Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 382/2022-T
Data da decisão: 2022-11-15  ISV  
Valor do pedido: € 2.349,21
Tema: ISV – Artigo 8.º do Código do ISV – Taxas intermédias – Veículos usados provenientes de outros Estados-Membros; Excepção de incompetência do Tribunal Arbitral.
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SUMÁRIO:

 

I – A introdução no consumo de um veículo em qualquer Estado-Membro da União Europeia deve ser entendida como o facto gerador relevante para efeitos do artigo 5.º do Código do ISV, no sentido aí constante de «constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal».

 

II – O conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

 

III – E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV: (a) entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia; (b) a partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.

 

O Árbitro Hélder Faustino, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:

 

 

            I.         Relatório

 

A..., Lda., doravante designado por “Requerente”, pessoa colectiva número..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., em Matosinhos, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na redacção vigente.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.

 

A Requerente pretende a anulação parcial do acto de liquidação de Imposto sobre Veículos (“ISV”) n.º 2021/..., resultante da introdução no consumo de veículo ligeiro de passageiros equipado com motor híbrido plug-in, através da Declaração Aduaneira de Veículo (“DAV”) n.º 2021/..., por ilegalidade, praticado pela Alfândega de Braga, e a condenação da AT à restituição do montante de € 2.349,21.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 23 de Junho de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

De acordo com o preceituado nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

 

O Tribunal Arbitral ficou constituído em 31 de Agosto de 2022.

 

            Em 30 de Setembro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, com defesa por excepção e por impugnação, e juntou o processo administrativo (“pa”). Pugna pela excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, pela improcedência do pedido arbitral e absolvição de todos os pedidos.

 

Por despacho de 18 de Outubro de 2022, o Tribunal Arbitral convidou a Requerente a pronunciar-se sobre a matéria da excepção invocada pela AT, tendo dispensado a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessidade, bem como a produção de alegações escritas.

 

Em 25 de Outubro de 2022, a Requerente respondeu à excepção suscitada pela AT.

 

 

Posição da Requerente

 

            A Requerente manifestou a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender que a nova redacção do artigo 8.º do Código do ISV trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão se verifica o desrespeito pelo artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE”).

 

            Facto que leva a Requerente a considerar que a liquidação de ISV foi ilegal, por violação do Direito Europeu.

 

            A disposição aplicada foi a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, pela qual a “taxa intermédia” de 25% passou a aplicar-se “aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação a rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 quilómetros e emissões oficiais inferiores a 50g C02/Km”.

           

            A viatura adquirida pela Requerente não preenchia estes dois requisitos, pelo que o ISV foi liquidado como de uma viatura nova se tratasse, matriculada pela primeira vez em 2021, ignorando a AT a legislação em vigor à data da primeira matrícula da viatura.

 

            A liquidação do ISV, efectuada ao abrigo da nova redacção do artigo 8.º do Código do ISV, tratou de forma desigual uma viatura matriculada originalmente noutro Estado-Membro da UE e posteriormente introduzida em Portugal, relativamente a uma outra adquirida e matriculada originalmente em Portugal, onerando de forma mais gravosa a viatura adquirida noutro Estado-Membro da UE, em desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE.

 

            Tendo em consideração o primado do direito da UE sobre o direito nacional, previsto constitucionalmente, a norma jurídica que tributa a viatura em função do ano da matrícula em Portugal, e não em função do ano da sua matrícula original, é ilegal, o que toma a liquidação do ISV também ilegal.

 

            O ISV liquidado deveria ter tido em consideração a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV que vigorava à data da primeira matrícula do veículo no seu país de origem, o que determinaria a aplicação da percentagem de 25% sobre a taxa intermédia, e não de 100% como foi, de que resultava um ISV a pagar no valor de € 2.349,21.

 

            A este valor, há ainda que deduzir os valores correspondentes à redução pelo número de anos de uso do veículo (28% para a componente cilindrada e 20% para a componente ambiental).

 

            Reconhecendo-se a ilegalidade da liquidação efectuada, do que deverá resultar a sua anulação parcial, deve ser restituído à Requerente o valor pago a mais.

            Relativamente à excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria, entende a Requerente que a causa de pedir e do pedido que consta do pedido de pronúncia arbitral não constitui um paradigma de linearidade conceptual e argumentativa.

 

            A Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, norma esta que a Requerente considera violadora do artigo 110.º do TFUE.

 

            Não se mostra impeditivo desta leitura que a Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV] na redacção em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de colecta.

 

            Assim, o Tribunal Arbitral deverá restringir-se à apreciação da verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade.

 

Posição da Requerida

 

            Segundo a AT, decorre do ppa. (designadamente, do artigo 42.º) que a Requerente requer a constituição do Tribunal Arbitral com vista à aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV.

 

            Sendo que a Requerente pretende a restituição da quantia, paga indevidamente, a que alegadamente teria direito por beneficiar da taxa prevista na redacção anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV.

 

            Resultando clara a pretensão da Requerente, conforme formulado no ppa., já que visa unicamente o reconhecimento do direito à aplicação de taxa reduzida, ao invés da liquidação efectuada nos termos gerais, não sendo o acto, decorrente da aplicação das taxas normais, que a Requerente visa efectivamente impugnar, antes pretendendo usufruir do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do Código do ISV, com o objectivo de afastar a tributação regra.

 

            Pelo que tal pedido não pode, face à lei, ser submetido à instância arbitral pois o processo arbitral apenas abrange os actos susceptíveis de impugnação judicial, isto é, os abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

 

            Defende, ainda, a AT que o regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do ISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de Junho, aplicável à data dos factos em litígio, com as últimas alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

 

            Realçando-se do Código do ISV, o Capítulo I (artigos 1.º a 11.º), relativo aos Princípios e regras gerais atinentes a este tributo, os Capítulos II, III e IV atinentes ao Estatuto dos sujeitos passivos, à Introdução no consumo e Liquidação, pagamento e reembolso, respetivamente (artigos 12.º a 29.º) e o Capítulo V (Secção I) referente aos Regimes suspensivos da admissão e Importação temporária de veículos no território nacional (artigos 30.º a 33.º).

 

            Para o enquadramento legal da questão ora submetida à sindicância do tribunal, releva, particularmente, o artigo 2.º do CISV, relativo à Incidência objectiva do imposto, que dispõe o seguinte:

            “1 - Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos: a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;

            (…)

            2 - Estão excluídos da incidência do imposto os seguintes veículos: a) Veículos não motorizados, bem como os veículos exclusivamente eléctricos ou movidos a energias renováveis não combustíveis; (…)”.

 

            Estabelecendo o artigo 3.º do Código do ISV, no que concerne à Incidência subjectiva, que:

            “(…) «1 - São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.

            2 - São ainda sujeitos passivos do imposto as pessoas que, de modo irregular, introduzam no consumo os veículos tributáveis.”.

 

            Quanto ao facto gerador de imposto sobre veículos regula o 5.º do Código do ISV de acordo com o qual:

            “1 - Constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

            2 - Constitui ainda facto gerador do imposto:

            a) A atribuição de matrícula definitiva após o cancelamento voluntário da matrícula nacional feito com reembolso de imposto ou qualquer outra vantagem fiscal;

            b) A transformação de veículo que implique a sua reclassificação fiscal numa categoria a que corresponda uma taxa de imposto mais elevada ou a sua inclusão na incidência do imposto, a mudança de chassis ou a alteração do motor de que resulte um aumento de cilindrada ou das emissões de dióxido de carbono ou partículas;

c) A cessação ou violação dos pressupostos da isenção de imposto ou o incumprimento dos condicionalismos que lhe estejam associados;

            d) A permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no presente código.

            3 - Para efeitos do presente código entende-se por:

            a) «Admissão», a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-membro da União Europeia em território nacional;

            b) «Importação», a entrada de um veículo originário de país terceiro em território nacional.

            4 - Sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18.º e 19.º, quando, à entrada em território nacional, os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.”.

 

Sendo que, quanto à exigibilidade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 6.º, com referência ao n.º 1 do artigo 5.º, o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada:

            “a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos;

            b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares.

            2 - Nos casos mencionados no n.º 2 do artigo anterior considera-se verificada a introdução no consumo no momento da ocorrência do facto gerador do imposto ou, sendo este indeterminável, no momento da respectiva constatação.

            3 - A taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.”.

 

No que concerne às formalidades relativas à Introdução no consumo é de realçar o n.º 1 do artigo 17.º, nos termos do qual, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela DAV.

 

            Acrescendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do Código do ISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P. (“IMT”) ou às direções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos.

 

Quanto às taxas do imposto, releva o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do Código do ISV, que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.

 

As taxas intermédias estão previstas no artigo 8.º (Taxas intermédias – automóveis), nos seguintes termos:

            “1 - É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

            a) 60%, aos automóveis ligeiros de passageiros que se apresentem equipados com motores híbridos, preparados para o consumo, no seu sistema de propulsão, quer de energia elétrica ou solar quer de gasolina ou de gasóleo, desde que apresentem uma autonomia em modo elétrico superior a 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.

            b) 40%, aos automóveis ligeiros de utilização mista, com peso bruto superior a 2500 kg, lotação mínima de sete lugares, incluindo o do condutor, e que não apresentem tração às quatro rodas, permanente ou adaptável;

            c) 40%, aos automóveis ligeiros de passageiros que utilizem exclusivamente como combustível gás natural;

            d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km. (Redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) (…)”.

 

Referindo-se o artigo 11.º do Código do ISV (Taxas – veículos usados) às taxas aplicáveis aos veículos usados, relevando para o caso em apreço a última redacção introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2021).

 

Relativamente à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais se incluem as “reduções de taxas” previstas no artigo 8.º do Código do ISV, dispõe o artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.

 

Defende a Requerente que a liquidação de ISV é ilegal por entender que, tratando-se de veículo matriculado pela primeira vez, ainda que noutro Estado-Membro, na vigência da redacção anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede eléctrica, com uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros, deveria beneficiar da redução então prevista na referida norma.

 

As “taxas intermédias” previstas no artigo 8.º, bem como as “taxas reduzidas” previstas no artigo 9.º do Código do ISV configuram isenções parciais ou “reduções de taxas”, a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) relativo ao “Conceito de benefício fiscal e de despesa fiscal e respectivo controlo”.

 

De facto, as taxas intermédias previstas no artigo 8.º, como as taxas reduzidas previstas no artigo 9.º do Código do ISV, configuram isenções parciais / reduções de taxas cuja racionalidade assenta na natureza ambiental ou na natureza económica, pretendendo-se, por um lado, incentivar o uso de veículos menos poluentes que, designadamente, utilizem motores eléctricos e emitam valores mais reduzidos de C02, ou, por outro, proteger determinadas actividades económicas, por força da afetação dos veículos a tais actividades (como é o caso do turismo, hotelaria e comércio).

 

Efectivamente, quanto aos benefícios fiscais consagrados no Código do ISV, encontram-se previstas isenções totais e parciais, bem como reduções de taxas, sendo que, dentro do espectro dos benefícios fiscais, as taxas previstas nos artigos 8.º e 9.º configuram “reduções de taxas”, que se concretizam em percentagens de reduções das taxas resultantes da aplicação da tabela A ou da tabela B.

 

Sendo que, quanto aos benefícios previstos no artigo 8.º do Código do ISV, e concretamente, no que concerne ao referido na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, dele beneficiam, exclusivamente, os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo eléctrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km (na redacção que resultou do artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).

 

            E, conforme se retira do Manual de Procedimentos do ISV (versão de 2021), acessível no portal das finanças, na parte relativa aos “Procedimentos aplicáveis a algumas situações de redução de taxas”: Para efeitos de confirmar a autonomia mínima exigida no modo elétrico e as emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km e nessa medida ser aplicável a taxa de 25% da tabela A, deverá ser apresentado à alfândega o documento “Homologação Europeia de Veículo Completo” (Whole Vehicle Type Approval – WVTA) ou a folha de aprovação de modelo/certificado de conformidade, desde que nele constem expressamente os elementos acima referidos.

           

Deste modo, só os automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo eléctrico, 50 km e emissões oficiais inferiores a 50gCO2/km, beneficiam de uma redução de 75% de ISV.

 

Importa referir que o veículo em causa foi objecto de introdução no consumo, através de DAV com data e aceitação em 2021, sendo que, nesta data, já se encontrava em vigor a nova redacção do artigo 8.º do Código do ISV que, como se indicou acima, resultou da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

 

E, aplicando-se as normas tributárias aos factos posteriores à sua entrada em vigor, conforme dispõe expressamente o n.º 1 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), relativo à aplicação da lei tributária no tempo, não se suscita qualquer dúvida de que ao facto tributário em causa se aplica a alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV actualmente em vigor.

 

Acrescendo que, na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (n.º 1 do artigo 11.º da LGT), devendo o intérprete socorrer-se dos elementos lógicos para determinar, designadamente, o espírito da lei, a sua razão de ser / ratio legis, não se admitindo, quanto aos benefícios fiscais, a integração analógica.

 

Assim, no que concerne à alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º não pode retirar-se desta norma outra interpretação que não seja a de aplicar uma taxa intermédia, ao imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo 7.º, de 25%, apenas aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo eléctrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50g CO2/km, constituindo estas condições cumulativas para a aplicação da referida taxa.

 

A intenção do legislador é clara pois surge evidente que um veículo híbrido plug-in com as características indicadas na mesma alínea na redacção actualmente em vigor resulta menos poluente que um veículo, não obstante híbrido equipado com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenha uma autonomia mínima, no modo eléctrico, de 25 kms, conforme resultava da versão anterior.

 

Assim, no caso concreto, o veículo foi tributado por se verificar um dos factos geradores do imposto previstos no n.º 1 do artigo 5.º, a admissão de veículo no território nacional que está obrigado à matrícula em Portugal, tornando-se o ISV exigível no momento da apresentação da DAV pelo particular, por força da alínea b), do n.º 1, do artigo 6.º do Código do ISV.

 

Sendo que a taxa do imposto a aplicar, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Código do ISV, é aquela que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível.

 

E, considerando que o particular, ora requerente, solicitou a introdução no consumo do referido veículo em 2021, através da submissão da DAV acima indicada, o imposto liquidado refletiu a taxa em vigor nessa data.

 

Mas referindo-se a Requerente a uma alegada violação ao artigo 110.º do TFUE, comummente associada à versão anterior do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV, que não previa a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental em função dos anos de uso, analisada a DAV, verifica-se que ao imposto resultante da tabela A foram aplicadas as percentagens de redução previstas atualmente na tabela D (n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV), tendo em conta a componente cilindrada e a componente ambiental, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos.

 

A taxa de ISV aplicada ao veículo, ou melhor, o imposto resultante da aplicação da tabela A foi reduzida tendo em conta os anos de uso do veículo que decorreram entre a data da primeira matrícula e o termo do prazo de apresentação da respetiva DAV de introdução no consumo no território nacional.

 

Ora, no caso de veículos já matriculados em território nacional, o montante do imposto pago por esse veículo é incorporado no valor do veículo.

 

Assim, quando um veículo registado em Portugal é vendido como veículo usado no nosso país, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial.

 

Por conseguinte, só existe uma violação do artigo 110.º do TFUE quando o montante do imposto que incide sobre um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados no território nacional.

Tal significa que a tributação de veículos usados, provenientes de outros Estados- Membros, no momento da matrícula desses veículos no Estado-Membro de admissão, com vista à sua colocação em circulação, devem fazer refletir o tempo de uso dos veículos, o que equivale a dizer que na tributação de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro devem ser usadas as mesmas componentes de base de tributação dos veículos novos, ajustadas pela componente que reflete o tempo de uso ou a depreciação dos veículos.

 

No caso em apreço, constata-se que o imposto, que Portugal fez incidir no momento da introdução no consumo do veículo em causa, teve como base a tributação dos veículos novos, similares, que foram introduzidos no consumo durante o ano 2021, fazendo reflectir no imposto liquidado o tempo de uso do veículo, tendo sido, igualmente, aplicada a tabela D constante da actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do Código do ISV.

 

Não existindo, por conseguinte, qualquer efeito discriminatório até porque, em todos os casos, independentemente do facto gerador em causa, os veículos são tributados nos termos do artigo 7.º, sendo que, no caso dos veículos usados ainda lhes são aplicadas as reduções previstas na tabela D, do n.º 1, do artigo 11.º do Código do ISV.

 

Ora, pretendendo a Requerente ver aplicada ao veículo declarado, de sua propriedade, uma taxa reduzida que não se encontra prevista na lei, tal constituiria uma clara violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que dispõe que os benefícios são criados por lei, e bem assim, ao pretender que lhe seja aplicada uma norma que já não existe na ordem jurídica, uma violação do princípio ínsito no artigo 12.º, n.º 1, da LGT, sobre a aplicação da lei tributária no tempo, de acordo com o qual as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, decorrente do princípio geral da “Aplicação das leis no tempo”, previsto no artigo 12.º, n.º 1, do Código Civil, segundo o qual a lei só dispõe para o futuro.

 

Ora, de acordo com o previsto nos supracitados artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 1, alínea b), e n.º 3, 7.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, todos do Código do ISV, o veículo foi introduzido no consumo e tributado em sede de imposto sobre veículos nos termos da lei, não se aplicando no caso concreto a redução de taxa prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 8.º, por falta de verificação das condições previstas nesta norma do Código do ISV.

           

II.        Saneamento

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, atenta a conformação do objecto do processo (v. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (v. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

Foi invocada a excepção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria que obsta ao conhecimento do mérito.

 

 

            III.      Fundamentação de Facto

 

            1.         Matéria de Facto Provada

 

            Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:

 

  1. A Requerente apresentou em 25 de Novembro de 2021, a DAV n.º 2021/..., para regularização fiscal do veículo marca ..., chassis WD..., com primeira matrícula alemã de 18 de Junho de 2019 e que veio a obter a matrícula portuguesa ... .

 

  1. Com o processamento da identificada DAV, por transmissão eletrónica de dados, foi declarado um veículo automóvel ligeiro de passageiros, híbrido plug-in, com as características descritas na declaração e nos demais documentos relativos ao veículo em questão, tratando-se de um usado proveniente de outro Estado-Membro.

 

  1. A liquidação do ISV foi efectuada com base na DAV que se trata de um veículo da marca ..., modelo R1ES, equipado com motor híbrido plug-in, eléctrico e combustível (gasóleo), com um valor de emissão de gases CO2, de 42 g/km (cfr. inscrições do Quadro E da DAV).

 

  1. O veículo foi declarado, no campo 52 da DAV, com uma autonomia da bateria igual ou superior a 50 km pelo que beneficiou da aplicação da taxa intermédia de 25%.

 

  1. O cálculo do imposto foi efectuado com recurso a tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e calculado o ISV atendendo à componente cilindrada e à componente ambiental, para os veículos usados, em função do número de anos do veículo para a componente cilindrada e a componente ambiental (cfr. Quadro R da DAV).

 

  1. Para efeitos de aplicação da tabela D, foi aplicada uma redução de 28% na componente cilindrada e de 20% na componente ambiental, correspondentes a “Mais de 2 a 3 anos” de uso e de “Mais de 2 a 4 anos” de uso, respectivamente.

 

  1. Dos Quadros T e V da DAV constam, igualmente, a identificação do acto de liquidação n.º 2021/..., a data da liquidação (25 de Novembro de 2021), o montante do imposto € 783,08, termo final do prazo de pagamento (13 de Dezembro de 2021), data de cobrança e a identificação do autor do acto.

 

  1. A AT solicitou esclarecimentos ao IMT relativamente aos valores de autonomia de bateria constantes do Certificado de Conformidade (“COC”) a considerar, esclarecimentos estes divulgados através da Instrução de Serviços n.º 35.161.

 

  1. De acordo com os esclarecimentos prestados, a autonomia eléctrica associada ao ciclo de ensaios WLTP para os veículos híbridos plug-in é de 49 km (cfr. Campo 49.5.2 do COC).

 

  1. A AT procedeu à liquidação adicional de ISV, no montante de € 2.349,21.

 

  1. A Requerente veio a pagar esse montante em 22 de Abril de 2022.

 

  1. A Requerente apresentou no CAAD, em 22 de Junho de 2022, o presente ppa..

 

            2.         Motivação da Decisão da Matéria de Facto e Factos não Provados

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal Arbitral que se pronunciar sobre todas as alegações das Partes, mas apenas sobre as questões de facto necessárias para a decisão.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Árbitro signatário fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos pelas Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos que, de um modo geral, é consensual.

 

Não existem factos alegados com relevância para a apreciação da causa que devam considerar-se não provados.

 

 

            IV.      Do Direito

 

            1.         Questões a Decidir

 

Importa apreciar e decidir na presente acção as seguintes questões:

 

Da excepção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral

 

Em face do que antecede, como síntese da formulação da AT, mostra-se necessário que o Tribunal Arbitral aprecie os termos em que vem formulado o pedido de pronúncia arbitral, para determinar qual é, em termos substantivos, o objecto que neste se enuncia como decidendum.

 

Com efeito, a explanação da causa de pedir e do pedido que consta do ppa. não constitui um paradigma de linearidade conceptual e argumentativa. Sem embargo de assim nos parecer, é cognoscível o que a Requerente ataca e visa ver escrutinado no presente processo. A Requerente impugna a legalidade da liquidação de ISV feita pela AT, por ter a mesmo sido feita por aplicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, norma esta que a Requerente considera violadora do artigo 110.º do TFUE.

 

Não se mostra impeditivo desta leitura que a Requerente prossiga propugnando pela aplicação do referido preceito [alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV] na redacção em vigor à data da primeira matrícula da viatura, com o corolário que extrai do reconhecimento do direito à restituição da diferença de colecta.

 

Ora, o Tribunal Arbitral restringe a apreciação à verificação da legalidade / ilegalidade da liquidação de imposto – alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, cabendo subsequentemente à AT dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 24.º do mesmo diploma, caso se venha a julgar no sentido de julgar procedente a tese da ilegalidade. Não cabe, seguramente, ao Tribunal Arbitral pronunciar-se para lá disso, pelo que não implicará a eventual declaração de ilegalidade da liquidação, se for esta a decisão, que o Tribunal Arbitral venha a pretender “ditar” que disposições legais, vigentes em que data, deveria a AT ter aplicado, mas esta não pronúncia em nada afecta o cabimento legal e a pertinência e suficiência da apreciação do pedido, tal como vem formulado no ppa..

 

Assim, tem-se por improcedente a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral.

 

 

Da ilegalidade da liquidação de ISV

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a Requerente manifestou a sua inconformidade com o acto de liquidação impugnado, por entender que por entender que a nova redacção do artigo 8.º do Código do ISV trata de forma desigual um veículo matriculado originalmente noutro Estado-Membro, e que, por essa razão se verifica o desrespeito pelo artigo 110.º do TFUE. E pretende que o Tribunal Arbitral esclareça se a liquidação do Imposto sobre Veículos viola, ou não, o disposto no artigo 110.º do TFUE, “porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal”, vem, a final, pugnar pela anulação parcial do acto de liquidação de ISV e pela restituição do montante de € 2.349,21.

Releva no caso concreto que de acordo com o disposto no Código do ISV, estão sujeitos ao imposto, designadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros”, sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” [artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e 3.º, n.º 1].

 

E que, como estabelece o artigo 5.º do mesmo Código, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sendo que, para este efeito, de acordo com o n.º 3 alínea a) do mesmo artigo, entende-se por “admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional”.

 

Por sua vez, “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)”, sendo, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) são sujeitos ao processamento da DAV” (artigo 17.º, n.º 1 e 3 do Código do ISV). Assim, no que concerne às formalidades relativas à Introdução no consumo é de realçar o n.º 1 do artigo 17.º, nos termos do qual, a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV).

 

Acrescendo que, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do Código do ISV, os veículos não podem ser matriculados sem que a AT tenha comunicado ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P. ou às direcções regionais de transportes terrestres das regiões autónomas, informação comprovativa de que o imposto sobre veículos e, se for o caso, os direitos aduaneiros e o imposto sobre o valor acrescentado, se encontram pagos ou garantidos, ou de que foi reconhecida a sua isenção ou a não sujeição ao imposto sobre veículos.

 

Quanto às taxas do imposto, releva o artigo 7.º (Taxas normais – automóveis) do CISV, que, nas alíneas a) e b) do n.º 1, consagra a aplicação das taxas previstas na Tabela A, tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, e aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas nem pela taxa intermédia.

 

No caso concreto está em causa a aplicação da taxa intermédia, de acordo com pedido da Requerente.

 

Assim, em causa estão duas redações do artigo 8.º, n.º 1, alínea d) do Código do ISV:

 

A introduzida pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro:

“Artigo 8.º

 

Taxas intermédias – automóveis

1É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

 

(…)

 

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 quilómetros. (…)”.

 

A posterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro [1]:

“Artigo 8.º Taxas intermédias – automóveis

 

1 – É aplicável uma taxa intermédia, correspondente às percentagens a seguir indicadas do imposto resultante da aplicação da tabela A constante do n.º 1 do artigo anterior, aos seguintes veículos:

 

(…)

 

d) 25%, aos automóveis ligeiros de passageiros equipados com motores híbridos plug-in, cuja bateria possa ser carregada através de ligação à rede elétrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 50 km e emissões oficiais inferiores a 50 gCO2/km.(…)”.

 

 

Significa isto, considerando o caso em apreço que estes veículos:

 

  1. Entre 2015 e 2020, eram tributados a 25%, desde que bateria pudesse ser carregada através de ligação à rede eléctrica e que tenham uma autonomia mínima, no modo elétrico, de 25 kms. Caso não reunissem um destes requisitos, seriam tributados a 100%.

 

  1. Em 2021, para serem tributados a 25% passaram a ter que ter uma autonomia em modo eléctrico de pelo menos 50 kms – quando antes era de 25 kms – e emissões de CO2 menores que 50 g/km. Caso não reúnam um destes requisitos, serão tributados a 100%.

 

Relativamente à constituição do direito aos benefícios fiscais, nos quais se incluem as “reduções de taxas” previstas no artigo 8.º do Código do ISV, dispõe o artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos, ainda que esteja dependente de reconhecimento declarativo pela administração fiscal ou de acordo entre esta e a pessoa beneficiada, salvo quando a lei dispuser de outro modo.

Defende o Requerente que a liquidação de ISV é ilegal por entender que deveria ter sido aplicada ao veículo, por se tratar de um veículo híbrido que foi matriculado pela primeira vez, no país de origem, em 2019, a redacção anterior da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, que previa a aplicação de uma taxa de 25% para os automóveis com motores híbridos plug-in, com bateria carregada através de ligação à rede eléctrica, com uma autonomia mínima, no modo eléctrico, de 25 kms.

 

Na verdade, o que está em causa é uma questão de aplicação de lei no tempo conjugada com o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV. Ora, um dos princípios gerais da interpretação das normas jurídicas e “critério de interpretação” é o da interpretação conforme à Constituição (cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p. 480). Segundo este critério, no caso de o intérprete, mediante a aplicação dos elementos interpretativos, chegar a mais do que um sentido possível a atribuir a um preceito normativo, deve preferir aquele que mais se adeque à Constituição.

 

No caso concreto, tal regra hermenêutica, mediada por uma interpretação actualista, aponta decisivamente para a interpretação da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, tendo em conta a evolução temporal identificada entre a Lei n.º 82-D/2014, de 31/12 e a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro e por base o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV.

 

Assim, numa perspetiva atual, à luz da evolução dos conceitos técnicos operados nas duas normas, assentes na evolução tecnológica dos veículos híbridos, só uma interpretação assente num critério teleológico-objetivo, e em conformidade com a Constituição evita uma contradição de valoração insanável, que não encontra qualquer fundamento razoável e é contrária à unidade do sistema jurídico.

 

Tudo o que tendo direta aplicação no caso concreto, conduz, necessariamente, a uma interpretação actualista do artigo 5.º, respeitante ao facto gerador do imposto com reflexos na alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV, de que decorre que se retire do preceito o sentido interpretativo de que o mesmo acolhe que a alteração legislativa efetuada na Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro:

 

  1. apenas se aplica aos factos geradores verificados na data posterior a 1 de Janeiro de 2021;

 

  1. sendo que o conceito de facto gerador de imposto constante do artigo 5.º do Código do ISV abrange todo o veículo abrangido pela norma de incidência que tenha sido adquirido em espaço europeu.

 

Se atentarmos ao conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV e articularmos com o direito da União, mais concretamente os artigos 26.º e 28.º a 37.º do TFUE, que consagram o direito à livre circulação de mercadorias.

Ora, o direito à livre circulação de mercadorias originárias dos Estados-Membros, e de produtos provenientes de países terceiros que se encontrem em livre prática nos Estados-Membros, é um dos princípios fundamentais do Tratado (artigo 28.º do TFUE). Inicialmente, a liberdade de circulação de mercadorias foi considerada um elemento de uma união aduaneira entre os Estados-Membros, envolvendo a eliminação de direitos aduaneiros, restrições quantitativas nas trocas comerciais e medidas de efeito equivalente, bem como o estabelecimento de uma pauta aduaneira comum para a União. Mais tarde, a tónica foi colocada na eliminação de todos os obstáculos subsistentes à livre circulação de mercadorias, tendo em vista a criação do mercado interno.

 

No caso concreto, a introdução no consumo do veículo na Alemanha deve ser entendida como o facto gerador relevante para efeitos do artigo 5.º do Código do ISV português, no sentido aí constante de “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal”, sob pena de entendimento contrário, tal como a Requerida assumiu, no sentido de considerar o facto gerador o momento do registo da matrícula em Portugal ser discriminatório.

 

Assim, o conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV deve estar em estreita relação com o princípio da não discriminação constante do artigo 110.º do TFUE e que prevê, que nenhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares.

 

Este princípio da não discriminação é reforçado pela liberdade de circulação de mercadorias, que encerra igualmente uma dupla proibição:

 

  1. Proibição dos encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros: artigo 28.º, n.º 1, e artigo 30.º do TFUE – O Tribunal de Justiça da União Europeia [2] considera que qualquer imposição, independentemente da sua designação ou meio de aplicação, “que, incindindo especificamente sobre o produto importado de um país membro e não sobre o produto nacional similar, [tenha] como resultado, ao alterar o seu preço, ter sobre a livre circulação de produtos a mesma incidência que um direito aduaneiro”, pode ser considerada um encargo de efeito equivalente, independentemente da sua forma ou natureza.

 

  1. Proibição das medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas: artigos 34.º e 35.º do TFUE – O Tribunal de Justiça da União Europeia [3]considera que qualquer regulamentação comercial aplicada pelos Estados-Membros que seja suscetível de entravar, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerado uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa [4] [5].

 

E é com base no conceito de facto gerador não discriminatório, decorrente do Direito da União, que devemos aplicar corretamente no tempo a taxa intermédia constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV:

 

  1. Entre 2015 e 2020 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia;

 

  1. A partir de 2021 para os veículos introduzidos pela primeira vez no consumo em qualquer Estado-membro da União Europeia.

 

No caso em apreço, se a primeira matrícula do veículo é datada de 18 de Junho de 2019, conforme DAV junta, é esta a data relevante para aplicação do conceito de facto gerador constante do artigo 5.º do Código do ISV e que faz aplicar a taxa intermédia em vigor à data da primeira matrícula constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do CISV em vigor à data (2019).

 

Diga-se aliás que este entendimento alargado de facto gerador decorrente do princípio da não discriminação europeia vem confirmar, por estarmos perante uma taxa intermédia e especial e consequentemente perante um benefício fiscal, que o reconhecimento confere ex lege a sua eficácia declarativa (ex tunc e não ex nunc, o que exige a verificação dos pressupostos no momento da primeira aquisição e não das aquisições derivadas, desde que em espaço europeu) conforme resulta do artigo 5.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

 

Concluindo-se assim que a liquidação de ISV efetuada pela AT, que aplicou o artigo 8.º do Código do ISV na versão de 2021, e não na versão em vigor entre 2015 e 2020, foi efectuada em desconformidade com a lei nacional e o direito comunitário, incumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º do TFUE e o artigo 103.º da Constituição.

 

 

 

Assim, ao decidir em sentido contrário a AT incorreu, desta forma, em ilegalidade, devendo a liquidação ser anulada conforme peticionado e reconhecido o direito à taxa intermédia de 25% constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Código do ISV na redacção dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, com as legais consequências.

 

 

V.        Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar improcedente a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral;
  2. Julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV, determinando-se a sua anulação parcial e ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso;
  3. Condenar a AT no pagamento integral das custas do presente processo.

 

 

VI.      Valor do Processo

 

            Fixa-se ao processo o valor de € 2.349,21, indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação de ISV cuja anulação pretende, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

 

VII.     Custas

 

            Custas no montante de € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da AT, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT.

 

 

Notifique-se as Partes e o Ministério Público.

 

Lisboa, 15 de Novembro de 2022

 

O árbitro,

 

(Hélder Faustino)

 

 

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.



[1] Redacção dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

[2] Cfr., processos apensos 2/62 e 3/62, e processo 232/78.

[3] Ver acórdão Dassonville.

[4] Ver processo 8/74 de 11 de Julho de 1974 e pontos 63 a 67 do processo C-320/03 de 15 de Novembro de 2005.

[5] A argumentação do Tribunal de Justiça foi mais desenvolvida no acórdão Cassis de Dijon, que estabelece o princípio segundo o qual qualquer produto legalmente fabricado e comercializado num Estado-Membro, em observância das suas normas justas e tradicionalmente aceites, e dos processos de fabrico desse país, deve ser admitido no mercado de qualquer outro Estado-Membro. Esta foi a argumentação fundamental subjacente ao debate sobre a definição do princípio de reconhecimento mútuo, aplicável na ausência de harmonização. Por conseguinte, e mesmo na ausência de medidas de harmonização europeias (direito derivado da UE), os Estados- Membros são obrigados a permitir que mercadorias que são legalmente produzidas e comercializadas num Estado- Membro circulem e sejam colocadas nos seus mercados. Um aspeto importante a sublinhar é o facto de o âmbito de aplicação do artigo 34.º do TFUE ser limitado pelo acórdão Keck, nos termos do qual certas modalidades de venda não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desse artigo, desde que sejam de caráter não-discriminatório (isto é, se são aplicáveis a todos os operadores que exercem a atividade no território nacional, e afetam da mesma maneira, de direito e de facto, a comercialização de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros).