Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 117/2022-T
Data da decisão: 2022-11-07  IMI  
Valor do pedido: € 151.814,57
Tema: AIMI - Anulação oficiosa de avaliações de terrenos para construção. Interesse de anulação das liquidações pretéritas.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

  1. A contribuinte A... S.A., NIPC..., doravante “a Requerente”, apresentou, no dia 25 de Fevereiro de 2022, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 66- B/2012, de 31 de Dezembro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
  2. A Requerente pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do actos tributários de liquidação de AIMI n.os 2017..., 2018..., 2019... e 2020..., referidos respectivamente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante global de € 151.814,57, e sobre a ilegalidade do indeferimento tácito presumido do Pedido de Revisão Oficiosa que, em 29 de Setembro de 2021, apresentou contra aqueles actos de liquidação.
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.
  4. Usando da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, a AT, por Despacho de 25 de Março de 2022, anulou oficiosamente, nos termos dos arts. 165º, 2 e 168º, 1 do CPA, as avaliações que tinham servido de base às liquidações impugnadas pela Requerente, “por terem sido considerados coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na determinação dos valores patrimoniais dos respetivos terrenos”.
  5. Solicitada, por Despacho de 6 de Abril de 2022 do Presidente do CAAD, a pronunciar-se sobre o não-prosseguimento do procedimento, ainda nos termos e para efeitos do art. 13º, 2 do RJAT, a Requerente, por requerimento de 11 de Maio de 2022, manifestou o seu interesse no prosseguimento.
  6. O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.
  7. As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.
  8. O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 11 de Maio de 2022; foi-o regularmente, e é materialmente competente.
  9. Por Despacho de 11 de Maio de 2022, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.
  10. A AT apresentou a sua Resposta em 8 de Junho de 2022.
  11. Por Despacho de 9 de Junho de 2022, dispensou-se a reunião prevista no art. 18º do RJAT e as partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, indicando-se o dia 11 de Novembro de 2022 como data-limite para a prolação e comunicação da decisão arbitral.
  12. A Requerente e a Requerida prescindiram expressamente de apresentar alegações.
  13. As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.
  14. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.
  15. O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. A Requerente foi notificada da liquidação de AIMI n.os 2017..., 2018..., 2019... e 2020..., referidos respectivamente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, com os montantes de €2.721.059,82, €2.337.936,74, €1.783.847,12 e €1.188.620,98 (um montante total de €8.031.464,66 para os quatro anos).
  3. A Requerente pagou o AIMI liquidado.
  4. Em 29 de Setembro de 2021 a Requerente apresentou, ao abrigo do art. 78º da LGT, um Pedido de Revisão Oficiosa contra as supra-citadas liquidações, alegando que, tendo-se a própria AT apercebido da errónea aplicação de coeficientes no cálculo do VPT de terrenos para construção, ela deveria reconhecer que tinha liquidado AIMI em montante superior ao legalmente devido, num total de €151.814,57 – um excesso com repercussão em todas as futuras colectas.
  5. Presume-se tacitamente indeferido esse Pedido de Revisão Oficiosa, nos termos do art. 57º, 1 da LGT.
  6. Em 25 de Fevereiro de 2022, a Requerente apresentou no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.
  7. Usando da faculdade prevista no art. 13º do RJAT, a AT, por Despacho de 25 de Março de 2022, anulou oficiosamente, nos termos dos arts. 165º, 2 e 168º, 1 do CPA, as avaliações que tinham servido de base às liquidações impugnadas pela Requerente.

 

II. B. Matéria não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, nada ficou por provar.

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

  1. Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo.
  2. Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).
  3. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  4. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).
  5. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição da Requerente

 

  1. A Requerente começa por sublinhar que, relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice, se afigura claro que, se se expurgar os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de AIMI destas liquidações, resultam diferentes valores patrimoniais tributários, de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos do cálculo deste Adicional – e que essa redução significativa dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção repercute na futura colecta de AIMI que incida sobre eles.
  2. E, além disso, que o cálculo em que assentaram as liquidações de AIMI resultou de erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma colecta ilegal de tributo.
  3. Com efeito, o método de avaliação para “terrenos para construção”, como eles são definidos no art. 6º, 1, c) e 3 do CIMI, está regulamentado no art. 45º do CIMI; e, antes da alteração desse art. 45º pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro (Lei do OE para 2021), era bem claro que coeficientes previstos nos arts. 41º, 42º, 43º e 44º do CIMI não faziam parte da fórmula consagrada pelo art. 45º do mesmo CIMI – com a única excepção do coeficiente de localização previsto no art. 42º, 3, esse explicitamente incorporado naquela fórmula.
  4. Por isso, uma consideração autónoma do coeficiente de localização, como a que foi feita, durante bastante tempo, pela AT, por aplicação da fórmula prevista no art. 38º, 1 do CIMI, resultaria numa dupla consideração do mesmo coeficiente, uma distorção do próprio critério legal.
  5. E, lembra-o a Requerente, uma jurisprudência constante e reiterada do STA foi decisiva a denunciar e a eliminar uma tal duplicação de coeficientes na fixação do VPT dos terrenos para construção – uma duplicação tanto mais insustentável quanto é certo que muitos coeficientes pressupõem uma utilidade efectiva, da qual os terrenos para construção representam mero potencial – além de que até esse raciocínio é vedado pela proibição de analogia e pelo princípio da legalidade, nos termos dos arts. 11º, 4 da LGT e do art. 103º, 2 da Constituição.
  6. A Requerente enfatiza que a própria AT reconheceu já o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto.
  7. E que foi isso precisamente que sucedeu com as liquidações de AIMI em crise no presente processo.
  8. Daí infere a Requerente a necessidade de anulação (parcial) dos actos tributários de liquidação de AIMI em resultado da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”, já que será o VPT viciado por esse erro a servir de base para a liquidação de AIMI, como resulta do art. 135º-G do CIMI.
  9. Tal liquidação de AIMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado directo de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um VPT superior àquele que deveria ter sido verificado – o que remete, aliás, para um dever de revisão oficiosa estabelecido no art. 115º, 1, c) do CIMI, além da ampla admissibilidade de pedidos de revisão formulados nos termos do art. 78º da LGT, já que de cada VPT ilegal resultam sucessivas liquidações igualmente ilegais – remetendo, neste ponto, para o emblemático Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS.
  10. No caso vertente, a Requerente calcula que foram liquidados em excesso, em sede de AIMI, € 58.906,20 no ano de 2017, € 32.401,92 no ano de 2018, € 46.529,62 no ano de 2019 e € 13.976,83 no ano de 2020, num total de € 151.814,57, quantia cuja devolução a Requerente reclama.
  11. Adicionalmente, a Requerente sustenta que a inclusão dos coeficientes previstos no art. 38º do CIMI na determinação do VPT de terrenos para construção viola o princípio da legalidade tributária, conforme consagrado nos arts. 165º, 1, i) e 103º, 2 da Constituição.
  12. Seria, portanto, inconstitucional a norma pretensamente extraída do art. 45º do CIMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no art. 38º do mesmo Código terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.
  13. Consequentemente, a Requerente requer, ainda que apenas a título subsidiário, que seja desaplicada a norma pretensamente resultante da leitura do art. 45º conjugado com o art. 38º do CIMI, na redacção em vigor à data dos factos, por inconstitucionalidade da norma, nessa “leitura”.
  14. A Requerente termina reclamando, para lá do reembolso do AIMI pago em excesso, o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo dos arts. 24º, 1, b) e 5 do RJAT, 43º e 100º da LGT.

 

III. B. Posição da Requerida

 

  1. Na sua resposta, a Requerida reconhece que a jurisprudência tem entendido que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, na redacção do art. 45.º do CIMI anterior a 1 de Janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afectação e do coeficiente de localização, relevando a regra específica constante do art. 45º do CIMI e não outra, não podendo ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do art. 38º do CIMI; pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do acto de fixação de valores patrimoniais.
  2. A Requerida interpreta o interesse declarado da Requerente em prosseguir no processo arbitral após a anulação dos actos de avaliação pela AT, como correspondendo ao objectivo de anulação, já não dos actos de liquidação, mas sim dos próprios actos de fixação do VPT, e da fórmula de cálculo em que eles assentaram.
  3. Sustenta a Requerida que esses actos de fixação de VPT podem ser anulados nos termos do art. 79º da LGT e do art. 168º do CPA, este aplicável ex vi art. 2º, b) da LGT. Mas que está precludida tal possibilidade porque os actos de fixação do VPT tiveram lugar há mais de 5 anos, ultrapassando, portanto, o prazo estabelecido no art. 168º, 1 do CPA.
  4. Quanto ao argumento da inconstitucionalidade, a Requerida lê-o como uma tentativa, da parte da Requerente, para atacar o regime da consolidação dos actos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada – uma tentativa de contornar a inimpugnabilidade de actos consolidados, atentando, por essa via, contra princípios de segurança e de protecção da confiança.
  5. Longe de reconhecer uma situação de violação do princípio da igualdade tributária no caso, sobretudo depois de anuladas as liquidações erróneas e alinhado o entendimento da AT com o da jurisprudência do STA, a Requerida sustenta que, pelo contrário, a igualdade tributária ficaria em crise se se permitisse que alguns ficassem, com alegações de inconstitucionalidade, isentos das consequências processuais de preclusão do direito impugnatório.
  6. A Requerida não vê que tal pretensão da Requerente esteja estribada na lei, o que colide com a proibição contida no final do art. 2º, 2 do RJAT, que impede os tribunais arbitrais de decidirem segundo a equidade.
  7. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida rejeita-o, alegando que não houve erro imputável aos serviços, na medida em que a AT se ateve ao estrito cumprimento da lei, de acordo com o princípio da legalidade a que está vinculada, não tendo podido, por isso, agir de forma diferente daquela como agiu (art. 266º da Constituição, art. 55º da LGT e art. 3º do CPA). E lembra que, a prevalecer o entendimento contrário, rege o art. 43º, 3, c), que interpõe um prazo de um ano em casos de revisão do acto tributário.

 

III. C. Fundamentação da decisão

 

  1. A anulação, por Despacho de 25 de Março de 2022, das avaliações que tinham servido de base às liquidações impugnadas pela Requerente veio criar uma situação peculiar: essa anulação deveria determinar a devolução da totalidade dos €8.031.464,66 pagos pela Requerente, a título de AIMI, relativamente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020.
  2. Mas o que a Requerente peticiona é somente a anulação parcial das liquidações, com a devolução do imposto pago em excesso, no montante de €151.814,57, acrescido de juros indemnizatórios.
  3. Compreende-se o interesse da Requerente em prosseguir na petição de restituição desse excesso, mais juros, sem ter de esperar por novas avaliações e novas liquidações assentes nas novas avaliações que venham a suceder às avaliações ora anuladas.
  4. Compreende-se também o interesse da Requerente em não abrir mão do seu direito de obter uma pronúncia jurisdicional nesse sentido, que regule a questão com efeito de caso julgado material, assente no princípio da tutela jurisdicional efectiva: uma pronúncia jurisdicional que evite um eventual contencioso em caso de incumprimento dos deveres reconstitutivos por parte da AT, nomeadamente a necessidade de uma acção indemnizatória autónoma, que derivaria de falta de cumprimento pontual dos referidos deveres, nomeadamente a violação do disposto no nº 1 do art. 100º da LGT, ou a não observância do prazo estabelecido no nº 2 desse mesmo art. 100º da LGT, conjugado com o dever de revisão oficiosa estabelecido no art. 115º, 1, c) do CIMI..
  5. E compreende-se ainda o interesse da Requerente em prosseguir, visto que, à anulação das avaliações, não há notícia que se tenham seguido já novas avaliações expurgadas do erro no VPT dos terrenos para construção, ou tenha havido restituição do imposto – seja da totalidade do imposto em resultado directo da anulação, seja do excesso pago em resultado indirecto dessa anulação, por invalidação parcial automática das liquidações assentes no VPT anulado, tudo acrescido de juros. Por outras palavras, a AT não satisfez ainda por inteiro, e de modo voluntário, as pretensões que a Requerente formulou nos presentes autos.
  6. Lembremos que a anulação administrativa de avaliações é somente o primeiro passo para a substituição de liquidações, visto que a anulação das avaliações não equivale a uma anulação oficiosa das liquidações, e concomitante reembolso do imposto em excesso, pago em resultado de liquidações anuladas – pelo que a simples comunicação da anulação de avaliações não produz qualquer efeito jurídico automático nas liquidações pretéritas, e apenas o produz nas liquidações de IMI e AIMI futuras, razão pela qual aquela comunicação não faz perder o interesse do contribuinte na impugnação que tome por objecto essas liquidações pretéritas.
  7. E esse interesse é inteiramente legítimo e atendível, como no-lo ensina Jorge Lopes de Sousa: “se for praticado um ato revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo ato revogado, afigura-se que o processo poderá prosseguir em relação a esses efeitos, se foi pedida a sua eliminação, como permite o artigo 65.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. (…) Numa situação deste tipo, estar-se-á perante uma eliminação apenas parcial do objeto do processo, que não deverá ser obstáculo ao seu prosseguimento para apreciação dos pedidos formulados que não foram satisfeitos pelo ato revogatório.” (apud Villa-Lobos, Nuno de & Tânia Carvalhais Pereira (orgs.) (2017), Guia da Arbitragem Tributária, 2.ª Ed., Coimbra, Almedina, 171-172.)
  8. Note-se, de resto, que a própria Requerida reconhece implicitamente a relevância do interesse da Requerente no processo, na medida em que nem ela mesma alega qualquer impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, que determinassem uma extinção da instância.
  9. Dado que as partes nem sequer divergem quanto ao fundamento que conduz, do lado da Requerente, ao pedido de anulação parcial das liquidações, e, do lado da Requerida, à anulação das avaliações em que assentaram aquelas liquidações, dispensamo-nos de entrar na análise do mérito dessa fundamentação, que é consensual, e está conforme com o entendimento consolidado nos tribunais superiores quanto à questão da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” até final de 2020.
  10. Bastará, assim, reconhecer que é procedente o pedido da Requerente relativo à anulação parcial das liquidações, e que a procedência se fundamenta precisamente nas mesmas razões que levaram a Requerida a anular administrativamente os actos de avaliação em que se basearam aquelas liquidações.
  11. Quanto à impossibilidade, alegada pela Requerida, de anulação administrativa de actos de avaliação, por ter decorrido o prazo de 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, importa notar que a presente acção arbitral não contém um pedido anulatório dirigido aos actos de fixação dos valores patrimoniais tributários dos imóveis - não estando, pois, em discussão a anulação dos actos de avaliação (tenham eles, ou não, mais de 5 anos), antes a invalidade (parcial) dos actos subsequentes, de liquidação de AIMI, que são actos tributários.
  12. O entendimento exposto não se altera pelo facto de as ilegalidades que constituem fundamento da anulação dos actos tributários terem origem nos actos de avaliação – já que, insista-se, os actos cuja anulação foi pedida neste processo são, tão-só, os actos de liquidação, e podem sê-lo com fundamento em qualquer ilegalidade (art. 99º do CPPT e arts. 2º e 29º, 1, a) do RJAT).
  13. Também não colhe o argumento da Requerida de que o princípio da igualdade resultaria violado por privilégio concedido aos contribuintes que em tempo não contestaram o VPT, face aos que o fizeram tempestivamente. Com efeito, a solução ora preconizada aplica-se a todos os contribuintes, sendo que aqueles que contestaram directamente os actos de fixação do VPT têm acesso à aplicação da mesma fórmula de cálculo da base de incidência do IMI e do AIMI.
  14. Face a tudo o que anteriormente se expôs, não tem cabimento a invocação, pela AT, do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade: os actos de liquidação de AIMI são impugnáveis por vícios imputáveis ao acto de fixação do valor patrimonial tributário, e este tribunal arbitral limitar-se-á a apreciar estritamente as questões de legalidade segundo o direito constituído.
  15. Também não tem cabimento, no âmbito de um processo jurisdicional, a invocação do princípio da subordinação da Administração à lei: esse é um princípio da actividade administrativa, como tal consagrado no art. 266º, 2, da Constituição e que se analisa em duas dimensões fundamentais, o princípio da prevalência da lei e o princípio da precedência de lei. O princípio da legalidade, assim entendido, corresponde a um princípio da juridicidade da Administração, significando que são as regras e os princípios da ordem jurídica que constituem fundamento e pressuposto da atividade administrativa. Deduzida uma impugnação judicial do acto administrativo, é à instância jurisdicional que cabe dizer o direito aplicável ao caso concreto, nada obstando a que possa anular o acto impugnado por errada interpretação do direito.
  16. A procedência do pedido principal da Requerente torna desnecessário o conhecimento do pedido subsidiário, relativo a um alegado vício de inconstitucionalidade (arts. 130º e 608º, 2 do CPC, art. 124º, 2, b) do CPPT, aplicáveis ex vi art. 29º do RJAT) – e até desaconselhável, sob pena de nulidade resultante de pronúncia ultra petitum (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. nº 4957/04.4TBCSC.L1-1, de 23/6/2009).
  17. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
  18. De harmonia com o disposto no art. 24º, b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no art. 100º da LGT, aplicável por força do disposto no art. 29º, 1, a) do RJAT.
  19. Ainda nos termos do art. 24º, 5 do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43º, 1 da LGT e 61º, 5 do CPPT, implicando, em princípio, o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
  20. Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há, assim, lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago, dado que a liquidação é imputável à AT, já que foi elaborada por sua iniciativa, e dado que o imposto foi efectivamente pago.
  21. No que se refere aos juros indemnizatórios, e em face do disposto no art. 43º, 3, c) da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa esses juros apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 6-07-2005, processo n.º 0560/05; de 02-11-2005, processo n.º 0562/05; de 17-05-2006, processo n.º 016/06; de 24-05-2006, processo n.º 01155/05; de 02-11-2006, processo n.º 0604/06; de 15-11-2006, processo n.º 028/06; de 10-01-2007, processo n.º 523/06; de 17-01-2007, processo n.º 01040/06; de 12-12-2006, processo n.º 0918/06; de 15-02-2007, processo n.º 01041/06; de 06-06-2007, processo n.º 0606/06; de 10-07-2013, processo n.º 390/13; de 18-01-2017, processo n.º 0890/16; de 10-5-2017, processo n.º 01159/14. Como se lê num acórdão do Pleno do STA proferido em 27 de Fevereiro de 2019 no processo n.o 22/18.5BALSB: “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.”)
  22. No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 29 de Setembro de 2021, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 30 de Setembro de 2022, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.
  23. Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT.

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Declarar ilegais e anular, parcialmente, as liquidações de AIMI n.os 2017..., 2018..., 2019 ... e 2020..., com as consequências legais;
  2. Declarar ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativamente àquelas liquidações, com as consequências legais;
  3. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 151.814,57 à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados, nos termos legais, desde 30 de Setembro de 2022;
  4. Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 151.814,57 (cento e cinquenta e um mil oitocentos e catorze euros e cinquenta e sete cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art.º 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 3.672,00 (três mil, seiscentos e setenta e dois euros) a cargo da Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 7 de Novembro de 2022

 

Os Árbitros

 

 

Fernando Araújo

 

 

Elisabete Louro Martins Cardoso

 

 

Tomás Cantista Tavares