Sumário:
I. O artigo 51.º do Código do IRS estatui na sua alínea b) que “para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem”, nas situações de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, “as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”.
II. Esta disposição legal decorre do princípio geral de tributação do rendimento que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, assim obrigando à dedução das despesas necessárias para que o mesmo rendimento pudesse ter ocorrido.
III. As despesas devem, pois: (i) ser necessárias, ou seja, sem a realização dessas despesas, o sujeito passivo não poderia ter obtido o rendimento, pelo que as mesmas considerar-se-ão indispensáveis à obtenção do seu rendimento; (ii) têm de ter sido efetivamente praticadas; e, (iii) têm de ser inerentes à aquisição e alienação, o que comporta, em si, uma ideia de indissociabilidade.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. No dia 15 de março de 2022, A... e B..., NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de C... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação:
(i) do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021...;
(ii) do ato de liquidação de IRS n.º 2021 ... e das correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2021 ... e n.º 2021 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o montante a pagar de € 34.827,94, respeitantes ao ano de 2017;
(iii) do ato de liquidação de IRS n.º 2021 ... e das correspondentes liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., da qual resultou o montante a pagar de € 2.962,66, respeitantes ao ano de 2018.
A Requerente juntou prova documental, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.
É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, essencialmente, o seguinte que passamos a citar:
“- Durante os anos fiscais de 2017 e 2018, a Requerente e o Senhor seu Marido detiveram um conjunto de ativos mobiliários geridos ativamente (adquiridos/alienados), em sua representação, pela D..., S.A. (…).
- Nesses mesmos anos de 2017 e 2018, os sujeitos passivos pagaram à D... dois tipos de comissões pelos serviços que lhes foram prestados, a saber:
(i) Banking fees/custody fees nos valores de € 2.504,17 em 2017 e € 2.436,72, em 2018; e
(ii) Management fees, nos montantes de € 108.935, 27 em 2017 e € 80.717,56 em 2018 (…).
- De acordo com a descrição feita pela própria D..., as comissões designadas por banking fees foram pagas em contrapartida de serviços bancários diversos, como a abertura e manutenção das contas de depósito, o envio de extratos ou o acesso a serviços de e-banking (…).
- Diversamente, as comissões designadas management fees foram pagas como contrapartida da gestão ativa (estudo, negociação, compra e venda) dos ativos financeiros dos sujeitos passivos, que a D... transacionou em nome e por conta destes últimos (…).
- Nas declarações anuais de rendimentos de 2017 e de 2018, os sujeitos passivos deduziram as banking fees e as management fees a título de despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação dos ativos financeiros transmitidos, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS (…).
- Em consequência, estas duas comissões foram inicialmente consideradas no cálculo das mais-valias mobiliárias apuradas nas liquidações de IRS relativas aos anos de 2017 e de 2018, originariamente emitidas pela Administração Tributária em 2018 e 2019 (…).
(…)
- (…), a Requerente reconheceu que as banking fees pagas em 2017 (€ 2.504,17) e em 2018 (€ 2.436,72) não são dedutíveis, por não estarem relacionadas com a gestão dos ativos transmitidos naqueles anos, mas com o conjunto de serviços bancários acima descritos (…).
- (…), a Requerente fez saber à Unidade dos Grandes Contribuintes que não concorda com a desconsideração das management fees pagas em contrapartida da gestão ativa dos ativos financeiros transmitidos, …
- … que considera serem despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação e, portanto, dedutíveis no apuramento das mais-valias ao abrigo do disposto no artigo 51.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS (…).
(…)
- … os Serviços de Inspeção Tributária desconsideraram (ilegalmente) a dedução das management fees pagas em 2017 e 2018, nos montantes de € 108.935,27 e € 80.717,56 (…).
- Em consequência destas correções, a Administração Tributária emitiu os atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios aqui contestados, que traduzem na ordem jurídica as correções vertidas nos Relatórios de Inspeção Tributária (…).
- A Requerente procedeu, dentro dos respetivos prazos (9 de junho e 22 de setembro de 2021) ao pagamento dos valores apurados pela Administração Tributária nos atos de liquidação que lhe foram notificados, (…).
- (…) as management fees suportadas no decurso dos anos de 2017 e de 2018 são gastos dedutíveis no apuramento das mais-valias mobiliárias sujeitas a IRS, por não terem outro objetivo que não a obtenção desses ganhos e serem absolutamente indispensáveis às operações de aquisição e alienação que geraram o rendimento tributável.
- Em particular, a Requerente considera que:
(i) A gestão de ativos mobiliários que estão aqui em causa exige sempre estudo e conhecimentos especializados, sendo extraordinariamente difícil (na prática impossível) de concretizar por parte de um contribuinte normal, que não se dedique de forma profissional a este ofício. Neste sentido, sem a representação da D... (e, portanto, sem o pagamento das correspondentes management fees), as mais-valias sujeitas a IRS nunca teriam sido realizadas;
(ii) O facto de as comissões serem cobradas periodicamente e por valores previamente convencionados (como sucede em geral nos contratos de avença) não altera o facto de se tratar de contraprestações devidas pela gestão ativa (leia-se, pela aquisição/alienação) dos ativos mobiliários transmitidos – tratar esses contratos de forma diferente seria absurdo; e
(iii) Ao contrário do que – sem qualquer fundamento – afirmam os Serviços de Inspeção, a Constituição da República Portuguesa e a Lei Geral Tributária não admitem (exceto em situações expressamente previstas na lei, como o regime simplificado da categoria B) a tributação de rendimentos cujo apuramento não seja baseado na realidade. Está naturalmente vedado ao legislador (e mais ainda à Administração Tributária) sujeitar os contribuintes a imposto nos casos em que estes não auferiram rendimento ou em que esse rendimento foi diminuído por uma despesa efetiva, conexa e necessária.
(…)
- Por outro lado, a Requerente também entende que as liquidações de juros compensatórios acima identificadas são ilegais, uma vez que:
(i) falta a essas liquidações o seu pressuposto objetivo (o alegado atraso na liquidação do imposto);
(ii) a Administração tributária não demonstrou o pressuposto subjetivo das liquidações de juros (a existência/a demonstração da culpa da Requerente e do Senhor seu Marido naquele alegado atraso); e
(iii) esse pressuposto subjetivo não existe de todo – mesmo que o imposto fosse devido (o que não se admite), os sujeitos passivos agiram com a diligência adequada relativamente a um regime relativamente complexo.
(…)
- (…), se for interpretada (como faz a Administração Tributária) no sentido de excluir as management fees aqui em causa do âmbito das despesas dedutíveis no apuramento das mais-valias, [a alínea b) do n.º 1 do artigo 51.º do Código do IRS] é inconstitucional, por violação dos referidos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, consagrados no artigo 13.º e na parte final do n.º 1 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, (…).”
3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 22 de março de 2022.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 9 de maio de 2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 27 de maio de 2022.
5. No dia 29 de junho de 2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção do processo administrativo (doravante, PA).
A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação que passamos a citar:
“- (…) “Management fees” são relacionados com o serviço de gestão ativa da carteira de investimentos providenciado pelo próprio banco, nos termos do contrato de mandato celebrado entre os clientes e a respetiva instituição financeira, o qual confere a esta última poderes para gerir os ativos que compõem a carteira de investimento detida pelos seus clientes.
(…)
- (…), não foi sequer possível estabelecer uma relação entre os montantes despendidos e as operações declaradas na Declaração anual de rendimentos, (…)
(…)
- Acontece que a celebração do contrato de gestão de carteiras não constitui, (…), uma condicionante prévia à realização de qualquer mais-valia.
- Acresce que aos montantes disponibilizados ao banco, subjazem as contrapartidas advenientes dos conhecimentos técnicos, providenciados no âmbito do aconselhamento financeiro em causa.
- Este valor acrescido não poderia ser associado a qualquer natureza indispensável na alienação em crise.
(…)
- (…), no contrato de gestão de carteiras, não se afigura possível aferir o concreto montante despendido pela contribuinte, em cada uma das mais-valias realizadas.
- Pelo contrário, a relação contratual de gestão de carteira de títulos caracteriza-se por uma continuidade temporal sendo impossível definir o montante dos encargos suportados em cada mais-valia impugnada uma vez que as prestações revelam-se insuscetíveis de serem particularizadas.
- É manifesto que as prestações conexas à situação em litígio, assumem-se como duradouras, tendo em conta o espaçamento temporal em que se desenvolveu a relação contratual em crise como se atesta pelos dados colhidos no relatório de inspeção, e sublinhados na decisão da reclamação graciosa, ao apontar que, em 2017, no trimestre em que não foram realizadas mais-valias, não obstante, houve lugar a retribuição.
- Enquanto, em 2018, foi pago, relativamente ao terceiro trimestre, o segundo valor mais alto (dos 4 efetuados, cada um referente a um trimestre), quando aí teve lugar o menor número de operações geradoras de mais-valias.
- Mais uma vez, emerge, à evidência, a impossibilidade de associar cada uma das mais-valias realizadas com os valores despendidos no contrato em causa.
- Ou seja, não é viável particularizar os montantes que pontificaram, a título de despesas e encargos, para cada uma das mais-valias.
- Conclui-se assim que os referidos encargos não enquadram (…) na previsão de inerência/imprescindibilidade vertida na norma do artigo 51, al. b), do CIRS e na correspondente subsunção a mais-valias da categoria G.
(…)
- (…), a delimitação constitucional derivada do princípio da capacidade contributiva não é adulterada em função da verificação de condicionantes, configuradas na área das despesas dedutíveis das mais-valias mobiliárias.
(…)
- (…), tendo a Requerente por via do relatório inspetivo, sido elucidada acerca da incorreção das despesas declaradas, deveria, nesse momento, ter promovido a supressão dos encargos em crise, pelo que não se verifica justificada uma exclusão de culpa ou erro desculpável.
(…)
- (…), de acordo com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT).”
6. Por despacho arbitral, datado de 4 de julho de 2022, foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, foi fixado prazo para a apresentação de alegações escritas e foi, ainda, indicado o dia 25 de novembro de 2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
7. Apenas a Requerente apresentou alegações escritas nas quais, essencialmente, reiterou a argumentação, de facto e de direito, anteriormente vertida no pedido de pronúncia arbitral.
II. Saneamento
8. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos tributários atinentes a IRS e juros compensatórios, sendo peticionada a respetiva declaração de ilegalidade e consequente anulação –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
III. Fundamentação
III.1. De Facto
§1. Factos Provados
9. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente e o seu marido detinham um conjunto de ativos mobiliários geridos ativamente (adquiridos/alienados), em sua representação, pela “D..., S.A.”. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]
b) Nos referidos anos, a Requerente e o seu marido pagaram à “D..., S.A.” dois tipos de comissões pelos serviços que lhes foram prestados, a saber [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]:
(i) Banking fees/custody fees, nos valores de € 2.504,17 (em 2017) e de € 2.436,72 (em 2018); e
(ii) Management fees, nos valores de € 108.935,27 (em 2017) e de € 80.717,56 (em 2018).
c) As comissões designadas por banking fees foram pagas em contrapartida de serviços bancários diversos, como a abertura e manutenção das contas de depósito, o envio de extratos ou o acesso a serviços de e-banking. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]
d) As comissões designadas por management fees foram pagas como contrapartida da gestão ativa (estudo, negociação, compra e venda) dos ativos financeiros da Requerente e seu marido, que a “ D..., S.A.” transacionou em nome e por conta deles. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]
e) Resulta dos esclarecimentos prestados pela “D..., S.A.”, a propósito dos management fees, o seguinte [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]:
“They are annual fees that apply to the entire portfolio and are billed quartely. They include management costs related to the service provided by D… and are charged in addition to custody fees (LO and sub-deposit custody fees) and ticket fee of CHF 160 which is applied on shares, bonds, listed derivative instruments, fiduciaries and D… funds.
In the discretionary management report, the client grants the Bank a mandate to manage the assets he/she has deposited in the books of the Bank. The investment specialists will then build the portfolio according to the client’s personal situation, his financial objectives as well as his rik tolerance. The investment process follows a simple, transparent and integrated approach, oriented towards the long term, where uderstanding and managing risks is of paramount importance. In this type of contractual relationship, the client instructs the Bank to manage all or part of his/her assets by determining the operations to be carried out. In principle, there is no provision for the client to even occasionally give instructions to the Bank. By granting a discrectionary management mandate, the client shows his willingness to delegate management to the Bank without being called upon by the latter for each transaction. Moreover, the Bank has no obligation to contact the client before proceeding with a purchase or a sale.”
f) A Requerente e o seu marido imputaram as sobreditas comissões (banking fees e management fees) às diversas operações de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, nas declarações de rendimentos de IRS referentes aos anos de 2017 e 2018, ao abrigo do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]
g) No âmbito de um procedimento comum de acompanhamento dos contribuintes especialmente relevantes, a Unidade dos Grandes Contribuintes notificou a Requerente para prestar esclarecimentos relativamente aos rendimentos de capitais e incrementos patrimoniais obtidos no Luxemburgo, na Suíça e no Reino Unido durante os anos de 2016, 2017 e 2018. [cf. PA]
h) No âmbito desse mesmo procedimento, a Requerente assentiu que as comissões designadas banking fees não deveriam ser dedutíveis, nos termos do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS, tendo-se disponibilizado a “corrigir voluntariamente as respetivas declarações de IRS Modelo 3, referentes a 2017 e 2018, por forma a desconsiderar os encargos correspondentes aos “Banking fees” nos montantes de EUR 2.504,17 e EUR 2.436,72, respetivamente”. [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]
i) A Requerente foi sujeita aos seguintes procedimentos inspetivos realizados pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes:
(i) Ação inspetiva interna, de âmbito parcial, em sede de IRS, incidente sobre o ano de 2017, realizada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2020..., visando verificar “a conformidade entre a informação recebida das Administrações Fiscais do Reino Unido, Suíça e Luxemburgo e os elementos inscritos no Anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS”, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária, notificado à Requerente pelo ofício n.º..., datado de 01.04.2021, dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual resultou a seguinte correção [cf. documento n.º 8 anexo ao PPA e PA]:
“I.4.1 – IRS – Imposto em falta – Despesas e encargos (artigo 51.º do Código do IRS)
Os sujeitos passivos deduziram indevidamente despesas no âmbito da determinação das mais-valias sujeitas a imposto, no montante total de 111.439,42 €.
Nos termos da alínea b) do artigo 51.º, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, com o n.º 1 do artigo 15.º e com a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º, todos do Código do IRS (CIRS), apurou-se um montante de imposto em falta de 31.203,04 € (…).”
(ii) Ação inspetiva interna, de âmbito parcial, em sede de IRS, incidente sobre o ano de 2018, realizada a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2020..., a fim de verificar “a conformidade entre a informação recebida das Administrações Fiscais do Reino Unido, Suíça e Luxemburgo e os elementos inscritos no Anexo J da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS”, que culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária, notificado à Requerente pelo ofício n.º ..., datado de 04.05.2021, dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, do qual resultou a seguinte correção [cf. documento n.º 9 anexo ao PPA e PA]:
“I.4.1 – IRS – Imposto em falta – Despesas e encargos (artigo 51.º do Código do IRS)
Os sujeitos passivos deduziram indevidamente despesas no âmbito da determinação das mais-valias sujeitas a imposto.
Nos termos da alínea b) do artigo 51.º, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, com o n.º 1 do artigo 15.º e com a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º, todos do Código do IRS (CIRS), apurou-se um montante de imposto em falta de 83.154,26 € (…).”
j) As referidas correções efetuadas ao IRS da Requerente, respeitante aos anos de 2017 e 2018, pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, estão fundamentadas nos respetivos Relatórios de Inspeção Tributária, cujos teores aqui se dão por inteiramente reproduzidos, estando neles vertido o seguinte que aqui importa ter em consideração [cf. documentos n.ºs 8 e 9 anexos ao PPA e PA]:
(i) No Relatório de Inspeção Tributária atinente à ação inspetiva incidente sobre o ano de 2017:
“III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1 – IRS – Imposto em falta – Despesas e encargos (artigo 51.º do Código do IRS)
(…)
De acordo com o normativo constante da alínea b) do artigo 51.º do CIRS só podem ser acrescidas às mais-valias mobiliárias as despesas que sejam necessárias e inerentes à alienação ou à aquisição.
(…)
De acordo com os esclarecimentos dos contribuintes, as despesas e encargos acrescidos pelos contribuintes aos valores de aquisição dos valores mobiliários alienados resultam da imputação das “Management fees” aos atos de alienação concretos constantes da declaração anual de rendimentos – modelo 3 – de 2017.
Desta forma, só se as “Management fees” obedecerem àqueles requisitos, então deverá a administração aceitar a dedução destes montantes como despesas ou encargos subsumíveis à norma constante da alínea b) do artigo 51.º do CIRS, caso contrário a consequência será a sua remoção da declaração anual de rendimentos e a consequente atualização da liquidação do imposto em conformidade.
De acordo com os esclarecimentos dos contribuintes, as “Management fees” são os montantes pagos pelo cliente ao banco por conta dos serviços de gestão financeira dos fundos, ativos e valores depositados na conta identificada pelo IBAN (…) e aberta junto do Banco D... (doravante designado por Banco).
Ao abrigo deste contrato, o Banco fica empossado nos poderes necessários para “gerir os ativos que compõem a carteira de investimento detida pelos seus clientes”, sem necessidade de intervenção dos mandantes/contribuintes.
Este tipo de contrato, também designado por contrato de gestão de carteiras, é o contrato pelo qual um intermediário financeiro se obriga a administrar, por conta e no interesse do seu cliente, um conjunto de instrumentos financeiros auferindo como contrapartida uma remuneração.
(…)
Tendo em conta o objeto do contrato de gestão de carteira (…) não se pode considerar que este – e por conseguinte as despesas com ele realizadas – seja inerente à alienação ou à aquisição de valores mobiliários, visto que estas não se encontram dependentes, para a sua celebração, daquele.
Ora, o serviço de gestão (discricionária) de uma carteira não se esgota na mera compra e venda de títulos pois compreende, também, todo o estudo e análise de mercados desenvolvido que acresce ao conhecimento especializado detido (know-how) pela equipa de profissionais que tem a seu cargo a gestão da carteira (onde caberão, seguramente, também as decisões periódicas de manter – não comprar nem vender – títulos) cuja remuneração se encontrará compreendida no Fee trimestral que é cobrado.
Quanto ao argumento de que estes encargos por terem sido “necessários” para a obtenção dos rendimentos objeto de tributação, a sua não aceitação colocaria em causa o apuramento do rendimento líquido, convém assinalar que este apuramento sucede no âmbito da Categoria G – cabem aqui os ganhos de natureza irregular e/ou fortuita – e não no âmbito do exercício de uma atividade profissional ou empresarial, continuada, que têm tradução na categoria B de rendimentos.
O apuramento das mais-valias, na categoria G, não pode ser visto na perspetiva do exercício de uma atividade onde podem ser aceites (desde que dedutíveis) os diversos gastos para a obtenção do rendimento. Com efeito, na categoria G cabe, de um modo geral, os ganhos irregulares e/ou fortuitos que configuram um incremento patrimonial com sujeição prevista nos artigos 9.º e 10.º do Código do IRS, tendo o legislador optado por soluções diversas na determinação do seu rendimento coletável, mormente no apuramento das mais-valias mobiliárias.
Repare-se que o legislador goza de grande liberdade de conformação quanto às despesas que considera elegíveis, em sede de IRS, para serem deduzidas ao rendimento tributável, não considerando ou, pelo menos, estabelecendo um limite máximo para muitas das despesas que as pessoas e as famílias suportam na sua vida quotidiana.
A mesma liberdade goza na conformação do cálculo das mais-valias que durante muito tempo decidiu não tributar e, posteriormente, foi tributando com regras ao longo dos anos (inclusive as despesas necessárias e inerentes com a aquisição de títulos, durante muito tempo, não foram aceites).
Sendo que, no ano 2017, previa a alínea b) do artigo 51.º do CIRS que não bastava às despesas serem conexas à obtenção do rendimento, era necessário que fossem também inerentes (inseparáveis) da aquisição e alienação dos títulos.
Assim as despesas imputadas terão de ser classificadas como despesas que, podendo ter sido necessárias ou conexas, não são inerentes com as aquisições ou alienações – independentemente dos seus montantes serem variáveis ou fixos –, porque incorridas com a realização de outro objeto – a gestão de uma carteira de ativos – que não se esgota na despesa gerada pela aquisição e/ou alienação dos títulos negociados. Tal como, do mesmo modo, as despesas de aconselhamento jurídico ou económico para a concretização de uma operação de compra e venda de valores mobiliários, da celebração do contrato de gestão de carteira, dos encargos financeiros de garantias prestadas para a aquisição de valores mobiliários, etc., podendo ser necessárias e conexas com a transação de títulos, não seriam passíveis de serem acrescidas ao valor de aquisição dos valores mobiliários nos termos da citada alínea b) do art. 51.º do CIRS.
Acresce ainda que factualmente não foi sequer possível estabelecer uma relação entre os montantes despendidos e qualquer uma das operações declaradas na declaração anual de rendimentos – modelo 3 – senão vejamos:
Como decorre da análise dos extratos juntos ao procedimento inspetivo, o Banco realizou compras e vendas de valores mobiliários, produtos financeiros e derivados, constituiu posições em fundos de investimento e resgatou posições, recebeu dividendos, juros e outras formas de remuneração e podia ainda ter cedido temporaria e onerosamente valores mobiliários.
Por estes serviços o banco cobrou os seguintes montantes trimestrais:
Estes montantes foram imputados pelos sujeitos passivos às operações declaradas na modelo 3 conforme se verifica do quadro abaixo:
Atendendo aos dados supra expostos verifica-se que não existe relação direta entre as Management Fees cobradas trimestralmente e as operações realizadas/despesas e encargos imputados:
Verifica-se ainda que o Banco cobrou Management fees no terceiro trimestre, apesar de nesse trimestre não ter havido qualquer transação reportada na categoria G e dos respetivos valores terem sido imputados como despesas ou encargos de alienações/resgates de valores mobiliários.
Por outro lado, esta imputação levada a cabo pelos sujeitos passivos na Modelo 3, omite a existência de aquisição e/ou subscrição de valores mobiliários, em 2017, que não foram alienados/resgatados nesse período. Se o raciocínio de imputação das despesas fosse, porventura, aceite também deveria considerar, para além da alienação/resgate de títulos, pelo menos também a imputação dos fees cobrados à aquisição e subscrição de valores mobiliários no ano de 2017 e não somente à sua alienação.
Como se pode averiguar por mera comparação entre o valor das Management fees cobradas ao contribuinte e as transações efetuadas, a relação entre as duas é inversa, i.e., as fees sobem com o decurso do ano enquanto o número de transações (e o seu valor global por trimestre) decresce. Pelo que, nem sequer se pode inferir que existe uma correlação entre o volume dos títulos alienados, declarados na Modelo 3, e o valor de Management Fees cobrados e declarados como despesa dos títulos.
Constata-se da análise dos extratos bancários que a totalidade das Management fees é imputada à alienação, reembolso ou resgate de valores mobiliários, sendo que, no mesmo período de tempo foram efetuadas muitas outras operações pertencentes ao núcleo dos poderes contratuais cedidos ao banco, nomeadamente aquisição de valores mobiliários, recebimento de dividendos, análise de mercados, relatórios de gestão, etc., motivo este que também implica a não consideração das despesas imputadas como despesas e encargos porquanto tais despesas não são atribuíveis a uma operação concreta, como exige a lei.
Posto isto, à luz do disposto na alínea b) do art. 51.º do CIRS, não são aceites para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, as despesas consideradas pelos contribuintes, nas linhas 951 a 961 do quadro 9.2.A do Anexo J, da declaração modelo 3, no montante total de 111.439,42 €.
Nestes termos, desta retificação resulta um acréscimo de uma mais-valia nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, no montante referido no parágrafo anterior.
Não tendo sido exercida a opção pelo englobamento prevista n.º 8 do artigo 72.º do CIRS, os rendimentos suprarreferidos encontram-se sujeitos a tributação autónoma de 28%, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS.
Por conseguinte, face a tudo exposto, nos termos da alínea b) do artigo 51.º, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, com o n.º 1 do artigo 15.º e com a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º, todos do CIRS, apurou-se um montante de imposto em falta de 31.203,04 €.”
(ii) No Relatório de Inspeção Tributária atinente à ação inspetiva incidente sobre o ano de 2018:
“III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas
III.1 – IRS – Imposto em falta – Despesas e encargos (artigo 51.º do Código do IRS)
(…)
De acordo com o normativo constante da alínea b) do artigo 51.º do CIRS só podem ser acrescidas às mais-valias mobiliárias as despesas que sejam necessárias e inerentes à alienação ou à aquisição.
(…)
De acordo com os esclarecimentos dos contribuintes, as despesas e encargos acrescidos pelos contribuintes aos valores de aquisição dos valores mobiliários alienados resultam da imputação das “Management fees” aos atos de alienação concretos constantes da declaração anual de rendimentos – modelo 3 – de 2018.
Desta forma, só se as “Management fees” obedecerem àqueles requisitos, então deverá a administração aceitar a dedução destes montantes como despesas ou encargos subsumíveis à norma constante da alínea b) do artigo 51.º do CIRS, caso contrário a consequência será a sua remoção da declaração anual de rendimentos e a consequente atualização da liquidação do imposto em conformidade.
De acordo com os esclarecimentos dos contribuintes, as “Management fees” são os montantes pagos pelo cliente ao banco por conta dos serviços de gestão financeira dos fundos, ativos e valores depositados na conta identificada pelo IBAN (…) e aberta junto do Banco D... (doravante designado por Banco).
Ao abrigo deste contrato, o Banco fica empossado nos poderes necessários para “gerir os ativos que compõem a carteira de investimento detida pelos seus clientes”, sem necessidade de intervenção dos mandantes/contribuintes.
Este tipo de contrato, também designado por contrato de gestão de carteiras, é o contrato pelo qual um intermediário financeiro se obriga a administrar, por conta e no interesse do seu cliente, um conjunto de instrumentos financeiros auferindo como contrapartida uma remuneração.
(…)
Tendo em conta o objeto do contrato de gestão de carteira (…) não se pode considerar que este – e por conseguinte as despesas com ele realizadas – seja inerente à alienação ou à aquisição de valores mobiliários, visto que estas não se encontram dependentes, para a sua celebração, daquele.
Ora, o serviço de gestão (discricionária) de uma carteira não se esgota na mera compra e venda de títulos pois compreende, também, todo o estudo e análise de mercados desenvolvido que acresce ao conhecimento especializado detido (know-how) pela equipa de profissionais que tem a seu cargo a gestão da carteira (onde caberão, seguramente, também as decisões periódicas de manter – não comprar nem vender – títulos) cuja remuneração se encontrará compreendida no Fee trimestral que é cobrado.
Quanto ao argumento de que estes encargos por terem sido “necessários” para a obtenção dos rendimentos objeto de tributação, a sua não aceitação colocaria em causa o apuramento do rendimento líquido, convém assinalar que este apuramento sucede no âmbito da Categoria G – cabem aqui os ganhos de natureza irregular e/ou fortuita – e não no âmbito do exercício de uma atividade profissional ou empresarial, continuada, que têm tradução na categoria B de rendimentos.
O apuramento das mais-valias, na categoria G, não pode ser visto na perspetiva do exercício de uma atividade onde podem ser aceites (desde que dedutíveis) os diversos gastos para a obtenção do rendimento. Com efeito, na categoria G cabe, de um modo geral, os ganhos irregulares e/ou fortuitos que configuram um incremento patrimonial com sujeição prevista nos artigos 9.º e 10.º do Código do IRS, tendo o legislador optado por soluções diversas na determinação do seu rendimento coletável, mormente no apuramento das mais-valias mobiliárias.
Repare-se que o legislador goza de grande liberdade de conformação quanto às despesas que considera elegíveis, em sede de IRS, para serem deduzidas ao rendimento tributável, não considerando ou, pelo menos, estabelecendo um limite máximo para muitas das despesas que as pessoas e as famílias suportam na sua vida quotidiana.
A mesma liberdade goza na conformação do cálculo das mais-valias que durante muito tempo decidiu não tributar e, posteriormente, foi tributando com regras ao longo dos anos (inclusive as despesas necessárias e inerentes com a aquisição de títulos, durante muito tempo, não foram aceites).
Sendo que, no ano 2018, previa a alínea b) do artigo 51.º do CIRS que não bastava às despesas serem conexas à obtenção do rendimento, era necessário que fossem também inerentes (inseparáveis) da aquisição e alienação dos títulos.
Assim as despesas imputadas terão de ser classificadas como despesas que, podendo ter sido necessárias ou conexas, não são inerentes com as aquisições ou alienações – independentemente dos seus montantes serem variáveis ou fixos –, porque incorridas com a realização de outro objeto – a gestão de uma carteira de ativos – que não se esgota na despesa gerada pela aquisição e/ou alienação dos títulos negociados. Tal como, do mesmo modo, as despesas de aconselhamento jurídico ou económico para a concretização de uma operação de compra e venda de valores mobiliários, da celebração do contrato de gestão de carteira, dos encargos financeiros de garantias prestadas para a aquisição de valores mobiliários, etc., podendo ser necessárias e conexas com a transação de títulos, não seriam passíveis de serem acrescidas ao valor de aquisição dos valores mobiliários nos termos da citada alínea b) do art. 51.º do CIRS.
Reforça-se assim que tendo em conta a relação estabelecida pelo contribuinte entre as despesas apresentadas e as management fees, a natureza e o objeto do contrato de gestão de carteira, o que ficou dito sobre o conceito de inerência e o que a jurisprudência refere sobre esse mesmo conceito, não se pode considerar que este contrato seja inerente à alienação ou à aquisição de valores mobiliários, visto que estas operações não se encontram dependentes daquele para sua celebração/concretização. Decorre desta não consideração do contrato de gestão de carteira como inerente à alienação/aquisição de valores mobiliários um juízo de irrelevância sobre o modo de pagamento das quantias pagas no âmbito deste contrato independentemente da sua forma de fixação (fixas ou variáveis).
Por fim dir-se-á que os valores dos fees, conforme patenteado infra, não são fixos, o que também indica não se estar perante uma avença acordada para a realização de operações de aquisição de valores mobiliários.
Factualmente não foi possível estabelecer uma relação entre os montantes despendidos e qualquer uma das operações declaradas na declaração anual de rendimentos – modelo 3 – senão vejamos:
Como decorre da análise dos extratos juntos ao procedimento inspetivo, o Banco realizou compras e vendas de valores mobiliários, produtos financeiros e derivados, constituiu posições em fundos de investimento e resgatou posições, recebeu dividendos, juros e outras formas de remuneração e podia ainda ter cedido temporaria e onerosamente valores mobiliários.
Por estes serviços o banco cobrou os seguintes montantes trimestrais:
Estes montantes foram imputados pelos sujeitos passivos às operações declaradas na modelo 3 conforme se verifica do quadro abaixo:
Atendendo aos dados supra expostos verifica-se que não existe relação direta entre as Management Fees cobradas trimestralmente e as operações realizadas/despesas e encargos imputados:
Por outro lado, esta imputação levada a cabo pelos sujeitos passivos na Modelo 3, omite a existência de aquisição e/ou subscrição de valores mobiliários, em 2018, que não foram alienados/resgatados nesse período. Se o raciocínio de imputação das despesas fosse, porventura, aceite também deveria considerar, para além da alienação/resgate de títulos, pelo menos também a imputação dos fees cobrados à aquisição e subscrição de valores mobiliários no ano de 2018 e não somente à sua alienação.
Como se pode averiguar por mera comparação entre o valor das Management fees cobradas ao contribuinte e as transações efetuadas não existe uma relação direta entre as duas, i.e., a alteração dos valores das fees cobradas não acompanham qualquer indicador que possa ser relacionado com as operações concretas. A título de exemplo verifica-se que o terceiro trimestre de 2018 regista o segundo valor mais alto de Management Fee cobradas naquele ano e, no entanto, é nesse mesmo trimestre que se verifica o menor número de operações em termos de volume e valor.
Constata-se da análise dos extratos bancários que a totalidade das Management fees é imputada à alienação, reembolso ou resgate de valores mobiliários, sendo que, no mesmo período de tempo foram efetuadas muitas outras operações pertencentes ao núcleo dos poderes contratuais cedidos ao banco, nomeadamente aquisição de valores mobiliários, recebimento de dividendos, análise de mercados, relatórios de gestão, etc., motivo este que também implica a não consideração das despesas imputadas como despesas e encargos porquanto tais despesas não são atribuíveis a uma operação concreta, como exige a lei.
Posto isto, à luz do disposto na alínea b) do art. 51.º do CIRS, não são aceites para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, as despesas consideradas pelos contribuintes, nas linhas 1105 a 1129 do quadro 9.2.A do Anexo J, da declaração modelo 3, no montante total de 83.154,26 €.
Nestes termos, desta retificação resulta um acréscimo de uma mais-valia nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, no montante referido no parágrafo anterior.
Tendo sido exercida a opção pelo englobamento prevista n.º 8 do artigo 72.º do CIRS, os rendimentos suprarreferidos encontram-se sujeitos a englobamento, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do CIRS.
Por conseguinte, face a tudo exposto, nos termos da alínea b) do artigo 51.º, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, com o n.º 1 do artigo 15.º e com a alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º, todos do CIRS, apurou-se um montante de rendimento em falta de 83.154,26 €.”
k) Na sequência dos sobreditos procedimentos inspetivos, a AT emitiu e notificou à Requerente os seguintes atos tributários:
(i) Respeitantes ao ano de 2017 [cf. documentos n.ºs 2, 3 e 4 anexos ao PPA]:
Ø A liquidação de IRS n.º 2021..., com o valor a pagar de € 384.311,00;
Ø A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., no valor de € 0,83;
Ø A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., no valor de € 3.526,23;
Ø A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 34.827,94, com data limite de pagamento a 09.06.2021.
(ii) Respeitantes ao ano de 2018 [cf. documentos n.ºs 5, 6 e 7 anexos ao PPA]:
Ø A liquidação de IRS n.º 2021..., com o valor a pagar de € 867.772,22;
Ø A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., no valor de € 202,36;
Ø A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 2.962,66, com data limite de pagamento a 22.09.2021.
l) Nos dias 09.06.2021 e 22.09.2021, a Requerente efetuou o pagamento integral e tempestivo dos montantes de imposto e de juros compensatórios resultantes das referenciadas liquidações, no montante total de € 37.790,60 (trinta e sete mil setecentos e noventa euros e sessenta cêntimos). [cf. PA]
m) No dia 08.10.2021, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os aludidos atos tributários – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2021... e correu termos na Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes. [cf. documento n.º 10 anexo ao PPA e PA]
n) A mencionada reclamação graciosa foi indeferida por despacho do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (por subdelegação de competência), datado de 14.12.2021, com os fundamentos constantes da informação n.º 352-AIR2/2021, datada de 14.12.2021, na qual foi analisado o pedido deduzido pela Requerente e que aqui se dá por inteiramente reproduzida [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA].
o) A Requerente foi notificada do aludido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, através de ofício, datado de 14.12.2021, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, remetido por carta registada. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]
p) No dia 15.03.2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. Factos não Provados
10. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham por provados.
§3. Motivação quanto à Matéria de Facto
11. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório carreado para os autos (incluindo o processo administrativo), o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
III.2. De Direito
§1. O thema decidendum
12. A questão jurídico-tributária que está no epicentro do dissídio entre as partes e que, por isso, o Tribunal é chamado a apreciar e decidir, é atinente às despesas que acrescem ao valor de aquisição para a determinação das mais-valias mobiliárias sujeitas a IRS, havendo que descortinar se os aludidos management fees pagos pela Requerente e seu marido à “D..., S.A.” deverão, ou não, ser considerados como “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS.
A resposta que for dada a esta questão será, naturalmente, determinante para o juízo a emitir quanto à (i)legalidade dos atos tributários controvertidos.
O Tribunal é, ainda, chamado a pronunciar-se sobre:
(i) A ilegalidade das liquidações de juros compensatórios por falta de fundamentação e por falta de verificação dos respetivos pressupostos objetivos e subjetivos; e
(ii) O reembolso dos montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios.
§2. Enquadramento normativo
13. A análise da enunciada questão jurídico-tributária deve principiar pela convocação do bloco normativo aplicável, obviamente, na redação vigente à data dos factos.
Como decorre do estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários”.
Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do ato de alienação onerosa (n.º 3 do mesmo artigo 10.º), sendo o ganho sujeito a IRS constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso” (n.º 4, alínea a), do mesmo artigo 10.º).
É considerado valor de realização, para efeitos de determinação dos ganhos sujeitos a IRS, o valor da respetiva contraprestação (artigo 44.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRS). Por seu turno, o valor de aquisição é, tratando-se de partes sociais ou de outros valores mobiliários cotados em mercado regulamentado, “o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o da menor cotação verificada nos dois anos anteriores à data da alienação, se outro menos elevado não for declarado” (artigo 48.º, alínea a), do Código do IRS); tratando-se de partes sociais ou de outros valores mobiliários não cotados em mercado regulamentado, o valor de aquisição é “o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal” (artigo 48.º, alínea b), do Código do IRS).
Nos termos do n.º 12 do citado artigo 10.º, devem os sujeitos passivos declarar a alienação onerosa das ações, assim como a data das respetivas aquisições.
O artigo 43.º do Código do IRS determina, no seu n.º 1, que o “valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”.
O artigo 51.º do mesmo compêndio legal estatui que “para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem”, nas situações de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, “as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação” (alínea b)).
14. É quanto à interpretação e aplicação desta última norma legal ao caso sub judice que existe divergência de posições entre as partes, preconizando a Requerente que os ditos management fees pagos à “D..., S.A.” têm aqui integral cabimento e entendendo a Requerida que assim não é e que, por isso, tais despesas suportadas pela Requerente e seu marido não devem ser consideradas na determinação das mais-valias mobiliárias sujeitas a imposto.
Nesta conformidade e tendo em vista quer o correto enquadramento normativo da questão jurídico-tributária que enfrentamos, quer a posterior apreciação do caso concreto, impõe-se efetuar uma precisa e adequada interpretação da norma contida no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS, para o que convocaremos alguns contributos doutrinais e jurisprudenciais.
José Guilherme Xavier de Basto (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 464) lança um alerta no sentido de a fórmula despesas necessárias ser suscetível de causar dúvidas e ser fonte de litígios; no entanto, segundo o mesmo fiscalista, nesta matéria “de determinação de rendimentos líquidos, não é possível evitar a margem de indeterminação, a não ser estabelecendo uma lista fechada de despesas elegíveis, a qual poderia, no entanto, vira a revelar-se demasiado restritiva.”
Por seu turno, Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Coimbra, Almedina, 2018, p. 238) afirma que estamos aqui perante “um conjunto de despesas mais restrito do que aquele que é atendível relativamente às situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS (mais-valias imobiliárias), nos termos do artigo 51.º, alínea a) do mesmo código. Esta diferença é, essencialmente, explicada pela diferença de natureza dos bens e direitos em acusa, numa e noutra das situações.”
Num estudo que teve por objeto a determinação das mais-valias e o artigo 51.º do Código do IRS, Ricardo Matos Ferreira (“Sobre a determinação de mais-valias – o artigo 51.º do Código do IRS”, Working papers TributariUM, maio de 2012, disponível em https://tributarium.net/working-papers/) refere o seguinte:
“As despesas devem ser necessárias. Este é o primeiro requisito a preencher. Entender-se-á, então, que sem a realização dessas despesas, o sujeito passivo não poderia ter obtido o rendimento. Por isso, do ponto de vista do sujeito passivo, considerar-se-ão estas despesas como sendo indispensáveis à obtenção do seu rendimento.
(…)
Além de necessárias, as despesas têm de estar efectivamente praticadas. (…) Se o objectivo deste regime é determinar o rendimento real [O legislador não pode, em momento algum, deixar de parte este princípio do rendimento líquido, até porque se trata duma decorrência do princípio estrutural da capacidade contributiva. Portanto, a determinação da mais-valia assentará sempre na concretização material do rendimento real do sujeito passivo], admitir despesas futuras, e de realização incerta, poderia impedir o seu alcance. (…) Portanto, a exigência da efectiva realização das despesas (…) é no nosso entender uma garantia de estabilidade do sistema fiscal e do alcance da determinação do rendimento real. E ela concretiza-se com a obrigação que se impõe ao sujeito passivo de declarar não só os rendimentos como as despesas que suportou para esse efeito. Certo é que, se não tiver forma de comprovar que as despesas foram efectivamente praticadas, elas não serão admitidas pela administração fiscal.
(…)
O legislador exige, ainda, um terceiro requisito: as despesas têm de ser inerentes à aquisição e alienação.
(…)
Qualquer interpretação devida ao artigo 51.º, seja ela realizada pela administração fiscal ou pelos Tribunais, terá como objecto o conjunto dos requisitos aí dispostos: as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (…).
Seguidamente, o intérprete atenderá ao significado de necessário e de inerente, pois são os termos que mais dúvidas poderão suscitar. Nesse momento, perceberá que inerente não é sinónimo de necessário. Note-se que por necessário temos algo indispensável e por inerente temos algo indissociável.
Por fim, colocando lado a lado estes dois termos, o intérprete há-de sempre limitar a sua análise pelo mais exigente, considerando que, apesar de as despesas serem indispensáveis à obtenção do rendimento, e de se encontrarem efectivamente praticadas, precisarão ainda de ser indissociáveis do negócio de aquisição ou de alienação. Isto porque o legislador não teve o cuidado de separar os termos, quando isso lhe era exigido, o que fez com que o atributo inerentesconsumisse o termo necessárias, porquanto o primeiro é mais exigente e concreto.
(…) conclui que inerência comporta, em si, ideia de inseparabilidade. É facto que sim, comporta. Por isso, o que é inerente há-de ser indissociável. Mas, não se pode concluir, igualmente, que o necessário é indissociável, porque não o é. Necessário será, sim, indispensável. Portanto, não vemos como se pode assumir que as despesas inerentes são as necessárias. Na realidade, o que encontramos no artigo 51.º são despesas de duas naturezas, as que são indispensáveis e as que são indissociáveis.”
No âmbito jurisprudencial, encontramos diversas decisões judiciais e arbitrais que versam sobre esta temática, sendo disso exemplo as seguintes:
(i) Acórdão do STA, de 18.11.2009, processo n.º 0585/09:
“I. Nos termos do disposto no art. 51.º, al. b) do CIRS, para efeitos de tributação da mais-valia respectiva, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes.
II. O qualificativo “inerente”, logo etimologicamente – in re – contém, a se, uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável.”
(ii) Acórdão do STA, de 10.11.2021, processo n.º 0242/18.2BESNT:
“II – Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.”
(iii) Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, processo n.º 06824/13:
“2. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. Dito de outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que dele sejam indissociáveis.”
(iv) Acórdão do TCAS, de 03.03.2016, processo n.º 05182/11:
“No plano dos princípios constitucionais a dedução de custos e encargos para a determinação da mais-valia sujeita a imposto decorre do princípio geral de tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2, impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, impondo, assim, a dedução das despesas necessárias para que o rendimento pudesse ter ocorrido.
(…)
Neste particular, há que atender aos princípios da necessidade (despesas “necessárias” à alienação ou aquisição) e da inerência (despesas “inerentes” *à alienação ou aquisição), pois a eles faz apelo o legislador ao consagrar tais expressões. Exige-se a concomitância dos dois princípios, já que eles se encontram conexionados entre si: «as despesas necessárias (…), inerentes à (…)».
Despesas necessárias hão-de ser, pois, aquelas sem as quais a aquisição ou alienação não são possíveis. (…)
Despesas “inerentes” à aquisição ou alienação são as despesas “necessárias” à concretização das mesmas mas que, além de necessárias à transmissão ou alienação, fazem parte da essência da própria aquisição ou alienação.”
(v) Acórdão do TCAS, de 25.05.2017, processo n.º 715/112.8BEALM:
“10. A lei consagra, também a possibilidade de dedução de despesas e encargos com vista à determinação de algumas das mais-valias tributáveis. A solução decorre, como é evidente, do princípio geral de tributação do rendimento que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, assim obrigando à dedução das despesas necessárias para que o mesmo rendimento pudesse ter ocorrido (cfr. art. 51.º do CIRS).
11. Da exegese do art. 51.º do CIRS conclui-se que, no critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de indispensabilidade, uma relação intrínseca – que não meramente extrínseca – com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. Dito de outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que dele sejam indissociáveis.”
(vi) Decisão arbitral, de 25.01.2021, processo n.º 251/2020-T:
“I. O artigo 51.º do Código do IRS estatui que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º.
II. O conceito de “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à alienação” está presente quer na alínea a), quer na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, pelo que o sentido da sua interpretação deverá ser o mesmo em ambas as situações ali previstas, designadamente, no sentido de que tais despesas deverão ser indissociáveis da operação em causa, que tenham sido suportadas pelo mesmo para a sua realização, e que se encontrem devidamente comprovadas.”
(vii) Decisão arbitral, de 28.02.2022, processo n.º 257/2021-T:
“II. Despesas inerentes à alienação são aquelas que são inseparáveis da alienação, que com esta têm uma relação intrínseca, que não meramente extrínseca e que dela são indissociáveis.”
§3. O caso concreto: subsunção normativa
15. Volvendo ao caso sub judice e tendo em vista aquilatar a (i)legalidade dos atos tributários controvertidos, importa então determinar se os mencionados management fees pagos pela Requerente e seu marido à “D..., S.A.” deverão, ou não, ser considerados como “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS.
16. Consoante resulta da factualidade provada (cf. factos provados a), b), d) e e)) e não é objeto de controvérsia entre as partes, a Requerente e seu marido celebraram com a “D..., S.A.” um contrato de gestão de carteiras, tendo sido no âmbito da sua execução que foram por aqueles efetivamente pagos à “D..., S.A.” os aludidos management fees, no decurso dos anos de 2017 e 2018.
Ficou, ainda, provado, sem que igualmente tenha sido objeto de contestação, que os ditos management fees eram fixados numa base anual, sendo cobrados trimestralmente pela “D..., S.A.” à Requerente e seu marido (cf. facto provado e)).
17. No ordenamento jurídico nacional, na esteira das normas de Direito Europeu sobre a matéria (cf. Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/UE (reformulação)), a gestão de carteiras por conta de outrem é considerado um serviço/atividade de investimento em instrumentos financeiros (como estatui o n.º 2 do artigo 2.º do CVM, as referências a instrumentos financeiros devem ser entendidas de modo a abranger os instrumentos mencionados nas alíneas a) a g) do n.º 1 do mesmo artigo) e, nessa medida, é uma atividade de intermediação financeira (cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c), do CVM). Nos termos do artigo 335.º, n.º 1, do CVM, por via do “contrato de gestão de uma carteira individualizada de instrumentos financeiros, o intermediário obriga-se: a) a realizar todos os atos tendentes à valorização da carteira; b) a exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros que integram a carteira.”
Como é explicitado por Luís Menezes Leitão (“O Contrato de Gestão de Carteiras”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, Vol. 51 (2015), n.º 1, pp. 109-121), o contrato de gestão de carteiras “consiste num contrato celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, nos termos do qual aquele se obriga, por conta e no interesse deste, a administrar um conjunto de instrumentos financeiros, em ordem a obter a maior rentabilização possível, adquirindo em contrapartida o direito a uma retribuição. Este contrato justifica-se em virtude das dificuldades que implica a gestão de uma carteira de instrumentos financeiros, que envolve a necessidade de análise de um mercado com elevado dinamismo e complexidade técnica, sendo por isso conveniente atribuir a conservação e rentabilização das carteiras a profissionais qualificados, que tomarão as melhores decisões de investimento.
(…)
No âmbito do Direito Comparado costuma distinguir-se entre dois tipos de contratos de gestão de carteiras: os contratos de gestão direccionada e os contratos de gestão discricionária de carteiras. No primeiro caso, o intermediário financeiro limita-se a propor ao investidor uma série de operações, sendo, no entanto, ele que decide sobre a respectiva execução. No segundo caso, o intermediário financeiro goza de liberdade de decisão, podendo realizar todas as operações que considere convenientes, sem aviso prévio nem consulta ao titular da carteira.
(…)
O objecto do contrato de gestão de carteiras consiste na administração de um conjunto de bens, envolvendo não apenas actos jurídicos, mas também operações materiais, destinadas a conservar e a explorar os referidos bens.
Apesar de o contrato ter por objecto a administração da carteira, o intermediário financeiro tem legitimidade não apenas para a prática de actos de administração, mas também de actos de disposição. Efectivamente, sendo a administração relativa à carteira no seu conjunto e não em relação a cada instrumento financeiro de per si, naturalmente que não está o gestor impedido de tomar decisões relativas à alienação e substituição de instrumentos financeiros, no quadro das suas decisões relativas à composição da carteira.
Em virtude das decisões tomadas pelo intermediário financeiro, a carteira não se mantém idêntica ao longo do contrato, sofrendo variações quantitativas e qualificativas. Verifica-se assim um fenómeno de sub-rogação real de instrumentos financeiros por outros, tendo por isso o intermediário financeiro que segregar e identificar em cada momento a que carteira pertencem os instrumentos financeiros transaccionados. Em relação ao seu titular, a carteira constitui um património economicamente individualizado, sujeito à gestão de outrem, mas que não corresponde juridicamente a um património autónomo, por não ter um regime especial de responsabilidade por dívidas.
(…)
A principal obrigação resultante do contrato de gestão de carteiras é naturalmente a de proceder à administração e valorização da carteira. (…)
Embora assumindo a natureza de um mandato, normalmente sem representação, o contrato de gestão de carteiras constitui presentemente um contrato nominado e típico, objecto de ampla regulação legal enquanto contrato de intermediação financeira. Neste âmbito assume a natureza de um contrato-quadro, que institui uma relação de clientela entre o intermediário financeiro e o seu cliente, permitindo imputar a este as operações de gestão da carteira.”
A este mesmo propósito, A. Barreto Menezes Cordeiro (“O contrato de gestão de carteira”, in Revista de Direito Financeiro e dos Mercados de Capitais, Vol. 2 (2020), n.º 6, pp. 1-36) afirma que o “contrato de gestão de carteira pode ser definido como um contrato de intermediação financeira nominado e típico através do qual um sujeito assume a obrigação, mediante remuneração, de gerir um património financeiro, tendo em vista a sua valorização.
(…)
Numa perspetiva abstrata, o contrato de gestão de carteira pode assumir duas formas: (i) gestão de carteira com representação; e (ii) gestão de carteira sem representação ou fiduciária.
Na primeira modalidade, o investidor conserva a titularidade dos bens na sua esfera jurídica, limitando-se o intermediário financeiro a administrar o património correspondente.
Na segunda modalidade, os instrumentos financeiros são transmitidos para o intermediário financeiro que administra o património em nome próprio e se compromete a retransmitir todos esses instrumentos financeiros, no prazo ou nos termos acordados, para o investidor.
(…)
A gestão de carteira assume-se, classicamente, como um serviço de intermediação financeira personalizado. A sua prestação pressupõe a elaboração de um plano de investimento singular, baseado no perfil único do cliente. (…)
Este modelo tradicional, denominado contrato de gestão de carteira individualizado, exige a alocação, por parte do intermediário financeiro, de especiais meios humanos e técnicos, com um necessário reflexo nas comissões cobradas ao investidor.
(…)
O contrato de gestão de carteira é intrinsecamente discricionário: o cliente atribui poderes ao intermediário financeiro para administrar a sua carteira de instrumentos financeiros nos termos que este julgue mais adequados, tendo em vista a sua valorização.”
Ainda neste conspecto, Mercília Pereira Gonçalves (“O contrato de gestão de carteiras”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 66, agosto 2020, pp. 69-94) afirma que “a gestão de carteiras consiste num contrato de intermediação financeira celebrado entre um intermediário financeiro e um investidor, segundo o qual aquele se obriga a administrar valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, tendo em vista a conservação e rentabilização da carteira, através de uma retribuição.
(…)
A obrigação principal do contrato de gestão de carteiras é, sem qualquer dúvida, a administração e valorização da carteira.
(…) esta obrigação do intermediário financeiro (gestor) é classificada como uma obrigação de meios e já não uma obrigação de resultado. (…)
A função do intermediário financeiro remete para a administração e gestão da carteira, ou seja, o património do cliente.
A doutrina estrangeira reconhece dois sentidos distintos do contrato de gestão de carteiras: a simples gestão ou administração e a gestão de carteiras, “proprio sensu”, em que o gestor toma decisões de subscrição, compra e venda de valores mobiliários por conta do titular. A segunda orientação parece-nos, (…), no que se refere a “operações realizadas sobre valores mobiliários”, aquela que melhor integra o “conteúdo normal” da gestão de carteiras.
(…) não estamos perante uma simples administração, a interpretação mais adequada seria adotar um conceito amplo de administração. (…)
Por várias razões, o cliente encontra-se impossibilitado de gerir o seu património e, por isso, pede a colaboração jurídica do intermediário financeiro, pois é alguém com conhecimentos e que trabalha na área. Contudo, existem muitos investidores que gerem eles próprios o seu património; porém, a maioria dos investidores tendem a contratar o gestor que se encontra numa posição mais favorável. Apesar de a gestão ser realizada pelo gestor, esta irá refletir-se na esfera jurídica do cliente, que é o seu titular (…).
(…)
Rentabilizar não é apenas um ato de conservação dos valores mobiliários e outros instrumentos financeiros que integram a carteira, é, sobretudo, frutificar o uso e valorização desses bens, incrementando o seu valor. (…) dá-se prevalência à “atividade de tipo produtivo” sobre a “atividade de tipo conservador”, sendo que ambas pertencem a uma atividade de administração. (…)
O investidor pretende que a gestão se torne rentável, caso contrário não se teria dado ao “luxo” de ter gastos com um profissional qualificado, para que este cuidasse do seu património. Salientamos que a gestão de carteiras ocorre quando o património já é elevado. Obviamente que o investimento no mercado financeiro implica esta rentabilização e, por isso, não basta uma mera administração.
(…) o intermediário financeiro investe no património que lhe foi entregue e confiado, e transforma-o num conjunto de títulos e valores mobiliários, “carteira de ativos”, e procede à administração dessa carteira, liquidando os títulos, investindo, desinvestindo, reinvestindo, diversificando durante o período fixado na estratégia de investimento.”
18. Atendendo, por um lado, às enunciadas características definidoras do contrato de gestão de carteiras e, particularmente, ao seu objeto e, por outro lado, ao que foi contratualizado entre a Requerente e seu marido e a “D..., S.A.”, tendo em vista a gestão da respetiva carteira de ativos financeiros e que subjaz à fixação e cobrança dos aludidos management fees (cf. factos provados d) e e)), afigura-se-nos que, tal como propugnado pela Requerente e contrariamente ao defendido pela Requerida, os montantes despendidos a esse título – € 108.935,27, no ano de 2017 e € 80.717,56, no ano de 2018 – devem ser tidos em consideração nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS.
É certo que o investimento em ativos financeiros não carece necessariamente da intervenção de intermediários financeiros, podendo ser realizado diretamente pelo próprio investidor. No entanto, não é menos certo que, em determinadas circunstâncias, designadamente quando se pretende diversificar o investimento por vários mercados financeiros internacionais, os valores de investimento são muito elevados e os instrumentos financeiros em que se pretende investir assumem já algum nível de complexidade, não se afigura aconselhável que se invista sem a intervenção de um intermediário financeiro; a não ser, é claro, que o próprio investidor seja um especialista em mercados financeiros e faça dessa atividade de investimento, pelo menos, a sua principal atividade profissional, pois é, consabidamente, uma atividade que, quando desenvolvida a um nível elevado (de investimento) e intenso (de transações), exige uma dedicação quase exclusiva. Além disso, hodiernamente, as transações nos mercados financeiros são maioritariamente feitas através da utilização de sistemas informáticos de alto desempenho, de computadores de elevada capacidade e com recurso à inteligência artificial, designadamente a algoritmos automatizados que permitem efetuar números impressionantes de transações em curtíssimos períodos de tempo que chegam a ser de frações de segundo (High Frequency Trading (HFT)); ora, programar e operar estas novas tecnologias é algo que exige conhecimentos altamente especializados e, naturalmente, avultados investimentos financeiros, pelo que não está ao alcance de qualquer pessoa e/ou instituição.
Nesta conformidade, para quem, não sendo especialista na área, pretende investir elevados montantes monetários em diferentes mercados financeiros e em ativos financeiros diversificados e complexos, não se afigura existir outra alternativa (que não chamaríamos segura, mas sim menos arriscada, pois o risco e a incerteza são a marca de água dos mercados financeiros) que não seja a de recorrer a intermediários financeiros e, mais concretamente, à celebração de contratos de gestão de carteiras.
Foi, precisamente, essa a opção tomada pela Requerente e pelo seu marido, materializada na celebração de um contrato de gestão de carteiras com a “D..., S.A.”, nos termos que resultaram provados e mediante o pagamento de uma retribuição fixada numa base anual e cobrada trimestralmente, designada management fees, tendo em vista a administração e valorização de uma carteira de ativos financeiros diversificada (desde logo, quanto aos respetivos mercados financeiros de investimento) e de elevado valor monetário.
Consoante resultou provado, os aludidos management fees acordados entre a “D..., S.A.” e a Requerente e seu marido foram fixados e cobrados “como contrapartida da gestão ativa (estudo, negociação, compra e venda) dos ativos financeiros da Requerente e seu marido, que a “D..., S.A.” transacionou em nome e por conta deles” (cf. facto provado d)). O facto de se aludir a “estudo” não pode ser interpretado como se se tratasse de uma consultoria financeira autonomizável, similar a uma consultoria/assessoria jurídica ou económico-financeira, pretendendo com isso significar que aqueles management fees visavam retribuir serviços que iam para além (ou que se afastavam) da gestão propriamente dita da carteira, entendida esta (apenas) enquanto negociação e compra e venda de ativos financeiros. Com efeito, seguir por essa via, para além de se traduzir na desvirtualização do objeto do contrato de gestão de carteiras – administração e valorização de ativos financeiros –, consubstancia uma visão redutora e simplista do que é a atividade dos intermediários financeiros na administração e valorização de carteiras de ativos financeiros, ou seja, enquanto intervenientes ativos em contratos de gestão de carteiras. Com efeito, como acima já se deu conta, a administração e a gestão de uma carteira de ativos financeiros, por parte dos intermediários financeiros, “não é apenas um ato de conservação dos valores mobiliários e outros instrumentos financeiros que integram a carteira, é, sobretudo, frutificar o uso e valorização desses bens, incrementando o seu valor”; dito de outra forma, é uma atividade complexa que não se traduz apenas em negociar e comprar e vender ativos financeiros, pois, para fazer isso é necessário, para além de um know-how altamente especializado, estudar e analisar todas as possíveis condicionantes dos investimentos que se pretendem realizar, tendo em vista acautelar riscos e potenciar a valorização (ou, nalguns casos, conter a desvalorização) da carteira de ativos sob gestão. Mas, importa frisar, não está em causa a prestação de serviços diferenciados, mas sim a prossecução do objeto do contrato de gestão de carteiras que consubstancia uma atividade complexa, isto é, uma atividade composta por diferentes fases que se interligam numa cadeia lógica, incindível e que tem por escopo a administração e valorização dos respetivos ativos financeiros.
Por isso, salvo o devido respeito, a afirmação da AT no sentido de que os ditos management fees são incorridos “com a realização de outro objeto – a gestão de uma carteira de ativos – que não se esgota na despesa gerada pela aquisição e/ou alienação dos títulos negociados”, não pode ter acolhimento, pois a “aquisição e/ou alienação dos títulos negociados” é o último elo da tal cadeia lógica e incindível que tem por objetivo a administração e valorização dos ativos financeiros e que está na génese e justifica a fixação e cobrança dos management fees.
Ainda neste conspecto, quanto à forma como foram fixados (numa base anual) e deveriam ser pagos (trimestralmente) os referenciados management fees, para além de ser algo que está a coberto da autonomia contratual das partes, afigura-se ser a mais consentânea e, diga-se, a mais usual quando, como é o caso, está em causa um contrato duradouro; além disso, também se mostra a mais ajustada se se tiver em consideração aquele que é o objeto do contrato de gestão de carteiras – administração e valorização de uma carteira de ativos financeiros –, na prossecução do qual são realizadas múltiplas operações, em vários mercados financeiros, por parte do respetivo intermediário financeiro. Ademais, no caso concreto, também é a forma de retribuir o intermediário financeiro que se revela mais condizente com os termos em que foi celebrado aquele contrato de gestão de carteiras, no âmbito do qual, sublinhe-se, a “D..., S.A.” gozava de total liberdade de decisão, podendo realizar todas as operações que considerasse convenientes, sem aviso prévio nem consulta aos titulares da carteira, ou seja, à Requerente e seu marido.
Neste contexto, não pode, pois, salvo o devido respeito, vingar a posição da Requerida no sentido de pretender que seja estabelecido como que um nexo entre cada operação de aquisição e a respetiva operação de alienação de valores mobiliários, a fim de permitir atribuir cada valor pago a título de management fees a uma operação concreta. Antes de mais, não logramos descortinar qualquer elemento normativo que aponte no sentido da absoluta necessidade dessa específica individualização, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS. Acresce que, tal visão atomística não se compadece com a realidade atual dos investimentos e das transações nos mercados financeiros, em que podem ser efetuadas múltiplas operações de compra e/ou de venda de ativos em frações de segundo. Ademais, seguir naquela senda seria impossibilitar, em grande medida, que sujeitos passivos que façam investimentos em ativos mobiliários possam beneficiar do regime estatuído na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS, designadamente todos aqueles que celebrem contratos de gestão de carteiras com intermediários financeiros; não é essa, definitivamente, a teleologia da norma em apreço e tal interpretação da mesma consubstanciaria uma severa violação do princípio geral de tributação do rendimento que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos, o que obriga à existência da possibilidade de dedução das despesas necessárias para que o mesmo rendimento pudesse ter ocorrido.
Pela mesma ordem de razões, afiguram-se-nos desenquadradas do contexto contratual em que a “D..., S.A.” efetuava a gestão de carteira de ativos financeiros da Requerente e de seu marido, as seguintes afirmações produzidas pela AT: “o Banco cobrou management fees no terceiro trimestre, apesar de nesse trimestre não ter havido qualquer transação reportada na reportada na categoria G e dos respetivos valores terem sido imputados como despesas ou encargos de alienações/resgates de valores mobiliários”; “[c]omo se pode averiguar por mera comparação entre o valor das management fees cobradas ao contribuinte e as transações efetuadas, a relação entre as duas é inversa, i.e., as fees sobem com o decurso do ano enquanto o número de transação (e o seu valor global por trimestre) decresce”; e “nem sequer se pode inferir que existe uma correlação entre o volume dos títulos alienados, declarados na Modelo 3 e o valor de management fees cobrados e declarados como despesa dos títulos”. Com efeito, salvo o devido respeito, uma vez que estamos no âmbito de um contrato de gestão de carteira, com caráter duradouro e em que, como é comum neste tipo de contratos, a respetiva retribuição (management fees) foi fixada numa base anual e cobrada trimestralmente, ou seja, antecipadamente e independentemente do volume, do número e da periodicidade das operações efetuadas pela “D..., S.A.”, não logramos descortinar qualquer fundamento que permita sustentar a posição da AT no sentido de ver em qualquer um dos citados aspetos um óbice à consideração dos management fees, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS.
Atento tudo quanto se vem de dizer, afigura-se-nos, pois, que os management fees efetivamente pagos pela Requerente e seu marido à “D..., S.A.”, nos anos de 2017 e de 2018, nos montantes de € 108.935,27 e de € 80.717,56, respetivamente, constituem despesas necessárias – no sentido de indispensáveis – e inerentes – no sentido de indissociáveis – à aquisição e alienação de partes sociais e outros valores mobiliários realizadas no âmbito do aludido contrato de gestão de carteira, pelo que devem ser tidos em consideração para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, nos termos previstos na alínea b) do artigo 51.º do Código do IRS. Com efeito, as mais-valias mobiliárias obtidas pela Requerente e seu marido, nos anos de 2017 e 2018, são direta e intrinsecamente decorrentes da administração e valorização da sua carteira de ativos mobiliários que, em execução do mencionado contrato de gestão de carteira, foram feitas pela “D..., S.A.”; por seu turno, as referidas management fees pagas pela Requerente e seu marido consubstanciaram a retribuição contratualmente fixada que foi paga à “D..., S.A.” como contrapartida da administração e valorização da carteira de ativos financeiros da Requerente e de seu marido que, repita-se, originaram as sobreditas mais-valias mobiliárias e, por isso, tais despesas não são apenas conexas com as mencionadas operações geradoras das mais-valias, sendo, isso sim, necessárias e inerentes às mesmas.
19. Nestes termos, os atos de liquidação de IRS n.º 2021..., respeitante ao ano de 2017, e n.º 2021..., respeitante ao ano de 2018, na parte em que resultam das correções consubstanciadas na desconsideração, enquanto despesas, dos sobreditos montantes de management fees para a determinação das mais-valias mobiliárias sujeitas a imposto, padecem de vício de violação de lei, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 51.º, alínea b), do Código do IRS; consequentemente, aqueles atos de liquidação de IRS são parcialmente inválidos e devem, nessa exata medida, ser anulados (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).
20. No concernente ao ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., na justa medida em que manteve os atos de liquidação controvertidos, padece de igual vício invalidante e, por consequência, deve ser anulado (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).
§4. A ilegalidade das liquidações de juros compensatórios
21. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que “[s]ão devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
A responsabilidade objetiva é excecional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (cf. artigo 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um “facto imputável ao sujeito passivo” quando puder formular-se um juízo de censura em relação à sua conduta.
Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte; sendo que a “culpa consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em abstracto, pelo padrão de esmero do bonus pater familiae, hipoteticamente colocado na situação concreta” e, por isso, a “compreensível dúvida, dificuldade, ou divergência razoável de critério quanto à qualificação e enquadramento de determinada situação tributária não concorre para a integração do dito conceito de culpa – pelo que, por tal via, não se dá azo à cominação de juros” (acórdão do STA, datado de 11.03.2009, processo n.º 0961/08).
22. No caso concreto, relativamente às partes das liquidações de IRS que têm como pressuposto correções que são ilegais, essa ilegalidade afeta as liquidações dos juros compensatórios correspondentes, pois estas têm aqueles atos de liquidação como pressuposto e, por isso, são fulminadas pelos mesmos vícios invalidantes.
Noutra ordem de considerações, compulsadas as liquidações de juros compensatórios controvertidas (cf. documentos n.ºs 3 e 6 anexos ao PPA), constatamos que nelas são indicados os períodos a que se referem os juros, a taxa aplicável, a causa da liquidação (recebimento indevido e retardamento de liquidação) e referências genéricas aos artigos 91.º do Código do IRS e 35.º da LGT.
Assim, não sendo invocada a culpa da Requerente como pressuposto das aludidas liquidações de juros compensatórios, estas enfermam de vício de violação do citado artigo 35.º, n.º 1, da LGT e, por consequência, devem ser anuladas (cf. artigo 163.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT).
§5. O reembolso dos montantes pagos, acrescidos de juros indemnizatórios
23. O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da AT no reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente, acrescidos de juros indemnizatórios.
O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece que “[a] administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.
Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.
Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Ora, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
24. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação (parcial) das liquidações de IRS controvertidas e (total) das liquidações de juros compensatórios controvertidas, há lugar ao reembolso das prestações tributárias indevidamente suportadas pela Requerente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se aqueles atos tributários não tivessem sido praticados nos termos em que foram.
Destarte, procede o pedido de reembolso à Requerente dos montantes por esta indevidamente suportados a título de imposto, a serem determinados em execução de julgado, e do montante de € 3.729,42, indevidamente pago a título de juros compensatórios (cf. facto provado k)).
25. Para além disso, tem ainda a Requerente direito a juros indemnizatórios, pois, como estatui o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Com efeito, afigura-se que a invalidade dos atos tributários controvertidos, nos termos acima enunciados, é imputável à AT por ter incorrido em vício de violação de lei, gerador de anulabilidade.
No caso concreto, tais juros indemnizatórios são calculados, à taxa legal supletiva (cf. artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e a Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril), desde as datas em que foram efetuados os pagamentos de imposto e de juros compensatórios – 09.06.2021 e 22.09.2021 (cf. facto provado l)) –, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigo 61.º do CPPT).
*
26. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras ou cuja apreciação seria inútil (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
IV. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegal e anular:
(i) A liquidação de IRS n.º 2021..., respeitante ao ano de 2017, na parte em que resulta das correções consubstanciadas na desconsideração, enquanto despesas, do montante de € 108.935,27 de management fees, para a determinação das mais-valias mobiliárias sujeitas a imposto, com as legais consequências;
(ii) A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., com as legais consequências;
(iii) A liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., com as legais consequências;
(iv) A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 34.827,94, com as legais consequências;
(v) A liquidação de IRS n.º 2021..., respeitante ao ano de 2018, na parte em que resulta das correções consubstanciadas na desconsideração, enquanto despesas, do montante de € 80.717,56 de management fees, para a determinação das mais-valias mobiliárias sujeitas a imposto, com as legais consequências;
(vi) A liquidação de juros compensatórios n.º 2021... com as legais consequências;
(vii) A demonstração de acerto de contas n.º 2021..., da qual resultou o valor a pagar de € 2.962,66, com as legais consequências;
(viii) O ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2021..., com as legais consequências;
b) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente os montantes de imposto indevidamente pagos, a determinar em execução de julgado, e o montante de € 3.729,42 indevidamente pago a título de juros compensatórios, acrescidos de juros indemnizatórios, nos termos acima enunciados, com as legais consequências;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas processuais.
V. Valor do Processo
Atento o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 37.790,60 (trinta e sete mil setecentos e noventa euros e sessenta cêntimos).
VI. Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, 14 de novembro de 2022.
O Árbitro,
(Ricardo Rodrigues Pereira)