Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 147/2022-T
Data da decisão: 2022-11-16  IRS  
Valor do pedido: € 14.423,10
Tema: IRS - Retenções na fonte.
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SUMÁRIO: 

1.     O n.º 4 do artigo 103.º do CIRS é uma norma especial no seu confronto com o n.º 2 do artigo 28.º da LGT que funciona como regra geral.

2.     O dever acessório de reter rendimentos da categoria A do CIRS não pode ser derrogado pelo n.º 2 do artigo 28.º da LGT por não ter sido cumprido pelo substituto o dever previsto no n.º 4 do artigo 103.º do CIRS de retenção e entrega ao Fisco dos montantes postos á disposição do beneficiário de rendimentos da categoria A.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Vasco António Branco Guimarães árbitro singular designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 20-05-2022, decide o seguinte:

            

1. Relatório

 

A..., SA, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., Matosinhos doravante abreviadamente designado por “Requerente” apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação da legalidade sobre:

1.         A liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – Retenção na Fonte n.º 2021..., de 12-11-2021, referente a maio de 2017 no valor de 12 300,08 (doze mil e trezentos Euro e oito cêntimos) e da liquidação de Juros Compensatórios, n.º 2021... no valor de 2.123,02 (dois mil cento e trinta e dois Euro e dois cêntimos) no quantitativo global 14.423,10 Euro.

2.         Dos juros indemnizatórios devidos por ter pagado indevidamente a quantia em causa.

            

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-03-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 02-05-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 20-05-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes por não provados. Juntou Jurisprudência e argumentação jurídica.

Por despacho de 12-10-2022, foi decidido dispensar reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

 

A.        A sociedade A..., SA., ora Requerente, foi sujeita a um procedimento externo de inspeção realizado ao abrigo da ordem de serviço n.º 012019..., emitida em 14-05-2019, nos termos do art.º 46° do RCPITA, para o código de actividade 1222110228 e com extensão ao exercício de 2017.

B.         Em 18-05-2017, foi movimentada, a débito, a conta 278310020 –B...por crédito da 1210005 – C... (movimento 2017-05-18 02 5069) no montante de € 26.200,00, correspondendo alegadamente, tal movimento, à devolução de empréstimos efectuados pelo Eng.º B... à Requerente.

C.        B..., NIF ... (Eng.ºB...), consta no cadastro da AT, como sendo presidente do sujeito passivo/ora Requerente, sendo que no exercício em apreço (2017) declarou ter auferido, até julho, rendimentos da Categoria A, pagos pelo sujeito passivo, no montante total de € 15.398,82.

D.        Os SIT solicitaram ao sujeito passivo, através do ofício n.º 1315, comprovativo de todas as transferências bancárias e/ou depósitos realizados, a favor da empresa, pelo Eng. B... e reconhecidos na conta 278310020 – B... (cfr. anexo X do relatório de Inspeção Tributária, de ora em diante RIT).

E.        A Requerente aceita que não foi possível provar a alegada natureza de empréstimo da quantia transferida para o Eng. B... .

F.        A AT qualificou a quantia recebida como rendimento de trabalho tendo liquidado à Substituta Requerente do PPA a omissa retenção na fonte e os juros compensatórios ora impugnados.

 

Os restantes argumentos expendidos são matéria de direito ou referências a Jurisprudência sobre a matéria sem relevância fáctica.

 

3. Matéria de direito.

 

As questões de mérito que são objeto deste processo são: 

1.         Saber se a responsabilidade pelo pagamento das retenções na fonte é da Requerente ou diretamente imputável ao equiparado a trabalhador dependente beneficiário da quantia identificada em B dos factos provados.

2.         Saber se são devidos juros indemnizatórios à Autora do PPA.

 

3.1. Posições das Partes.

O Requerente defende o seguinte, em suma:

- O imposto não retido é exigido em primeira linha ao titular do rendimento, sendo o substituto um mero responsável subsidiário conforme dispõe o n.º 2 do artigo 28.º da LGT - cfr. artigo 14, 15, 16, 17 e 18 do PPA.

 

A AT defende a improcedência do pedido com base nos seguintes argumentos:

 

- O n.º 4 do artigo 103.º do CIRS na sua versão de 2014 aplicável à situação subjudice dispõe que: «Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respetivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido». Este preceito é norma especial perante o disposto no n.º 2 do artigo 28.º da LGT. A posição da Requerente do PPA improcede.

 

3.2. Apreciação da questão.

A questão em apreciação é de Direito e implica a interpretação harmonizada dos preceitos que tratam da relação entre substituto e substituído.

O mecanismo da substituição é um mecanismo de garantia e cobrança dos impostos muito antigo que tem manifestações e expressões históricas diversas sempre com o mesmo fim: assegurar o pagamento dos impostos devidos.

Em regra, ambos os envolvidos no processo – substituto e substituído – são responsáveis pelo pagamento devido embora a responsabilidade possa ser solidária ou subsidiária. 

Não sendo liberatória, a retenção funciona como pagamento por conta do substituído o que justifica a solução normativa constante do n.º 2 do artigo 28.º da LGT que determina que: «Quando a retenção tiver a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior».

A solução do n.º 2 do artigo 28.º da LGT que respeita a obrigação material originária e acessória sofre as limitações sistémicas que implicam a obrigação acessória genérica que incumbe aos pagadores de rendimentos que estão obrigados por lei a reter, de acordo com uma tabela definida pelo montante a pagar uma determinada quantia expressamente definida na tabela em vigor. Este dever é um dever acessório autónomo da entidade pagadora que não se confunde com o dever de pagamento do imposto.

No caso em análise a Requerente do PPA qualificou a entrega feita como reembolso de um empréstimo o que se revelou como erróneo e infundado. 

Ao ter feito uma errada qualificação da transferência efetuada para a conta do Presidente do Conselho de Administração a Requerente do PPA não cumpriu os deveres acessórios de qualificação e quantificação com a inerente obrigação acessória de retenção na fonte que lhe era imposta pelo n.º 4 do artigo 103.º do CIRS nos termos da tabela em vigor à data. 

O incumprimento deste dever de diligência que determinou a violação do dever de retenção é imputável ao substituto e não ao substituído nem à AT.

O substituído, depois de lhe ser feita a liquidação corretiva do ano de 2017 deverá ser credor da AT por ter tido a retenção parcial específica (sobre o montante de 26 200, 00 Euro) superior ao imposto devido a final.

Na liquidação corretiva do imposto de IRS do beneficiário, estão já integrados os juros compensatórios pagos pela entidade Requerente.

Isto determina que o beneficiário terá, eventualmente, direito a estorno remunerado – artigo 102.º - A do CIRS.

A anulação da liquidação efetuada implicaria o desrespeito por norma específica – n.º 4 do artigo 103.º - favorecendo um incumprimento do beneficiário da quantia transferida e da Requerente.

Improcede assim, de facto e de Direito o pedido formulado.

Uma vez que é improcedente o pedido principal é igualmente julgado infundado o pedido de juros indemnizatórios ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

 

Termos em que se julgam improcedentes por não provados os pedidos formulados pela Requerente do PPA nos termos sumariamente fundamentados acima.

 

Valor do processo: € 14.423,10 Euro (catorze mil quatrocentos e vinte e três Euro dez cêntimos).

 

Custas a cargo da Requerente por ter decaído que se fixam em 918,00 (novecentos e dezoito) Euro.

 

Lisboa, 16 de novembro de 2022

 

Registe e notifique

 

O Árbitro Singular

 

 

 

(Vasco Branco Guimarães)