Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 236/2022-T
Data da decisão: 2022-11-11  IRS  
Valor do pedido: € 292.894,02
Tema: IRS. Retenção na fonte. Contrato de mútuo. Adiantamentos por conta dos lucros. Caducidade do direito à liquidação.
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Sumário:

I - A nulidade de contratos de mútuo celebrados entre a sociedade e o sócio-gerente, por vícios formais, apenas determina, declarada a nulidade, a restituição das prestações efetuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado.

II -Verificando-se que os lançamentos a débito nas contas correntes do sócio foram efetuados a coberto de contratos de mútuo, a possível nulidade desses contratos não permite a conversão das prestações mutuadas em adiantamentos por conta dos lucros e não afasta a presunção que resulta do artigo 6.º, n.º 4, do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

  1. A..., UNIPESSOAL, LDA, contribuinte n.º ..., com sede na ..., ...-... Amarante, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º  2021..., e de juros compensatórios nº 2021..., referentes ao ano de 2018, com o valor de imposto a pagar de € 292.894,02, resultante da retenção à taxa liberatória de 28% sobre o rendimento de capitais no valor global de € 941.156,31.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção que determinou a correção tributária no montante de € 263.523,76, resultante da retenção na fonte à taxa liberatória de 28%, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, de rendimentos de capitais no valor global de € 941.156,31, com base no entendimento de que as contas 211110332, no valor de € 415.377,65, e 278213012, no valor de € 525.778,66, foram saldadas através dos movimentos contabilísticos datados de 30 de dezembro de 2018, por contrapartida de resultados transitados.

 

A Autoridade Tributária tomou em consideração os empréstimos efetuados pela sociedade ao seu sócio-gerente, entre 2011 e 2017, que entendeu terem sido liquidados por efeito dos referidos lançamentos contabilísticos, correspondendo a um perdão de dívida e a uma distribuição de lucros na referida data de 2018, em que os rendimentos foram colocados à disposição do sócio-gerente.

 

Resulta, no entanto, da ata nº 10, datada de 31 de março de 2011, que se autorizou o sócio-gerente a realizar levantamentos como adiantamentos por conta de lucros até ao montante de € 600.000,00, e da ata nº 20, datada de 15 de maio de 2019, que o sócio recebeu até 31 de dezembro de 2014 o valor de € 941.156,31, a título de adiantamentos por conta de lucros, os quais estão evidenciados nas mencionadas contas 211110332 (€ 415.377,65) e 278213012 (€ 525.778,66).

 

Pelo que não seria possível concluir que os lançamentos contabilísticos teriam resultado dos contratos de mútuo. Existem, por outro lado, diversas omissões relativamente aos contratos, nomeadamente, a falta de qualidade de gerente do signatário, a não liquidação do imposto de selo e a não formalização do contrato através de escritura pública.

 

Não podendo ser considerados os contratos de mútuo, pelas razões indicadas, os lançamentos efetuados nas contas correntes 278213012 e 211110332 beneficiam da presunção do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS e devem ser entendidos como adiantamentos por conta dos lucros, pelo que, para efeito de tributação, as datas em que foram feitos os lançamentos são aquelas em que efetivamente foram disponibilizadas as verbas, ou seja, nos anos de 2011, 2012 e 2013, no caso da conta 211110332, e 2013 e 2014, no caso da conta 278213012, verificando-se, consequentemente, a caducidade do direito à liquidação atento o disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, refere o seguinte.

 

Em 30 de dezembro de 2018 foram registados dois lançamentos contabilísticos respeitantes à conta 211110332 e à conta 278213012, que refletem movimentos a crédito por contrapartida a débito da conta de resultados transitados, nos valores de € 415.377,65, de € 525.778,66, com a consequente quitação da divida.

 

E, desse modo, as contas  211110332 e 278213012, que, em 2017, apresentavam débitos no valor de € 415.377,65 e € 977.942,45, respetivamente, por efeito de sucessivos empréstimos da sociedade ao sócio gerente, ficaram reduzidas ao valor de € 0,00, na conta 211110332, e de € 452.163,79 (a débito), na conta 278213012, pelo que se conclui que os mútuos foram perdoados, ficando o sócio gerente desonerado da obrigação de restituir à sociedade as quantias de € 415.377,65 e € 525.778,66, no total de € 941.156,31.

 

Em 30 de dezembro de 2018 as contas referidas registaram um movimento contabilístico a crédito, por débito da conta de resultados transitados (conta 562- correção de saldos), e com esse movimento contabilístico verifica-se a assunção da distribuição de lucros acumulados, pela anulação do ativo financeiro da empresa, com o consequente perdão da dívida.

 

Nos termos do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E), os frutos e demais vantagens económicas procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, nomeadamente os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos titulares, incluindo adiantamentos por conta dos lucros.

 

E, por outro lado, a tributação dos lucros na esfera dos sócios ocorre no momento da colocação à disposição, que é quando se verifica a efetiva vantagem patrimonial que desonera o sócio do pagamento da dívida, e não quando a empresa celebra os contratos de mútuo.

 

E embora o n.º 4 do artigo 6º do Código do IRS estabeleça que os lançamentos a seu favor em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deve entender-se que o lançamento que justifica  a tributação, a título de adiantamento por conta dos lucros, é o que determina a desoneração do pagamento da dívida, e não os sucessivos contratos de mútuo que permitiram a existência da dívida perante a sociedade.

 

Conclui pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 7 de setembro de 2022 foi agendada para 27 de setembro seguinte a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à inquirição da testemunha arrolada pela Requerente.

 

Por requerimento de 26 de setembro de 2022, a Requerente prescindiu da prova testemunhal, pelo que, por despacho da mesma data, foi considerada sem efeito a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e determinado o prosseguimento do processo para alegações escritas pelo prazo sucessivo de dez dias.

 

Em alegações, as partes mantiveram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15 de Junho de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção externo credenciado pela Ordem de serviço n.º OI2021..., que teve em vista a análise dos movimentos contabilísticos referentes à conta 211110332 – B..., no valor de € 415.377,65, e à conta 278213012 – A..., no valor da € 525.778,66, no total de € 941.156,31, e que foram efetuados, em 30 de dezembro de 2018, por contrapartida de resultados transitados.
  2. O extrato da conta 211110332 – B... registava, em 30 de dezembro de 2018, um saldo de € 415.377,65, que foi anulado por efeito do movimento contabilístico a crédito n.º 316/0000, do mesmo valor e da mesma data.
  3. O extrato da conta 278213012 – A... registava, em 30 de dezembro de 2018, um saldo de € 977.942,45 e na mesma data foi efetuado o movimento contabilístico a crédito n.º 325/0000, no valor de € 525.778,66, ficando o saldo reduzido a € 452.163,78.
  4. A sociedade C..., Unipessoal, ora Requerente, e A..., único sócio e gerente, celebraram entre si, de 2011 a 2017, os seguintes contratos de mútuo, no valor total de € 1.550.000,00:

Em 3 de janeiro de 2011, até ao limite de € 200.000,00;

Em 3 de janeiro de 2012, até ao limite de € 250.000,00;

Em 3 de janeiro de 2013, até ao limite de € 250.000,00;

Em 2 de janeiro de 2014, até ao limite de € 350.000,00;

Em 2 de janeiro de 2015, até ao limite de € 100.000,00;

Em 4 de janeiro de 2016, até ao limite de € 200.000,00;

Em 4 de janeiro de 2017, até ao limite de € 200.000,00.

  1. O contrato de mútuo tipo é do seguinte teor:

 

Contrato de mútuo

 

Entre:

 C..., Unipessoal, Lda., NPC 506571629, com sede na ... – ..., ... -...Amarante;

e A..., NIF..., com domicílio na..., ..., ...-... Amarante, adiante abreviadamente designado por “MUTUÁRIO”,

Sendo a C..., Unipessoal, Lda., e o MUTUÁRIO, em conjunto designados abreviadamente por Partes e qualquer uma delas, individualmente por Parte;

Considerando que:

  1. O Mutuário é atualmente titular da quota correspondente à totalidade do capital social;
  2. O Mutuário, por via da sua situação de doença prolongada, carece de liquidez financeira;
  3. A C..., Unipessoal, Lda., possui uma sólida estrutura de capitais próprios e meios financeiros disponíveis;
  4. A C..., Unipessoal, Lda., por seu turno, não é prejudicada por disponibilizar ao Mutuário o montante de que este necessita, por via de um mútuo;
  5. As partes pretendem regular os termos e condições inerentes ao Mútuo pela C..., Unipessoal, Lda., a favor do Mutuário.

É livremente e de boa fé celebrado o presente Contrato de Mútuo (de ora em diante designado por Contrato), do qual os Considerandos supra fazem parte integrante e que se regerá pelo disposto nas Cláusulas seguintes:

Cláusula Primeira

Objeto

  1. Pelo presente contrato, pelo prazo e nas condições previstas nas cláusulas seguintes, a C..., Unipessoal, Lda., concede ao Mutuário, crédito, a título de mútuo financeiro, até ao montante global de € 200.000,00 (duzentos mil euros), realizados ao longo do corrente ano.

 

Cláusula Terceira

Prazo

  1. O presente contrato é celebrado pelo prazo previsível de 1 (um) ano a contar da presente  data, podendo ser prorrogado por vontade das partes, não necessariamente de forma escrita.
  2. O pagamento deverá ser realizado no prazo de 30 (trinta) dias após notificação da C..., Unipessoal, Lda., para o efeito.
  3. O Mutuário poderá optar pela amortização antecipada a qualquer momento.

 

Cláusula Quarta

Confissão

O Mutuário confessa-se desde já devedor do montante financeiro nos termos do presente Contrato.

 

Cláusula Quinta

Confidencialidade

As Partes obrigam-se reciprocamente a manter sigilo e a guardar total confidencialidade sobre os termos, condições e conteúdo do presente Contrato. Cessa a obrigação de confidencialidade quando haja autorização escrita da outra Parte ou quando a informação seja exigida por lei ou ato administrativo.

 

Cláusula Sexta

Disposições Gerais

  1. O presente Contrato reflete o acordo total das Partes relativamente ao respetivo objeto na presente data e sobrepõe-se a todos s acordos anteriores, escritos e orais, entre as Partes relativamente às matérias reguladas neste contrato.
  2. Qualquer alteração ao presente Contrato deve revestir a forma de documento escrito e assinado pelas Partes.
  3. Se qualquer Cláusula deste Contrato for considerado ilegal, inválida ou inoponível, no todo ou em parte, tal Cláusula aplicar-se-á com a eliminação ou modificação que seja necessária para que a mesma seja considerada legal, válida e oponível e consubstancie a intenção comercial das Partes.
  4. O não exercício, ou o exercício tardio ou parcial, de um direito que assista a qualquer das Partes ao abrigo deste Contrato não implica a renúncia a esse direito nem impede o seu exercício posterior.

Celebrado em Amarante, aos três dias do mês de janeiro de 2011, em duplicado, ficando cada uma das Partes na posse de um original.

Pela C..., Unipessoal, Lda.

Pelo Mutuário

  1. O extrato da conta 211110332, que constitui o documento n.º 1 junto ao pedido arbitral que aqui se dá como reproduzido, apresenta movimentos a débito, entre 1 de janeiro de 2011e 30 de dezembro de 2013, com um acumulado de débito, que, em 30 de dezembro de 2018, era de € 415.377,65.
  2. O extrato da conta 278213012, que constitui o documento n.º 2 junto ao pedido arbitral, que aqui se dá como reproduzido, apresenta movimentos a débito, entre 31 de março de 2013 e 30 de dezembro de 2017, com um acumulado de débito, que, em 30 de dezembro de 2018, era de € 977.942,45.
  3. Da ata n.º 10 da Assembleia Geral da sociedade C..., Unipessoal, de 31 de março de 2010, tendo como ponto 3 da ordem dos trabalhos “deliberar sobre os adiantamentos por conta dos juros”, consta o seguinte:

Quanto ao terceiro ponto da ordem de trabalhos, foi dito pelo sócio que até à presente data tem realizado vários levantamentos da empresa, aos quais, conforme indicação dos responsáveis da contabilidade, terá que ser atribuída a correspondente natureza para que a sua contabilização seja devidamente efetuada.

Por outro lado, a empresa tem obtido lucros, o que se traduz na existência de lucros acumulados em reservas livres no montante de 84.949,58 € sendo expectável que assim continue a verificar-se.

Deste modo, propõe-se: a) Considerar o valor de € 73.608,95, que consta a débito da sua conta como adiantamento por conta de lucros: b) Autorizar o sócio a continuar a realizar levantamentos com essa natureza até ao montante de € 600.000,00, e desde que tal não prejudique a imagem patrimonial da empresa de modo significativo.

  1. Da ata n.º 20 da Assembleia Geral da sociedade C..., Unipessoal, de 15 de maio de 2019, tendo como ponto 3 da ordem dos trabalhos “deliberar sobre a distribuição de lucros”, consta o seguinte:

Entrando no ponto três da ordem de trabalhos, tomando a palavra o sócio disse que tendo já recebido até finais de 2018, a título de adiantamento por conta dos lucros o valor de 1.196.462,46 €, conforme consta das contas 211110332 e 278213012 importa regularizar a situação através de decisão definitiva da distribuição.

No entanto, considera-se que a distribuição de lucros no montante equivalente aos valores já adiantados acarretaria prejuízo para a imagem económica e financeira da empresa, porquanto os capitais próprios passariam a ficar muito reduzidos.

Deste modo, propõe-se que a decisão de distribuição de lucros abranja, apenas, o valor de 941.156,31 €, correspondente aos adiantamentos por conta dos lucros realizados até 31/12/2014, e que estão evidenciados nas referidas contas 211110332 (415.377,65€) e 278213012 (525.778,66€), reservando-se a distribuição dos restantes lucros para quando tal se mostrar conveniente.

  1. No âmbito do procedimento de inspeção, a Administração determinou, relativamente ao ano de 2018, uma correção tributária no montante de € 263.523,76, resultante da aplicação, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, da taxa liberatória de 28% sobre o valor global de € 941.156,31, que corresponde aos movimentos contabilísticos n.º 316, no valor de € 415.377,65, e n.º 325, no valor de € 525.778,66, de 30 Dezembro de 2018.
  2. A correção encontra-se fundamentada nos termos do Relatório de Inspeção Tributária que consta do processo administrativo, que aqui se dá como reproduzido, e onde se consigna, designadamente, o seguinte:

III. 1. Enquadramento jurídico

III. 1.1 Código das Sociedades Comerciais

III. 1.2. Código do Registo Comercial

[…]

Sistematizando todo o exposto anteriormente,

Comprova-se que a sociedade é detida pela pelo seu único socio gerente A...;

O SP vem alegar que a empresa emprestou ao longo dos anos ao sócio diversos valores que se encontram registados nas contas 211110332 e 278213012.

Em 30 de dezembro de 2018 as contas referidas registam um movimento contabilístico a crédito, por débito da conta de resultados transitados (562), cujo saldo credor havia sido gerado por acumulação de lucros não distribuídos.

Com o movimento contabilístico (débito na conta do SNC 562-Correção de saldos) efetuado, dá-se a assunção da distribuição de lucros acumulados, pela anulação do ativo financeiro da empresa, tendo sido perdoada a divida;

O movimento a débito na conta de resultados transitados provoca uma redução do capital próprio, ou seja, uma variação patrimonial negativa. Consequentemente o valor da sociedade no momento em que seja alienada, ou no momento em que seja dissolvida} terá um menor valor e uma menor massa patrimonial. Donde o rendimento que nessa altura será sujeito a tributação será menor.

Os lucros gerados e acumulados, porque não haviam sido distribuídos não foram sujeitos a tributação na esfera dos sócios.

A tributação dos lucros na esfera dos sócios ocorre no momento da colocação à disposição ou no momento da liquidação da sociedade através da partilha, assim o momento em que se assume que a liquidação do empréstimo não será regularizada, data de 30/12/201 ocorre a efetiva distribuição de lucros;

III.1.3 - Enquadramento Fiscal

Nos termos do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, consideram-se rendimentos de capitais (categoria E), os frutos e demais vantagens económicas procedentes direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, qualquer que seja a sua natureza ou nomeadamente os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros.

No âmbito desta categoria de rendimentos de IRS, o n.º 4 do artigo 6º do respetivo código - CIRS, refere que, os lançamentos a seu favor em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

 Como ficou demonstrado ao longo do presente relatório, os valores em análise e contabilizados a débito nas contas SNC 211110332 e 278213012 ambas pertencentes ao sócio-gerente, embora fossem considerados mútuos, na data de 30/12/2018, foram desconsiderados, como se de um perdão de divida se tratasse, o que consubstancia o momento a partir do qual o ativo da empresa foi colocado à disposição do sócio gerente, ficando este ilibado da sua obrigatoriedade de liquidação do mesmo.

Mais se explica no ponto III.1.1 e III.1.2 que a apresentação de contas anuais, fazem fé perante o Estado e Terceiros, pelo que depois de aprovadas, encerradas e comunicadas, apenas serão alvo de no caso de ordem judicial.

Os referidos rendimentos são tributados à taxa liberatória de 28%, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, a sociedade C... Unipessoal Lda, tinha a obrigação legal de proceder à entrega nos cofres do Estado das quantias retidas nos termos do artigo 101.º do CIRS, até ao dia 20 do mês seguinte aquele em que foram deduzidas, nos termos do n.º 3 do artigo 98.º do CIRS.

Todavia, o SP não procedeu à retenção e entrega dos valores apurados, sendo o SP C... Unipessoal Lda, a responsável originária pelo imposto não retido de acordo com o artigo 28.º da Lei Geral Tributária conjugado com o artigo 103.º do CIRS.

 

Conta

Designação

Data

n.º Mov

Contab.

Valor

Retenção- taxa

28% Artigo 71 n.º 1

CIRS

211110332

B...

30-12-2018

316

415.377, 65

116.305,74

278213012

A...

30-12-2018

325

525.778,66

147.218, 02

Total das retenções a efetuar para o ano do 2018

263.523,76

 

 

J) A correção tributária originou a liquidação de IRS n.º 2021..., datada de 19 de novembro de 2021, com o montante a pagar de € 292.894,02 e o prazo limite de pagamento em 6 de janeiro de 2022.

L) O pedido arbitral deu entrada em 5 de abril de 2022.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.

 

           

Matéria de direito

 

5. A única questão em debate respeita a saber se havia lugar à tributação a título de retenção na fonte, nos termos do artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, dos lançamentos efetuados a favor do sócio-gerente da Requerente, em 30 de dezembro de 2018, na conta 211110332, no valor de € 415.377,65, e na conta 278213012, no valor de € 525.778,66, ou se esses rendimentos deviam ter sido considerados para efeitos fiscais apenas no momento em que foram colocados à disposição do sócio gerente a título de adiantamentos por conta dos lucros.

 

 A Requerente alega que as datas a considerar, para efeito de tributação, são aquelas em que se efetivaram os lançamentos nas contas do sócio-gerente, nos anos de 2011, 2012 e 2013, no caso da conta 211110332, e de 2013 e 2014, no caso da conta 278213012, e que os contratos de mútuo sucessivamente celebrados entre a Requerente e o sócio gerente, no período de 2011 a 2014, não poderiam afastar a presunção do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, por se encontrarem inquinados de deficiências formais que põem em causa a sua validade, tendo por isso ocorrido a caducidade do direito à liquidação.

 

A Autoridade Tributária contrapõe que a tributação dos lucros na esfera jurídica do sócio ocorre no momento da colocação à disposição dos rendimentos, o que ocorreu em 30 de dezembro de 2018, por efeito dos lançamentos contabilísticos a favor do sócio-gerente, que fizeram extinguir, em parte, os mútuos celebrados entre as partes e implicaram uma efetiva distribuição de lucros.

 

Como resulta da matéria de facto dada como assente, entre de 2011 a 2017, foram celebrados contratos de mútuo, no valor total de € 1.550.000,00, entre a sociedade C.., Unipessoal e A..., único sócio e gerente (alínea D) da matéria de facto), e, em 30 de dezembro de 2018, foram registados, na conta 211110332, um lançamento a crédito do € 415.377,65, que anulou o saldo existente, e, na conta 278213012, um lançamento a crédito no valor de € 525.778,66, que reduziu o saldo a € 452.163,78 (alíneas B) e C) da matéria de facto).

 

A sociedade C..., Unipessoal, em Assembleia Geral de 31 de março de 2010, decidiu autorizar o sócio a realizar levantamentos, a título de adiantamento por conta de lucros, até ao montante de € 600.000,00 (ata n.º 10), e em 15 de maio de 2019, foi decidida a distribuição de lucros no valor de € 941.156,31, que corresponderia aos adiantamentos já realizados até 31 de dezembro de 2014, que constam da conta 211110332, no valor de € 415.377,65, e na conta 278213012, no valor de € 525.778,66 (alínea I) da matéria de facto).

 

O artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS dispõe o seguinte:

 

  1. Estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28 %:
  1. Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;

 

Por seu turno, sob a epígrafe “Presunções relativas a rendimentos da categoria E”, o artigo 6.º-A do CIRS prevê que “os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros”.

 

Por efeito dessa regra de direito probatório material, cabe à Administração Tributária a prova da base da presunção, isto é, a prova da existência dos lançamentos, ao passo que ao sujeito passivo cabe a prova dos factos que ilidem a presunção, e, portanto, a demonstração de que os lançamentos resultam de mútuos, de prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais.

 

No caso, a Administração efetuou a prova cabal de que os valores contabilizados nas como débito na conta 211110332 (€ 415.377,65) e na conta 278213012 (€ 525.778,66), pertencentes ao sócio-gerente, foram abatidos através dos movimentos contabilísticos a crédito realizados em 30 de dezembro de 2018. Por outro lado, a Requerente não põe em causa essa realidade, limitando-se a afirmar que a deslocação de capital ocorreu em 2011, 2012 e 2013, no caso da conta 211110332, e em 2013 e 2014, no caso da conta 278213012, quando foram efetuados os lançamentos a coberto dos contratos de mútuo.

 

O certo é que nos extratos das contas encontram-se inscritos a débito os montantes que foram sendo mutuados, com um acumulado de € 415.377,65, na conta 211110332, e de € 977.942,45, na conta 278213012, e só em 30 de dezembro de 2018 é que são contabilizados os créditos nos montantes de € 415.377,65, que anulou o saldo da conta 211110332, e de € 525.778,66, que reduziu o saldo da conta 278213012.

 

Por outro lado, esses movimentos de crédito surgem justificados na ata n.º 20 da Assembleia Geral, onde se refere a necessidade de regularizar os levantamentos efetuados até finais de 2018 através de uma decisão definitiva de distribuição de lucros, que deveria corresponder aos levantamentos realizados até 31 de dezembro de 2014, no montante global de € 941.156,31.

 

 É, pois, a própria Requerente que reconhece, através dos documentos que juntou aos autos, que a efetiva distribuição de lucros ocorreu em 30 de dezembro de 2018, mediante os movimentos contabilísticos de crédito a favor do sócio-gerente.

 

A Requerente alega, no entanto, que os contratos de mútuo não podem ser considerados por vícios de forma que afetam a sua validade, e, designadamente, por não terem sido celebrados por escritura pública, que, nos termos do disposto no artigo 1143.º do Código Civil, era exigível para os contratos de mútuo de valor superior a € 25.000,00.

 

Não pode deixar de reconhecer-se, em tese geral, que os negócios jurídicos celebrados contra disposição de carácter expresso são nulos (artigo 294.º do Código Civil) e a declaração de nulidade, sendo invocável a todo o tempo por qualquer interessado (artigo 286.º), tem efeito retroativo e obriga, quando seja declarada, à restituição das prestações efetuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado (artigo 289.º).

 

No entanto, não há prova de ter sido declarada a nulidade dos contratos de mútuo por vícios de forma, com a consequente restituição de tudo o que tiver sido prestado, e, como refere, entre outros, o acórdão proferido no Processo n.º 116/2019-T, a eventual invalidade dos contratos de mútuo não implica que as prestações que tenham sido realizadas a esse título passem a ser consideradas como adiantamento por conta dos lucros.

 

Com efeito, a presunção que resulta do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS aplica-se aos lançamentos em contas correntes dos sócios quando não resultem de contratos de mútuo, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Ora, no caso, verifica-se que os lançamentos a débito nas contas correntes do sócio foram efetuados a coberto de contratos de mútuo, contratos esses que não foram declarados nulos, e, ainda que o tenham sido, os efeitos da declaração de nulidade seria a restituição das prestações resultantes dos contratos de mútuo, e não a conversão das prestações em adiantamentos por conta dos lucros.

 

A eventual invalidade dos contratos de mútuo não implica, por conseguinte, que os contratos não tenham existido e que os lançamentos contabilísticos não tenham sido realizados com base nesses contratos.

 

Na verdade, os lançamentos a débito nas contas correntes do sócio apenas se justificam, na prática, por efeito dos contratos de mútuo e mantiveram-se registados na contabilidade da Requerente como débitos, que apenas se extinguiram, em parte, por via dos movimentos contabilísticos a favor do sócio que vieram a ser realizados em 30 de dezembro de 2018.

 

Sendo a liquidação datada de 19 de novembro de 2021 com base em rendimentos de capitais disponibilizados em 30 de dezembro de 2018, e tendo em conta o disposto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, não se verifica a caducidade do direito liquidação.

 

O pedido arbitral mostra-se, por conseguinte, ser improcedente.

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica os atos de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2021... e de liquidação de juros compensatórios nº 2021..., referentes ao ano de 2018.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 292.894,02, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, que fica a cargo da Requerente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 11 de novembro de 2022

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha (relator)

 

O Árbitro vogal

 

 

Carlos Baptista Branco

 

A Árbitro vogal

 

 

Ana Teixeira de Sousa