Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 82/2014-T
Data da decisão: 2014-06-16  Selo  
Valor do pedido: € 29.282,70
Tema: Imposto do Selo – Terrenos para construção; Lei n.º 55-A/2012
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º 82/2014 – T

Tema: Imposto do Selo – Terrenos para construção – Lei n.º 55-A/2012

 

 

 

A)    Relatório:

 

1.    A, S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede … (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, no dia 3 de Fevereiro de 2014, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

2.    A Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare a anulação, por ilegalidade, das liquidações de Imposto do Selo com os números …, …, …, … e …, no valor total de € 29.282,70 (vinte e nove mil, duzentos e oitenta e dois euros e setenta cêntimos), relativas aos prédios inscritos sob os artigos urbanos …, …, …, … e … respectivamente, da freguesia e concelho de … e emitidas pelo Serviço de Finanças, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012.

 

3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi validado e aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 04 de Fevereiro de 2014.

 

4.    A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, a signatária foi designada como árbitra pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

5.    O presente Tribunal Arbitral foi constituído em 04 de Abril de 2014, conforme despacho do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD proferido nessa mesma data.

 

6.    Em 19 de Maio de 2014, a Requerida apresentou a sua Resposta.

 

7.    Não havendo lugar à produção de prova testemunhal, as partes dispensaram, de comum acordo, a realização da primeira reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.

 

8.    A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

 

8.1.   As liquidações em causa têm por objecto a tributação dos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos … , … , … , … e … , respectivamente, da freguesia e concelho de …, todos eles correspondentes a terrenos para construção.

 

8.2.   A Lei n.º 55-A/2012 alargou o âmbito da incidência do Imposto do Selo à nova situação jurídica que resulta da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, a qual sujeita a este imposto a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 (um milhão de euros), sendo os prédios com afectação habitacional sujeitos à taxa de 1%.

 

8.3.   A referida Lei n.º 55-A/2012 previu também as disposições transitórias incluídas no respectivo artigo 6.º, nos termos das quais se determinaram as regras de liquidação do Imposto do Selo relativo à verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, por referência ao ano de 2012, aí se estipulando que o facto tributário se verificou no dia 31 de Outubro de 2012, que o valor patrimonial tributário que constituía a base tributável deveria ser aquele que resultasse das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativamente ao ano de 2011 e, no que ora releva, que as taxas aplicáveis seriam 0,5% para os prédios reavaliados ao abrigo do Código do IMI e 0,8% para os prédios ainda não reavaliados.

 

8.4.   O referido diploma introduziu, ainda, o artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual deverão aplicar-se as disposições do Código do IMI, em tudo quanto não esteja regulado no Código do Imposto do Selo, relativamente à aplicação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

8.5.   Nem a Lei n.º 55-A/2012, nem o Código do Imposto do Selo comportam qualquer definição de “prédio urbano com afectação habitacional”, pelo que, atenta a remissão prevista no artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo, tal definição deverá ser alcançada através do Código do IMI, atentos os mecanismos de interpretação da lei.

 

8.6.   O artigo 4.º do CIMI define “prédios urbanos” como sendo todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos.

 

8.7.   Do Código do IMI, resulta que os prédios urbanos se dividem em (i) habitacionais, (ii) comerciais, industriais ou para serviços, (iii) terrenos para construção, e (iv) outros. 

 

8.8.   Da definição de “prédios habitacionais” prevista no Código do IMI resulta que estes são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins, enquanto a definição legal de “terrenos para construção” faz corresponder este conceito aos terrenos situados dentro ou fora do aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território esteja afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

 

8.9.   De onde resulta que o Código do IMI não prevê, também, uma definição de “prédios urbanos com afectação habitacional”, sendo necessário recorrer à interpretação literal da norma de incidência em causa.

 

8.10.    Assim, entende a Requerente que a expressão “afectação habitacional” implica que o legislador apenas quis incluir na norma de incidência os prédios urbanos com efectiva utilização habitacional, ou porque estão para tal licenciados ou porque têm esse destino normal.

 

8.11.    Sustentando, assim, a Requerente que o legislador não pretendeu abranger na expressão “afectação habitacional” a expectativa ou potencialidade de um prédio urbano poder vir a ter essa mesma “afectação habitacional”.

 

8.12.    Concluindo que, não estando os terrenos para construção edificados, não satisfazem qualquer condição para que possam qualificar como prédios com afectação habitacional, na medida em que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação e, por outro, não são habitáveis (porque não estão edificados).

 

8.13.    Assim, entende a Requerente que apenas quando a “afectação habitacional” se concretizar, e nunca antes da edificação, é que poderá considerar-se que o prédio urbano se enquadra na norma de incidência em causa.

 

8.14.    Pelo que a Requerente sustenta que deve considerar-se que a utilização da expressão “prédio urbano com afectação habitacional”, prevista na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo reconduz-se ao conceito de prédio urbano habitacional, previsto no artigo 6.º, nº 1, alínea a) do Código do IMI, não abrangendo, por isso, os terrenos para construção, o que fere de ilegalidade as liquidações em causa.

 

8.15.    Sustenta, ainda, a Requerente, que, para além da interpretação que defende resultar literalmente da norma em causa, também de acordo com o elemento histórico decorrente da Proposta de lei (n.º 96/XII-2.ª), é evidente que está em causa uma “taxa de luxo” sobre o património imobiliário de luxo e não sobre os terrenos para construção.

 

8.16.    Em suma, a Requerente pretende que os actos de liquidação em causa sejam anulados, por ilegalidade decorrente de erro na interpretação da verba 28 da Tabela Geral de Imposto do Selo.

 

9.    A Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, impugnando, desde logo, todos os argumentos aduzidos pela Requerente e alegando, em síntese, que:

 

9.1.   Os prédios em causa têm a natureza jurídica de prédios com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação devem ser mantidos por consubstanciarem uma correcta interpretação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012. 

 

9.2.   Sustenta a Requerida que, na ausência de qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional em sede de Imposto do Selo, há que recorrer subsidiariamente ao Código do IMI, conforme decorre do artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo.

 

9.3.   A Requerida alega que a noção de afectação de prédio urbano está assente na parte relativa à avaliação dos imóveis, porquanto a avaliação do imóvel (finalidade) incorpora valor ao imóvel, constituindo um facto de distinção determinante (coeficiente) para efeitos de avaliação.

 

9.4.   Sustenta a Requerida que o legislador optou por aplicar a metodologia de avaliação dos prédios em geral à avaliação dos terrenos para construção, sendo-lhes aplicável o coeficiente de afectação previsto no artigo 41.º do Código do IMI, conforme jurisprudência que refere.

 

9.5.   Defende a Requerida a seguinte ordem de raciocínio: (i) na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, conforme decorre do artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária; (ii) o artigo 67.º do Código do Imposto do Selo manda aplicar subsidiariamente o Código do IMI; (iii) a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) constitui um coeficiente tido em conta na respectiva avaliação e consequente determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção; (iv) a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo refere-se ao conceito de “prédios com afectação habitacional”, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies de prédios previstas no artigo 6.º do Código do IMI.

 

9.6.   Pelo que a Requerida conclui que o conceito de “prédio com afectação habitacional” previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo refere-se quer aos prédios edificados quer aos terrenos para construção, atento o elemento literal.

 

9.7.   Sustenta a Requerida que a mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar o valor do imóvel em causa, pelo que o artigo 45.º do Código do IMI manda separar as duas partes do terreno (isto é, a parte onde vai ser implantado o edifício a construir, e a área de terreno livre), sendo o valor do terreno adjacente à área de implantação apurado nos mesmos termos em que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente.

 

9.8.   A Requerida refere, ainda, que o regime jurídico da urbanização e edificação tem como pressuposto as edificações já construídas, devendo determinados elementos constar obrigatoriamente do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas, assim como do alvará de operações de loteamento ou obras de urbanização, e para as obras de construção, e, bem assim, dos Planos Directores Municipais, pelo que, muito antes de efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção. 

 

9.9.   Apesar de a Requerente não ter alegado a inconstitucionalidade da norma de incidência em causa, a Requerida vem contrapor tal argumento – que, no caso concreto, não foi invocado -, defendendo que a Constituição da República Portuguesa não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.

 

9.10.    Acrescentando, ainda, a Requerida - embora sem contextualizar este argumento, na medida em que estão em causa terrenos para construção e não prédios edificados - que a diferente valoração e tributação de um imóvel em propriedade total face a um imóvel constituído em propriedade horizontal decorre dos diferentes efeitos jurídicos inerentes a estas duas figuras. 

 

9.11.    Pelo exposto, conclui a Requerida que a liquidação em causa consubstancia uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos, não violando a lei nem a Constituição da República Portuguesa – apesar de a Requerente nunca ter invocado a inconstitucionalidade das normas em causa -, devendo julgar-se improcedente a pretensão do Requerente e absolver-se a Requerida do pedido.

 

 

B) Saneador

 

10.  O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

11.  As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

12.  Não se verificam nulidades, nem questões prévias, que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

13.  As partes dispensaram, de comum acordo, a realização da reunião arbitral prevista no artigo 18º, do RJAT.

 

C) Objecto da pronúncia arbitral

 

14.  Vem colocada ao Tribunal a seguinte questão, nos termos atrás descritos:

 

(i)                 Deverão ser anuladas, por ilegais, as liquidações de Imposto de Selo efectuadas ao abrigo do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, com os números … , … , … , … e … , no valor total de € 29.282,70, relativas aos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos sob os artigos … , … , … , … e … , respectivamente, todos da freguesia e concelho de Valongo?

 

D) Matéria de facto (Factos provados)

 

15.  Consideram-se como provados os seguintes factos, com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos:

 

15.1.    A Requerente é a sociedade A, S.A., com o número de identificação fiscal … e com sede … .

 

15.2.    Nos termos das respectivas cadernetas prediais, a sociedade A, S.A. é a legítima proprietária dos prédios urbanos inscritos sob os artigos …, …, …, … e …, respectivamente, todos sitos na freguesia e concelho de … (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo) e todos eles classificados como “terrenos para construção”.

 

15.3.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo número … , emitida pelo Serviço de Finanças … , relativa à aplicação da regra de incidência prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, sobre o prédio urbano inscrito na matriz com o número … , com o valor patrimonial tributário de € 1.171.780,00, no valor de € 5.858,90, com data-limite de pagamento fixada em 20 de Dezembro de 2012 (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo). 

 

15.4.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo número … , emitida pelo Serviço de Finanças da …, relativa à aplicação da regra de incidência prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, sobre o prédio urbano inscrito na matriz com o número 7415, com o valor patrimonial tributário de € 1.171.190,00, no valor de € 5.855,95, com data-limite de pagamento fixada em 20 de Dezembro de 2012 (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo). 

 

15.5.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo número …, emitida pelo Serviço de Finanças da …, relativa à aplicação da regra de incidência prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, sobre o prédio urbano inscrito na matriz com o número 7416, com o valor patrimonial tributário de € 1.171.190,00, no valor de € 5.855,95, com data-limite de pagamento fixada em 20 de Dezembro de 2012 (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo). 

 

15.6.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo número …, emitida pelo Serviço de Finanças, relativa à aplicação da regra de incidência prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, sobre o prédio urbano inscrito na matriz com o número 7417, com o valor patrimonial tributário de € 1.171.190,00, no valor de € 5.855,95, com data-limite de pagamento fixada em 20 de Dezembro de 2012 (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo). 

15.7.    A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto do Selo número …, emitida pelo Serviço de Finanças…, relativa à aplicação da regra de incidência prevista no artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, sobre o prédio urbano inscrito na matriz com o número …, com o valor patrimonial tributário de € 1.171.190,00, no valor de € 5.855,95, com data-limite de pagamento fixada em 20 de Dezembro de 2012 (cfr. documentação junta em anexo ao pedido de pronúncia arbitral e ao processo administrativo). 

 

15.8.    Tiveram início, em 02 de Janeiro de 2013, os procedimentos de reclamação graciosa a que foram atribuídos os números …, …, …, … e …, na sequência da apresentação de reclamações graciosas, pela Requerente, contra os actos de liquidação de Imposto do Selo número … (relativo ao prédio urbano inscrito na matriz com o número …), número … (relativo ao prédio urbano inscrito na matriz com o número …), número … (relativo ao prédio urbano inscrito na matriz com o número …), número … (relativo ao prédio urbano inscrito na matriz com o número …) e número … (relativo ao prédio urbano inscrito na matriz com o número …) (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

15.9.    Do Aditamento n.º 30/2010 que resultou na alteração do Alvará de Loteamento n.º …, emitido pela Câmara Municipal de …, resulta que os prédios urbanos em causa são terrenos para construção com parte afecta a habitação e parte afecta a comércio e serviços (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

15.10.    A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em causa foi feita tendo em conta a referida afectação (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

15.11.    Em 30 de Agosto de 2013, foram proferidos despachos do Chefe do Serviço de Finanças de … , para notificação da Requerente quanto aos projectos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra os actos de liquidação de Imposto do Selo números …, …, …, … e …, relativos aos prédios urbanos inscritos na matriz com os números …, …, …, … e …, respectivamente (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

15.12.    Em 12 de Setembro de 2013, foi a Requerente notificada dos Ofícios n.º 4960, n.º 4961, n.º 4962, n.º 4963 e n.º 4964, todos de 03 de Setembro de 2013, para exercício do direito de audição prévia quanto aos referidos projectos de decisões de indeferimento, no prazo de 15 dias (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

15.13.                       A Requerente foi notificada, em 04 de Novembro de 2013, das decisões expressas de indeferimento das reclamações graciosas apresentadas contra os actos de liquidação de Imposto do Selo números …, …, …, … e … relativos aos prédios urbanos inscritos na matriz com os números …, …, …, … e … (cfr. documentação junta em anexo ao processo administrativo).

 

16.  Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e não há factos não provados com interesse para a decisão da causa.

 

E) Do Direito

 

17.  A questão subjacente ao presente pedido de pronúncia arbitral prende-se com a correcta interpretação do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), i) da Lei n.º 55-A/2012, na parte em que pretende aplicar a regra de incidência que este diploma introduziu na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos – isto é, previamente à entrada em vigor da nova redacção decorrente das alterações introduzidas através da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2014 -, por forma a saber se os terrenos para construção integram o conceito de “prédios com afectação habitacional” e, consequentemente, saber se estão, por isso, sujeitos a Imposto do Selo nos termos que decorrem daquela norma de incidência.

 

18.  A verba 28 foi aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, passando aí a dispor-se que integram o campo de incidência do imposto “28 — Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI: 28.1. - Por prédio com afectação habitacional - 1 %;”.

 

19.  Nos termos das disposições transitórias previstas na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, para aplicação da referida regra de incidência ainda no ano de 2012, estabeleceu-se que: (i) o facto tributário se considerou verificado em 31 de Outubro de 2012, (ii) a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria efectuar a liquidação do imposto devido até ao final do mês de Novembro desse ano, (iii) os sujeitos passivos deveriam efectuar o pagamento do imposto liquidado nesses termos até ao dia 29 de Dezembro de 2012 e, bem assim, (iv) a taxa aplicável nesse ano era de 0,5% para prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do CIMI e de 0,8% para prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do CIMI.

 

20.  A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro aditou, também, o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual estabeleceu que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

21.  Atento o enquadramento legislativo mencionado e estando em causa a interpretação do conceito de “prédio com afectação habitacional”, cabe indagar, antes de mais, sobre a existência de uma definição legal do referido conceito.

 

22.  Constatando que o legislador não definiu o conceito de “prédio com afectação habitacional” na própria Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, nem no Código do Imposto do Selo, nem na Tabela Geral do Imposto do Selo, há que procurar se a referida definição legal existe no Código do IMI, em virtude da remissão constante do n.º 2, do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo.

 

23.  O artigo 4.º do Código do IMI, sob a epígrafe “Prédios urbanos”, define-os como sendo “todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos”.

 

24.  Dispõe, ainda, o artigo 6.º, n.º 1, do Código do IMI que os prédios urbanos se dividem em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e, residualmente, outros.

 

25.  O legislador estabeleceu, no artigo 6.º, n.º 2, do Código do IMI, que os prédios urbanos habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

 

26.  No artigo 6.º, n.º 3 do Código do IMI, o legislador consagrou que os terrenos para construção são “os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”.

 

27.  Atento o exposto, o Código do IMI também não contém uma definição expressa do que sejam “prédios com afectação habitacional”.

 

28.  Decorre do artigo 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária que “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”

 

29.  Assim, e atendendo ao disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, quando refere que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, procedemos à análise dos elementos interpretativos possíveis. São eles: o elemento gramatical e o elemento lógico.

 

30.  Recorrendo, no caso concreto, ao elemento gramatical, verificamos que o legislador utilizou a expressão “prédios com afectação habitacional”, parecendo, assim, indicar que estão em causa os prédios habitacionais, tal como são definidos no artigo 6.º, n.º 2 do CIMI, ou seja, aqueles que são como tal licenciados ou que estão destinados a esse fim, porque apenas estes poderão ter uma verdadeira “afectação habitacional”.

 

31.  No que respeita ao elemento lógico, o mesmo integra, em si mesmo, três categorias distintas de aspectos ou “sub-elementos” a considerar: o aspecto ou elemento racional, o sistemático e, por último, o histórico, relevando, quanto aos três aspectos, a ratio legis subjacente à introdução da norma em causa no nosso ordenamento jurídico.

 

32.  Acresce que, na “Exposição de Motivos” constante da Proposta de Lei n.º 96/XII/2ª, que esteve subjacente à aprovação da Lei n.º 55-A/2012 que aditou a verba 28 à TGIS, o legislador refere apenas que “é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros”.

 

33.  Também do Parecer da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública sobre a referida Proposta de Lei[1] não consta qualquer esclarecimento expresso sobre o referido conceito de “prédio com afectação habitacional”, embora, nas discussões públicas que tiveram lugar na Assembleia da República, tenham sido efectuadas algumas referências à tributação das ditas “casas de luxo”, o que nos poderá ajudar no esclarecimento do verdadeiro significado que o legislador pretendeu atribuir ao conceito de “prédios com afectação habitacional” previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

34.  Assim, não podemos deixar de considerar que os indícios existentes apontam para o facto de que, no aditamento da verba 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo, e, bem assim, na regra de incidência que resulta das disposições transitórias constantes do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, o legislador considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afectação habitacional, de valor igual ou superior a € 1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir tal tributação.

 

35.  A este respeito, também na decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 50/2013, de 29.10.2013, se refere que “Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012. A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as «casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fracção autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”.

 

36.  Não podemos, também, ignorar a alteração legislativa introduzida com a Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2014, e que nos parece constituir um argumento a favor do entendimento segundo o qual o conceito de “prédio com afectação habitacional” não integrava, na redacção anterior a esta alteração e que é a que aqui está em causa, os terrenos para construção.

 

37.  Atento o exposto, não podemos deixar de perfilhar o entendimento segundo o qual o conceito de “prédio de afectação habitacional”, constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos, implica uma efectiva afectação de um prédio urbano a esse fim, estando subjacente à criação daquele conceito a correspondência com o conceito de “prédio urbano habitacional”.

 

38.  Também na decisão arbitral n.º 144/2013 foi considerado que “um terreno para construção pela sua própria natureza não pode estar associado à afectação habitacional conforme é referido na verba 28.1 da TGIS”.

 

39.  Com efeito, considera-se que o conceito de “terreno para construção” não cabe na previsão da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na redacção anterior à actual, conforme tem sido perfilhado por este Tribunal, veja-se as Decisões arbitrais proferidas: 42/2013, 48/2013, 49/2013, 53/2013, 75/2013 e 158/2013.

 

40.  Este é, também, o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão proferido em 23 de Abril de 2014, no âmbito do processo n.º 272/14, nos termos do qual se decidiu que “Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional”, na medida em que “atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno”.

 

41.  Concluímos, pois, que o conceito de “prédio com afectação habitacional”, previsto na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, corresponde ao conceito de “prédio urbano habitacional”, previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código do IMI e, também, na primeira parte da actual redacção da verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

42.  Pelo que, estando em causa, no presente pedido de decisão arbitral terrenos para construção de que é proprietária a Requerente, os mesmos não integram o âmbito da norma de incidência constante da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo e da Lei n.º 55-A/2012, na redacção em vigor à data da ocorrência dos factos, o que fere de ilegalidade os actos de liquidação de Imposto do Selo, e, bem assim, as decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas apresentadas pela Requerente, tornando, assim, procedente o pedido da Requerente.

 

F) Decisão:

 

43.  Termos em que se decide julgar procedente o pedido da Requerente, anulando as liquidações de imposto impugnadas, com as devidas consequências legais.

 

*

 

44.  Fixa-se o valor da acção em € 29.282,70 (vinte e nove mil, duzentos e oitenta e dois euros e setenta cêntimos), nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

45.  Fixa-se o valor da Taxa de Arbitragem em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, nos termos do disposto no artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

A redacção do acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

Lisboa, 16 de Junho de 2014

                       

A Árbitra

 

 

Mónica Respício Gonçalves

 



[1] Disponível em http://app.parlamento.pt/.