Sumário:
I - A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes quanto à sua anulação parcial, conforme peticionado, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Os Árbitros Guilherme W. d’Oliveira Martins, Jorge Carita e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
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A Requerente Herança Indivisa de A..., contribuinte fiscal n.º ..., vem solicitar a anulação do despacho que indeferiu a Reclamação Graciosa N.º ...2021... e que seja declarada a ilegalidade da liquidação adicional de IRS N.º 2021..., referente ao ano de 2017, e da qual resultou imposto a pagar no valor de €115.034,12, com os seguintes argumentos:
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Defende que a liquidação objeto do PPA é ilegal por padecer de falta de fundamentação e “irregular procedimento”, designadamente, por falta de audiência prévia.
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Mais alega que os Pontos 19 a 21 da Informação que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa não correspondem à verdade e que a alusão que a agora Requerida faz às correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo à liquidação de IRS do ano de 2016 é “totalmente despropositada”.
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Porquanto, segundo advoga, “A ação inspetiva decorrente da ordem de serviço supra identificada, apenas se focou no ano de 2016 e não tirou qualquer consequência para nenhum outro ano” e “A única correção anunciada foi aos rendimentos declarados pela Requerente relativamente ao rendimento do FGP-FEI (rendimentos que não obteve em 2017)”.
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A Autoridade Tributária apresentou a seguinte resposta:
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Não obstante o suprarreferido, e em plena contradição com a argumentação expendida para fundamentar a bondade da posição que sufraga, afirma que “(…) só em sede de reclamação graciosa é que a AT ensaiou uma justificação para a liquidação colocada em crise” transcrevendo os pontos 24 e 25 da informação que indeferiu a reclamação graciosa.
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Os quais explicam que “24. A correção efetuada relativamente ao ano de 2016 influencia diretamente a liquidação de IRS do ano de 2017, uma vez que o sujeito passivo A... obteve nesse ano rendimentos da categoria G, deixando de puder deduzir perdas da mesma categoria de anos anteriores, por não as ter, (artigo 55° do CIRS), o que originou uma nova liquidação relativamente à declaração de rendimentos por ele submetida em 2018/06/04.
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A liquidação ora reclamada resulta das correspondentes correções efetuadas ao resultado da liquidação do ano de 2017, por desconsideração de perdas da categoria G”.
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Fundamentos que, no seu entendimento, permitem concluir pela ilegalidade da liquidação.
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Ora, como se explicou em sede de reclamação graciosa, a liquidação impugnada teve por referência os montantes inscritos na declaração de rendimentos mod.3 de substituição submetida pela Requerente em 04/06/2018, relativa ao IRS do ano de 2017, e não em qualquer correção efetuada pela AT com base em elementos apurados em sede de inspeção.
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Ao contrário do que parece resultar do PPA, não existiu qualquer alteração aos elementos declarados pela Requerente na declaração de rendimentos mod.3 por si submetida, relativa ao IRS do ano 2017, seja, no rendimento global, seja nas deduções específicas, deduções à coleta ou retenções na fonte.
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A única alteração que se verificou na liquidação ora em crise, é relativa à não consideração de “perdas a recuperar”, facto que resultou da correção aos rendimentos da categoria G relativos ao ano de 2016, decorrente do procedimento inspetivo ao abrigo da Ordem de Serviço OI2020... e que a Requerente tomou conhecimento através da nota de alteração que acompanhava o relatório final de inspeção, assim como, da demonstração da liquidação oficiosa n.º 2020..., relativa ao IRS do ano 2016 , como, aliás, a própria reconhece.
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Com efeito, na categoria G do IRS, o saldo negativo resultante da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo o resgate de unidades de participação em fundos de investimento e a liquidação destes fundos, pode ser reportado nos cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.
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Trata-se de uma norma de reporte de perdas, ou seja, uma norma procedimental, que visa definir os termos do reporte de perdas nos anos posteriores ao do apuramento dessas mesmas perdas.
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Ao contrário do alegado, foi dado conhecimento à Requerente, através da demonstração da liquidação oficiosa n.º 2020..., relativa ao IRS do ano 2016, que o total de perdas a reportar para os anos posteriores seria €0,00, pelo que, não pode vir invocar desconhecimento quanto a esse facto.
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Nestes termos, a reliquidação ou liquidação efetuada automaticamente, foi operada de acordo com a posição que decorre, nos aspetos factual e jurídico, da respetiva declaração de rendimentos submetida pela Requerente, não havendo alteração dos dados declarados, pelo que, é forçoso concluir, que não era necessária, por dispensada, a audição da requerente, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 60.º da LGT.
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Pelas razões referidas também soçobra a invocada violação do estatuído do n.º 1 do artigo 63.º do RCPITA.
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Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 77.º do CIRS a fundamentação da liquidação é efetuada nos termos do n.º 2 do artigo 77.º da LGT, norma que estabelece que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
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Nos termos expostos, é relevante a especificidade das circunstâncias concretas do caso, e a condição do destinatário da fundamentação, quanto ao conhecimento de facto que já possui sobre a situação em que se encontra.
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Repete-se, a liquidação impugnada emana da declaração de rendimentos submetida pela Requerente para o ano de 2017, e da não consideração de “perdas a recuperar”, facto resultante da correção aos rendimentos da categoria G relativos ao ano de 2016 que a Requerente tomou conhecimento, uma vez que quer na demonstração da liquidação oficiosa n.º 2020..., relativa ao IRS do ano 2016, quer na liquidação nº 2021... relativa ao ano de 2017, se fazia menção que o total das perdas a reportar para os anos seguintes ascendia a €0,00.
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Pelo que é manifesto que a liquidação impugnada está devidamente fundamentada, em consonância com o n.º 2 do artigo 77.º da LGT.
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Concluindo, o conteúdo do ato tributário de liquidação está em sintonia com os elementos declarados pela aqui Requerente, a Requerente teve conhecimento, quer através do relatório de inspeção, quer da demonstração da liquidação oficiosa do IRS relativa ao ano de 2016, que não iria ter direito ao reporte de perdas para os anos seguintes ao de 2016.
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Nestes termos, a Requerente ficou a conhecer, ainda que de forma sumária, a qualificação e quantificação dos factos que originaram o tributo, as operações de apuramento realizadas e as disposições legais relevadas, considerando-se o ato tributário devidamente fundamentado, na sua dimensão formal e material do dever de fundamentação.
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Também improcede a alegada falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 27-01-2022, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-01-2022. Em 15-03-2022, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 15-03-2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 04-04-2022, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.
Após apresentada Resposta pela AT, o Tribunal proferiu, em 24-05-2022, o seguinte despacho:
«1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito, nem foi invocada ou identificada matéria de exceção.
2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença.
3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.
4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.
Fixa-se o prazo de 5 (cinco) dias para as partes, querendo, se pronunciarem. Notifiquem-se as partes do presente despacho.»
Em 08-09-2022, foi designado novo árbitro adjunto pelo Conselho Deontológico.
Em 29-09-2022, perante requerimento da Requerente de comunicação de revogação do ato pela AT, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
«a. Em Requerimento datado de 13-09-2022 invoca a Requerente que que “a AT procedeu à revogação do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando ato tributário substitutivo.”
b. Ora, este entendimento corporiza uma revogação do ato em análise do caso sub judice.
c. Em face disto, notifique-se a Requerida para se pronunciar, no prazo de cinco dias, sobre o ato revogatório e as suas consequências quanto ao prosseguimento do processo e juntar ao processo, em cinco dias, o despacho de revogação parcial do ato tributário que constitui objeto de impugnação no processo arbitral, bem como outros elementos e informações relativamente ao que tenha acontecido em consequência da revogação parcial do acto aqui objecto de impugnação.
d. Prorroga-se o prazo para prolação da decisão por mais 2 meses (até ao dia 4/12/2022), ao abrigo do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, porquanto o Coletivo ainda se encontra a apreciar este requerimento e a prova produzida.»
Quer a Requerente, quer a Requerida responderam ao despacho em conformidade.
Em 14-11-2022, foi designado novo árbitro adjunto pelo Conselho Deontológico.
POSTO ISTO:
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. DECISÃO
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MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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Em 31/05/2017 a Requerente submeteu declaração de rendimentos mod.3 referente ao ano de 2016, que deu origem à liquidação n.º 2017..., de onde resultaram perdas a reportar no valor de €4.162.217,42, da categoria G.
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Em 08/11/2018 submeteu declaração de substituição, que ficou no estado de “suspensa Semiautomática”, contendo os seguintes códigos de divergência “D09/D14 Incrementos Patrimoniais – divergência de rendimentos e retenção”.
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Esta declaração foi objeto de análise pela Direção de Finanças de ... devido ao elevado montante do reembolso IRS/2016 (€454.201,51) e perdas a reportar (€ 4.162.100,24), que tiveram origem em operações que envolveram valores mobiliários/unidades de participação em Fundos de Investimentos Mobiliário.
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Subsistindo dúvidas relativamente aos valores declarados no quadro 10 do anexo G da declaração foi solicitado à DSIRS um esclarecimento relativamente à análise da divergência (código D09 e D14).
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Nos termos da informação prestada pela DSIRS efetuou-se o enquadramento jurídico da operação e apurados os valores que deviam constar do quadro 10 do anexo G da declaração mod.3 de IRS.
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Neste contexto, foi proposta a abertura de ação inspetiva externa, a coberto da Ordem de Serviço OI2020..., que incidiu sobre o IRS do exercício de 2016, de âmbito parcial, que se iniciou em 29/01/2020 e terminou em 23/07/2020.
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Da referida ação inspetiva resultaram correções aritméticas aos rendimentos da categoria G declarados pela agora Requerente, designadamente, em relação ao rendimento do Fundo de Gestão Passiva – Fundo Especial de Investimento fechado (FGP-FEI), conforme se descreve: Categoria rendimentos Declarado(a) Corrigido(b) Correção proposta (c= b – a) Categoria G €-3.635.513,65 €1.185.826,94 €4.821.340,59.
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O representante da Requerente foi notificado, nos termos do artigo 60.º da LGT e do RCPITA, para se pronunciar sobre o projeto de conclusões do relatório, ofício de 03/07/2020.
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Não tendo exercido esse direito, foi elaborado relatório final com a identificação e sistematização dos factos detetados e a sua qualificação jurídico-tributária, o qual foi devidamente notificado ao representante do sujeito passivo.
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Na sequência das correções vertidas no Relatório de Inspeção foi elaborada, em 23/07/2020, Declaração Oficiosa/DC (2704 - 2016 - D0004 – 37), na qual constava no seu Anexo G, quadro 10, campo 10001, como rendimento proveniente da liquidação de UP´S (unidades de participação) relativas ao fundo Código ISIN... – Fundo de Gestão passiva – Fundo Especial de Investimentos Fechado (…-FEI), o montante de €1.185.826,94, com retenções na fonte no montante de €454.015,08, e que originou a liquidação oficiosa n.º 2020..., com valor a reembolsar de €95.336,11.
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Na demonstração de liquidação constava que o total das perdas a reportar ascendia a €0,00.
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Tendo-se constatado que em 2017, à semelhança do que sucedeu também em 2018, a Requerente havia considerado perdas a recuperar no montante de €228.329,35, e que em virtude das correções encetadas em 2016 aos rendimentos da categoria G não existiam quaisquer perdas a recuperar, a Requerida procedeu à reliquidação da referida declaração.
A.2. Factos dados como não provados
Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a mesma se considera provada ou não, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
B. DO DIREITO – DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
O objeto da presente ação arbitral enquadra-se na previsão do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, já que a pretensão dos Requerente era a da “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos”, da competência dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD. Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, para proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, iniciando-se então a contagem do prazo para constituição do tribunal arbitral, de acordo com o artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A revogação do ato tributário impugnado após constituição do Tribunal Arbitral, dando satisfação à pretensão formulada pelos Requerentes quanto à sua anulação, constitui causa de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil (CPC), subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, e que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, se verifica quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por ter encontrado satisfação fora do esquema da providência pretendida”[2].
Na situação concreta dos autos, para além do pedido de declaração da ilegalidade da liquidação adicional de IRS N.º 2021..., referente ao ano de 2017, e da qual resultou imposto a pagar no valor de €115.034,12, os Requerentes formularam o pedido acessório de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária. A liquidação objeto dos autos foi anulada na sequência da concretização da decisão proferida no P. 744/2020-T, a qual incidia sobre a liquidação de IRS do ano de 2016, e onde foi alterado o valor declarado no Q10 do anexo G, de rendimentos inicialmente positivos para negativos. Ou seja, a alteração da liquidação do ano de 2016 iniciou o procedimento automático de reliquidação dos anos subsequentes, uma vez que no ano de 2016, as perdas a recuperar que constam da liquidação n.º 2020... foram anuladas.
O processo arbitral tributário, à semelhança do processo de impugnação judicial de que é meio alternativo, tem a natureza de ação constitutiva, dado ter “como objetivo a modificação ou anulação de um ato administrativo” (…) que “tem sempre como pressuposto um interesse em agir, o que atinge a sua expressão mais nítida sempre que se verifica, por parte da Administração, a produção de um determinado ato tributário considerado pelo contribuinte como estando em desconformidade com a lei”
A ausência superveniente de interesse processual, por ter sido obtida fora do processo a satisfação da pretensão dos Requerentes, tem por consequência a absolvição da Requerida da instância.
Tendo a Requerida dado causa à inutilidade superveniente da lide, fica esta responsável pelas custas do processo, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, segmento final, do CPC.
C. DECISÃO
Com base nos fundamentos enunciados supra, decide-se em:
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Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide;
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Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo arbitral.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 115.034,12, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que foi extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por causa desta, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 28 de novembro de 2022
O Árbitro - Presidente,
(Guilherme W. d’Oliveira Martins)
O Árbitro-Vogal,
(Jorge Carita)
O Árbitro-Vogal,
(Amândio Silva)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08/06/2022, Processo 02321/17.4BEPRT.