REQUERENTES:
A..., contribuinte fiscal nº..., residente na Rua ..., ..., nº ..., ..., ...-... Paço de Arcos,
B..., contribuinte fiscal nº ..., residente na Av. ..., ..., ... ... São João das Lampas, e,
C..., contribuinte fiscal nº..., residente na Av. ..., nº..., ..., ...-... Oeiras.
REQUERIDA: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
SUMÁRIO:
O balanço a que se referem os nºs 1 e 2 do artigo 15º do Código do Imposto do Selo, para efeitos de cálculo do valor de transmissões gratuitas de quotas sociais, é o último balanço reportado ao exercício fiscal anterior ao da transmissão.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1.As identificadas peticionantes (doravante designadas por Requerentes ou Sujeitos Passivos) apresentarem em 2022-03-15, em coligação de autores, pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 dos artigos 2º, 5º, nº 2, alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria 112-A/2011, de 2 de Março, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de indeferimento da reclamação graciosa nº ...2020... e do recurso hierárquico nº ...2021..., que se lhe seguiu, bem assim como a declaração de nulidade dos actos de liquidação de imposto do selo, demonstração e de cobrança, consubstanciados sob as notas números 2019..., 2019 ... e 2019 ..., todas referentes ao ano de 2019, nos respectivos valores de 23.666,68 €, 11.042, 43 €, e 11.042,43 €.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2022-03-16 e notificado à Requerida nos termos legais, nessa mesma data.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. Em 2022-05-09 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo11º, nº 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro,
5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2022-05-27, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6.Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2022-05-27 a Requerida apresentou em 2022-09-12 a sua resposta.
7. A AT procedeu à junção aos autos do processo administrativo (PA) em 2022-10-19.
8. Por despacho proferido em 2022-09-13 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a, apresentarem, querendo, alegações escritas e designada data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes.
9. As Requerentes apresentaram em 2022-10-03 alegações escritas, onde fundamentalmente reiteram e reforçam o argumentário constante das suas peças processuais, procedendo ainda à interpretação de várias decisões jurisprudenciais, correlativas com a questão que se suscita nos presentes autos.
10.A AT não apresentou alegações.
11. A fundamentar o seu pedido as Requerentes, invocam em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o que segue (que se menciona maioritariamente por transcrição);
11.1. Que as liquidações impugnadas respeitam à transmissão gratuita de três participações sociais na sociedade “D..., Lda. (cfr., artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral);
11.2.(…) que incidiram sobre a matéria coletável de Imposto do Selo no valor de:
a) € 236.666,78,
b) € 110.424,25,
c) € 110.424,25
(cfr., artigo 10 do pedido de pronúncia arbitral e documentos nºs 3,4 e 5 com o mesmo juntos);
11.3. Por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária,da sociedade, que teve lugar em 25/10/2018, foi decidida a distribuição de resultados da sociedade à Autora da Transmissão, E..., no montante de € 139.000,00 (cfr., artigo 12 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 8 com o mesmo junto);
11.4. Conforme deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade D..., que teve lugar igualmente em 25/10/2018, E... (…) doou três participações sociais dessa mesma sociedade às aqui Requerentes A..., B... e C... (cfr., artigo 14 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 9 com o mesmo junto);
11.5.A doação das quotas foi também comunicada à Autoridade Tributária em 09/01/2019, conforme comprovativo de participação de transmissões gratuitas (…) tendo por base a atribuição dos seguintes valores:
a) Verba nº 1, com o valor nominal de € 51.438,00,
b) Verba nº 2, com o valor nominal de € 24.000,00,
c) Verba nº3, com o valor nominal de € 24.000,00. (cfr., artigo 21 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 16 com o mesmo junto).
Numa outra vertente, invocam ainda as Requerentes o seguinte:
11.6. (…) a AT determinou o valor das participações para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo tendo por base o capital próprio da sociedade declarado à data de 31/12/2017 (cfr., artigo 29 do pedido de pronúncia arbitral);
11.7. (…) a decisão de distribuição de resultados de 25/10/2018 foi precedida de um balanço intercalar que constitui inclusivamente, parte integrante da mesma (cfr., artigo 35º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 16 com o mesmo junto);
11.8, O pagamento de tais dividendos ocorreu nessa mesma data (25/10/2018) e a correspondente retenção na fonte (à taxa de 28%), no valor de € 38.920,00, foi paga à AT no dia 20/11/2018 (cfr., artigo 36 do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 17 com o mesmo junto) ;
11.9.”(…) quando operou a doação das quotas, a Sociedade já não tinha na sua esfera o valor dos lucros distribuídos (cfr., artigo 37 do pedido de pronúncia arbitral);
11.10. Este balanço intercalar foi desconsiderado em absoluto pela AT, aquando da fixação do valor das participações sociais (cfr., artigo 38 do pedido de pronúncia arbitral);
11.11. Concluindo pela procedência do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência pela declaração de nulidade dos actos de indeferimento da reclamação graciosa, do acto que consubstanciou a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, e consequente declaração de nulidade das notas de liquidação de imposto do selo, peticionando ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
12. Como referido, em 2022-09-12, a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção da sua resposta, donde se destaca, sinteticamente, e com relevância o seguinte (que de igual modo se menciona, maioritariamente por transcrição);
12.1. As liquidações do imposto do selo nº 2019..., no valor de € 23.666,68, nº 2019..., no valor de € 11.042,43 e nº 2019..., no valor de € 11.042,43, tiveram origem na transmissão gratuita de 3 (três) participações sociais da sociedade “D..., Lda.” NIPC ... efetuada por E... (…) a favor das ora Requerentes. (cfr. artigos 1º e 2º da Resposta);
12.2. (…) Por decisão tomada em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade “D... LDA”, NIF ..., que teve lugar em 2018-10-25, E... (Autora da Transmissão) doou três participações sociais desta sociedade às ora Requerentes, A..., B... e C... . (cfr., artigo 5º, ponto 1 da resposta);
Nessa mesma data, por deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária da sociedade, foi decidia a distribuição de resultados da sociedade à Autora da Transmissão, E..., no montante de € 139.000.00 (cfr, artigo 5º ponto 2 da Resposta).
12.3. A doação das quotas foi comunicada à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com a apresentação, em 09-01-2019 da Modelo 1 do Imposto do Selo, tendo por base a tributação dos seguintes valores:
a) Verba nº 1, com o valor nominal de € 51.438,00;
b) Verba nº2, com o valor nominal de € 24.000,00;
c) Verba nº 3 com o valor nominal de € 24.000,00
(cfr, artigo 5 , ponto 3 da resposta)
12.4. Em abril de 2019, foram as Requerentes notificadas dos projetos de avaliação das referidas participações sociais, através dos quais veio a AT atribuir os seguintes valores às quotas objecto de doação:
a) Verba nº 1, foi fixado o montante de € 236.666,78;
b) Verba nº 2, foi fixado o montante de € 110.424,25;
c) Verba n º 3, foi fixado o montante de € 110.424,25.
(cfr. artigo 5º ponto 4 da resposta).
12.5. Na resposta ao direito de audição, veio a AT, através do Ofício nº..., manter o valor atribuído à participação no projeto de avaliação, com a seguinte fundamentação: “O Código do IS, no seu nº 1 do artigo 15º, ao determinar que “o valor das quotas ou partes em sociedades que não sejam por ações, se calcula pelo último balanço”, quer dizer que valor que resultar do balanço devidamente organizado de acordo com as respetivas normas contabilísticas legais, é o valor legalmente considerado, como sendo o dos bens transmitidos.”
(cfr., artigo 5º ponto 6 da resposta)
12.6. Em 21-08-2019 foram emitidos os seguintes atos tributários:
Liquidação nº ..., em nome de A..., no valor de € 23.666, 68
(DUC 2019...);
Liquidação nº..., em nome de B..., no valor de € 11.042,43 (DUC 2019...);
Liquidação nº..., em nome de C..., no valor de € 11.042,43 (DUC 2019...).
12.7. Noutra vertente, (argumentos de direito), onde, fundamentalmente, remete para a decisão de indeferimento que incidiu sobre a reclamação graciosa, refere a AT o seguinte, com relevo nesta sede:
12.8.”(…) o Balanço Intercalar que as Requerentes pretendem que sirva de base à determinação do valor tributável, reporta-se a 2018-10-26, ou seja em data posterior ao Contrato de Cessão Gratuita de Quotas, outorgado em 2018-10-25 (cfr., artigo 17º da resposta);
12.9. Não obstante a Declaração da Contabilista Certificada emitida em 2021-08-13,certificar que “o BALANÇO EM 26 DE OUTUBRO DE 2018 reflete a situação patrimonial da sociedade em momento prévio à doação de quotas”, a verdade é que esse “Balanço Intercalar”, que as Recorrentes pretendem que sirva de base à determinação do valor tributável, não cumpre os requisitos da Portaria nº 229/2015, de 24 de julho, em que seria suposto ter uma coluna comparativa com o período anterior (cfr., artigo 19º da resposta);
12.10. “(…) é o último balanço de encerramento de contas aprovado em data anterior à transmissão gratuita (2018-10-25), no caso sendo o Balanço do ano de 2017, referente a 2017-12-31, que tem de ser a referência para os valores determinados nos procedimentos de avaliação das quotas e que serviram de base às liquidações sindicadas (cfr., artigo 20º da resposta);
12.11 Culmina a AT a sua resposta pela improcedência do pedido, com a manutenção na ordem jurídica dos actos de indeferimento da reclamação graciosa, do recurso hierárquico e os actos de liquidação impugnados, com consequente absolvição do pedido.
13.O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
14. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, e e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi artigo 29º, nº1, alínea a) do RJAT).
15.É legítima a coligação de Requerentes ao abrigo do disposto nos artigos 9º, nº 1 da Lei Geral Tributária, e 44, nº 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29º do RJAT.
16.A acção é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
17. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se.
18. O processo não enferma de nulidades.
19. Inexiste, deste modo, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A.MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados.
Perante os elementos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e com relevo para a decisão, consideram-se como provados os seguintes factos:
a-Em 25 de Outubro de dois mil e dezoito, pelas dez horas, reuniu em assembleia geral extraordinária, na sua sede social sita no ..., na freguesia de ..., concelho de Lisboa, a sociedade comercial por quotas, denominada D..., Lda., com o capital social integralmente realizado de 100.000,00 €,
b- Na dita assembleia estiveram reunidos ou representados os sócios representativos da totalidade do capital social, Exmas. Senhoras E..., titular de uma quota no valor nominal de 99.438,00 €, e F..., titular de uma quota no valor nominal de 562,00 €.
c- A ordem de trabalhos, teve como ponto único, a discussão e deliberação da “distribuição de resultados à sócia E... no montante de € 139.000,00 ” que foi aprovada por unanimidade.
d- Nesse mesmo dia (25/10/2018) pelas dezasseis horas reuniu de novo a referida sociedade com a presença e das detentoras da totalidade do capital social nas condições de representação acima referidas, e ainda as Exmas. Senhoras D. B... e C... .
e- Consistiu a ordem de trabalhos desta assembleia geral no seguinte:
“Ponto Um: Discutir e deliberar autorizar a divisão da quota no valor nominal de € 99.438,00 (noventa e nove mil quatrocentos e trinta e oito euros, pertencente à sócia E..., em três novas quotas, uma no valor nominal de €51.438,00 (cinquenta e um mil quatrocentos e trinta e oito euros), outra no valor nominal de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) e outra no valor nominal de € 24.000,00) para efeitos de cessão gratuita a terceiros não sócios, designada e respetivamente, às Exmas. Sras. A..., B... e C... (…)”
“Ponto Dois; Discutir e deliberar autorizar a cessão da quota no valor nominal de €562,00 (quinhentos e sessenta e dois euros), pertencente à sócia F... à Exma. Srª A... (…)”
“Ponto três: Discutir e deliberar, em consequência do deliberado nos pontos anteriores, alterar o artigo 3º dos estatutos da sociedade:
f- Em 09/01/2019, através do Modelo I do Imposto do Selo, foram participadas à Autoridade Tributária e Aduaneira as referidas doações de quotas sociais, com os seguintes valores (cfr. Documento junto com o pedido de pronúncia arbitral):
Verba nº 1 com o valor nominal de € 51.438,00,
Verba nº2 com o valor nominal de € 24.000,00,
Verba nº 3 com o valor nominal de € 24.000,00.
g- Em Abril de 2019 foram as Requerentes notificadas do projecto de avaliação das ditas quotas sociais, através da qual a AT veio a atribuir os valores, como segue:
Verba nº 1 – fixado o montante de € 236.266,78:
Verba nº 2 – fixado o montante de € 110.424,25:
Verba nº 3 – fixado o montante de € 110.424,25.
h- Em resultado da notificação do projecto de avaliação das quotas sociais, veio a Requerente B... exercer o direito de audição, em cuja “resposta” (através do ofício nº ...) veio a AT dizer o seguinte: “
“3.3 – O Código do IS, no seu nº 1 do artigo 15º, ao determinar que “o valor das quotas ou partes em sociedade que não sejam por ações, se calcula pelo último balanço”, quer dizer que o valor que resultar do balanço devidamente organizado de acordo com as respetivas normas contabilísticas legais, é o valor legalmente considerado como sendo o dos bens transmitidos.
3.4.Assim, o balanço a considerar será o de 2017.”
i- Em 21 de Agosto de 2019, foram emitidas as seguintes notas de demonstração de liquidação:
-liquidação nº ... no montante de 236.666,78 €
-liquidação nº no montante de 110.424,25 €
-liquidação nº no montante de 110.424,25 €
j- Do acto das liquidações de imposto do selo subjacentes, apresentaram as Requerentes, em 14/02/2020, junto do Serviço de Finanças de Cascais ..., reclamação graciosa a que veio a caber o nº ...20..., cujo teor se dá como reproduzido;
k-Reclamação graciosa essa que veio a ser indeferida, por despacho proferido em 20/08/2021 pelo Chefe de Finanças ao abrigo de delegação de competências;
l-Do indeferimento da reclamação graciosa promovido pelo Chefe de Fianças de Cascais ..., vieram as Requerentes em Outubro de 2021, apresentar recurso hierárquico ao qual foi atribuído o nº ...2021... da Direcção de Finanças de Lisboa, cujo teor se dá como reproduzido;
m- Em 15/11/2021 foram as Requerentes notificadas do projecto de indeferimento do recurso hierárquico e para exercer o direito de audição prévia não tendo as Requerentes exercido tal direito.
n-Em 14-12-2021 foi pelo Diretor -adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo de Subdelegação de competências, proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico,
o- As Requerentes procederam ao pagamento do imposto constante das respectivas notas de liquidação.
p- Em 15 de Março de 2022 as Requerentes apresentaram junto do CAAD pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2. Factos dados como não provados.
Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada.
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr, artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 670º, nº 3 do CPCivil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão (ões) de Direito (cfr, artigo 596º do CPCivil, ex vi artigo 29º, nº 1 ,alínea e) do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção, formando a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo coma sua experiência de visa e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607 º, nº 3 do CPCivil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº43/2013, de 26 de Junho).
Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por lei (vg., força probatória dos documentos autênticos (cfr., artigo 371º, nº 3 do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.
Não se deram como provados, nem como não provados as alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferi em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.
B-DO DIREITO
A questão concreta que é colocada nos presentes autos consiste em saber se para determinação do valor das quotas sociais doadas nas condições supra expostas (cfr. matéria de facto dada como provada e posição das partes) para efeitos do imposto do selo, esse valor é determinado pelo “último balanço” reportando-se este ao balanço financeiro do exercício fiscal de 31 de Dezembro de 2017, ou se haverá lugar à correcção deste através de um balanço intercalar.
Densificando, e ao que subjaz dos presentes autos, a questão a dirimir, consiste em saber-se quanto ao modo de cálculo do valor das quotas (determinado pelo “ultimo balanço”, como é referido no nº 1 do artigo 15º do CIS), se reporta ao balanço financeiro do exercício fiscal de 2017, ou ao “balanço intercalar” de que as Requerentes dão conta na acta de 25 de Outubro de 2018.
É que, no balanço de final do exercício de 2017 apura-se um valor de capital próprio global de 460.101,25 €, e no balanço intercalar datado de 26 de Outubro de 2018 um valor de 260.764,00 €, de capital social.
Valores esses com relevante repercussão na determinação do valor das quotas doadas, e correlativo imposto a pagar.
quadro normativo
O artigo 15º do Código do Imposto do Selo está sistematicamente inserido na secção II do capítulo III que dispõe sobre as regras gerais do valor tributável em sede de IS, normatiza o regime a observar para a determinação do “valor tributável de participações sociais, títulos de crédito e valores monetários”, nas transmissões gratuitas.
Dispõe assim o nº 1; “O valor das quotas sociais que não sejam por ações e o dos estabelecimentos comerciais, industriais ou agrícolas, com contabilidade organizada determina-se pelo último balanço, ou pelo valor atribuído em partilha ou liquidação dessas sociedades, salvo se, não continuando as sociedades com o herdeiro, legatário ou donatário do sócio falecido ou doador, o valor das quotas ou partes tiver sido fixado no contrato social”.
Prescrevendo o nº 2 como segue: “Se o último balanço referido no número anterior precisar de ser corrigido, o valor do estabelecimento ou das quotas sociais determinar-se-á pelo balanço resultante dos correções feitas.”.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 31º do Código do Imposto do Selo; “Fazendo parte da herança ou da doação estabelecimento comercial, industrial ou agrícola ou outro estabelecimento com contabilidade organizada, bem como quotas e partes sociais que não sejam por ações cujo valor de liquidação não esteja fixado no pacto social, ou ainda façam parte da herança ou da doação ações cujo valor tenha de ser determinado por aplicação da fórmula constante da alínea a) do nº 3 do artigo 15, o chefe de finanças remeterá à direção de finanças o duplicado do extrato do balanço, havendo-o, e demais elementos apresentados o de que dispuser, a fim de se proceder à determinação do seu valor”
No caso concreto está em causa, e como já assinalado, a determinação do valor das participações socais (quotas) doadas às Requerentes, tendo em consideração o capital próprio da sociedade em causa (“D...”).
As liquidações impugnadas tiveram origem numa doação de participações sociais da sociedade “D...” nos termos e condições que resultam do probatório, não constituindo tal facto qualquer controvérsia.
O dissenso entre as partes, consiste, pois, e como referido, em avaliar se os valores determinados pela AT no âmbito do procedimento de avaliação das quotas cumpriram ou não as disposições previstas nos nº s 1 e 2 do artigo 15º do CIS.
Relativamente a este segmento, sustentam as Requerentes que a AT, na determinação do valor das participações sociais para efeitos de tributação em sede de imposto do selo se baseou no capital próprio da sociedade em causa constante no balanço de 31 de Dezembro de 2017, e não, como defendem, com base no balanço intercalar de 26 de Outubro de 2018, data posterior às mencionadas assembleias gerais de 25 de Outubro de 2018, e ao contrato de cessão gratuita de quotas.
Realçando-se neste segmento, que a declaração da contabilista certificada, emitida em 13/08/2021, atestando que “o balanço em 26 de Outubro de 2018 refecte a situação patrimonial da sociedade em momento prévio à doação de quotas”, não contém a virtualidade de alterar a data em que foi decidida a doação das quotas (25 de Outubro de 2018), nem implica que o cálculo dos valores determinados em avaliação tenha por base um qualquer outro balanço que não seja o referente a 31 de Dezembro de 2017.
A AT, determinou o valor tributável das quotas em resultado do último balanço de encerramento de contas do exercício económico, (2017-12-31) data esta anterior à transmissão das participações sociais e, quanto a nós, com acerto.
No fundo e como referido, não havendo dissenso entre as partes no que concerne ao facto de o valor tributável das quotas ser determinado pelo último balanço de conformidade ao disposto do nº1 do artigo 15º do CIS, entendem as Requerentes que esse balanço deve ser corrigido nos termos constantes no nº 2 do mesmo normativo, considerando que o capital próprio da sociedade em causa, está refletido no balanço intercalar.
E isto porque, na perspectiva das Requerentes, por terem sido distribuídos resultados à sócia autora da transmissão antes das partes sociais terem sido transmitidas, tal circunstância imporia a elaboração de um balanço intercalar “corrigido”.
Pugnam deste modo as Requerentes que o capital próprio a consolidar para efeitos de determinação dos valores das participações que a seu favor foram efectuadas seja o que decorre do balanço intercalar no valor de 260.764,00 €.
Quanto ao balanço intercalar e à declaração subscrita pela contabilista certificada emitida em 11/08/21, supra referidos, não podemos deixar de subscrever as considerações tecidas pela AT no âmbito do indeferimento da reclamação graciosa; “(…) a este respeito- (do balanço intercalar invocado e junto pelas reclamantes aos autos) - de realçar que consultado o documento (a fls,75) se verifica nele constar como sub-título “BALANÇO EM 26 DE OUTUBRO DE 2018” sem qualquer menção a outra data, não se conseguindo concluir desse documento, por isso, a nosso ver, que ele por si só reflita a situação patrimonial da sociedade em causa no momento prévio às doações em causa, como alegam as reclamantes, considerando que tais doações ocorreram no dia anterior (2018-10-25) conforme resulta dos autos, de forma que, mesmo que para efeitos do nº1 do artº 15 do CIS fosse de se considerar como último balanço o último existente antes da transmissão, que como acima vimos não entendemos assim, o balanço intercalar em concreto junto pelas reclamantes mesmo assim não serviria com esse propósito por se referir a um momento posterior à transmissão”.
Com efeito,
A Autoridade Tributária e Aduaneira determinou o valor tributável das quotas em resultado do “último balanço”, correspondendo este ao balanço de encerramento de contas do exercício económico anterior à sua transmissão, em observância ao disposto nos nº s 1 e 2 do artigo 15º do Código do Imposto do Selo, improcedendo, desta forma, a pretensão das Requerentes.
Para concluir, e ao contrário do alegado pelas Requerentes, não se vislumbra qualquer violação dos princípios da legalidade tributária e da tributação do património efectivo, nem estas explicitam em que sentido e dimensão se verificariam tais violações, pelo que, consequentemente, das mesmas não se conhece.
III-JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Na sequência da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, fica prejudicado o conhecimento do pedido de juros indemnizatórios por não devidos.
IV-DECISÃO
Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativo aos actos de liquidação do imposto do selo
julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de indeferimento da reclamação graciosa, nº ...2020..., e subsequente recurso hierárquico nº ...2021... .
-Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
V- VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º- A, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 29.631,30 € (vinte e nove mil seiscentos e trinta e um euros e trinta cêntimos)
VI-CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela a este anexa, fixa-se o montante de custas em 1.530,00 € (mil quinhentos e trinta euros).
NOTIFIQUE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.
[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]
Dezassete de Novembro de dois mil e vinte e dois
O árbitro,
j. coutinho pires