunicação à segurança social de admissão de trabalhador com a referência ao tipo de contrato, salientando-se que, em particular relativamente a trabalhadores contratados que não sem termo, veio juntar comunicação unilateral ao trabalhador considerando que o contrato de trabalho passou à data para "efetivo". No quadro seguinte sintetizam-se as diversas situações com esses elementos adicionais:

 

 

Como resulta da leitura dos dados apresentados no quadro anterior, existem várias inconsistências, entre o que está registado na ficha do trabalhador e outros elementos, como por exemplo com o tipo de contrato comunicado no anexo B do relatório único (modelo previsto na portaria nº 55/2010 de 21 de janeiro tendo por objeto a "...informação sobre a atividade social da empresa, por parte do empregador, ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral."), em anexo 2, ou a inexistência de contratos escritos, ou também por exemplo a comunicação à segurança social de contrato a termo ainda que alegue e junte comunicação ao trabalhador da mudança do tipo de contrato para efetivo.

Destaca-se que apesar das comunicações efetuadas pelo SP aos seus trabalhadores, para as situações identificadas de contratos a termo e/ou comunicadas à segurança social como tal, não juntou contratos escritos ou adendas que indiquem claramente o tipo de contrato como sem termo. Também não remeteu comunicações à segurança social dessa forma de contrato, evidenciando-se ainda que o comunicado para o relatório único é em muitos casos incoerente com o resto da informação.

A situação que aparentemente foi claramente comunicada à segurança social como admitido por contrato sem termo é a situação do trabalhador "E...", ainda assim, não remeteu o SP contrato de trabalho escrito com o mesmo.

Conclui-se assim, que o SP apenas fez prova clara relativamente ao cumprimento da norma no que diz respeito a contratos de trabalho por tempo indeterminado de apenas dois dos trabalhadores indicados nos seus mapas, C... e D..., subsistindo dúvidas relativamente aos restantes, quer pela falta de elementos mais claros e idóneos, que permitam validar as situações indicadas para os trabalhadores identificados no quadro anterior, e também pela falta de elementos de prova contratual para os restantes (F..., G..., H..., I...).

Assim, considerando os elementos apresentados, designadamente os relatórios únicos de 2016 e 2017, verificada a existência de saídas de vários trabalhadores em número superior aos admitidos nas circunstâncias em avaliação neste ponto, sem que seja conhecida a situação contratual dos mesmos, deveria o SP, para efeitos do benefício pretendido, ter apresentado todos os elementos de prova, não só de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, mas também elementos que permitissem validar a criação líquida de postos de trabalho nos termos definidos na já citada al. d) do nº 2 do artº 19º do EBF, o que até [à] data não fez.

Os elementos de prova relativamente a contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado devem ser apresentados não só relativamente aos trabalhadores considerados como criação líquida de postos de trabalho e cujos encargos foram majorados, mas também relativamente aos restantes que igualam as saídas de trabalhadores nas mesmas condições - só assim se comprova a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado, pois só esta beneficia de majoração - comprovando-se assim a elegibilidade do benefício.

Por conseguinte não se encontram reunidas condições para aceitar o benefício fiscal em causa, sendo assim de corrigir por acréscimo ao resultado tributável a totalidade no montante em causa, 69.191,10€” [pp. 7-11].

- “3.1.1.2- Gastos deduzidos indevidamente por erros de registo contabilístico ou outros

(...)

Foi (...) identificado o registo de uma fatura referente a Serviços funerários com um trabalhador da empresa, pelo registo na conta "6371 Gastos de acção social", com o ID de registo 2017-05-31 ... no montante de 3.141,20 € (não relacionado com rendimento de trabalho dependente), tais gastos, pela sua natureza extraordinária e por extravasarem o âmbito do objeto e atividade da empresa não se podem enquadrar como concorrendo para a obtenção ou garantia dos rendimentos desta.

Assim, tendo sido suportados eventuais encargos que não decorrem de remunerações ou outros gastos devidamente justificados enquadráveis na atividade normal da empresa, não podem esses ser aceites fiscalmente, ao não concorrerem para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, sendo por isso de corrigir o montante total decorrente das situações indicadas e que perfaz 3.748,86 € (= 607,66 € + 3.141,20 €) acrescendo-o ao resultado tributável” [pp. 11-12].

- “3.1.1.3- Dotação de benefício RFAI indevido e correção da dedução à coleta

No exercício de 2017, em sede de IRC, o SP inscreveu na declaração de rendimentos modelo 22, no campo 355 - benefícios fiscais - do quadro 10, a dedução à coleta da importância de 177.825,78 €.

De tal montante, conforme referenciado no anexo D da referida declaração, parte decorre da dedução de valores de dotação com origem no REGIME FISCAL DE APOIO AO INVESTIMENTO (RFAI) previsto nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI) aprovado pelo Dec.-Lei n.º 162/2014, de 31/10, no montante de 88.912,89 € conforme seguidamente se reproduz:

 

 

Nos termos do referido CFI, o RFAI é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014, estabelecendo-se ainda o âmbito de aplicação e definições do RFAI, designadamente a quem se aplica, quais as aplicações relevantes, as condições objetivas e cumulativas exigidas aos sujeitos passivos para poderem beneficiar deste regime, outras definições e enquadramentos, os benefícios e obrigações acessórias, e designadamente os elementos a constarem do processo de documentação fiscal.

Pela Portaria 297/2015 de 21 de setembro foi estabelecido em melhor detalhe a regulamentação do RFAI, entre outros, nomeadamente, os conceitos de investimento/aplicações relevantes e elementos a constar no processo de documentação fiscal.

Analisados os elementos justificativos apresentados constata-se que o SP se refere a investimentos efetuados alegadamente entre os anos de 2015 a 2017, que considera imputáveis para efeitos de RFAI, e de acordo com informação do SP, se traduzem nos montantes resumidos no quadro seguinte:

 

 

Os investimentos em causa efetuados em 2015 foram já verificados no âmbito de inspeção anterior, designadamente a esse mesmo ano, tendo sido alvo de ajustamento, e os valores declarados indicados refletem esses mesmos ajustamentos.

Uma vez que 2015 foi analisado e corrigido de acordo com o proposto pela AT, e considerando que em 2017 é deduzido parte do montante de dotação referente a 2016, e considerando que em 2017 o SP volta a considerar novos valores de dotação por investimentos neste ano, verificamos no âmbito da presente inspeção o apuramento e cumprimento das condições legais na base das dotações referentes a 2016 e 2017.

Efetuados pedidos de esclarecimentos ao SP sobre os referidos investimentos e o seu enquadramento em sede de RFAI concluiu-se conforme seguidamente se descreve:

1- Enquadramento dos investimentos efetuados

Nos termos do RFAI, consideram-se aplicações relevantes, as efetuadas no âmbito de um investimento inicial (nos termos da portaria 297/2015 de 21 de setembro) e, designadamente, investimento em ativos fixos tangíveis, afetos à exploração da empresa adquiridos em estado novo, afastando-se desde logo, nos termos da al. a) do nº 2 do artº 22° do CFI, equipamentos sociais, mobiliário e artigos de conforto ou decoração ou outros bens que não estejam afetos à exploração da empresa, bem como eventuais reparações de equipamentos pré-existente. Também se encontram fora dos investimentos consideráveis como relevantes os ativos intangíveis que não se enquadrem nos definidos na al. b) do do nº 2 do artº 22° do CFI.

Nos termos do n.º 5 do art.º 22.º do CFI “Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso." (...).

A alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria 297/2015 de 21 de setembro, regulamenta e estabelece claramente que o RFAI apenas se aplica a investimentos iniciais (novos), considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

Atendendo ao justificado pelo SP (conforme documento em Anexo 3) quanto ao enquadramento dos seus investimentos obtivemos resposta de que os mesmos se enquadram como "Aumento da capacidade de um estabelecimento já existente".

Analisados os investimentos considerados em 2016 e 2017 para efeitos do RFAI pelo SP (Anexos 4 e 5 respetivamente) e outros elementos de suporte (ex: faturas), seguindo a referenciação genérica dos investimentos conforme apresentada pelo próprio, conclui-se resumidamente terem sido incluídos ativos que não se podem considerar como aplicações relevantes para o efeito de RFAI.

Em seguida, e relativamente a cada um dos anos, listamos os investimentos em causa agrupados pelo motivo de exclusão:

•   Ano de 2016

Ativos usados (não novos), incluindo-se, além das aquisições principais, outros encargos designadamente transportes, montagens e reparações, conforme seguidamente referenciado:

Outros ativos não enquadráveis como relevantes (mobiliário, equipamento social e outros não relacionados com a exploração, reparações de equipamentos pré existentes):

Tipo de investimento

Código ativo

Descrição

Valor em euros

Mobiliário/

Equipamento social

20160153

BLOCO GAVETAS P/SALA ENGENHEIROS

25,00

20160154

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

60,00

20160155

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

90,00

20160156

SECRETÁRIA P/SALA ENGENHEIROS

60,00

20160523

CADEIRA SERIE 500GIRATÓRIA C.BAIXA C.P

328,80

20160524

CADEIRA SERIE 500 GIRATÓRIA ESTIRADOR

376,80

20160551

CADEIRA soo GIRATÓRIA e. BAIXA e. PERM

438,40

20160614

VESTIÁRIO TRIPLO C/12 CACIFOSC/1800x9

225,00

20160680

VESTIÁRIO TRIPLO COM 12 CACIFOS C/180

427,50

20160427

ESTORES DIVERSOS (POSTO MÉDICO)

93,49

20160354

MICRO ONDAS ELECTRONIA D70H20ELDB 14

56,90

20160440

BEBEDOURO DE ÁGUA FRIA M-88AFO

2.646,20

Mobiliário/ Equipamento social Total

4.828,09

outros

20160003

EXTINTOR PO QUIMICO 6KG • 2 UNIDADES

60,00

20160004

EXTINTOR PO QUIMICO 6 KG

30,00

20160027

IPHONE 6S PLUS SPACEGRAY 64-GB-YPT

661,68

20160028

IPHONE 6S SILVER 64-GB-YPT

587,68

20160288

MÁQUINA DESTRUIDORA FELLOWES 325CI 4

873,70

20160369

ESTORES PARA JANELASLATERAIS POLIMEN

510,70

20160421

EXTINTOR PÓ QUIMICO 6KG

60,00

20160423

EXTINTOR ESPUMA 6LCLASS. F

43,00

20160428

ESTORES DIVERSOS

403,51

20160611

ESTORES ARMAZÉM NOVO PA E POR CIMA+

2.853,50

20160612

ESTORES ARMAZÉM NOVO PA E ARMAZÉM N

882,00

20160616

FORNECIMENTO E MONTAGEM DE 48 ESTOR

500,00

20160670

EXTINTOR C02 2KG

44,72

20160671

EXTINTOR PÓ QUIMICO 6KG

30,00

outros Total

7.540,49

reparação

20160358

GRANDE REPARAÇÃO MÀQUINA DE PASSAR

356,67

 

20160474

EXECUTAR DUAS COLUNASPARA MÁQUINA (observação: no documento remetido tem manuscrito refª a máquina antiga já pré-existente "200502422 Maq.lnjetar vertical Idra”, e constante dos mapas de AFT com início em 2005)

4.700,00

20160506

 

GRANDE REPARAÇÃO PRENSA MARCA GAME (observação: nos documentos remetidos tem manuscrito refª a máquina antiga já pré-existente "ficha imobilizado 20080026", e constante dos mapas de AFT com início em 2009)

839,00

20160508

5.916,75

20160509

1.779,00

reparação Total

13.591,42

Total Geral

25.960,00

Resumo 2016:

Assim, em resultado dos valores indicados nos quadros que antecedem, o total de ativos não enquadráveis como aplicações relevantes para efeitos de RFAI no ano de 2016 perfazem o montante de 148.290,67€ (= 122.330,67€ + 25.960,00€).

• Ano de 2017

Ativos usados (não novos), incluindo-se, além das aquisições principais, outros encargos designadamente transportes, montagens e reparações, conforme seguidamente referenciado:

 

Código

associação

Código ativo

Descrição

Observação nossa

Valor em

euros

20170021

20170021

MÁQUINA DE ELECTROEROSAO

PENETRAÇAO MARCA "JSED" MODELO EB6

fornecedor não comercializa

estas máquinas novas- bem usado

9.500,00

20170022

20170022

 

PRATO MAGNETICO MICRO FINO 250x400

600,00

20170061

20170061

BALANCÉ 90 TONELADAS

fornecedor é fabricante de cutelaria- bem usado

2.250,00

20170161

20170090

TRANSPORTE E MUDANÇA DE PRENSA

EXCÊNTRICA 160T MARCA DELTECO

associado a outro bem usado

850,00

20170161

PRENSA EXCÊNTRICA 160T MARCA DELTECO

fornecedor é fabricante de

cutelaria- bem usado

35.000,00

 

20170199

 

20170199

MÁQUINA DE INJECTAR HORIZONTAL - CAIXAS ACRILICAS

fornecedor não comercializa estas máquinas novas- bem

usado

 

12.000,00

 

20170314

 

20170314

VIAT.MERCEDES-BENZSPRINTER DIESEL MAT.83-QL-41/MERCADORIAS

Viatura adquirida usada, a 1

Matrícula é de 2015  e teve

anterior proprietário

 

20.934,96

Total

81.134,96

·-

Outros ativos não enquadráveis como relevantes (mobiliário, outros não relacionados com a exploração, reparações de equipamentos pré-existentes, registo de marcas não enquadráveis nos ativos intangíveis previstos)

 

 

 

 

 

 

 

Resumo 2017:

Assim, em resultado dos valores indicados nos quadros que antecedem, o total de ativos não enquadráveis como aplicações relevantes para efeitos de RFAI no ano de 2017 perfazem o montante de 115.659,47€ (= 81.134,96€ + 34.524,51€).

Relativamente aos ativos adquiridos usados, será de referir que os elementos remetidos (faturas, descritivos e anotações nas mesmas) indiciam tratarem-se de bens usados, designadamente por serem aquisições a fornecedores que não fabricantes ou comerciantes dos equipamentos em causa (inclusive porque os seus CAE's não o preveem), ou até porque alguns também se encontram inseridos no setor de atividade do SP (fabricantes de cutelarias), e como tal eram utilizadores dos equipamentos que interessam à atividade do SP, e ainda outros, conforme indicado em observações, também não transacionam equipamentos novos (ex: massa insolvente e sucateiro). De qualquer modo, foi possível obtermos a confirmação junto de alguns dos referidos fornecedores que tais equipamentos foram vendidos no estado de usados, bem como junto do próprio SP, o qual veio reconhecer e confirmar por escrito tratarem-se de facto de equipamentos usados.

De referir ainda, no que diz respeito aos ativos "usados", que consideramos não só as aquisições dos mesmos, como também outros encargos associados de transporte, instalação e reparações.

No que se refere à viatura ..., embora não incluída nos elementos usados solicitados na confirmação pelo SP, verificamos nos sistemas da AT que a mesma tem data de primeira matrícula de 2015-10-13, com anterior proprietário, pelo que se confirma tratar de viatura usada.

Quanto aos outros ativos, indicam-se situações de aquisições de mobiliário, equipamento social e outros ativos não relacionados com a exploração ou de substituição/correntes, não enquadráveis numa estratégia de investimento inicial de aumento da capacidade produtiva e que não se podem considerar como investimentos relevantes nos termos, respetivamente, das sub.al.s iv), v) e vi) da al. a) do nº 2 do artº 22º do CFI e alínea d) do n.º 2 do art.º 2 da Portaria 207/2015.

Refira-se que a alínea d) do nº 2 do artigo 2º da portaria 297/2015 de 21 de setembro, regulamenta e estabelece claramente que o RFAI apenas se aplica a investimentos iniciais (novos), englobando os investimentos inseridos nessa estratégia de aumento da capacidade produtiva (identificada pelo SP) e não todos os outros investimentos que o SP decida efetuar no período e investimento de substituição, no âmbito da sua atividade normal.

Repare-se, por exemplo, que a aquisição corrente de moldes poderá não ser enquadrada enquanto investimento inicial, pois é equipamento básico essencial à atividade normal do SP. Contudo, admite-se que no âmbito da ampliação possa ter adquirido equipamento adicional, fora do âmbito da atividade normal.

No que refere às aquisições de ativos intangíveis, "registos de marcas", não se podem considerar como enquadráveis no previsto na al. b) do nº 2 do artº 22º do CFI, designadamente “... despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente" (...). A despesa de registo de uma marca própria não é a aquisição de tecnologia (licenças, Know-how, patentes...).

(...) em resumo, a correção do benefício fiscal que resulta da desconsideração dos referidos investimentos e o total de dotação dedutível eventualmente aceite se cumpridas as demais condições do RFAI totaliza os montantes no quadro seguinte indicados:

 

(...)

3- Conclusões

Em face do descrito, entende-se que o SP não reuniu para os investimentos de 2016 e 2017, as condições exigíveis para poder beneficiar da dotação do incentivo fiscal do RFAI decorrente de todos os investimentos por si indicados, mas apenas e só relativamente a 2016, 312.746,59 €, e relativamente a 2017, 258.563,19 €, propondo-se, por conseguinte, a correção dos montantes das dotações relativas aos dois anos nos montantes de 37.072,67 € e 28.914,87 €, respetivamente.

Assim, e dado que se propõe a correção da parte das dotações de 2016 e 2017, deverá existir ajuste no saldo em reporte de RFAI de 2016, na dotação do período (2017) e nos saldos a reportar para os períodos seguintes de RFAI de 2016 e de 2017, de acordo com os montantes corrigidos, acima referidos.

Deverão igualmente ser corrigidas as declarações Mod.22 dos anos seguintes, por forma a refletir nos saldos a reportar do RFAI as presentes propostas de correção.”. [pp. 12-22]

- “3.1.2- Em sede de IVA - ano de 2017

(...)

3.1.2.2 – IVA em falta decorrente de ofertas de inventários

No decurso do ano de 2017, o SP efetuou diversas ofertas de produtos por si produzidos ou comercializados, conforme registos identificados em subcontas da conta “6884 Ofertas e amostras de inventários”.

Nos termos do art.º 1.º do CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.

Nos termos da alínea f) do n.º 3 do artº 3.º do CIVA, consideram-se transmissões de bens, as transmissões gratuitas quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.

Não há, contudo, sujeição a imposto, ainda que tenha havido lugar à dedução total ou parcial do IVA contido nos bens objeto de transmissão gratuita, nos casos em que se esteja perante ofertas de valor unitário igual ou inferior a 50,00 € e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do SP no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, conforme n.º 7 do artº 3.º do CIVA. No caso de a oferta ser constituída por um conjunto de bens, o valor de 50,00 € aplica-se ao conjunto de bens e não a cada um de per si.

Sucede que se identificou o registo de várias faturas nas circunstâncias indicadas, relativamente às quais não foi liquidado o IVA, pelo que estando as mesmas sujeitas à taxa normal se apuram os montantes respetivos de IVA em falta, por período mensal de 2017:

 

 

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XIII. Em consequência das correções promovidas pelo RIT, foram emitidas as liquidações adicionais de IRC n.º 2021 ..., referente ao período de tributação de 2017, e de IVA n.ºs 2021..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., relativas aos períodos de tributação de 2017, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios e demonstrações de acerto de contas, conforme documentos juntos à PI como doc. n.º 1 (relativamente ao IVA) e doc. n.º 2 (relativamente ao IRC) que se dão por reproduzidos.

XIV. A Requerente apresentou contra a liquidação adicional de IRC n.º ... a reclamação graciosa n.º ...2021... (cfr. doc. n.º 7 à PI e pp. 1 e segs. do PA-RG-IRC), na qual alegou, em síntese, o seguinte:

a) Quanto ao apuramento do benefício fiscal à criação líquida de emprego – a AT não cumpriu o dever de fundamentação a que está adstrita, não tendo indicado as razões de facto e de direito que determinaram o conteúdo do ato, apresentando de forma objetiva as situações que considerava não cumprirem os requisitos subjacentes à aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, limitando-se a emitir no RIT um resultado sem indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a integral desconsideração do mencionado benefício;

b) Quanto aos gastos incorridos com o funeral de um colaborador – seria da mais elementar justiça aceitar a dedutibilidade daquele encargo, desde logo enquanto realização de utilidade social ou qualquer outra forma legal que a AT entendesse por conveniente;

c) Quanto ao apuramento do benefício fiscal do RFAI referente ao período de 2016 – o procedimento de inspeção possuiu âmbito parcial em sede de IRC e IVA relativamente ao ano de 2017 e, no seu decurso, não se verificou qualquer alteração na sua extensão, jamais tendo sido a Requerente notificada de qualquer alteração na extensão do procedimento, pelo que só pode ter-se por ilegal a correção efetuada pela AT no que concerne ao montante da dotação do benefício do RFAI referente a 2016 pois a extensão do procedimento de inspeção não contemplava aquele exercício;

d) Quanto ao apuramento do benefício fiscal do RFAI referente ao período de 2017 – a AT não justificou de forma concreta a razão da não elegibilidade de um conjunto de ativos, para além de utilizar argumentos que são incoerentes entre si, na medida em que, por um lado, afirmou que os mesmos tinham uma natureza de utilização regular pela empresa, ao mesmo tempo que concede que esses investimentos podem ser efetuados fruto do aumento da capacidade contributiva.

 

XV. Em relação à referida reclamação n.º ...2021..., foi proferida a decisão de indeferimento notificada pelo Ofício n.º ..., de 7.12.2021, junto como doc. n.º 8 à PI e igualmente constante do PA-RG-IRC, decisão de indeferimento essa que se sustentou, em síntese, no seguinte:

a) em relação ao apuramento do benefício fiscal à criação de emprego, a Requerente apenas apresentou prova clara relativamente aos contratos de trabalho de dois colaboradores, subsistindo dúvidas relativamente aos restantes, cabendo à Requerente fazer prova dos pressupostos para a aplicação do benefício no caso concreto, pelo que “deveria o SP, para efeitos do beneficio pretendido, ter apresentado todos os elementos de prova, não só de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, mas também elementos que permitissem validar a criação líqui[da] de postos de trabalho nos termos definidos na citada alínea d) do n.º 2 do Artigo 19.º do EBF, o que até à data não fez”, sendo que os “elementos de prova relativamente a contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado devem ser apresentados não só relativamente aos trabalhadores considerados como criação líquida de postos de trabalho e cujos encargos foram majorados, mas também relativamente aos restantes que igualam as saídas de trabalhadores nas mesmas condições - só assim comprova a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado, pois só esta beneficia de majoração - comprovando-se assim a elegibilidade do benefício”.

b) relativamente às despesas incorridas com o funeral de um colaborador, “tais gastos, pela sua natureza extraordinária e por extravasarem o âmbito do objeto e atividade da empresa não se podem enquadrar como concorrendo para a obtenção ou garantia dos rendimentos desta” e, assim, “tendo sido suportados eventuais encargos que não decorrem de remunerações ou outros gastos devidamente justificados enquadráveis na atividade normal da empresa, não podem esses ser aceites fiscalmente, ao não concorrerem para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do n.º 1 do Artigo 23.º do CIRC, sendo por isso de corrigir o montante total decorrente de tais gastos”;

c) quanto ao apuramento do benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2016, o que “está em causa é a verificação do valor do crédito de imposto a utilizar nos anos seguintes, sem que daí decorra alteração no IRC a pagar/recuperar apurado relativamente a 2016. Assim, não havendo lugar a liquidação adicional relativamente à liquidação anterior, também não se torna necessária a notificação que o sujeito passivo se refere”;

d) relativamente ao apuramento do benefício fiscal do RFAI do período de tributação de 2017, é “condição do benefício, que o investimento efetuado integre o conceito de "investimento inicial", salientando-se que não se considera aplicação relevante a "aquisição isolada" de ativos que não integrem tal conceito e não é elegível como aplicação relevante o investimento na "aquisição de equipamentos de substituição", decorrente do disposto na alínea d) do n.º 2 do Artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de Setembro, bem como no n.º 5 do Artigo 22.º do CFI que refere "adições", sendo que a IT questionou o próprio SP, o qual veio reconhecer e confirmar por escrito tratarem-se de facto de equipamentos usados. Quanto aos outros ativos, foram indicadas situações de aquisições de mobiliário, equipamento social e outros ativos não relacionados com a exploração ou de substituição/correntes, não enquadráveis numa estratégia de investimento inicial de aumento da capacidade produtiva e que não se podem considerar como investimentos relevantes nos termos, respetivamente, das sub.al.s iv), v) e vi) da al. a) do n.º 2 do Artigo 22.º do CFI e alínea d) do nº 2 da Portaria 207/2015”, sendo que a fundamentação do relatório de inspeção é suficiente.

 

XVI. A Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º ...2021... junta como doc. n.º 4 à PI, igualmente constante a fls. 1 e segs. do PA-RG-IVA, contra as liquidações adicionais de IVA acima identificadas, no que concerne à correção reclamada quanto ao montante de €2.089,89 relativo a produtos enviados a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal incluído no montante total de € 3.209,80 respeitante ao invocado IVA em falta em “ofertas de inventários”, na qual alegou, em síntese, que:

a) estavam em causa nesses bens enviados a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal amostras, e não ofertas, e, portanto, não haveria sujeição a IVA, tendo em conta o disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA;

b) a AT não justificou a qualificação destas entregas como ofertas, mas mesmo que a qualificação (errónea) tivesse advindo do facto de terem sido enviados produtos fisicamente idênticos aos comercializados pela Reclamante, essa questão (i.e. de que a amostra não tem que ter, necessariamente, características distintas dos bens comercializados - desde logo, em muitos casos, é impossível que tal aconteça) já foi esclarecida em decisões dos tribunais nacionais e também europeus;

c) nas circunstâncias comerciais do mundo globalizado e competitivo dos dias de hoje, não faria qualquer sentido a não qualificação como amostra, apenas pelo facto do bem enviado não demonstrar uma dimensão ou características diferentes daqueles que são habitualmente comercializados (há efetivamente bens que só são passíveis de ser testados pelo cliente, em todas as suas funções, se as amostras apresentarem uma dimensão e características físicas semelhantes às do produto a ser comercializado), e bem se compreende que também os produtos de cutelaria, para serem efetivamente testados quanto à sua função e qualidade, têm que ser fornecidos com características físicas idênticas às do produto a comercializar;

d) reconhecendo-se a qualificação como amostra, as correspondentes entregas são não sujeitas a IVA de acordo com o n.º 7 do artigo 3.º, que constitui uma exceção à alínea f) do n.º 3 do mesmo artigo, pelo que são ilegais as liquidações adicionais no montante correspondente a Euro 2.089,89;

e) mesmo que, por mera hipótese, não se qualificassem como amostras, como transações entre dois sujeitos passivos (B2B) e atendendo que o bem é expedido para fora do território português, os montantes em causa não seriam, ainda assim, tributados em sede de IVA, por ser aplicável a isenção prevista no artigo 14.º do CIVA ou no artigo 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias de Bens, consoante a transação seja para um cliente estabelecido na UE ou fora daquele território; e

f) ocorre ausência de fundamentação legalmente exigida, na medida em que a AT não procedeu à devida qualificação das operações e normas aplicáveis que originaram as liquidações adicionais de IVA em apreço, com indicação das razões de facto e de direito que determinaram o conteúdo do ato, tendo-se limitado a emitir um resultado, sem, contudo, indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a qualificação das transmissões como ofertas (e não amostras).

 

XVII. Foi proferida, em relação à referida reclamação n.º ...2021..., a decisão de indeferimento de 7.10.2021 junta como doc. n.º 5 à PI igualmente constante do PA-RG-IVA, na qual se sustentou o seguinte:

- “O artigo 2.º da Portaria em referência [Portaria n.º 497/2008, de 24 de junho], estabelece que se consideram amostras «os bens, não destinados a posterior comercialização, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda que se destinem a apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo”;

- “A assimilação que o legislador faz sujeitando a imposto determinadas operações gratuitas, como se de operações onerosas se tratasse, sejam elas transmissões de bens ou prestações de serviços, resultou da preocupação de que todo o consumo seja tributado. Se assim não fosse mantendo as empresas cedentes dos bens ou serviços o direito à dedução do IVA suportado nas aquisições, as operações realizadas gratuitamente seriam totalmente desoneradas de qualquer imposto. Nos termos desta norma, as transmissões gratuitas de bens, quando, relativamente às mesmas, tenha havido direito dedução total ou parcial do imposto, são sujeitas a IVA, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) do CIVA”;

- “As ofertas ou doações de bens da empresa a terceiros constituem igualmente autoconsumo. A neutralidade do imposto exige que estas operações sejam tributadas, uma vez que o seriam se fossem realizadas por terceiros, sujeitos passivos de imposto”.

- “a isenção de IVA constante dos Artigos citados do CIVA e RITI [Artigo 14.º do RITI e Artigo 14.º do CIVA] aplica-se a transmissões de bens e prestações de serviços e não a ofertas, sendo que os documentos juntos não nos permitem comprovar a saída dos bens, nem efetuar correspondência com as faturas em causa”.

- “em termos de fundamentação do ato, tem-se a mesma por suficiente, já que apesar do alegado pela Requerente, ele não se viu impedido de fazer valer as suas pretensões apresentando a presente reclamação”.

 

XVIII. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios, no montante total de €5.261,86, compreendendo, assim, o montante aqui impugnado de €2.089,89, conforme comprovativos de pagamento juntos agregadamente no doc. n.º 6 à PI, nos seguintes termos:

 

XIX. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de IRC e correspondentes juros compensatórios, no montante total de €5.261,86, conforme doc. n.º 9 junto à PI.

 

 

b) factos não provados

 

17. Assume ainda relevância para a decisão da causa a seguinte factualidade não provada:

A.  Não provado (vd. as alegações consignadas nos arts. 14.º, 17.º, 90.º, 92.º e 94.º da PI) que, relativamente às entregas de bens indicadas no n.º III, constituem amostras e que foram enviadas para sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal entregas no valor de €9.086,36, com exceção do referenciado no n.º IV.

 

Não se descortina outra factualidade que importe dar como não provada para resolução do litígio, designadamente em atenção aos enunciados limitativo constante do ponto n.º VI e descritivo constante do ponto n.º VII (dados os meios probatórios arrolados nos autos aí indicados), que são, pois, bastantes para a discussão e decisão da questão, objeto do processo, da correção em IRC referente ao apuramento da dedução do benefício fiscal à criação de emprego.

 

c) Motivação da decisão de facto

 

18. No tocante aos factos provados elencados no n.º 16, para além daqueles que não são controvertidos entre as partes ou que se verificou, nos termos do art. 46.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, terem sido especificamente reconhecidos ou que foram admitidos por acordo (vd. n.ºs I, II, III, V, VIII, IX), a convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos pelo Requerente com a PI e nos documentos e informações constantes do PA, particularmente dos documentos constantes dos anexos ao RIT, conforme especificamente indicado nos n.ºs IV, VI, VII, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX, e, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 76.º da LGT e do art. 115.º, n.º 2 do CPPT, nas indicações fácticas que são reportadas no RIT em relação aos ativos descritos no n.º X, por se mostrarem fundamentadas e assentes em critérios objetivos, com análise dos documentos disponíveis e realização das diligências adequadas a esclarecer as situações, indicações fácticas essas que não foram, aliás, objeto de específica rejeição ou impugnação pela Requerente.

Refira-se que assume teor limitativo, em face das alegações da PI, o enunciado constante do ponto n.º VI, o que se deveu a não terem sido apresentados, para além dos documentos referidos neste ponto, idênticos documentos ou outros meios probatórios bastantes em relação aos demais trabalhadores indicados no facto provado n.º V (cfr. os documentos constantes do referido Anexo I ao RIT), dado que se observam diversas discrepâncias, designadamente falta de coincidência entre os outros documentos juntos (para além dos referenciados no facto provado n.º VI) e os dados colocados nos Anexos B – Fluxo de Entrada ou saída de trabalhadores – aos Relatórios únicos sobre a atividade social da empresa juntos no Anexo 2 ao RIT (assim, a declaração da Requerente como trabalhador efetivo de J... é distinta do que resulta do referido Anexo B do ano de 2017 e do comprovativo da comunicação da admissão do trabalhador à Segurança Social, que aludem a contrato de trabalho a termo certo; a declaração da Requerente como efetivo de K... é distinta do que resulta do referido Anexo B do ano de 2017 e o contrato de trabalho assinado, embora epigrafado “por tempo indeterminado”, indica como data do seu termo 06.11.2018; a declaração da Requerente como efetivo de L... é distinta do que resulta do referido Anexo B do ano de 2017 e do comprovativo da comunicação da admissão do trabalhador à Segurança Social, que alude a contrato de trabalho a termo certo; em relação a M... consta um documento, não assinado, de contrato de trabalho por tempo indeterminado, mas é indicado no referido Anexo B do ano de 2017 que o respetivo contrato é com termo certo).

Relativamente à factualidade, que se pode alcançar dos arts. 14.º, 17.º, 90.º, 92.º e 94.º da PI, quanto à natureza das entregas dos bens em causa como amostras e à sua expedição para fora do território português, e que foi dada como não provada na alínea A, isso deveu-se a não terem sido exibidos pela Requerente meios probatórios suscetíveis de demonstrar as alegações em causa.

Antes de mais, assinale-se que, nas alegações em causa realizadas nos arts. 14.º, 17.º, 90.º, 92.º e 94.º da PI, a Requerente limita-se a consignar, em termos genéricos, senão mesmo conclusivos, que “entende que a AT qualificou erradamente aquelas realidades como ofertas (quando, na realidade, são amostras)”, que são “amostras de produtos enviadas pela Requerente a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal”, que “o bem é expedido para fora do território português”, que os “produtos foram efetivamente expedidos para fora de Portugal com destino a outro país da UE” e os “clientes encontram-se registados para efeitos do IVA noutro Estado membro” e que “os “produtos foram efetivamente expedidos para fora de Portugal com destino a um país terceiro” e “está na posse dos documentos alfandegários apropriados para comprovar a saída dos bens para fora da UE” (respetivamente arts. 17.º, 14.º, 90.º, 92.º e 94.º da PI).  Ora, como se escreve exemplarmente no acórdão do TCA Norte de 20-01-2022, proc. n.º 00046/08.0BEPRT: “uma coisa são proposições gerais ou indefinidas sobre factos, outra são afirmações de factos concretos, individuais ou, se plurais, quantificados, situados no tempo e no espaço. Só estas são suscetíveis de prova porque só elas têm por objeto acontecimentos históricos ou realidades permanentes do mundo das coisas, que ocorreram ou ocorrem no mundo real e, portanto, podem ser objetivamente conhecidos. Aquelas outras, ainda que mediatamente tenham por objeto indefinidas realidades, acontecidas no espaço e no tempo, relevam sempre de uma conclusão cujos objetos de facto ficam por concretizar, pelo que não podem ser simplesmente conhecidos, logo, não podem ser objeto de prova. Nem mesmo a “validade” dessas conclusões é sindicável se não se conhecer os factos individuais sobre que os respetivos juízos são feitos”.

Pois bem, a respeito da natureza como amostra destas entregas de bens, a Requerente não invoca qualquer meio de prova nem sequer convoca especificamente qualquer suporte documental, limitando-se apenas a afirmar que: “Tendo a Requerente esclarecido que se trata de bens que foram enviados para os seus clientes na UE a título de amostras, não se percebe o porquê de a AT ter qualificado tais entregas como ofertas” (art. 79.º da PI e art. 28.º da reclamação graciosa referida no n.º XVI do probatório) e que: “os produtos enviados, em 2017, a clientes situados na UE têm como objetivo dar a conhecer os produtos ao público consumidor e garantir que cumprem efetivamente as funções para as quais são fabricados, pelo que consubstanciam amostras” (art. 87.º da PI e 36.º da referida reclamação). Todavia, não indica em local algum como e em que termos “esclareceu” que os bens foram enviados como amostras, nem sequer quais os bens que foram enviados como amostras, para que clientes, em que datas e quais os pertinentes suportes documentais (note-se mesmo, como a seguir se indica, que a Requerente aceita, em relação aos documentos reportados no ponto n.º III do probatório, que entregas de bens no montante de €4.869,21 constituíram ofertas a clientes em Portugal, mas não explicita quais foram essas entregas nem os documentos pertinentes ou os períodos em causa).

Em relação a estas alegações, que, como se disse, não passaram pela invocação de factos concretos, os únicos elementos arrolados pela Requerente, embora para efeitos da pretensão da aplicação de “isenções de IVA em transmissões de bens efetuadas a clientes situados fora de Portugal (UE ou fora da UE), limitaram-se aos documentos que foram juntos agregadamente como doc. n.º 10 à PI, que coincidem com documentos apresentados como doc. n.º 4 à reclamação graciosa referenciada no n.º XVI do probatório (vd. PA-RG-IVA a pp. 43 e segs. do ficheiro PA+6_2022-T+CAAD+-+Reclamação+Graciosa+IVA_Parte3.pdf), a propósito dos quais a Requerente afirma constituírem “cópias a título exemplificativo” de “faturas/documentos emitidos pela Requerente para suportar estas entregas” e de “documentos comprovativos correspondentes da expedição dos bens” (cfr. art. 95.º da PI e art. 44.º da reclamação graciosa).

Tais documentos são os seguintes: documento com a indicação ... 2017/128, com data de 21/09/2017, referenciando N..., ..., fatura da ... à Requerente com o n.º FT003/500731, com data de 26/09/2017, referenciando igualmente como destinatário N..., documento com a indicação ... 2017/18, de 09/02/2017, referenciando B..., documento com a indicação Guia de Remessa GR 2017/90, de 09/02/2017, igualmente referenciando B..., fatura ...  à Requerente com o n.º LIS0452589, de 14/02/2017, onde, entre diversos outros, consta como destinatário B..., e se menciona como “Referência Expedidor” ... 18/2017, fatura FA 2017/599, de 21/04/2017, emitida pela Requerente à O..., LTD com indicação de total de peças 5978 e do valor total de €31.497,55, com menção a isento de IVA “artigo 14.º do CIVA (ou similar)”, guia de remessa GR 2017/299, de 21/04/2017, igualmente reportada a O..., LTD, com o mesmo número de peças, no valor de €31.497,30, documento alfandegário T1, com data de 21.04.2017, com O..., LTD como destinatário, faturas à Requerente da P... Transportes Internacionais, indicando como destinatário O..., e guia de transporte n.º 81854 também com indicação de destinatário O... com menção à GR 2017/299. Acrescente-se que no doc. n.º 4 junto à indicada reclamação graciosa consta ainda um outro documento com a referência ... 2017/50, de 21/04/2017, reportado a O..., LTD.

Compulsando estes elementos, observa-se que os documentos com as referências ...2017/128, 2017/18, ... 2017/50 apresentam todos as menções a “Este documento não serve de fatura”, “não é válido para acompanhar bens em circulação” e “Isento Artigo 14º do RITI” (ou “Isento Artigo 14º do CIVA (ou similar)”). Para além disto, apenas no doc. ... 2017/50, que se reporta a 972 peças, se lê, em sede de Customer Purchase Order (Customer PO), SAMPLES e se consigna mesmo “Amostras: Samples” “junto com a expedição de 21/04”. Para além disto, não existe, pois, qualquer indicação nestes diversos documentos que permita verificar efetivamente a natureza de amostras dos bens em causa.

Em consequência, o exame crítico destes suportes documentais em ordem à verificação da consistência das alegações vazadas nos referidos arts. 14.º, 17.º, 90.º, 92.º e 94.º da PI, dada a sua manifesta insuficiência, impõe concluir pela inviabilidade da consideração como amostras das entregas de bens indicadas no ponto n.º III. Quanto ao único caso em que se encontrou uma referência literal a “amostras”, a saber, o referido doc. ... 2017/50, o número das peças indicadas (972) não se coaduna, segundo o id quod plerumque accidit, com a figura da amostra que, como a seguir se expõe, pressupõe bens, não destinados a posterior comercialização, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda que se destinem a apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo. Deste modo, a distribuição gratuita dos bens em causa, pelas quantidades indicadas, não permite excluir a sua posterior não comercialização, o que exclui a sua configuração como amostras.

No que concerne especificamente à dimensão alegada pela Requerente de que as entregas de bens no valor de €9.086,36 foram enviadas a sujeitos passivos fora de Portugal, cabe igualmente observar, na sequência do que se vem de expor, que não foram juntos documentos que permitam comprovar a saída do território nacional dos bens objeto de cada um das operações de entregas gratuitas enumerados no ponto n.º III nem sequer proceder à correspondência de qualquer entrega aí mencionada com a fatura FA 2017/599.

Na verdade, muito embora a Requerente alegue a respeito da impossibilidade de comprovar a saída dos bens que a AT invocou em sede de decisão da reclamação graciosa, que “remete para os anexos que constam do Documento n.º 10, onde colocou três exemplos em que é possível efetuar a conexão entre os elementos das faturas e o respetivo documento de transporte: veja-se, a título de exemplo o documento n.º 2017/128, que tem como comprovativo de expedição para Alemanha a fatura da transportadora (...) para o mesmo destinatário, e cuja correspondência é possível a partir das datas de expedição e de chegada” (art. 102.º da PI), o que se verifica é que o indicado doc. n.º 2017/128, que, como acima se viu, “não serve de fatura”, não encontra qualquer alusão na referida fatura da transportadora TNT, não sendo, pois, possível fazer a pretendida correspondência. 

Assim, o único caso, em relação às diversas entregas de bens reportadas no ponto n.º III do probatório, em que foi possível realizar uma correspondência nos documentos juntos pela Requerente, é o que foi consignado no facto provado n.º IV.

Daí os termos em que foi dada como não provada a factualidade indicada sub alínea A.

 

V. Do Direito

 

19. Exposta a factualidade relevante para a resolução da causa, cabe agora apreciar e decidir as questões específicas que integram o thema decidendum em função dos vícios que compõem as causas de pedir invocadas (vd. supra n.º 15), o que se fará seguindo a ordenação apresentada na PI.      

 

i) Correção referente a IVA em falta respeitante a todos os meses de 2017 decorrente de “ofertas de inventários”

 

20. A primeira questão a resolver respeita à correção atinente a IVA no montante de €2.089,89 em todos os meses de 2017 decorrente de “ofertas de inventários” relativas a produtos alegadamente enviados pela Requerente a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal.

Conforme resulta do RIT (cfr. factos provados n.ºs XI e XII), foi realizada uma correção de €3.209,80 referente a IVA em falta em “ofertas de inventários” em relação a todos os meses de 2017, a qual se fundou na consideração de que tais entregas de bens constituíam ofertas que se enquadravam na previsão da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA), pelo que, à exceção dos casos em que, em conformidade com o n.º 7 do art. 3.º do CIVA, os bens concedidos possuíam montante inferior a €50 (ofertas de pequeno valor), deveria ter sido liquidado IVA pela Requerente, uma vez que havia exercido previamente o direito à dedução na aquisição de tais inputs.

A Requerente, relativamente a esta correção de €3.209,80, começa por diferenciar os bens que afirma terem sido entregues a clientes sujeitos passivos estabelecidos em território nacional e os bens enviados a clientes sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal, nos termos do seguinte quadro que se pode alcançar do art. 15.º da PI:

Transações

Valor

IVA corrigido

Bens entregues a clientes em Portugal

€4.869,21

€1.119,91

Bens enviados a clientes fora de Portugal

€9.086,36

€2.089,89

Total

13.955,57

3.209,80

A Requerente, como indica na PI, aceitou a correção de €1.119,91, admitindo a sua qualificação como ofertas, mas entende que a correção no montante de €2.089,89 respeitante a bens alegadamente entregues a sujeitos passivos estabelecidos fora de Portugal é ilegal.

Argumenta a este propósito com os seguintes elementos fulcrais (arts. 17.º a 28.º e 74.º a 88.º da PI):

- estavam em causa amostras, e não ofertas, pelo que não haveria sujeição a IVA, tendo em conta o disposto no n.º 7 do artigo 3.º do CIVA;

- mesmo que, por hipótese, não se qualificassem como amostras, os montantes em causa não seriam, ainda assim, tributados em sede de IVA, por ser aplicável a isenção prevista no artigo 14.º do CIVA ou no artigo 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias de Bens (RITI); e

-  a fundamentação é insuficiente na medida em que não ocorreu a devida qualificação das operações e normas aplicáveis que originaram as liquidações adicionais de IVA em apreço.

Cabe, então, apreciar especificamente cada um destes três fundamentos suscitados pela Requerente para sustentar a ilegalidade da correção aritmética ao IVA em falta no montante de €2.089,89.

 

21. O primeiro elemento em apreciação prende-se com saber se a AT qualificou erradamente as realidades em causa como ofertas quando na realidade são amostras.

A este respeito, alega a Requerente, nos arts. 79.º a 88.º da sua PI, que esclareceu que se trata de bens que foram enviados para os seus clientes fora de Portugal a título de amostra, pelo que não percebe o porquê de a AT ter qualificado tais entregas como ofertas.

Como, na visão da Requerente, a AT não justificou a qualificação destas entregas como ofertas, invoca que, “mesmo que a qualificação (errónea) tivesse advindo do facto de terem sido enviados produtos fisicamente idênticos aos comercializados pela Requerente”, a amostra não tem que ter, necessariamente, características distintas dos bens comercializados (o que, em muitos casos, é impossível que aconteça), como já foi esclarecido em decisões dos tribunais nacionais e também europeus, como é o caso da decisão do processo n.º 141/2012-T de 5 de fevereiro de 2014, bem como do acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de setembro de 2010,  EMI Group, C-581/08, em que o Tribunal concluiu que o conceito de amostra, na aceção da Sexta Diretiva, não pode ser limitado de modo geral por uma legislação nacional a formatos ou quantidades não disponíveis para venda dos produtos entregues como amostras, sem que essa legislação permita ter em conta a natureza do produto representado e o objetivo da transação, tal como o contexto comercial próprio de cada transação.

Sustenta, assim, a Requerente que não faria qualquer sentido a não qualificação como amostra apenas pelo facto de os bens enviados não demonstrarem dimensão ou características diferentes dos que são habitualmente comercializados, pois há efetivamente bens que só são passíveis de serem testados pelo cliente, em todas as suas funções, se as amostras apresentarem uma dimensão e características físicas semelhantes às do produto a ser comercializado – é o que ocorre com os produtos de cutelaria que, para serem efetivamente testados quanto à sua função e qualidade, têm que ser fornecidos com características físicas idênticas às do produto a comercializar, pois, de outro modo, não poderiam ser ensaiados.

Conclui a Requerente que, “embora não se consiga sequer entender a razão pela qual a AT não atendeu a esta explicação”, “uma vez que, em sede de indeferimento da Reclamação Graciosa de IVA, a AT, perante estes argumentos, limitou-se a indicar que a assimilação, pelo legislador, de determinadas operações gratuitas a operações onerosas teve por efeito a preocupação de que todo o consumo seja tributado”, “os produtos enviados, em 2017, a clientes situados na UE, têm como objetivo dar a conhecer os produtos ao público consumidor e garantir que cumprem efetivamente as funções para as quais são fabricados, pelo que consubstanciam amostras, uma vez que se encontram reunidos todos os requisitos, na presente situação, para a qualificação como tal”.

Pelo seu lado, a Requerida, na sua resposta (n.ºs 22 a 33), depois de assinalar que satisfez o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação, alega que “da contabilidade da ora Requerente resulta a existência, essencialmente, de dois tipos de documentos a suportar os registos contabilísticos das alegadas amostras: documentos referenciados nos registos contabilísticos com a sigla inicial “...”; e faturas referenciadas nos registos contabilísticos pela sigla inicial “FA””, sendo que os “documentos de suporte das alegadas amostras, com a referência “...”, não foram apresentados, não constando dos registos do SAFT como sendo documentos de faturação, pelo que se têm por registos internos” e, além do mais, “na contabilidade, tais registos regularizam apenas contas de inventário por contrapartida de subconta da conta de gastos “6884 Ofertas e amostras de inventários”; ou seja, nem sequer são associadas contabilisticamente a contas de clientes” e no que “se refere às faturas (registos contabilísticos com a sigla inicial “FA”), o SP não indica nas mesmas que tais artigos constituem amostras ou ofertas, ou eventualmente, outra qualquer indicação que permita concluir que os bens podem ser considerados enquanto tal” – ora, impunha-se “ao Requerente explicar em cada uma das operações e demonstrar em cada um dos registos de alegadas amostras que se tratou de operação legitimamente não tributável”, pois cabia-lhe “provar que não fez transmissão de bens comercializáveis, mercadorias e produtos acabados, mas de amostras, o que manifestamente não fez, nem antes e nem agora”.

Descritas as posições das partes, cumpre decidir.

 

22. As previsões legais a atender para efeitos da resolução desta questão constam, em termos de incidência, da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, pela qual, para além do disposto no n.º 1 do mesmo art. 3.º (“Considera-se, em geral, transmissão de bens a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade”), consideram-se ainda transmissões de bens “a afetação permanente de bens da empresa, [...], bem como a sua transmissão gratuita, quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto” e, em termos delimitativos, do n.º 7 da mesma disposição, segundo o qual: “Excluem-se do regime estabelecido na alínea f) do n.º 3, nos termos definidos por portaria do Ministro das Finanças, os bens não destinados a posterior comercialização que, pelas suas características, ou pelo tamanho ou formato diferentes do produto que constitua a unidade de venda, visem, sob a forma de amostra, apresentar ou promover bens produzidos ou comercializados pelo próprio sujeito passivo, assim como as ofertas de valor unitário igual ou inferior a (euro) 50 e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais” (estas disposições correspondem, em substância, às previsões do art. 16.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Diretiva IVA), em cujos parágrafos se estabelece que: “É assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação, por um sujeito passivo, de bens da sua empresa ao seu uso próprio ou do seu pessoal, a transmissão desses bens a título gratuito ou, em geral, a sua afetação a fins alheios à empresa, quando esses bens ou os elementos que os constituem tenham conferido direito à dedução total ou parcial do IVA./Todavia, não é assimilada a entrega de bens efetuada a título oneroso a afetação a ofertas de pequeno valor e a amostras efetuadas para os fins da empresa”).

A Portaria n.º 497/2008, de 24.06, que regulamenta as “condições delimitadoras do conceito de amostras e de ofertas de pequeno valor e define os procedimentos e obrigações contabilísticas a cumprir pelos sujeitos passivos do imposto, para efeitos de aplicação do disposto no n.º 7 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado” (respetivo art. 1.º), fornece o conceito de amostra no seu artigo 2.º, n.º 1: “Consideram-se amostras os bens, não destinados a posterior comercialização, de formato ou tamanho diferentes do produto que constitua a unidade de venda ou apresentados em quantidade, capacidade, peso ou medida substancialmente inferiores aos que constituem a unidade de venda que se destinem a apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo” e impõe no art. 4.º, n.º 1 que: “Os sujeitos passivos devem contabilizar em contas apropriadas as amostras e ofertas, registando separadamente os bens que constituam existências próprias e aqueles que sejam adquiridos a terceiros”.

 

23. Exposta a regulação jurídica, há que assinalar que, para a resolução desta questão, releva, antes de mais nada, a factualidade apurada, pois é em relação à matéria fáctica que opera a qualificação jurídica determinante do mérito da causa. Com efeito, a Requerente invoca, como base da impugnação atinente ao IVA liquidado, errónea qualificação tributária das entregas gratuitas de bens realizadas no valor de €2.089,89, para o que é determinante a verificação do específico quid da operação cuja subsunção ao conceito qualificativo alternativo das ofertas ou das amostras é discutido nos autos.

Como é sabido, o ónus da prova traduz o encargo que incide sobre uma certa parte de provar a realidade do facto visado que lhe aproveita, sob pena de suportar as consequências desfavoráveis da falta de demonstração desse facto. Nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (cfr. ainda art. 342.º do Código Civil), do que resulta, segundo o conhecido critério da teoria da norma, que cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à previsão da regra jurídica cuja estatuição lhe atribui uma consequência favorável.

Ora, como resulta das disposições legais nacionais acima transcritas e foi exposto pelo Tribunal de Justiça no citado acórdão EMI Group, n.º 19, a equiparação a entregas realizadas a título oneroso de disposições de bens a título gratuito resultante da alínea f) do n.º 3 do art. 3.º do CIVA, que visa impedir situações de consumo final não tributado, representa a regra à qual constitui exceção a exclusão tributária das ofertas de pequeno valor e das amostras (n.º 7 do art. 3.º do CIVA). Como se escreve na decisão arbitral proferida no processo n.º 141/2012-T, “é estabelecida uma regra geral, segundo a qual todas as entregas de bens produzidos ou comprados pelo sujeito passivo e entregues a terceiros são equiparadas a entregas efetuadas a título oneroso e por essa razão dever-se-á liquidar IVA, respeitando-se assim o princípio da neutralidade segundo o qual, sempre que tenha sido deduzido IVA pago a montante, tem de ser liquidado IVA a jusante”, abrindo-se “uma exceção a esta regra, colocando a possibilidade de não ser liquidado IVA quando essas entregas de bens produzidos pelo sujeito passivo são amostras ou quando, sendo esses bens adquiridos pelo sujeito passivo a terceiros, sejam consideradas ofertas de pequeno valor. Em ambos os casos a entrega desses bens terá que ser realizada em benefício da atividade da empresa”.

Isto implica, em termos de ónus da prova, que incidia sobre a Requerida a necessidade de demonstração dos pressupostos legais legitimadores da sua atuação, o que, no caso, respeita à comprovação da ocorrência de distribuições de bens da empresa sem contrapartida real que são legalmente equiparadas a entregas realizadas a título oneroso sujeitas a IVA, cabendo à Requerente a prova dos factos atinentes à pretensão de exclusão da tributação que invoca, o que, no caso, corresponde à comprovação de que as disposições gratuitas de bens de valor superior a €50 que realizou no ano de 2017 constituíam amostras.

 

24. Pois bem, estando demonstradas – e por acordo das partes – as entregas gratuitas de bens realizadas nos diversos períodos mensais de 2017 que se enumeram no quadro constante do facto provado n.º III, relativamente às quais a AT procedeu ao seu enquadramento como ofertas na previsão da al. f) do n.º 3 do art. 3.º do CIVA, promovendo, em consequência, sempre que o seu valor ultrapassava €50, correção aritmética por IVA não liquidado, no montante total de €3.209, 80 (incluindo o montante não impugnado de €1.119,91), competia à Requerente comprovar, mediante a iniciativa de apresentação dos meios probatórios adequados, a factualidade atinente à distribuição enquanto amostras de cada uma das operações contabilizadas na rubrica “6884” indicadas no referido n.º III do probatório.

Como resulta das previsões legais acima citadas, isso passava, desde logo, pela comprovação de que os bens em causa não foram destinados a posterior comercialização e serviam para apresentar ou promover produtos produzidos ou comercializados pelo sujeito passivo. A qualificação como amostra pressupõe, assim, conhecer as características essenciais próprias dos bens entregues e o contexto comercial de cada transação em que os bens foram entregues. Como se refere no acórdão já citado do Tribunal de Justiça EMI Group, n.ºs 21 a 25, o enquadramento de uma entrega de bens como amostra implica um “exame em dois momentos”, em que “cumpre verificar, em primeiro lugar, se a entrega dos bens em questão corresponde às características essenciais comuns a qualquer tipo de amostra e, em segundo lugar, examinar as circunstâncias específicas nas quais os referidos bens são entregues por um sujeito passivo”, o que implica observar que a entrega “é efetuada a fim de promover o produto cujas amostras são espécimes, permitindo a avaliação da qualidade deste produto e a verificação da presença das propriedades procuradas por um comprador potencial ou real”, de modo a não isentar do encargo do IVA “a entrega de bens cuja finalidade é satisfazer as necessidades de um consumidor no que respeita ao produto em questão”, “bens que dão lugar a um consumo final diferente do inerente a essas operações de promoção”.

Porém, como já se expôs em sede de motivação da decisão de facto, a única indicação que a Requerente apresenta a respeito da natureza e objetivo das entregas de bens reportadas no ponto de facto n.º III, para além do reconhecimento de que foram “enviados produtos fisicamente idênticos aos comercializados pela Requerente” (art. 29.º da reclamação graciosa e art. 80.º da PI), é a (mera) alegação de que esclareceu “que se trata de bens que foram enviados para os seus clientes na UE a título de amostra”, com o objetivo de “dar a conhecer os produtos ao público consumidor, e garantir que cumprem efetivamente as funções para as quais são fabricados” (vd. na reclamação graciosa arts. 28.º e 36.º e na PI, arts. 79.º e 87.º).

Para além destas alegações não substanciadas em elementos concretos, a Requerente limitou-se na sua PI (como já antes na reclamação graciosa), embora a propósito da distinta questão da “aplicabilidade de isenções de IVA em transmissões de bens efetuadas a clientes situados fora de Portugal (UE ou fora da UE)”, a apresentar algumas “cópias a título exemplificativo” de “faturas/documentos emitidos pela Requerente para suportar estas entregas” e de “documentos comprovativos correspondentes da expedição dos bens”, não tendo em relação a cada uma das operações e a cada um dos registos contabilísticos efetuados comprovado efetivamente que se tratou de distribuição gratuita de bens não tributável como amostra.

Deste modo, apesar da Requerente alegar que as entregas de bens a que respeita a correção no montante de €2.089,89 “consubstanciam amostras, uma vez que se encontram reunidos todos os requisitos, na presente situação, para a qualificação como tal” (art. 87.º da PI), não foi feita prova dessa alegação, razão pela qual se deu como não provado o facto enunciado acima em sede de decisão fáctica sub alínea A.

Consequentemente, falecendo elementos fácticos com base nos quais se possa acolher a qualificação como amostra, atenta a matéria dada como não provada constante da referida alínea A), necessariamente tem que se julgar improcedente o erro de facto e de direito a esse respeito invocado pela Requerente em relação aos atos impugnados.

 

25. Julgada improcedente esta questão da qualificação como amostras das entregas de bens objeto da correcção subjacente às liquidações de IVA sindicadas, torna-se necessário enfrentar as outras questões suscitadas a título subsidiário pela Requerente sobre a aplicabilidade de isenções de IVA em transmissões de bens efetuadas a clientes situados fora de Portugal (UE ou fora da UE) e da fundamentação insuficiente.

No que concerne à aplicação da isenção do IVA, o quadro legal (na versão aplicável ratione temporis) é composto:

i) pelo art. 14.º, n.º 1, al. a) do CIVA que determina que: “Estão isentas do imposto: a) As transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste”;

ii) pelo art. 29.º do CIVA que estabelece no n.º 8 que: “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado” e no n.º 9 que: “A falta dos documentos comprovativos referidos no número anterior determina a obrigação para o transmitente dos bens ou prestador dos serviços de liquidar o imposto correspondente”;

iii) pelo art. 14.º, al. a) do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) que prevê que: “Estão isentas do imposto: As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens”.

 

26. Neste âmbito, a argumentação desenvolvida pela Requerente centra-se nas seguintes alegações:

- “é possível demonstrar que as transmissões em causa, efetuadas pela Requerente, a clientes (ou potenciais clientes) situados fora do território português, dentro da UE, estariam sempre isentas de IVA em Portugal, uma vez que: a) Os produtos foram efetivamente expedidos para fora de Portugal com destino a outro país da UE; b) Os clientes encontram-se registados para efeitos do IVA noutro Estado membro” (art. 92.º da PI; cfr. também art. 41.º da reclamação graciosa reportada no ponto n.º XVI do probatório);

- “à semelhança do que acontece no caso dos bens expedidos para a UE, é possível demonstrar que tais transmissões de bens efetuadas pela Requerente a clientes (ou potenciais clientes) situados em países fora da UE, estariam igualmente isentas de IVA em Portugal, uma vez que: a) Os produtos foram efetivamente expedidos para fora de Portugal com destino a um país terceiro; b)  A Requerente está na posse dos documentos alfandegários apropriados para comprovar a saída dos bens para fora da UE” (art. 94.º da PI; cfr. também art. 43.º da mencionada reclamação graciosa).

Pelo seu lado, a Requerida (n.ºs 35 e segs. da resposta) sustenta, em súmula, que cabia à  Requerente a prova da saída do território nacional para outro Estado Membro da UE ou para país terceiro de todas as situações indicadas no RIT, e que, para além da falta de emissão da fatura com a indicação de isenção de IVA ao abrigo dos artigos 14.º do RITI e 14.º do CIVA, não provou o cumprimento dos restantes pressupostos para todas as transações que foram objeto de correção no RIT, razões pelas quais entende não poder proceder o pedido subsidiário efetuado.

 

27. Também aqui cumpre assinalar que, de facto, para beneficiar da isenção de IVA nas transações de bens para fora do território nacional, cabe ao sujeito passivo, nos termos do art. 74.º, n.º 1 da LGT e do art. 342.º do Código Civil, o ónus de provar que o bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro da UE ou para um país terceiro. Como se observa no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.12.2018, proc. n.º 00927/15.5BEPNF: “Quando se está perante uma liquidação fundada no não reconhecimento pela AT de uma isenção que o contribuinte invocou para não liquidar o imposto devido, cabe a ela (AT) o ónus de demonstrar que se verificam os pressupostos de facto que integram o fundamento previsto na lei para a sujeição ao imposto que o contribuinte deixou de liquidar, cabendo, por seu turno, ao contribuinte provar a existência dos requisitos que afirma em suporte da invocada isenção de imposto”.

Sucede que, como se extrai do facto dado como não provado sub al. A), a Requerente não comprovou, relativamente a todas as operações de entregas de bens indicadas no ponto n.º III do probatório, que os produtos foram efetivamente expedidos para fora de Portugal com destino a outros Estados-Membros da UE ou a um país terceiro, não tendo realizado o pertinente esforço probatório, nomeadamente em ordem à junção dos documentos impostos pelo n.º 8 do art. 29.º do CIVA.

Como resulta do probatório, e se explicitou na motivação da decisão fáctica, só em relação à entrega de bens indicada no ponto n.º IV com o registo 2017-02-09 ... reportada no doc. ... 2017/18 respeitante ao período mensal 2/2107 com o valor base de €310,97, é possível fazer corresponder uma guia de remessa e a fatura do transporte para a Itália emitida pelo transportador. Para todas as demais “ofertas” indicadas no ponto n.º III, falece qualquer comprovação.

Nesta medida, e dado que o ponto que está em apreciação a este respeito, em razão da fundamentação constante do RIT e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. respetivamente n.ºs XII e XVII), se prende estritamente com a saída dos bens em causa como ofertas para fora do território nacional, este Tribunal, em atenção ao facto dado como provado no n.º IV, por força dos documentos aí reportados e da correspondência assim apurada entre a entrega de bens, a guia de remessa e a fatura do transportador, considera demonstrado a transferência e expedição dos bens Steak Knife 4.5” 115mm BLK ... com o valor base de €310,97 para entrega a B..., na ..., Itália.

Relativamente a esta – e apenas a esta – entrega de bens, realizada no período mensal 2/2017, com o registo 2017-02-09..., reportada no doc. ... 2017/18, assiste razão à Requerente ao pretender que, por aplicação do regime previsto na alínea a) do artigo 14.º do RITI, tal operação assimilada a transmissão onerosa estava isenta de IVA, procedendo, pois, neste âmbito, o erro sobre os pressupostos de facto e de direito suscitado pela Requerente, do que resulta a anulação parcial dos atos impugnados (liquidação n.º 2021 ... e decisão de indeferimento da reclamação graciosa - cfr. factos provados n.ºs XIII e XVII) quanto ao IVA liquidado no montante de €71,52 no que concerne à correção relativa à entrega de bens no período mensal 2/2017 com o valor base de €310,97, bem como, consequentemente, quanto à liquidação dos juros compensatórios correspondentes.

 

28. Por fim, dada a não procedência integral dos vícios antecedentemente considerados, cabe apreciar, neste âmbito das correções atinentes ao IVA, o “vício de forma por falta de fundamentação conforme estabelecem os artigos 77.º da LGT e 36.º do CPPT” invocado pela Requerente nos seguintes termos (arts. 107.º, 108.º, 109.º e 110.º da PI): “No caso em apreço, para que se cumprisse este dever de fundamentação, a AT deveria ter indicado as razões de facto e de direito que determinaram o conteúdo do ato, neste caso, apresentando a devida qualificação das operações e normas aplicáveis que levaram à liquidação adicional de IVA”; “no Relatório de Inspeção Tributária em que se propuseram as correções já aludidas e que esteve na origem das liquidações adicionais emitidas, a AT limitou-se a emitir um resultado, sem, contudo, indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a qualificação das transmissões como ofertas (e não amostras), o que é revelador do vício de forma deste caso (por ausência da fundamentação legalmente exigida)”; “não pode a AT (como fez) vir referir, em sede de Indeferimento de Reclamação Graciosa de IVA, que “a fundamentação do ato é suficiente já que apesar do alegado pela Reclamante, ele não se viu impedido de fazer valer as suas pretensões, apresentando a presente reclamação” pois “se a fundamentação foi insuficiente, essa é mais uma razão para que a Requerente conteste a validade do ato, e não o contrário, pois que caso não o fizesse, perderia os meios de reação à sua disposição”. Pelo seu lado, a Requerida sustenta (n.ºs 55 e segs. da resposta) que “são descritas as razões de facto e de direito que levaram a IT a concluir pela falta de liquidação de IVA, com integral indicação dos normativos violados”, pelo que “foi dado integral cumprimento ao disposto no artigo 77.º da LGT, encontrando-se o ato tributário devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito”.

É sabido que um ato tributário está fundamentado quando, pela motivação exposta, está apto a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinaram a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais. Em conformidade com o art. 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, “a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”, podendo a fundamentação dos atos tributários “ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Por outro lado, como se pode ler, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9.9.20175, proc. 01173/14, é necessário ter presente que uma coisa é “a falta ou insuficiência de fundamentação do ato, vício de natureza formal (e não substancial), [que] se verifica quando o respetivo ato não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório”, outra coisa “o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do ato ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução)”. Deste modo, como a falta ou insuficiência da fundamentação constitui um vício formal, na sua apreciação não se trata de a apreciar a justeza substancial dos fundamentos invocados, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de permitir conhecer as razões da decisão. Em consequência, ao contrário do que a Requerente parece pretender, a não qualificação como amostras, mas como ofertas, das distribuições gratuitas de bens indicadas no ponto n.º III do probatório não é revelador de vício de forma, mas releva em sede de erro sobre os pressupostos, que já acima se julgou improcedente.

Isto posto, quanto à invocação do vício formal de fundamentação deficiente, que se prende com a existência de indicação expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), julga-se que não existe tal vício em relação aos atos sindicados em sede de IVA.

Com efeito, no RIT, ponto n.º 3.1.2.2 (cfr. facto provado n.º XII), são descritas as razões de facto e de direito pelas quais se considerou existir falta de liquidação de IVA decorrente de ofertas de inventários nos diversos períodos temporais de 2017, mediante a indicação das entregas de bens em causa, dos respetivos registos internos de contabilidade e suportes documentais pertinentes, da normatividade legal aplicável resultante das disposições dos arts. 1.º, 3.º, n.º 3, al. f) e n.º 7 do CIVA, e são feitos os cálculos dos montantes do IVA devido em causa, tudo o que permitia ao sujeito passivo apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo que esteve na origem da prática dos atos de liquidação de IVA contestados.

A fundamentação mostra-se, assim, contemporânea do ato, clara, suficiente e congruente, tendo possibilitado à Requerente decidir sobre a impugnação dos atos tributários em causa, pelo que se julga improcedente o vício de fundamentação deficiente invocado pela Requerente neste âmbito.

 

ii) Correção relativa ao apuramento do benefício fiscal à criação de emprego

 

29. Considerem-se agora as correções atinentes ao IRC, principiando pela correção relativa ao apuramento do benefício fiscal à criação de emprego.

A este propósito, o vício imputado pela Requerente (arts. 112.º e segs. da PI; cfr. ainda arts. 34.º e segs. da reclamação graciosa descrita no ponto n.º XIV do probatório) prende-se com não ter sido cumprido o dever de fundamentação, porquanto, segundo a Requerente, para que, no caso em apreço, “se cumprisse este dever de fundamentação, a AT deveria ter indicado as razões de facto e de direito que determinaram o conteúdo do ato, neste caso, apresentando de forma objetiva as situações que considerava não cumprirem os requisitos subjacentes à aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF”, mas “no Relatório de Inspeção, a AT limitou-se, uma vez mais, a emitir um resultado, sem, contudo, indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a integral desconsideração do aludido benefício”.

Para além disto, a Requerente invoca ainda que a equipa de inspeção formulou exigências que ultrapassam “de forma clara os critérios estabelecidos no EBF para a aplicação deste benefício fiscal, em que não é exigida a formalização por via de contrato de trabalho no sentido de uma determinada contratação ser considerada elegível”, sendo que “existem múltiplas formas de formalizar uma determinada conversão de um contrato a termo para um contrato sem termo, sem que tal implique a formalização escrita de um acordo escrito” (arts. 118.º a 123.º da PI).

Mais sustenta a Requerente que não lhe cabia a apresentação de novos elementos, já que, dado o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, “neste caso, implicava que a AT demonstrasse a efetiva invalidade da informação providenciada pela ora Requerente - o que manifestamente não ocorreu – tendo até desconsiderado elementos de prova válidos, como sejam as comunicações à Segurança Social”, sendo que “tal exigência para com a Requerente seria uma inversão total do ónus da prova e, portanto, injustificada e totalmente contrária à Lei, na medida em que cabia à equipa de inspeção fundamentar devidamente a origem das suas correções, o que neste caso não ocorreu, resultando, portanto, na ilegalidade das correções efetuadas e, por conseguinte, na necessidade da sua anulação” (arts. 124.º a 126.º da PI).

A Requerida, em resposta (n.ºs 65 e segs.), invoca o seguinte:

i) quanto à falta de fundamentação, o RIT “faz referência à incoerência existente entre as informações retiradas de alguns documentos que a Requerente apresentou, nomeadamente, das declarações unilaterais da empresa a alguns trabalhadores onde os informa que passam, a partir de determinada data, a ser considerados efetivos, enquanto as comunicações da empresa à segurança social, fazem menção, com efeitos à mesma data, a contratos de trabalho com termo certo e ainda às informações constantes do Anexo B – Fluxo de entradas ou saídas de trabalhadores do relatório único (Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social), em que na mesma data, o tipo de contrato tem o código 20 (contrato de trabalho com termo certo) ou o código 80 (outra situação, como por exemplo, contrato de trabalho de muito curta duração)”, estando estas situações “especificadas com algum detalhe no quadro constante nas págs. 9 e 10 do RIT, e nos comentários das págs. 9 a 11, sem que a Requerente tenha vindo esclarecer as dúvidas e apresentar provas de que nos encontramos perante contratos sem termo, que são os únicos que relevam para efeitos da determinação da criação líquida de emprego, ao abrigo do artigo 19.º do EBF, quer em sede do exercício do direito de audição, que não exerceu, quer em sede de reclamação graciosa ou pedido de pronúncia arbitral”;

ii) “o importante é que no exercício as entradas de trabalhadores nas condições estabelecidas sejam superiores às saídas nas mesmas condições, elegendo-se, depois, entre os trabalhadores admitidos naquele exercício os que poderão integrar o benefício (cujo número não pode exceder a diferença entre as entradas e as saídas de trabalhadores naquelas condições)”; “no caso em apreço, o sujeito passivo, por um lado, não apresentou provas concludentes de que os trabalhadores que considerou como elegíveis tinham de facto, no período de tributação de 2017, um contrato por tempo indeterminado com a Requerente” e “não constam do processo quaisquer documentos que comprovem que os trabalhadores com idade inferior a 23 anos (G..., L..., Q... e M...) tinham o ensino secundário ou estavam a assegurar a conclusão desse nível de ensino através de uma oferta de educação-formação”;

iii) “não foram apresentados pela Requerente quaisquer provas de que existiu, de facto, criação líquida de emprego”; “a Requerente não apresentou a lista de colaboradores que saíram e os que entraram da empresa em 2017, e dentro de cada grupo quais os que verificavam os requisitos para serem considerados como elegíveis, tendo em conta a sua idade e tipo de contrato, de forma a se poder apurar a criação líquida de postos de trabalho”; ora, para “poder usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF, não basta à Requerente apresentar alguns contratos ou algumas declarações a informar os trabalhadores de que passaram a efetivos, cuja informação (...) é contraditória com os Anexo B atrás mencionados, é necessário também informar quem foram os trabalhadores que saíram e em que condições o fizeram, assim como determinar se o número de entradas elegíveis (que preenchem os requisitos definidos no referido artigo) era superior (e em que medida) ao número de saídas nas mesmas condições” e “essa informação não consta do presente processo”;

iv) “Relativamente ao facto da Requerente entender que a posição da AT não está devidamente fundamentada e que lhe competia o ónus da prova, cumpre salientar que ao abrigo do art. 74.º da LGT é à Requerente que cabe o ónus de provar os benefícios fiscais que invoca”.

 

30. Em termos normativos, está em causa nesta questão o então disposto no art. 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), anteriormente à revogação operada pelo artigo 4.º da Lei n.º 43/2018, de 9.8, com efeitos a 1.7.2018, cujo teor era o seguinte:

1 - Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respetivo montante, contabilizado como custo do exercício.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:

a) 'Jovens' os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com exceção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;

b) 'Desempregados de longa duração' os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;

c) «Encargos» os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;

d) «Criação líquida de postos de trabalho» a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.

3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.

4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respetiva entidade patronal.

5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.

6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma vez em relação ao mesmo trabalhador, qualquer que seja a entidade patronal”.

 

Ora, atenta esta regulação legal, no RIT (vd. factos provados n.ºs XI e XII) promoveu-se uma correção à dedução à matéria coletável do beneficio fiscal à criação de emprego por se entender que não se encontram reunidas as condições para aceitar o benefício fiscal, com consequente acréscimo ao resultado tributável da totalidade no montante em causa de  €69.191,10.

 

31. Pois bem, no que concerne ao vício de fundamentação deficiente que é invocado pela Requerente em relação a esta correção, e dando-se aqui por reproduzidas as considerações sobre o enquadramento jurídico do dever de fundamentação acima desenvolvidas no n.º 28, julga-se que o RIT, bem como, subsequentemente, e de modo coincidente, a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cfr. factos provados n.ºs XII e XV), descrevem, em termos consistentes e elucidativos, as razões de facto e de direito que conduziram à correção realizada de €69.191,10, atinente ao benefício fiscal previsto no artigo 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Com efeito, no RIT (ponto 3.1.1.1), depois de se invocar o art. 19.º do EBF, passa-se a examinar os cálculos dos encargos em razão do definido na al. c) do n.º 2 do art. 19.º do EBF, apontando-se que a Requerente incluiu outros valores que não apenas as remunerações ilíquidas fixas e as contribuições para a segurança social, tendo incluído subsídios de refeição na parte não considerada remuneração para efeitos de IRS e gastos com seguros de acidentes de trabalho, após o que se explicita que não se trata, a respeito deste beneficio, apenas de apurar os valores corretos, pois “o SP tem de fazer prova e cumprir outros requisitos, designadamente, o previsto no nº 1 do artº 19º do EBF, ou seja, dado que só são admitidos os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado (ou seja, efetivo ou sem termo), terão de se comprovar o cumprimento destas situações”, examinando-se, então, que “no que se refere à questão da criação líquida de postos de trabalho, o SP não remeteu documentação suficiente, que fizesse prova de que cumpre todos os referidos pressupostos” e que “existem várias inconsistências, entre o que está registado na ficha do trabalhador e outros elementos, como por exemplo com o tipo de contrato comunicado no anexo B do relatório único (...), ou a inexistência de contratos escritos, ou também por exemplo a comunicação à segurança social de contrato a termo ainda que alegue e junte comunicação ao trabalhador da mudança do tipo de contrato para efetivo”, concluindo-se que, perante os elementos apresentados, “designadamente os relatórios únicos de 2016 e 2017, verificada a existência de saídas de vários trabalhadores em número superior aos admitidos nas circunstâncias em avaliação neste ponto, sem que seja conhecida a situação contratual dos mesmos, deveria o SP, para efeitos do benefício pretendido, ter apresentado todos os elementos de prova, não só de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, mas também elementos que permitissem validar a criação líquida de postos de trabalho nos termos definidos na já citada al. d) do nº 2 do artº 19º do EBF”, o que não sucedeu. Do mesmo modo, em sede de fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, conforme se dá conta no facto provado n.º XV, se justificou que “deveria o SP, para efeitos do beneficio pretendido, ter apresentado todos os elementos de prova, não só de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, mas também elementos que permitissem validar a criação líqui[da] de postos de trabalho nos termos definidos na citada alínea d) do n.º 2 do Artigo 19.º do EBF, o que até à data não fez”, sendo que os “elementos de prova relativamente a contratos individuais de trabalho por tempo indeterminado devem ser apresentados não só relativamente aos trabalhadores considerados como criação líquida de postos de trabalho e cujos encargos foram majorados, mas também relativamente aos restantes que igualam as saídas de trabalhadores nas mesmas condições - só assim comprova a criação líquida de postos de trabalho por tempo indeterminado, pois só esta beneficia de majoração - comprovando-se assim a elegibilidade do benefício”.

Nestes termos, é claro que, ao contrário do que a Requerente pretende, a AT não se limitou-se “a emitir um resultado, sem, contudo, indicar os concretos fundamentos de direito que justificam a integral desconsideração do aludido benefício” – pelo contrário, justificou cabalmente os motivos pelos quais não se mostraram comprovados os pressupostos legalmente exigidos para que se possa proceder, em conformidade com o disposto no art. 19.º, n.º 1 e n.º 2 do EBF, à dedução ao lucro tributável em 150 % do respetivo montante dos encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Em consequência, visto que, em conformidade com o art. 77.º da LGT, foram apresentadas as razões de facto e de direito que estão na base da correção em causa de um modo que faculta a um destinatário normalmente diligente ou razoável compreender o itinerário cognoscitivo e valorativo que conduziu à decisão da desconsideração da aplicação do benefício fiscal e ao correspondente acréscimo ao resultado tributável do montante em causa de €69.191,10, conclui-se pela inexistência do vício formal invocado de fundamentação deficiente.

 

32. Admitindo que, nas alegações acima reproduzidas (n.º 29) a propósito desta correção relativa ao apuramento do benefício fiscal à criação de emprego, para além da invocação do vício formal de fundamentação insuficiente, a Requerente também questiona a valia substancial dos fundamentos aduzidos no RIT, atento o que se refere quanto à imposição de exigências que ultrapassam “de forma clara os critérios estabelecidos no EBF para a aplicação deste benefício fiscal, em que não é exigida a formalização por via de contrato de trabalho no sentido de uma determinada contratação ser considerada elegível” e quanto a não caber à Requerente a apresentação de novos elementos, dado o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, o que é suscetível de se reconduzir à invocação de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, há que dizer, em face da matéria de facto dada como provada, que não procede o vício assim configurado.

Desde logo, ao contrário do que a Requerente defende, resulta do art. 74.º n.º 1 da LGT e do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que é ao sujeito passivo que compete o ónus da prova do cumprimento dos requisitos inerentes aos benefícios fiscais. Com efeito, como se assinala, por exemplo, no acórdão proferido no processo arbitral n.º 82/2020-T, “cabe à Autoridade Tributaria e Aduaneira o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e (...) cabe ao Sujeito Passivo provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca”, pelo que “impende sobre a Requerida o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, e, sobre a Requerente, compete-lhe a prova dos factos por si invocados respeitantes aos Benefícios Fiscais que deseja beneficiar”.

Ora, não se comprovou, relativamente aos postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, senão o que se reporta nos factos provados n.ºs V, VI e VII, do que resulta que não se apurou, como exigido pela previsão do n.º 1 e do n.º 2, al. d) do art. 19.º do EBF, o elemento essencial justificativo do benefício fiscal da “Criação líquida de postos de trabalho” dada pela “diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respetiva admissão, se encontravam nas mesmas condições”. Note-se que a ocorrência deste elemento fulcral não é sequer alegada pela Requerente, eventualmente pelo seu erróneo entendimento de que não lhe competia apresentar os elementos de prova pertinentes a este respeito.

Nestes termos, como, conforme provado nos n.ºs V, VI e VII do probatório, em particular neste último facto, os documentos constantes dos autos que operam como fonte da prova inviabilizam considerar verificada a criação líquida de postos de trabalho para os efeitos do então art. 19.º do EBF, julga-se improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC e de indeferimento da reclamação graciosa em atenção à correção à matéria coletável aqui em causa que lhes está subjacente.

 

iii) Da despesa com o funeral de um colaborador

 

33. Outra correção subjacente à liquidação de IRC que é objeto de impugnação nos presentes autos concerne ao gasto contabilizado pela Requerente no montante de €3.141,20 relativamente ao pagamento de serviços funerários com um trabalhador da empresa (cfr. facto provado n.º VIII).

Alega, a este propósito, a Requerente que este gasto respeita às despesas com a transladação de um funcionário falecido, de nacionalidade ucraniana, para o seu país de origem, o qual “contribuiu para o sucesso da empresa e, por essa via também, para a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto”, pelo que “a única abordagem aceitável neste contexto seria a dedutibilidade deste gasto que visou apoiar a família deste colaborador num momento tão dramático, como aquele que representa o falecimento do marido e pai, único titular de rendimentos, procurando, no caso em concreto, que o funeral se realizasse na terra natal, conforme desejo da família”, sendo, portanto, “da mais elementar justiça que seja aceite a dedutibilidade daquele encargo, desde logo enquanto realização de utilidade social ou qualquer outra forma legal que a AT entenda por conveniente”, sob pena de “materialização da total falta de compreensão pela AT daquilo que é o espírito de solidariedade e apoio que uma empresa deve também ter para com os seus trabalhadores e familiares, sobretudo nos momentos de maior dificuldade pessoal” (arts. 129.º a 132.º da PI).

 

34. Conforme se observa da descrição antecedente, a Requerente não invoca especificamente quanto a esta correção um vício de violação de lei, não apelando a quaisquer normativos legais, mas convoca sobretudo considerações de equidade (“da mais elementar justiça”, “total falta de compreensão pela AT daquilo que é o espírito de solidariedade e apoio”, “qualquer outra forma legal que a AT entenda por conveniente”), as quais, aliás, se dirigem mais à consideração da AT (vd. anteriormente os arts. 49.º e segs. da reclamação graciosa indicada no n.º XIV do probatório, cujo teor é idêntico às alegações da PI) do que ao julgamento deste Tribunal, sendo certo que, nos termos do art. 2.º, n.º 2 do RJAT, está expressamente vedado aos tribunais arbitrais tributários o recurso à equidade.

Deste modo, muito embora a Requerente não suscite expressamente qualquer errónea aplicação do Direito quanto à correção em causa, tendo presente a fundamentação indicada no RIT a seu propósito (a saber, conforme descrição constante do ponto n.º  XII do probatório, “tais gastos, pela sua natureza extraordinária e por extravasarem o âmbito do objeto e atividade da empresa não se podem enquadrar como concorrendo para a obtenção ou garantia dos rendimentos desta”, pelo que “tendo sido suportados eventuais encargos que não decorrem de remunerações ou outros gastos devidamente justificados enquadráveis na atividade normal da empresa, não podem esses ser aceites fiscalmente, ao não concorrerem para a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC”), cabe apenas a este Tribunal reconhecer que, por força do disposto no mencionado n.º 1 do art. 23.º do CIRC, “[p]ara a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, do que decorre que a relevância fiscal de um gasto pressupõe que seja incorrido no interesse e prossecução da atividade da empresa em ordem à obtenção de rendimentos (para recorrer à expressão corrente, que seja objeto de “um juízo positivo de subsunção na atividade societária”), o que afasta os gastos que concernem a interesses pessoais alheios à empresa de outros sujeitos, como sejam despesas de índole particular de sócios ou empregados ou seus familiares, como é o caso.

Tal gasto, por outro lado, também não pode, ao contrário do que alvitra a Requerente, ser enquadrado como realização de utilidade social, por carecer, desde logo, do carácter geral a favor do pessoal da empresa e dos seus familiares, que é exigido pelo disposto no n.º 1 do art. 43.º do CIRC, segundo o qual: “São também dedutíveis os gastos do período de tributação, incluindo depreciações ou amortizações e rendas de imóveis, relativos à manutenção facultativa de creches, lactários, jardins-de-infância, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social como tal reconhecidas pela Direcção-Geral dos Impostos, feitas em benefício do pessoal ou dos reformados da empresa e respetivos familiares, desde que tenham carácter geral e não revistam a natureza de rendimentos do trabalho dependente ou, revestindo-o, sejam de difícil ou complexa individualização relativamente a cada um dos beneficiários”.

Deste modo, não merece censura, em atenção ao disposto no n.º 1 do art. 23.º do CIRC, a correção sindicada ora em apreço porquanto o gasto deduzido não se pode reputar incorrido para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

iv) Correção aritmética ao imposto em falta em sede de IRC referente ao saldo em reporte considerado pela dedução à coleta de IRC relativa a benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2016

 

35. Segue-se apreciar a matéria da correção aritmética ao imposto em falta respeitante ao saldo em reporte do benefício associado ao Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI) no valor de €37.072,67.

No RIT (ponto 3.1.1.3), conforme se dá conta no facto provado n.º XII, considerou-se, a este propósito, designadamente, o seguinte:

- “Uma vez que 2015 foi analisado e corrigido de acordo com o proposto pela AT, e considerando que em 2017 é deduzido parte do montante de dotação referente a 2016, e considerando que em 2017 o SP volta a considerar novos valores de dotação por investimentos neste ano, verificamos no âmbito da presente inspeção o apuramento e cumprimento das condições legais na base das dotações referentes a 2016 e 2017”;

- “Analisados os investimentos considerados em 2016 e 2017 para efeitos do RFAI pelo SP (Anexos 4 e 5 respetivamente) e outros elementos de suporte (ex: faturas), seguindo a referenciação genérica dos investimentos conforme apresentada pelo próprio, conclui-se resumidamente terem sido incluídos ativos que não se podem considerar como aplicações relevantes para o efeito de RFAI”;

- “Assim, em resultado dos valores indicados nos quadros que antecedem, o total de ativos não enquadráveis como aplicações relevantes para efeitos de RFAI no ano de 2016 perfazem o montante de 148.290,67€ (= 122.330,67€ + 25.960,00€)”;

- “entende-se que o SP não reuniu para os investimentos de 2016 e 2017, as condições exigíveis para poder beneficiar da dotação do incentivo fiscal do RFAI decorrente de todos os investimentos por si indicados, mas apenas e só relativamente a 2016, 312.746,59 €, e relativamente a 2017, 258.563,19 €, propondo-se, por conseguinte, a correção dos montantes das dotações relativas aos dois anos nos montantes de 37.072,67 € e 28.914,87 €, respetivamente”;

- “dado que se propõe a correção da parte das dotações de 2016 e 2017, deverá existir ajuste no saldo em reporte de RFAI de 2016, na dotação do período (2017) e nos saldos a reportar para os períodos seguintes de RFAI de 2016 e de 2017, de acordo com os montantes corrigidos”.

Sustenta, nesta sede, a Requerente (arts. 137.º e segs da PI) que, como o procedimento inspetivo se assumiu de âmbito parcial em sede de IRC e IVA relativamente ao ano de 2017, sem que se tenha verificado, ao longo do procedimento de inspeção, qualquer alteração na sua extensão em conformidade com o previsto pelo n.º 1 do art. 15.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), só se pode ter por ilegal a correção efetuada pela AT no que concerne ao montante da dotação do benefício do RFAI referente ao exercício de 2016, na medida em que a extensão do procedimento de inspeção não contemplava aquele exercício.

A Requerida, na sua resposta (n.ºs 104 e segs.), sustenta que “a Requerente considerou, em 2017, um saldo transitado de anos anteriores que se encontrava errado, na medida em que, em 2016, tomou como investimentos elegíveis, ativos usados, transportes, montagens e reparações, assim como mobiliário, equipamento social e outros não relacionados com a exploração e reparações de equipamentos pré-existentes, que não se enquadram nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI” e que a “correção efetuada não teve repercussões na liquidação de 2016, apenas alterou o montante do saldo a reportar para o ano seguinte, relativamente ao benefício fiscal no âmbito do RFAI”.

 

36. Como se observa, a Requerente impugna a correção em causa unicamente com base em ter sido violada a extensão do procedimento inspetivo que apenas abarcava o ano de 2017 (cfr. o facto provado n.º XI), e a AT não procedeu a qualquer notificação para efeitos da sua ampliação.

Nos termos do art. 14.º, n.º 3 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), “Quanto à extensão, o procedimento pode englobar um ou mais períodos de tributação”, prescrevendo o n.º 1 do art. 15.º do mesmo diploma que: “Os fins, o âmbito e a extensão do procedimento de inspeção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, devendo ser notificado à entidade inspecionada”.

Pois bem, conforme se entendeu no acórdão proferido no processo n.º 763/2019-T, subscrito pelo signatário, entende-se que o circunstancialismo em presença, em que se promovem correções com incidência exclusivamente na liquidação relativa ao ano objeto do procedimento de inspeção, ainda que em atenção a realidades anteriores atinente ao crédito de imposto a utilizar (cfr. factos provados n.ºs XI e XII), não implica violação da extensão da ação de inspeção, porquanto “a extensão do procedimento de inspeção, englobante de um ou mais períodos de tributação, respeita aos atos tributários ou em matéria tributária dele decorrentes, não aos factos relevantes para as correções à matéria tributável ou ao imposto e às liquidações praticadas, factos esses que não têm necessariamente que se localizar temporalmente no mesmo período”.

Conforme se expôs no referido acórdão emanado no processo n.º 763/2019-T:

- “julga-se indubitável, em face do teor do n.º 1 do art. 15.º do RCPITA acima transcrito, que para alteração da extensão da inspeção é necessária a prolação de despacho administrativo fundamentado e sua notificação ao sujeito passivo, pelo que a omissão dessa atuação, num caso em que se verifique a modificação da extensão fixada, implica, conforme orientação do Supremo Tribunal Administrativo (vd. os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4.12.2019, proc. n.º 02243/16.6BEBRG e de 19.9.2018, proc. n.º 01460/17), vício invalidante, por se tratar da preterição de uma formalidade legal essencial, porque estruturante do procedimento inspetivo, o que determina a anulação dos ulteriores atos e termos procedimentais, designadamente da liquidação adicional praticada na base desse procedimento.

Porém, o que aqui importa decidir, em face dos factos provados, é se, efetivamente, se pode afirmar que ocorreu uma alteração, por alargamento, da extensão do procedimento inspetivo sub judice, o que, atenta a própria caracterização do conceito de “extensão” (vd. o acima citado n.º 3 do art. 14.º do RCPITA), pressupõe (...) que o procedimento inspetivo não tenha respeitado ao ano (...) e aos períodos de tributação/declaração aí incluídos”;

- “porque o procedimento de inspeção tributária tem um carácter preparatório ou acessório de atos tributários ou em matéria tributária (cfr. art. 11.º, bem como n.º 1 do art. 63.º do RCPITA), (...) a determinação, em termos de extensão, do período de tributação a que respeita a ação inspetiva prende-se com o espaço temporal em que incidem as correções à matéria tributável ou ao imposto ou a que concernem as liquidações propostas ou decorrentes do procedimento inspetivo, por isso mesmo períodos de imposto ou tributação”;

- “entender que, no âmbito da realização de correções ou liquidações de imposto relativas a um certo período de tributação e do desenvolvimento das ações inspetivas subjacentes, não seria possível considerar senão factos ocorridos ou verificados no ano em causa e não, mais vastamente, factos ou operações com relevância para correções ou liquidações incidentes sobre esse período seria incompatível com o facto de as atuações da administração tributária por via da inspeção tributária – particularmente no procedimento de inspeção paradigmático que é aquele que se analisa em “[p]rocedimento de comprovação e verificação, visando a confirmação do cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” (al. a) do n.º 1 do art. 12.º do RCPITA) – envolverem, como refere a al. a) do n.º 2 do art. 2.º do RCPITA, a “confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários” ou, como genericamente prescreve o n.º 1 do art. 63.º da LGT, “desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, o que implica “[e]xaminar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos suscetíveis de esclarecer a sua situação tributária” (al. b) do n.º 1 do referido art. 63.º)”;

- “Isto mesmo parece estar implícito na determinação do n.º 1 do art. 36.º do RCPITA que prevê que: “O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar”;

- “Conclui-se, pois, que a alteração da extensão do procedimento inspetivo se afere em relação aos atos tributários ou em matéria tributária que a inspeção venha a determinar relativamente a certo período de imposto (cfr. aliás, os arts. 11.º, 60.º, n.º 1, 62.º, n.º 3, al. i) e 63.º do RCPITA). Para tanto podem ser apreciados, sem afetação dessa extensão, todos os factos relevantes, ainda que ocorridos em períodos distintos, para as correções com incidência no período ou períodos de tributação indicados como extensão da inspeção – por outras palavras, a extensão da inspeção não é afetada pelo exame ou análise de factos ou operações que seja necessário apurar ou apreciar em ordem à correção de valores declarados ou que deveriam ter sido declarados pelo sujeito passivo em relação aos períodos de tributação abrangidos e às liquidações atinentes a esses períodos de tributação originadas pelos atos de inspeção.

Em suma, a extensão do procedimento de inspeção, englobante de um ou mais períodos de tributação, respeita aos atos tributários ou em matéria tributária dele decorrentes, não aos factos relevantes para as correções à matéria tributável ou ao imposto e às liquidações praticadas, factos esses que não têm necessariamente que se localizar temporalmente no mesmo período”.

Assim, por estes motivos, julga-se improcedente o vício imputado pela Requerente à correção subjacente à liquidação de IRC impugnada de violação da extensão do procedimento de inspeção que abarcava unicamente o ano de 2017.

 

v) apuramento do benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2017

 

37. Por fim, cabe apreciar a impugnação realizada pela Requerente em relação à correção aritmética ao imposto em falta em sede de IRC referente ao valor de dotação considerado para dedução à coleta de IRC relativa a benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2017.

Neste âmbito, na PI (arts. 150.º e segs.; cfr. também identicamente os arts. 68.º e segs. da reclamação graciosa reportada no ponto n.º XIV do probatório) pouco mais se alega, em relação especificamente à correção em causa, que o seguinte:

- “a equipa de inspeção não apresentou nem justificou de forma concreta a razão da não elegibilidade daqueles ativos, remetendo de forma genérica para o conceito de mobiliário e equipamento para a atividade normal da empresa, quando efetivamente existiu um aumento da capacidade produtiva da ora Requerente que a AT teve oportunidade de avaliar e confirmar”;

- “É, portanto, da mais elementar razoabilidade que o aumento da capacidade produtiva implique a aquisição de novas cadeiras, mesas, softwares, e outro material de trabalho, que visa efetivamente dar as condições aos trabalhadores de executarem as suas tarefas”, pois “aumento da capacidade produtiva não será só construir um pavilhão de fábrica, implicando investimentos muito mais abrangentes e que são, naturalmente, elegíveis no contexto do RFAI”;

- “Veja-se, a este título, o disposto no artigo 22.º, n.º 2 do CFI em que se estabelece que “(...) consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa (...)”, estabelecendo-se um conjunto de exceções que visam efetivamente garantir a alocação daqueles ativos à atividade produtiva, algo que se verifica no caso em apreço”;

- “qualquer outro entendimento, iria esvaziar de sentido e propósito o RFAI, limitando de forma dramática o seu alcance e apoio (fundamental) aos investimentos das empresas portuguesas”.

Em resposta, invoca a Requerida (n.ºs 109 e segs.) que:

- “no que diz respeito ao primeiro grupo de bens que não foram considerados relevantes para efeitos de RFAI, no montante de 81.134,96 € (ver quadro da pág.17 do RIT), que se trata de bens usados, pelo que não se mostram passíveis de constituir investimento elegível para cálculo do benefício fiscal por falta de enquadramento na alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI “ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo (...)”;

- “Em relação ao segundo quadro composto por mobiliário (cadeiras) no montante de 3.550,40 € e outros bens no montante de 13.669,21 € onde se destacam extintores, estores e correspondente montagem, estruturas metálicas, software e extintores, não se consideram investimentos relevantes, porquanto se encontram excecionados pelas sub-alíneas iv) e vi) da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI”;

- “o investimento em mobiliário apesar de ter sido adquirido em estado de novo, como determina a alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI, encontra-se excecionada pela alínea iv) não se lhe aproveitando a exceção prevista para o equipamento hoteleiro afeto a exploração turística”;

- “Relativamente aos outros investimentos (extintores, estores, etc.) não estando diretamente afetos ao processo produtivo, não se consideram relevantes para efeitos de RFAI, nem nos parece que possam integrar o conceito “investimento inicial”, constituindo antes “aquisições isoladas”.

 

38. O Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31.10, prevê, conforme indicado no art. 1.º, al. b), o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), cuja regulação básica consta do art. 22.º nos seguintes termos que aqui importa considerar:

1 - O RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR e do RGIC.

2 - Para efeitos do disposto no presente regime, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos à exploração da empresa:

a) Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i) Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;

ii) Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;

iii) Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv) Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

v) Equipamentos sociais;

vi) Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa;

b) Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente”.

 

A Portaria n.º 297/2015, de 21.9, que regulamentou o RFAI, prescreve no art. 2.º, n.º 2, al. d) que: “Para efeitos do disposto no artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento: d) Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria], considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente”.

 

39. Exposto o quadro jurídico que é relevante para a apreciação da correção aritmética  ao IRC em causa, há que dizer que, tanto quanto se consegue alcançar das alegações acima transcritas formuladas pela Requerente, os vícios imputados neste âmbito se prendem novamente com fundamentação deficiente e com a invocação de que existiu um aumento da capacidade produtiva que “a AT teve oportunidade de avaliar e de confirmar”.

Perante isto, impõe-se principiar por dar aqui por reproduzido o que acima se expôs no n.º 28 quanto ao dever de fundamentação e no n.º 32 quanto ao ónus da prova incidente sobre a Requerente quanto ao cumprimento dos requisitos factuais necessários aos benefícios fiscais pretendidos.

No que concerne à fundamentação, a leitura do RIT (ponto n.º 3.1.1.3) citado no ponto n.º XII do probatório é suficiente para afastar a procedência da argumentação de que a AT “não apresentou nem justificou de forma concreta a razão da não elegibilidade daqueles ativos, remetendo de forma genérica para o conceito de mobiliário e equipamento para a atividade normal da empresa”. Com efeito, expõe-se no RIT que:

- “Nos termos do referido CFI, o RFAI é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014, estabelecendo-se ainda o âmbito de aplicação e definições do RFAI, designadamente a quem se aplica, quais as aplicações relevantes, as condições objetivas e cumulativas exigidas aos sujeitos passivos para poderem beneficiar deste regime, outras definições e enquadramentos, os benefícios e obrigações acessórias, e designadamente os elementos a constarem do processo de documentação fiscal.

Pela Portaria 297/2015 de 21 de setembro foi estabelecido em melhor detalhe a regulamentação do RFAI, entre outros, nomeadamente, os conceitos de investimento/aplicações relevantes e elementos a constar no processo de documentação fiscal.

Analisados os elementos justificativos apresentados constata-se que o SP se refere a investimentos efetuados alegadamente entre os anos de 2015 a 2017, que considera imputáveis para efeitos de RFAI”;

- “Nos termos do RFAI, consideram-se aplicações relevantes, as efetuadas no âmbito de um investimento inicial (nos termos da portaria 297/2015 de 21 de setembro) e, designadamente, investimento em ativos fixos tangíveis, afetos à exploração da empresa adquiridos em estado novo, afastando-se desde logo, nos termos da al. a) do nº 2 do artº 22° do CFI, equipamentos sociais, mobiliário e artigos de conforto ou decoração ou outros bens que não estejam afetos à exploração da empresa, bem como eventuais reparações de equipamentos pré-existente. Também se encontram fora dos investimentos consideráveis como relevantes os ativos intangíveis que não se enquadrem nos definidos na al. b) do do nº 2 do artº 22° do CFI.

Nos termos do n.º 5 do art.º 22.º do CFI “Considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso." (...).

A alínea d) do nº 2 do artigo 2º da Portaria 297/2015 de 21 de setembro, regulamenta e estabelece claramente que o RFAI apenas se aplica a investimentos iniciais (novos), considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.

Atendendo ao justificado pelo SP (conforme documento em Anexo 3) quanto ao enquadramento dos seus investimentos obtivemos resposta de que os mesmos se enquadram como "Aumento da capacidade de um estabelecimento já existente".

Analisados os investimentos considerados em 2016 e 2017 para efeitos do RFAI pelo SP (Anexos 4 e 5 respetivamente) e outros elementos de suporte (ex: faturas), seguindo a referenciação genérica dos investimentos conforme apresentada pelo próprio, conclui-se resumidamente terem sido incluídos ativos que não se podem considerar como aplicações relevantes para o efeito de RFAI.

- “em resultado dos valores indicados nos quadros que antecedem, o total de ativos não enquadráveis como aplicações relevantes para efeitos de RFAI no ano de 2017 perfazem o montante de 115.659,47€ (= 81.134,96€ + 34.524,51€).

Relativamente aos ativos adquiridos usados, será de referir que os elementos remetidos (faturas, descritivos e anotações nas mesmas) indiciam tratarem-se de bens usados, designadamente por serem aquisições a fornecedores que não fabricantes ou comerciantes dos equipamentos em causa (inclusive porque os seus CAE's não o preveem), ou até porque alguns também se encontram inseridos no setor de atividade do SP (fabricantes de cutelarias), e como tal eram utilizadores dos equipamentos que interessam à atividade do SP, e ainda outros, conforme indicado em observações, também não transacionam equipamentos novos (ex: massa insolvente e sucateiro). De qualquer modo, foi possível obtermos a confirmação junto de alguns dos referidos fornecedores que tais equipamentos foram vendidos no estado de usados, bem como junto do próprio SP, o qual veio reconhecer e confirmar por escrito tratarem-se de facto de equipamentos usados.

De referir ainda, no que diz respeito aos ativos "usados", que consideramos não só as aquisições dos mesmos, como também outros encargos associados de transporte, instalação e reparações”;

- “Quanto aos outros ativos, indicam-se situações de aquisições de mobiliário, equipamento social e outros ativos não relacionados com a exploração ou de substituição/correntes, não enquadráveis numa estratégia de investimento inicial de aumento da capacidade produtiva e que não se podem considerar como investimentos relevantes nos termos, respetivamente, das sub.al.s iv), v) e vi) da al. a) do nº 2 do artº 22º do CFI e alínea d) do n.º 2 do art.º 2 da Portaria 207/2015.

Refira-se que a alínea d) do nº 2 do artigo 2º da portaria 297/2015 de 21 de setembro, regulamenta e estabelece claramente que o RFAI apenas se aplica a investimentos iniciais (novos), englobando os investimentos inseridos nessa estratégia de aumento da capacidade produtiva (identificada pelo SP) e não todos os outros investimentos que o SP decida efetuar no período e investimento de substituição, no âmbito da sua atividade normal”.

 

Na sequência desta motivação, no RIT procede-se à listagem dos diversos investimentos cuja exclusão foi determinada por não se poderem considerar como aplicações relevantes para o efeito de RFAI, uns por constituírem ativos usados (não novos), incluindo-se, além das aquisições principais, outros encargos designadamente transportes, montagens e reparações, e outros por constituírem mobiliário, ativos não relacionados com a exploração, reparações de equipamentos pré-existentes, registo de marcas não enquadráveis nos ativos intangíveis previstos. Ora, esta listagem foi formulada em termos concretos, com indicação especificada dos ativos, do seu valor e da descrição relevante para a sua não elegibilidade, pelo que não é possível acolher a alegação da Requerente de que não se justificou “de forma concreta a razão da não elegibilidade daqueles ativos”, mas se remeteu “de forma genérica para o conceito de mobiliário e equipamento para a atividade normal da empresa”, improcedendo assim a invocada fundamentação deficiente.

Em termos materiais, impõe-se assinalar que se deu como provado no n.º X do probatório que os investimentos em causa abrangeram os ativos com as características aí descritas, os quais, atento os elementos assim indicados, que a Requerente não impugnou, não satisfazem as exigências constantes do art. 22.º, n.º 2, als. a), b) do CFI de constituírem “Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo”, com exceção de mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; equipamentos sociais; outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa e “Ativos intangíveis, constituídos por despesas com transferência de tecnologia, nomeadamente através da aquisição de direitos de patentes, licenças, «know-how» ou conhecimentos técnicos não protegidos por patente” para poderem representar aplicações relevantes, porquanto os bens indicados nesse ponto do probatório no montante de €81.134,96 (primeiro quadro) são bens usados e os bens indicados no segundo quadro, de mobiliário, outros equipamentos e registos de marcas, estão excluídos pelas subalíneas iv) e vi) da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º do CFI ou pela não integração na alínea b) do mesmo número e artigo do CFI.

A invocação de que, no caso dos bens de mobiliário e outro equipamento para a atividade normal da empresa, existiu um aumento da capacidade produtiva não foi comprovada no âmbito dos presentes autos pela Requerente, que nem sequer procedeu à alegação de factos concretos a isso atinentes (como resulta da descrição acima feita no n.º 37), designadamente reportando-se aos diversos ativos indicados nos quadros constantes do facto provado n.º X, sendo que incidia sobre a Requerente o competente ónus da prova, por força do disposto nos já várias vezes convocados arts. 74.º n.º 1 da LGT e do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil. Daí que não resulte da factualidade dada como provada no n.º X do probatório qualquer “aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”.

Nestes termos, julga-se improcedente a impugnação realizada em relação à correção aritmética referente ao valor de dotação considerado para dedução à coleta de IRC relativa a benefício fiscal do RFAI no período de tributação de 2017 que está subjacente à liquidação de IRC e à subsequente decisão de indeferimento da reclamação graciosa sindicada nestes autos.

 

VI. Reembolso do montante pago e juros indemnizatórios

 

40. Peticiona a Requerente o reembolso do montante de imposto indevidamente pago e o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT, por existir indubitavelmente erro imputável aos serviços.

Nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, a “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários“[r]estabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que abrange o pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do n.º 5 desse art. 24.º, bem como do art. 100.º da LGT, aplicável ex vi al. a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.

Ora, na estrita medida da anulação dos atos impugnados, que foi decretada em relação à liquidação n.º 2021 ... quanto ao IVA liquidado no montante de €71,52 e correspondentes juros compensatórios no que concerne à correção relativa à entrega de bens no período mensal 2/2017, cumpre reconhecer à Requerente o direito ao reembolso da quantia assim paga (cfr. facto provado n.º XVIII) e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos previstos pelos art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT, bem como do art. 99.º do CIVA, calculados desde a data do pagamento indevido do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

 

VII. Decisão

 

Termos em que se decide:

a) julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral no segmento relativo à liquidação adicional de IVA n.º 2021..., respeitante ao período mensal 2/2017, quanto ao IVA liquidado no montante de €71,52 e, nessa parte, quanto ao indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., bem como a liquidação de juros compensatórios na parte correspondente, atos estes que, assim, parcialmente se anulam;

b) condenar a Requerida a reembolsar à Requerente os valores que, em consequência, assim foram indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios calculados, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos;

c) julgar, em tudo o mais, improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

d) condenar ambas as partes nas custas processuais, na proporção de 97% a cargo da Requerente e de 3% a cargo da Requerida.

 

VIII. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), e n.º 3 do CPPT, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, fixa-se ao processo o valor de €2.688,12 (dois mil seiscentos e oitenta e oito euros e doze cêntimos), que constitui a importância objeto de impugnação nas liquidações sindicadas.

 

IX. Custas

 

De harmonia com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e nos artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, ficando, em face da procedência meramente parcial do pedido, a percentagem de 97% a cargo da Requerente e de 3% a cargo da Requerida.

 

 Notifique-se.

 

Lisboa, 15.11.2022.

 

O Árbitro

 

 

 

(João Menezes Leitão)

 

 

 



[1] Adota-se a ortografia resultante do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, com atualização, em conformidade, da grafia constante das citações efetuadas.