DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
1. A…, com o número fiscal …, com residência na Rua …, Aveiro, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante «RJAT», com as alterações subsequentes, apresentou um pedido de pronúncia arbitral em que é requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo, ao abrigo do disposto no artigo 99.º do Código do Procedimento e Processo Tributário, deduzido impugnação do ato de liquidação do Imposto Sobre Veículos (ISV) de um veículo por si admitido.
2. O pedido foi apresentado em 02.06.2022, e visa a anulação parcial do ato de liquidação do ISV praticado pelo Diretor da Alfândega do Freixieiro na admissão de um veículo usado, proveniente de um país da União Europeia, de sua propriedade, requerendo a restituição da quantia cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até à sua efetiva restituição.
3. Nos termos do disposto nos artigos 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou o signatário como árbitro singular em 25.07.2022.
4. Na mencionada data foram as Partes notificadas dessa designação, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD, não tendo as mesmas manifestado a intenção de recusar a designação do árbitro.
5. Em conformidade com o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 12.08.2022.
6. Nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada, enquanto parte requerida, para no prazo de 30 dias apresentar resposta e, caso entendesse, solicitar a produção de prova adicional, devendo no mesmo prazo ser remetida cópia do processo administrativo. Nessa resposta, em 28.09.2022, a Requerida sustentou a legalidade da liquidação efetuada, tendo concluído pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo remetido simultaneamente cópia do processo administrativo.
7. Em 10.10.2022 as Partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, e alegarem sucessivamente pelo prazo de 5 dias, tendo sido anunciada como data-limite para a prolação do despacho a data de 31.10.2022.
8. Em 18.10.2022, o Requerente alegou, tendo anexado um parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito de um recurso de uniformização de jurisprudência que corre sob o n.º 84/22.0BALSB. Em 24.10.2022, a Requerida alegou sucessivamente, tendo reiterado a improcedência do pedido arbitral, pelas razões enunciadas na resposta já apresentada, e o pedido de absolvição da instância.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
9. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, sendo legítimas, à luz dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
10. O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver nem questões prévias sobre as quais o Tribunal Arbitral se deva pronunciar.
III – DA POSIÇÃO DAS PARTES
11. O Requerente, a fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, no essencial, diz o seguinte:
11.1. Admitiu um veículo ligeiro de passageiros da marca «Bentley», modelo 3W, proveniente da República Federal da Alemanha, matriculado pela primeira vez em 02.11.2011, onde circulou com a matrícula ….
11.2 Para o efeito processou a respetiva Declaração de Veículo Ligeiro (DAV), na Alfândega do Freixieiro, a que foi atribuído o n.º 2022/….
11.3. Em resultado da apresentação da referida declaração, a AT liquidou o ISV de 21 801,04 €, correspondendo 4970,61 € à componente cilindrada e 16 830,43 € à componente ambiental, o qual foi pago em 13.04.2022.
12. Em termos de direito, o Requerente historia a evolução recente da tributação automóvel nacional relativamente à admissão dos veículos usados, concretamente o fator de redução do ISV em matéria de anos de uso, tendo por referência a aplicação da tabela dos veículos novos, e transcreve passagens da jurisprudência comunitária em que foi apreciada a legalidade da lei portuguesa face ao artigo 110.º do Tribunal de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
12.1 Designadamente, menciona o Acórdão C-200/15, proferido em 16.06.2016, e também o acórdão de 02.09.2021, proferido no processo C-169/20, em que se diz que «Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previstos no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE».
12.2 Refere que, antes ainda deste último acórdão ter sido proferido, o legislador nacional já tinha alterado o preceito objeto do acórdão, tendo dado uma nova redação ao artigo 11.º do CISV através da publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, em que fixou percentagens de redução por anos de uso do veículo diferenciadas em função da componente cilindrada ou a componente ambiental.
12.3 Sustenta o Requerente que a nova redação do artigo 11.º permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados com base num valor superior ao valor real do veículo, onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
12.4. O montante do imposto calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.
12.5 «A AT quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração a totalidade do número de anos de uso do veículo na sua componente ambiental, ao não aplicar a mesma percentagem de desvalorização que aplicou à componente cilindrada.», tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o artigo 110.º do TFUE, o que leva o Requerente a propor que, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 110.º do TFUE, deve o Tribunal Arbitral proceder ao reenvido prejudicial da questão ao Tribunal de Justiça.
12.6 A final, solicita a anulação parcial da liquidação do ISV, a restituição da quantia cobrada em excesso, no montante de 8415,21 €, resultante do diferencial entre os 80% da redução da cilindrada e os 60% da redução da componente ambiental, e o pagamento de juros indemnizatórios.
12.7 Em alegações facultativas, juntou um Parecer do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, dirigido à Seção do Contencioso Tributário do Pleno em que, conclusivamente se afirma que «O artigo 11.º, n.º 1 do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, viola o disposto no artigo 110.º do TFUE, dado que no apuramento do imposto incidente sobre veículos usados importados de outros Estados Membros, introduz dois métodos de cálculo diferenciados na determinação do valor da desvalorização do veículo que originam uma carga tributária superior ao valor residual do mesmo imposto que onera um veículo com caraterísticas semelhantes já anteriormente matriculado no território nacional, e nessa medida tem um efeito discriminatório que é proibido por aquela disposição comunitária».
13. Por seu turno, a Requerida em resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem dizer, no essencial, o seguinte:
13.1 Em matéria de facto dá como assente a informação constante da introdução no consumo do veículo através da DAV.
13.2 Em termos de direito, enuncia as regras que subjazem à instituição do ISV e, concretamente no que respeita à tributação do veículo, transcreve os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 11º do CISV que regulam essa tributação.
13.3 No que respeita à argumentação do Requerente, salienta que o ato de liquidação foi praticado tendo em conta as normas constantes do CISV, pelo que, tendo as mesmas sido criadas por lei e encontrando-se a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária prevista no artigo 8.º da LGT, não poderia ter atuado doutra maneira, sob pena de cometer uma ilegalidade ao deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução no consumo. Anota que não existe qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária relativamente à nova redação do mencionado artigo 11.º.
13.4 A título de justificação da atual redação, refere o que consta da «Proposta de Lei do OE para 2021, de que « ... se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu ... o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate) por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal».
13.5 No Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) n.º C-169/20 não foi entendido que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já o foi, através da alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV., desconhecendo-se a existência de qualquer acórdão do TJUE que vede aos Estados Membros a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV.
13.6 Refere que a conformidade da atual redação com o direito comunitário foi reconhecida na decisão arbitral n.º 350/2021-T, de 22.02.2022, já transitada, tendo igualmente havido pronúncia na decisão arbitral proferida no Processo 209/2021-T, em 10.12.2021, igualmente transitada, de que transcreve os pontos 30 a 34, que aponta no mesmo sentido.
13.7 À semelhança do Requerente, também a Requerida sugere a este Tribunal que, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 110.º do TFUE, poderá a questão ser submetida a título prejudicial ao TJUE no sentido de saber se a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, ao prever percentagens de redução para as duas componentes, cilindrada e ambiental, que não coincidem na totalidade, continua a violar o artigo 110.º do TJUE.
13.8 Sob a epígrafe «Do pedido de restituição de quantia certa» refere que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação, não lhe competindo pronunciar-se sobre valores/montantes a restituir, rejeitando igualmente a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária, que se limitou a aplicar a lei em vigor, pelo que agiu no estrito cumprimento da lei, não assistindo assim, qualquer direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
IV - DOS FACTOS
14. Não há factos que sejam declarados não provados.
15. Em matéria de facto, relevante para a decisão a proferir, dá este Tribunal Arbitral como provado, face aos elementos constantes dos autos, os seguintes factos:
15.1 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação na Alfândega do Freixieiro da DAV n.º 2022/…, de 14.04.2022, do veículo da marca «Bentley», Variante CG4, com a designação comercial «Continental GT», com o n.º de chassis …., de 5998 centímetros cúbicos de cilindrada e 368 g/Km de emissões de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva alemã …, atribuída pela primeira vez em 02.11.2011, e a que veio a ser atribuída a matrícula nacional …..
15.2 O veículo move-se a gasolina/bioetanol, foi declarado aos serviços aduaneiros como tendo 26 949 quilómetros no conta quilómetros, e teve um valor de aquisição de 56 000 €.
15.3 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV de 21 801,04 €, em 13.04.2022, correspondendo 4980,61 €, a título de componente cilindrada, e 16 830,43 €, a título de componente ambiental, tendo a referida importância sido paga na mesma data.
15.4 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para os veículos novos, com uma redução de 80%, na componente cilindrada, por força de uma tabela, em função dos anos de uso, e uma redução da 60% na componente ambiental, por força de uma tabela, em função dos anos de uso.
16. Os factos foram selecionados a partir da informação disponibilizada pelas Partes, por via da apresentação de cópia da DAV que suportou a introdução no consumo e do processo administrativo, tendo o Tribunal formado a sua convicção tendo em conta o relevo jurídico que assumem para a decisão
V - QUESTÕES A DECIDIR:
17. No entendimento do Tribunal Arbitral as questões a decidir são as seguintes:
a) A nova redação do artigo 11.º n.º 1, 2 e 3 do CISV, ao prever na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União Europeia reduções do imposto diferenciadas em função dos anos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, é ou não compatível com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária produzida em volta da sua interpretação;
b) Caso não seja compatível, e proceda a impugnação do imposto, são ou não, devidos juros indemnizatórios.
VI – FUNDAMENTAÇÃO
18. A admissão do veículo foi sujeita a uma liquidação do ISV prevista no artigo 11.º do CISV, sob a epígrafe «Taxas – veículos usados», na redação dada pela Lei n.º 75-B/ 2020, de 31 de dezembro, o qual preceitua o seguinte:
«1 - O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:
TABELA D
Componente Cilindrada
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 1 ano
|
10
|
Mais de 1 a 2 anos
|
20
|
Mais de 2 a 3 anos
|
28
|
Mais de 3 a 4 anos
|
35
|
Mais de 4 a 5 anos
|
43
|
Mais de 5 a 6 anos
|
52
|
Mais de 6 a 7 anos
|
60
|
Mais de 7 a 8 anos
|
65
|
Mais de 8 a 9 anos
|
70
|
Mais de 9 a 10 anos
|
75
|
Mais de 10 anos
|
80
|
Componente ambiental
Tempo de uso
|
Percentagem de redução
|
Até 2 anos
|
10
|
Mais de 2 a 4 anos
|
20
|
Mais de 4 a 6 anos
|
28
|
Mais de 6 a 7 anos
|
35
|
Mais de 7 a 9 anos
|
43
|
Mais de 9 a 10 anos
|
52
|
Mais de 10 a 12 anos
|
60
|
Mais de 12 a 13 anos
|
65
|
Mais de 13 a 14 anos
|
70
|
Mais de 14 a 15 anos
|
75
|
Mais de 15 anos
|
80
|
2 - ...
3 – Sem prejuízo da liquidação provisória efetuada, sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto apurado nos termos do n.º 1 excede o imposto calculado por aplicação da fórmula a seguir indicada, pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de taxa a fixar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, e até ao termo do prazo de pagamento a que se refere o n.º 1 do artigo 27.º, que a mesma seja aplicada à tributação do veículo, tendo em vista a liquidação definitiva do imposto.
ISV = _V _U
VR x Y + (1 - UR) x C
em que
ISV representa o montante do imposto a pagar;
V representa o valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, do modelo e respetivo equipamento de série, da idade, do modo de propulsão e da quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor, apresentadas pelo interessado;
VR é o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, tal como declarado pelo interessado, considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez;
Y representa o montante do imposto calculado com base na componente cilindrada, tendo em consideração a tabela e a taxa aplicável ao veículo, vigente no momento da exigibilidade do imposto;
C é o «custo de impacte ambiental», aplicável a veículos sujeitos à tabela A, vigente no momento da exigibilidade do imposto, e cujo valor corresponde à componente ambiental da referida tabela, bem como ao agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º;
U é o número de dias de tempo de uso da viatura;
UR é a média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.
4 - ...»
19. O ISV é um imposto interno que tem de se conformar com as normas dos Tratados e com a interpretação que delas fazem os órgãos comunitários, em primeira linha o TJUE, e, num plano mais persuasivo, a própria Comissão.
19.1 O seu antecessor, o Imposto Automóvel, foi criado pelo Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de Dezembro, e adaptou o regime de tributação automóvel às condições de livre importação decorrentes da cessação do período transitório da adesão de Portugal às Comunidades, no que respeita à vigência dos Protocolos n.º 18 e 23, tendo inicialmente tributado de forma igual, tanto os veículos montados ou fabricados em Portugal como os admitidos de outros Estados Membros, quer no estado de novos, quer de usados.
19.2 Sucessivos ajustamentos das normas aplicáveis, por força de acórdãos comunitários que se debruçaram sobre aspetos do imposto com caraterísticas de registo e também da persuasão da Comissão Europeia, conduziram ao modelo de redução do imposto por anos de uso, que a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, viria a escalonar entre um ano e os mais de dez anos com reduções variáveis entre os 20% e os 80%, o qual, passou a coexistir com o chamado «método alternativo», criado um ano antes para acolher a jurisprudência do TJCE proferido no Acórdão de 22.02.2001, Processo C-393/98. (Caso Gomes Valente).
A tributação do IA passou então também a contemplar a opção pelos proprietários dos veículos de solicitarem um método, baseado no valor comercial do veículo, a determinar, inicialmente por comissões de peritos e depois por mera prova documental, em que o imposto a pagar fosse igual ao IA residual incorporado em veículos da mesma marca, modelo e sistema de propulsão ou, na sua falta, de veículos idênticos ou similares, introduzidos no consumo em Portugal no mesmo ano da data de atribuição da primeira matrícula, em detrimento da pura aplicação da tabela de reduções.
19.3 Dando seguimento a uma proposta de diretiva da Comissão Europeia, de 5 de julho de 2005, em que se preconizou uma harmonização ou, pelo menos uma aproximação dos impostos sobre os automóveis de passageiros, baseada, por um lado, na transferência da carga fiscal incidente sobre os automóveis para a fase de circulação e, por outro, na conversão ao dióxido de carbono de 25% da base tributável destes impostos até ao final de 2008 e de 50% dessa base tributável até ao final do ano de 2010, a legislação fiscal automóvel passou a acolher igualmente o critério das emissões do CO2, tendo o CISV consagrado definitivamente esse acolhimento no direito nacional.
Algumas vicissitudes legislativas quebraram a associação que se tinha estabelecido entre os anos de uso, por um lado, e a cilindrada e as emissões de dióxido de carbono por outro, tendo dado origem a contenciosos comunitários que culminaram com decisões desfavoráveis para a República Portuguesa.
19.4 Para dar resposta às exigências do direito comunitário em matéria de veículos usados admitidos de outro Estado Membro, o legislador estabelece o tempo de uso como fator de depreciação dos veículos, quer para a componente cilindrada, quer para a componente ambiental, representada pelas emissões de CO2.
A cilindrada foi sempre vista como um critério para referenciar o valor dos veículos, sendo considerado que um veículo tem um maior valor consoante tenha uma maior cilindrada, havendo, deste modo, aproximações ao valor real dos veículos
No entanto, não pode deixar de se considerar que é um critério grosseiro, pois, na verdade, é um facto público e notório que o mercado tem disponíveis veículos com uma mesma motorização que tem valores díspares, seja pelo valor intrínseco da marca, seja pelo tipo de conceção e construção do veículo, seja pela imagem que os consumidores fazem dos desempenhos dos veículos, o que faz com que, além dos preços de venda poderem ser díspares, também a sua depreciação ao longo dos anos não é uniforme, podendo um veículo da mesma valorização e do mesmo valor ao fim de dez anos ter valores de depreciação muito significativos.
Tendencialmente, um veículo, consoante, os anos de uso, vai-se depreciando naturalmente, pelo que o critério de dez anos que o legislador estabelece para a depreciação em função da componente cilindrada, nalguns casos, não é suficiente para acompanhar a desvalorização do veículo, bastando pensar que a idade média do parque automóvel nacional tem sido sempre superior aos referidos dez anos. Ainda assim, tem sido uma base razoavelmente aceite pela Comissão, enquanto guardiã dos Tratados, e pelos importadores de veículos que, para a contestarem judicialmente, não deixam de ponderar os respetivos custos face aos benefícios que podem conseguir.
O facto de esta tendência ter sido alterada nos anos de 2021 e 2022 por efeitos da crise dos semicondutores, que implicou que a redução do fabrico de automóveis novos em razão da falta de ships, componentes eletrónicos atualmente quase imprescindíveis no fabrico de automóveis, tanto convencionais como elétricos, tenha catapultado a cotação do mercado dos veículos usados para níveis de apreciação em função dos anos de uso em vez de depreciação, tem de se considerar necessariamente passageira e como tal não é suficiente para por em causa os alicerces em que se tem fundado a sua aplicação.
19.5 Em matéria de componente ambiental, o legislador instituiu as emissões de CO2 como fator de tributação, (as emissões de partículas também são consideradas, embora não tenham especial relevo) tendo sucessivamente aumentado as exigências de performance ambiental, por via do agravamento da tributação para os escalonamentos de CO2 mais altos
19.6 A par da combinação dos dois fatores acima mencionados, a partir da publicação do Acórdão Gomes Valente, em que não se excluiu a cilindrada como critério de depreciação, mas se afirmou que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a tabela forfetária refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, em termos de que em nenhum caso pudessem ser superiores ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional, sempre o legislador nacional disponibilizou um outro método de cálculo do imposto, o chamado método alternativo, que, algum tempo depois, evoluiu para o chamado método de avaliação, tendo ficado assegurado, em teoria, que o imposto, em nenhum caso, pudesse ser superior ao montante da taxa residual.
19.7 Atualmente, pela Lei n.º 75-B/2020, são tidos em conta o valor comercial do veículo, o preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, o custo do impacte ambiental, o n.º de dias de uso da viatura e a média do n.º de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à dará de apresentação da DAV.
20.1 O direito nacional em matéria de tributação da admissão de veículos usados tem necessariamente de ter em conta a evolução jurisprudencial comunitária havida em matéria de tributação de veículos usados de um Estado Membro para o outro, uma vez que é uma matéria que interessa aos países que, como Portugal tem um imposto de matrícula ou de registo.
Está em causa o artigo 110.º do TFUE (ex-artigo 90.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia), segundo o qual:
«1) Nenhum Estado-Membro pode fazer incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.
2) Além disso, nenhum Estado-Membro pode fazer incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções».
20.2 O direito atrás mencionado impõe-se por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP que, em matéria de direito internacional, estabelece que «As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.».
21.1 O sentido jurisprudencial começou a definir-se com um acórdão de 11.12.90, (Comissão/Dinamarca). e teve desenvolvimentos com os Acórdãos do TJCE, de 09.03.95, no Processo n.º C-345/93, em que foi impugnante Nunes Tadeu, de 23.10.97, que opôs a Comissão contra a Grécia, mas foi visando diretamente a legislação portuguesa, que o acórdão do TJCE, de 22.02.01, em que foi impugnante Gomes Valente, trouxe uma maior clarificação.
Ao apreciar a necessidade de se proceder a uma avaliação individual de cada veículo importado, o TJUE pronunciou-se no sentido de que não era inevitável proceder-se a essa avaliação, podendo os Estados membros, para evitar os encargos resultantes de um processo assim burocratizado, fixar, através de tabelas forfetárias determinadas por uma disposição legislativa, regulamentar ou administrativa e calculadas na base de critérios tais como a antiguidade, a quilometragem, o estado geral, o modo de propulsão, a marca ou o modelo de veículo, um valor para os veículos usados, que, em geral seria muito próximo do real. Na elaboração destas tabelas, as autoridades de um EM poderiam reportar-se a um ficheiro de preços médios dos veículos usados no mercado nacional ou a uma lista de preços correntes médios utilizados como referência no sector.
Embora tenha sido referido que a aplicação de uma tabela de taxas para os veículos usados fundada num critério de depreciação único não seria contrário ao artigo 95.º, foi sublinhado que era importante que fossem tomados em conta outros fatores de depreciação que não apenas a antiguidade, de forma a garantir que a tabela forfetária refletisse de modo mais preciso a depreciação real dos veículos e permitisse alcançar de uma forma mais fácil o objetivo da tributação dos veículos usados, em termos de que em nenhum caso pudessem ser superiores ao montante da taxa residual incorporada no valor dos veículos usados já matriculados em território nacional. Esta jurisprudência viria a ser reforçada com o acórdão do TJCE, de 19.09.2002, Processo n.º 101/00, envolvendo o Governo Finlandês e Antti Sillin.
21.2 No acórdão de 05.10.2006, processo C-290/05, o TJE apreciou a legalidade da tributação do sistema húngaro, tendo-se debruçado pela primeira vez sobre a questão ambiental face aos impostos automóveis.
No referido processo, foi proferido acórdão em que se diz textualmente que «não obstante o caráter ambiental do objetivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90º, primeiro paragrafo CE, exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objeto de tributação, visto que esses impostos se caracterizam por ser apenas cobrados uma vez aquando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no EM em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor».
Mais considerou que os EM têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, ainda que similares na aceção do artigo 110º, primeiro parágrafo, em função de critérios objetivos como sejam a natureza das matérias-primas utilizadas ou os processos de produção aplicados.
Todavia, tais diferenciações só serão consideradas compatíveis com o direito da UE se, por um lado, prosseguirem objetivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e, se por outro, as formas que vierem a revestir sejam de molde a evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, das importações provenientes dos outros EM, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes.
No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais constituem critérios objetivos e daí poderem ser utilizados num tal sistema de tributação, no entanto, dos mesmos não poderá resultar discriminação e o referido imposto não poderá onerar mais os produtos provenientes de outros EM do que os produtos nacionais similares, implicando que a cobrança por um EM de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-membro é contrária ao artigo 110º quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional.
21.3 O Acórdão do TJUE, de 19.03.2009, Processo C-10/08, que opôs a Comissão à Finlândia, interpretando o mesmo artigo 110.º, considerou que visa garantir a perfeita neutralidade das imposições internas no que se refere à concorrência entre produtos que já se encontrem no mercado nacional e produtos importados, de um modo que não pode, em caso algum, ter efeitos discriminatórios.
21.4 Essa neutralidade, deve ser aferida no que respeita à concorrência entre os veículos usados admitidos e os veículos usados similares anteriormente matriculados no território nacional e sujeitos, no momento da matrícula, ao referido imposto, pelo que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado-Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo, pelo que, quando um veículo é matriculado no Estado-Membro e, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado-Membro, o seu valor de mercado, inclui um montante residual do imposto de matrícula, teoricamente igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 07.04.2011, Processo C-402/09, Tatu).
21.5 Visando diretamente a legislação portuguesa, consubstanciada no artigo 11.º, n.º 3 do CISV, o acórdão C – 200/15, de 16.06.2016, do TJUE, considerou que a República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado membro, introduzidos no território nacional, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º do TFUE.
21.6 Ainda sobre a mesma matéria o acórdão mais recente do Tribunal de Justiça (Nona Seção), de 02.09.2021, concluiu que «Ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE».
22.1 No Pedido de Pronúncia, o Requerente historia sinteticamente aspetos da evolução jurisprudencial comunitária e da atividade legislativa nacional desenvolvida sobre a questão da tributação dos veículos usados, destacando as suas principais linhas e conclusões mas, concretamente, quanto à liquidação que recaiu sobre o veículo e que impugna, nada fundamenta, não demonstrando as razões porque entende que a tributação do referido veículo viola o direito comunitário, concretamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça.
Com efeito, está em causa um ato de liquidação que fixou um determinado montante que foi pago, mas o Requerente limita-se a fazer a alegação de que «O montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.» (ponto 60), sem o fundamentar, ou seja, não é suficiente alegar a diferenciação de reduções do imposto por ano de uso, e afirmar relativamente à componente ambiental que a norma atualmente em vigor e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante continua a violar frontalmente o artigo 110.º do TFUE, conforme foi decidido no acórdão C-169/20, (ponto 52) e é desconforme com o direito comunitário.
22.2 O n.º 3 do artigo 11.º do CISV prevê que sempre que o sujeito passivo entenda que o montante do imposto excede o imposto calculado por aplicação de uma determinada fórmula pode requerer ao diretor da alfândega, mediante o pagamento prévio de uma taxa a aplicação dessa fórmula à tributação do veículo tendo em vista a liquidação definitiva do imposto, ou seja há uma alternativa para a tributação que resulta simplesmente da aplicação dos anos de uso, ainda que diferenciados em termos de componentes, possibilidade que o Requerente não requereu, não significando com isso que se tenha conformado com a liquidação, pois a referida alternativa não se circunscreve a uma ponderação de valor do veículo mas é afetada pela introdução de uma ponderação de um critério em que a própria tabela de reduções em razão da componente ambiental é considerada, o chamado «custo de impacte ambiental», além dos critérios de dias de tempo de uso e de um fator UR, que corresponde à média do número de dias de tempo de uso dos veículos contados desde a data da primeira matrícula até à data do cancelamento da matrícula dos veículos em fim de vida abatidos nos três anos civis anteriores à data de apresentação da DAV.
22.3 Este Tribunal Arbitral entende que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, não obstante o n.º 3 do artigo 11.º do CISV criar uma alternativa à liquidação tabelar do imposto, é, por si só, recorrível, uma vez que no n.º 3 o legislador refere «pode requerer», ou seja concede-lhe essa faculdade, que o sujeito passivo pode utilizar ou não, mas esse facto não o dispensa de efetuar a respetiva prova.
Por mais evidente que possa parecer, essa prova terá de passar necessariamente, pelo menos, pela indicação do valor comercial do veículo, tomando por base o valor médio de referência determinado em função da marca, modelo e respetivo equipamento de série, idade, modo de propulsão e quilometragem média de referência, constante das publicações especializadas do setor e pelo preço de venda ao público de veículo idêntico no ano da primeira matrícula do veículo a tributar, (com o imposto já incorporado), considerando-se como tal o veículo da mesma marca, modelo e sistema de propulsão, ou, no caso, de este não constar de informação disponível, de veículo similar, introduzido no mercado nacional, no mesmo ano em que o veículo a introduzir no consumo foi matriculado pela primeira vez, promovendo o apuramento da depreciação havida no referido período de tempo.
22.4 No acórdão de 05.10.2006, Processo C-290/05, (Nadasdi), já mencionado, há uma clara prevalência de princípios ou objetivos prosseguidos com o artigo 110.º do Tratado, sobre outros princípios ou objetivos que decorram igualmente do Tratado, donde a formulação de «não obstante o caráter ambiental do objetivo e do fundamento do imposto automóvel e mesmo não tendo estes qualquer relação com o valor de mercado do veículo, o artigo 90º, primeiro paragrafo CE, exige que seja tida em conta a depreciação dos veículos usados que são objeto de tributação, visto que esses impostos se caracterizam por ser apenas cobrados uma vez aquando do primeiro registo do veículo para efeitos da sua utilização no EM em causa e por ser desta forma incorporado no referido valor», o que significa que a referência feita na Proposta de Lei do OE para 2021 para justificar a opção feita, de que « (...) se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu ...» corresponde a uma agenda ambiental em que o automóvel constitui uma das preocupações relevantes que, todavia, não poderá gerar efeitos discriminatórios entre os veículos usados admitidos e os que já se encontram matriculados, devendo as medidas adotadas com a referida finalidade ser neutras nos seus efeitos.
23.1 Há uma presunção de legalidade nas percentagens mencionadas na referida tabela que só fica em crise se for fundamentadamente questionada, o que não sucede nos presentes autos, uma vez que as provas existentes são unicamente a informação constante da DAV de introdução no consumo do veículo em que, para o caso, releva que o veículo teve uma data de primeira matrícula em 02.11.2011, foi admitido como usado com 26 949 quilómetros percorridos, é movido a gasolina/bioetanol, e emite 368 g/Km de CO2.
23.2 As revistas da especialidade na fixação dos valores dos veículos, consideram a sua depreciação na base de uma quilometragem anual média de 15 000 quilómetros, independentemente do veículo ter estado sujeito a um uso mais intensivo ou a um desgaste variável consoante os utilizadores, como no caso dos rent-a-car ou, mesmo táxis. É normal essas revistas estabelecerem níveis de depreciação, ou seja, fixarem cotações (variáveis, consoante se é comprador ou vendedor) em limites não superiores a oito anos, sem prejuízo das cotações que revistas mais especializadas estabelecem para determinado tipo de veículos que se distinguem por ser alvo de colecionismo, investimento ou mera ostentação.
23.3 Essa quilometragem, transposta para a componente ambiental reflete-se igualmente nos níveis de emissão de CO2 potencialmente a emitir pelo veículo. No caso concreto do veículo cuja impugnação do ISV se aprecia, o veículo no país de proveniência teve uma reduzida utilização (cerca de 2500 quilómetros por ano), havendo a perspetiva de utilização do veículo em território nacional muito para além dos 15 anos a que o legislador confere a redução máxima de 80% do ISV. A manter-se a referida quilometragem, há seguramente um número de dias de tempo de uso da viatura muito superior àqueles que são considerados como a média padrão da generalidade dos veículos admitidos.
23.4 Independentemente de todas as vicissitudes, o veículo do Requerente, com a quilometragem que possui, em tese, irá circular em território nacional muito mais tempo que os veículos que foram introduzidos no consumo em Portugal, como novos, e, consequentemente, irá poluir em território nacional, globalmente, mais em termos de emissões de CO2 e de outros poluentes, do que os veículos iguais ou similares admitidos como novos em território nacional e que pagaram a totalidade do imposto, e que foram objeto de uma normal utilização, sendo a sua participação a título de degradação das condições ambientais, superior à dos referidos veículos.
O facto de o veículo apenas possuir 26 949 quilómetros significa que se encontra muito mais longe do seu fim de vida útil, pelo que, em tese, nada indica que a tabela de reduções do ISV por anos de uso que lhe foi aplicável não reflita a correspondente desvalorização constante das tabelas e o apuramento do próprio imposto residual nele incorporado.
O princípio do poluidor/pagador, numa interpretação mais estrita e na terminologia do CISV, o princípio da equivalência, não emerge quando o veículo admitido tem um nível de emissões do CO2 de 368 gramas por quilómetro, ou seja, o seu potencial de degradação das condições ambientais nacionais é incomparavelmente superior ao da generalidade dos veículos da mesma marca e modelo, admitidos como novos em território nacional e que tem, ou tiveram, uma utilização dita normal.
O Tribunal Arbitral considera que o Requerente não provou que o seu veículo, ao ser tributado com uma redução de 60% do ISV, em sede de componente ambiental, tenha sido objeto de uma tributação desconforme com o direito comunitário, ou seja, ainda que se admitisse que os anos de uso, enquanto referência da desvalorização do veículo, devessem ser idênticos nas duas componentes, essa redução da componente ambiental, transposta para a componente cilindrada, como se pretende ter como paradigma, não iria além dos 20%, correspondentes a mais de um a dois anos de uso.
24. Muito embora o Requerente tenha destacado o facto de o montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, exceder o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional, sem apresentar quaisquer provas da referida alegação, o Tribunal Arbitral recorda, sem que isso seja fundamento da decisão, que o veículo cuja liquidação se impugna é um veículo de luxo, comparável a um verdadeiro artigo de joalharia, descontando a integração tecnológica. Trata-se de um veículo com a cilindrada de 5998 centímetros cúbicos de cilindrada em que o seu preço de aquisição como usado por 56 000 euros, por referência aos preços praticados em sites de referência para a marca e modelo fica bem aquém dos referidos valores, e que, por referência aos preços atuais praticados pela marca, descontando os agravamentos inflacionistas havidos nos últimos onze anos, deixam supor um benefício e não um excesso no imposto residual.
Não custa admitir que em resultado da inusitada procura de veículos usados que se refletiu numa excecional valorização do mercado nacional, o veículo de marca e modelo cuja liquidação se impugna, por pertencer a um nicho de mercado muito específico, não terá valorizado como a generalidade dos outros veículos, ou terá mesmo sofrido alguma desvalorização de valor, ainda assim, muito aquém à de veículos similares introduzidos como novos na data em que o mesmo teve a primeira matrícula na República Federal da Alemanha.
As particulares circunstâncias do mercado levam a crer que o valor de um veículo usado similar matriculado há alguns anos em Portugal inclui um ISV residual percentualmente superior ao que, por força das tabelas, é incorporado atualmente na introdução de um veículo usado admitido, pois a redução da oferta de veículos novos não gerou um aumento do preço de venda ao público tão significativo como o que resultou da diminuição da oferta de veículos usados, alterando os pressupostos em que tinham sido concebidas as tabelas de redução por via da maior longevidade dos veículos a circular no parque nacional, o que não significa que, pelo facto do regime jurídico não ter acompanhado essa inversão valorativa, tenha perdido legalidade. .
25. O Tribunal Arbitral não pode ignorar o facto de o Requerente e a Requerida estarem de acordo em que, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no artigo 11.º do CISV, à luz do disposto no artigo 110.º do TFUE, devem as mesmas ser submetidas pelo mecanismo próprio ao Tribunal de Justiça, o que significa existir uma perceção de incerteza na interpretação do quadro legal.
Se bem que, no caso concreto, essas dúvidas não se coloquem ao Tribunal Arbitral, em abstrato, a legalidade do referido quadro legislativo não está isenta de dúvidas, quer na questão identificada, quer noutras conexas com a construção do próprio escalonamento da tabela ambiental em função dos tempos de uso e com a complexa questão do sistema misto de tributação, designadamente a questão formal e material do fator UR do n.º 3, do artigo 11.º do CISV, ilustrando o parecer do Ministério Público junto do STA em recurso de uniformização de jurisprudência, o entendimento genérico que existe sobre os efeitos discriminatórios do regime em vigor à luz do direito da União Europeia.
Aliás, a conclusão tirada pelo Tribunal de Justiça no caso Gomes Valente, de admitir critérios de cálculo do imposto automóvel tinha como condição «...desde que tais critérios garantam que tal montante não é superior, ainda que apenas em certos casos, ao imposto residual incorporado.», formulação que não pode deixar de se reconhecer ser de grande, ou mesmo excessivo, rigor, assenta no mesmo entendimento, e. como se assinala no acórdão de 18.01.2007, Processo C-313/05, Brzezinski, o objetivo do artigo 110.º do TJUE é eliminar qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas discriminatórias relativamente a produtos vindos de outros Estados Membros.
VII – JUROS INDEMNIZATÓRIOS
26. Uma vez que a impugnação do imposto improcede, não há lugar, consequentemente à restituição do imposto e ao pagamento de juros indemnizatórios
VIII - DECISÃO
Nestes termos, julga o Tribunal Arbitral Singular o seguinte:
a) Manter na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado, por a referida liquidação efetuada ao abrigo do artigo 11.º n.º 1, com remissão para o artigo 7.º, n.º 1 do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, gozar de uma presunção de legalidade de não se encontrar em desconformidade com o direito comunitário, designadamente do artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, que não foi ilidida pelo Requerente, por prova ou demonstração em contrário, no que respeita ao facto do ISV ser reduzido por tempos de uso, de forma diferenciada, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental.
b) Consequentemente, rejeitar o pedido efetuado pelo Requerente de restituição da importância paga em sede de ISV a título de componente ambiental bem como o correspondente pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
c) Condenar o Requerente no pagamento das respetivas custas arbitrais.
IX - VALOR
27. Nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA, aplicável por força do que se dispõe no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, é fixado o valor do processo em € 8 415,21 (oito mil quatrocentos e quinze euros e vinte e um cêntimos).
X – CUSTAS PROCESSUAIS.
28. Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, aplicável por remissão do seu artigo 4.º, n.º 1, as custas são fixadas no valor de € 918 (novecentos e dezoito euros), a pagar pelo Requerente.
Notifiquem-se as partes.
Lisboa, 25 de outubro de 2022.
O Árbitro Singular
António Manuel Melo Gonçalves