SUMÁRIO:
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Após a entrada em vigor da alteração da redação do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC operada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, os dividendos recebidos por seguradoras direta ou indiretamente imputáveis aos tomadores de seguros, nomeadamente os auferidos no quadro de contratos unit-linked, deixaram de aproveitar do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, previsto em tal artigo.
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O n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015 estabelece como valor de aquisição no âmbito do apuramento das mais e menos-valias decorrentes da transmissão onerosa de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário duas possibilidades, sendo uma a de se considerar como valor de aquisição, por ficção jurídica, o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF por esse decreto-lei, e a outra a de se considerar o valor real de aquisição das mesmas, sendo aplicável aquela que, em concreto, se revele mais favorável ao contribuinte (valor superior).
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Sendo considerado como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, é esta a data a considerar como data de aquisição para efeitos do artigo 47.º, n.º 1, do CIRC.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (Presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Professor Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator) árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 08-02-2022, deliberam o seguinte:
1. Relatório
A..., SGPS, SA. NIPC... com sede no ..., ..., ...-..., Lisboa (doravante designado por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”) Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA) tendo em vista a anulação do indeferimento da reclamação graciosa com o n.º ...2020... e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), o ato de autoliquidação de IRC (incluindo derrama estadual e derrama municipal) do Grupo Fiscal B... relativo ao exercício de 2017, que, em sua opinião, terá dado origem a um excesso de tributação, em termos líquidos, de € 693.695,37.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-12-2021.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 20-01-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 08-02-2022.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que os pedidos devem ser julgados improcedentes.
Por despacho de 27-05-2022, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado o prazo de quinze dias para alegações simultâneas, que Requerente e Requerida apresentaram, reiterando as posições previamente defendidas.
Por despacho de 5-08-2022 foi prorrogado o prazo limite para prolação da decisão, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
Em 6-10-2022 foi novamente prorrogado o prazo limite para prolação da decisão por dois meses nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 21.º do RJAT.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º112 -A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A) A Requerente é a sociedade dominante de um conjunto de sociedades que optaram por constituir um Grupo de sociedades (Grupo Fiscal B...) sob o regime definido nos artigos 69.º e segs. do CIRC.
B) Este Grupo sujeito ao RETGS incluía, em 2017, a sociedade C..., SA, que tem por objeto social o exercício da atividade seguradora e resseguradora, em todos os ramos técnicos legalmente autorizados.
C) A C... foi objeto de uma ação inspetiva na sequência da Ordem de Serviço n.º 012019..., de 12 de dezembro de 2019, da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”).
D) No seguimento dos ajustamentos efetuados no âmbito do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, a C... aceitou voluntariamente as correções da UGG (correção à matéria coletável de IRC no valor de € 1.626.618,13, resultando num montante de imposto em falta de € 214.373,38), tendo submetido a Declaração Modelo 22 de substituição individual referente ao período de 2017 a 26 de dezembro de 2019, com número de identificação ... .
E) Em 28 de junho de 2018 a Requerente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC referente ao Grupo Fiscal tendo entregue declarações de substituição em 29 de junho de 2018 e 27 de dezembro de 2019, esta última com o número de identificação ... .
F) Em 30 de junho de 2020, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IRC de 2017 do Grupo fiscal, no qual solicitou a correção da matéria tributável no montante de € 2.403.891,37, dos quais:
• € 1.223.670,80 respeitante a dividendos de participações adquiridas pela C... para cobertura de responsabilidades com seguros unit-linked e seguros do ramo vida com participação nos resultados, com fundamento em ter sido indevidamente excluída a aplicação do regime da eliminação da dupla tributação económica previsto no artigo 51º do CIRC; e,
• € 1.180.220,57 com fundamento na não aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição das unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, previstos no artigo 47.º do CIRC[1], no âmbito do apuramento das mais e menos-valias decorrentes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário no exercício de 2017.
G) Essa Reclamação foi indeferida por despacho de 23 de agosto de 2021 do Chefe de Divisão da Unidade dos Grandes Contribuintes (por subdelegação), com base na Informação n.º 194-AIR2/2021, constante dos autos.
H) Desse indeferimento a Requerente formulou PPA para este Tribunal, em tempo, dando origem a este processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados que sejam relevantes para a decisão da causa.
3. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
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saber se a posição da Requerente quanto aos dividendos de ações cuja detenção se relacione com cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked ou em contratos de seguro do ramo vida com participação nos resultados encontra fundamento legal na norma do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC;
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saber se, em caso de resposta negativa à questão anterior, a norma em causa é compatível com a Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011;
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saber se, em caso de resposta negativa à questão posta em a), a norma em causa é inconstitucional;
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saber se a aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária ao valor de aquisição, no âmbito do apuramento das mais e menos-valias decorrentes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário, segue o regime previsto para a sua transmissão;
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consequentemente, saber, em caso de procedência de alguma das questões suscitadas pela Requerente, quais as consequências ressarcitórias.
Não obstante a sua ligação à questão posta em b), vai afastar-se desde já, por falta de pertinência da questão suscitada no processo, a sugestão de reenvio prejudicial. Nos termos do §3 das RECOMENDAÇÕES à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO C 439, de 25 de Novembro de 2016, destaque aditado), “A competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação ou a validade do direito da União é exercida por iniciativa exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais, independentemente de as partes no processo principal terem ou não exprimido a intenção de submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Uma vez que é chamado a assumir a responsabilidade pela futura decisão judicial, é na verdade ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar-se sobre um litígio — e a ele apenas — que cabe apreciar, atendendo às particularidades de cada processo, quer a necessidade de um pedido de decisão prejudicial para o julgamento da causa quer a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça.”
Como se escreveu na decisão do processo n.º 857/2021-T do CAAD, que tratou de uma questão semelhante,
“A Diretiva (e o regime nacional de participation exemption dela decorrente) apenas é aplicável quando verificado o requisito de a sociedade que recebe os dividendos deter, pelo menos, 10% do capital da sociedade que os distribuiu*.
Ora, a Requerente não alega que os dividendos em causa neste processo sejam originados por participações com esta dimensão quantitativa. Nem é crível que tal possa acontecer, pois, estando em causa uma atividade de investimento financeiro, o expectável é a carteira de ações ser muito diversificada.
Parece-nos que, mais que a questão do ónus de alegação, a Requerente elabora num erro: o objetivo da Diretiva não é a eliminação de toda a dupla tributação de lucros distribuídos, mas apenas a que acontece dentro dos chamados “grupos de sociedades”.
Não sendo a Diretiva “mães-filhas” aplicável, mesmo que potencialmente, à situação da Requerente, improcede necessariamente a argumentação desta no sentido de existir violação do primado do Direito Europeu. Pelo que carece, também de fundamento o pedido de reenvio prejudicial para o TJUE por não estar em causa a aplicação de uma norma com origem no Direito da União.”
Acresce que a tese da Requerente implicaria a violação do dever prudencial da Companhia de seguros deixar capitalizado o fundo sobre o qual emitiu as UP´s dos Unit-linked.
Ao fazer uma dupla contabilização – no Fundo e nos dividendos distribuídos – a cotação do Fundo deixa de estar capitalizada pelo dividendo obtido com os títulos descritos como integrando o fundo. A garantia do investidor passa a estar, tão só, nos fundos e ativos gerais que a Seguradora detenha como reservas.
Viola-se o contrato de seguro/investimento unit-linked porque se distribui e retira da esfera jurídica do detentor e obrigado aquele recurso. Por outro lado, distribuindo-se o dividendo à sociedade dominante obtém-se uma dedução fiscal por um rendimento que se contabilizou como ativo não distribuível porque vinculado à valorização de uma UP que é garantida pelo capital do fundo.
Cria-se com esta dupla contabilização uma assimetria híbrida em prejuízo de comportamentos prudenciais que são contratualmente exigíveis. O valor das UP´s que são anunciados e vendidos como reais não mais detêm o valor contabilizado porque a entidade detentora distribuiu esse recurso como dividendo a uma outra entidade do Grupo que não detém nenhuma obrigação para com o subscritor.
Conforme resulta i) dos factos provados - A C... era detida pela Requerente A... e,
ii) do elucidado e analisado no «enquadramento prévio» - as sociedades estão numa relação regulada pelo RETGS - artigos 69.º a 71.º do CIRC.
Neste regime especial de tributação as sociedades dominadas não pagam IRC limitando-se a apurar o mesmo na declaração modelo 22 e enviando o mesmo para a sociedade dominante que faz a declaração modelo 22 do Grupo com a soma algébrica dos resultados parciais.
A razão da discordância entre a AT e a A... resulta de depois da C... ter feito uma declaração modelo 22 onde não contabilizou como distribuídos os resultados dos unit-linked, (e ter sido calculado e pago o imposto pela A... com base nessas declarações) ter vindo a alterar a sua posição apresentando nova declaração onde os rendimentos alocados aos unit-linked foram contabilizados como rendimentos obtidos pela C... SA livremente distribuíveis.
O n.º 6 do artigo 51.º do CIRC na parte em que restringe a distribuição destes dividendos é uma norma prudencial que visa garantir que a entidade gestora dos unit-linked e a sua vendedora aos investidores têm efetivamente aquele valor disponível para resgate a qualquer momento e não estão dependentes de fundos próprios ou ativos que constem do património geral da entidade pagadora que, mostra a prática recente, se revelaram insuficientes para garantir obrigações de caráter fiduciário de natureza obrigacional com prejuízo dos credores e dos contribuintes que, a final, pagaram os montantes em falta. A sociedade vendedora e detentora dos unit-linked não pode distribuir os dividendos obtidos por razões de prudência e garantia dos investidores.
Ora, a A... enquanto sociedade dominante do Grupo é detida por entidade não nacional[2]. Depois de pago o IRC, o montante contabilizado como dividendos distribuídos será objeto de envio à sociedade detentora do capital social da A... SA. Se estes dividendos forem distribuídos à A... e enviados para a sociedade externa detentora do capital da A... - não podem estar disponíveis para garantir o valor «apregoado» das UP´s porque este já não consta do ativo da vendedora porque foi distribuído e exportado. A A... não tem qualquer responsabilidade pelos unit-linked e o investidor tem fé em que o valor da UP está com a C... e não está porque foi distribuído a uma outra entidade que o vai, natural e legalmente exportar.
Ora, do ponto de vista contabilístico o resultado da valorização do título foi contabilizado como estando com a entidade emissora do unit-linked e reflete-se no valor da UP. Mas, na prática, ao permitir-se a sua distribuição como dividendo distribuível como pretende a C..., este ativo já não está com a C... porque foi distribuído à A... que fez dele o que bem entendeu.
Esta dupla contabilização - i) como ativo de garantia dos unit-linked e ii) como dividendo obtido e distribuído à sociedade dominante cria uma assimetria híbrida porquanto permite uma dupla valorização do mesmo ativo que se excluem em prejuízo do investidor comprador das UP´s e benefício da sociedade dominante A... SA que está sem responsabilidade na credibilidade financeira das UP´s dos unit-linked mas goza da possibilidade de entregar à sociedade mãe estrangeira dividendos que a sua participada C... «diz ter» no ativo do investimento que contratou com os investidores - cfr. artigo 68.º-A a 68.º-C do CIRC."
Em tempos recentes uma situação análoga aconteceu com os derivados (derivatives) – opções, puts, swaps) que, sendo obrigações contratuais não vencidas não eram reconhecidas no balanço. Utilizadas como instrumentos de especulação levaram à insolvência de empresas que apresentavam balanços sólidos e equilibrados criando crises sistémicas graves de que ainda estamos a suportar as consequências.
O desenvolvimento e consagração da teoria e tese da PPA poderá conduzir a resultado semelhante.
De igual forma, a obrigação constante do artigo 50.º do CIRC onde pode ler-se:
Artigo 50.º
Empresas de seguros
1 - Concorrem para a formação do lucro tributável os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor aos ativos que estejam a representar provisões técnicas do seguro de vida com participação nos resultados, ou afetos a contratos em que o risco de seguro é suportado pelo tomador de seguro.
2 - As transferências dos ativos referidos no número anterior de, ou para, outras carteiras de investimento são assimiladas a transmissões onerosas efetuadas ao preço de mercado da data da operação.
não pode conduzir a um resultado que é anti-sistémico e violador de princípios prudenciais e cria uma assimetria híbrida com possibilidade de perturbação do sistema de investimento e poupança.
A consagração da obrigatoriedade de contabilização de todos os movimentos nas companhias de seguros tem certamente por detrás exemplos históricos de indefinição e ausência de clareza em relação a produtos financeiros derivados complexos.
Não se consegue alcançar é como é que uma obrigação de contabilizar determina uma solução legal de dupla contabilização em prejuízo do investidor dos unit-linked que adquire o produto por lhe ser garantido que o valor da valorização (deduzido das comissões de gestão e prémios) está refletido no valor da UP e, a final, a aceitar-se a tese do PPA, pode não estar….
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende o seguinte, em suma:
- Todos os dividendos por si obtidos estão sujeitos a contabilização e distribuição (artigos 50.º e 51.º do CIRC);
- Que a primeira declaração apresentada continha erros que corrigiu com a entrega de novas declarações Modelo 22 e, face ao indeferimento expresso, reclamação graciosa;
- Que a AT deveria ter aceite a correção e não podia recusá-la tendo violado a lei europeia e a Constituição ao não a aceitar.
Efetivamente, do pedido formulado no PPA pode ler-se:
«os dividendos aqui em causa (e todos os outros dividendos auferidos pela seguradora) entram no cômputo do resultado líquido da seguradora, e consequentemente na sua base tributável,
(…)
são jurídica e contabilisticamente um rendimento da seguradora (donde que se esta falir, fazem parte da sua massa falida), e não de um terceiro, seja o subscritor/beneficiário de seguro unit-linked ou de qualquer outro seguro.
(…)
É justamente porque os dividendos são da seguradora, e consequentemente entram na formação do seu resultado líquido (…), que se põe o problema da sua dupla tributação.
(…)
E entrando na formação do resultado líquido, entram na formação da base tributável (cfr. artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).
(…)
o problema da eliminação da dupla tributação económica não desaparece, nem se transforma num outro, pelo facto de as participações sociais de onde fluem os dividendos terem sido adquiridas pela seguradora (C...) para dar cobertura à concretização futura de responsabilidades com seguros unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados.
(…)
Em qualquer dos casos, o rendimento que é o dividendo foi já tributado uma vez, como lucro, na esfera da sociedade que o distribui.
(…)
Donde que, a legislação preveja o afastamento de uma sua segunda (ou terceiras e quartas, etc.) tributação, agora na esfera da sociedade accionista que recebe a distribuição desse mesmo lucro, que recebe, numa palavra, o dividendo.
(…)
É ao afastamento desta dupla tributação, que ocorre independentemente do destino que a sociedade accionista reserve a esses dividendos (seja a afectação a responsabilidades com seguros unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados, seja afectação a provisões para qualquer outro efeito, seja para financiar o ciclo produtivo da empresa, seja para novos investimentos, seja para fazer face a juros ou responsabilidades com o seu financiamento, etc.)
(…)
aquilo a que se dedica o artigo 51.º do CIRC, e aquilo a que se dedica, no mesmo diapasão, a Directiva transposta pelo artigo 51.º do CIRC – actualmente, Directiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de Novembro de 2011, anteriormente Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990 (doravante designadas como Directiva mães-filhas).
(…)
A norma do artigo 51.º, n.º 1, do CIRC, interpretada no sentido de que excluiria da sua estatuição os dividendos advenientes de participações sociais detidas por seguradoras relacionadas com a constituição de passivos financeiros/provisões afectas às suas responsabilidades com contratos unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados, e bem assim a norma do artigo 51.º, n.º 6, do CIRC, na redacção dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na medida em que exclui a aplicação da estatuição do seu n.º 1 nos termos especiais previstos neste número 6, aos dividendos advenientes de participações sociais detidas por seguradoras relacionadas com a constituição de passivos financeiros/provisões afectas às suas responsabilidades com contratos unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados,
São inconstitucionais por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações infundadas, e do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais, previstos nos artigos 2.º (Estado de direito democrático) e 13.º, da Constituição.
(…)
Julga-se que esta alteração em 2016 ao corpo do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC não afastou a aplicação aos dividendos aqui em causa do mecanismo de eliminação da dupla tributação.
(…)
resulta claro do Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES) aprovado pela Norma n.º 10/2016-R, que os contratos com os quais se relacionam os dividendos aqui em causa, não se inserem na actividade financeira de seguros, inserem-se na actividade financeira de investimento.
(…)
Ora, a este distinto segmento de actividade, actividade de investimento, função e actividade típica de sociedade de investimento, e aos dividendos com ela conexionados, há-de aplicar-se a alínea b) do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, e, por conseguinte, é de aplicar o regime de eliminação da dupla tributação económica aí prescrito.
(…)
A norma do artigo 51.º, n.º 6, alínea b), do CIRC, interpretada no sentido de que excluiria da sua estatuição os dividendos advenientes de participações sociais detidas por seguradoras relacionadas com a constituição de provisões afectas às suas responsabilidades com contratos (do segmento da actividade de investimento) unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados,
é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações infundadas, e do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais para os efeitos da regulação em causa, previstos nos artigos 2.º (Estado de direito democrático) e 13.º, da Constituição.
(…)
mais se reitera que a alteração introduzida em 2016 no corpo do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não tem qualquer suporte em princípios, representando uma pura medida de angariação de maior receita fiscal autoritariamente indiferente aos princípios constitucionais, que viola (como supra se suscitou já), da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição de arbitrariedades, e da neutralidade (encarecimentoinjustificado do custo fiscal das poupanças confiadas a Seguradoras, e totalmente incoerente com o sentido das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 5.º do CIRS).
(…)
mesmo que a situação em concreto não se subsuma na tipologia transfronteiriça à qual se dirigiu a Directiva mães-filhas, se o regime fiscal da tipologia transfronteiriça e da tipologia puramente nacional, ou doméstica, for o mesmo (regime unitário, como sucede no caso português), por opção do legislador nacional (que quer assim afastar diferenças de tratamento, que seriam aliás de difícil justificação constitucional),
(…)
tem aplicação ao caso a disposição do reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
(…)
Voltando à Directiva mães-filhas, relativa à eliminação da dupla tributação, o seu artigo 4.º, n.º 1, é claro e preciso quanto à necessidade de providenciar no sentido de eliminar a dupla tributação na esfera da sociedade que aufere dividendos.
(…)
Nenhuma justificação havendo legalmente admissível, para afastar a aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação, o afastamento do mesmo promovido pelo corpo do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março* viola a Directiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de Novembro de 2011, no seu artigo 4.º, n.º 1.
(…)
E, como tal, deve ser desaplicado este afastamento pela legislação nacional do
mecanismo de eliminação da dupla tributação com respeito aos dividendos de acções cuja detenção se relacione com cobertura de responsabilidades (via passivos financeiros/provisões) em contratos de seguro unit-linked ou em contratos de seguro do ramo vida com participação nos resultados.
(…)
só para efeitos de transmissão onerosa de unidades de participação está prevista a utilização de um valor de aquisição diferente do real valor de aquisição.
(…)
Ora, aqui está em causa resgate, e não transmissão, de unidades de participação.
(…)
a norma na qual a AT pretende basear a sua posição, nunca se aplicaria ao caso por uma razão dupla: porque no caso está em causa resgate e a norma dirige-se à transmissão onerosa, e porque o que se discute no caso é a data de aquisição e a norma só se dirige ao valor de aquisição.
(…)
Que sentido faz interpretar-se o n.º 9, do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, como impondo que a data de entrada em vigor daquele diploma (01.07.2015) seja, para o efeito do cálculo das mais e menos-valias nos termos do Código do IRC – nomeadamente, no que aqui se discute, para o efeito da aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária previstos no artigo 47.º do Código do IRC -, a data de aquisição das unidades de participação em fundos de investimento imobiliário geradoras de rendimentos considerados nos termos legais como decorrentes de bens imóveis, nos termos do disposto no artigo 22.º-A do EBF?
(…)
É um facto que o artigo 7.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 7/2015, em lado algum ficciona que para efeitos de aferição da antiguidade de 2 anos das unidades de participação, para efeitos de aferição da aplicabilidade ou não de factores de correcção monetária, a efectiva data de aquisição deveria ser ignorada e haveria de substituir-se por esta a data da entrada em vigor desse Decreto-Lei.
(…)
Isto que a AT diz ver na lei, não foi pensado, e menos dito, pela dita lei. E menos ainda para efeitos de resgates (a lei em causa limita-se, para efeitos de transmissão onerosa, a regular o valor de aquisição, como se viu supra).
(…)
E mais ainda: o factor decisivo em sede de aplicação da lei fiscal no tempo, é o momento da consumação do facto tributário.
(…)
E em sede de IRC, o imposto aqui em causa, o facto tributário consuma-se no último dia do período de tributação (artigo 8.º, n.º 9, do CIRC), in casu, em 31.12.2017.
(…)
Nessa data, a regra em vigor é que a de que se aplicam coeficientes de correcção monetária aos resgates de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário.
(…)»
Na argumentação desenvolvida (só muito limitadamente transcrita), a Requerente jurisprudência e doutrina anteriores à atual redação do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, redação que, por diversas vezes, concede que impõe solução diversa (ainda que, alegadamente, em violação da Constituição e da Diretiva 2011/96/UE do Conselho).
A AT defende:
- Que a lei se alterou e que se aplica a nova redação o n.º 6 do artigo 51.º do CIRC feita pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
- Que, quanto à eliminação de uma suposta dupla tributação, o pedido arbitral tem de improceder por ser contra a norma expressa em vigor, não violar a Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011 nem a Constituição da República Portuguesa.
- Que, por não estarem preenchidos os requisitos, não se pode aplicar o coeficiente de desvalorização da moeda, previsto no n.º 1 do artigo 47.º do CIRC
Efetivamente no texto de resposta da AT pode ler-se, a mais do que será transcrito no ponto 3.2.2.:
«No 2.º passo da argumentação desenvolvida pela Requerente, sugestivamente intitulado “Diz ou dirá a AT que é irrelevante não lhe ter sido dada razão, dado que o legislador pôs, entretanto, as coisas como a AT gosta delas” é feita uma tentativa de subtrair do âmbito da exclusão consagrada no corpo do n.º 6 do artigo 51.º os rendimentos de participações sociais conexas com contratos unit linked e outros contratos de seguros com participação nos resultados, com fundamento na classificação destes contratos como “contratos de investimento”, alegadamente – afirma - da responsabilidade da AT.
(…)
entende a Requerente que a alteração “ao corpo do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC não afastou a aplicação aos dividendos aqui em causa do mecanismo de eliminação da dupla tributação” porque “no dizer da própria AT, resulta claro do Plano de Contas para as Empresas de Seguros (PCES) aprovado pela Norma n.º 10/2016-R, que os contratos com os quais se relacionam os dividendos aqui em causa, não se inserem na actividade financeira de seguros, inserem-se na actividade financeira de investimento.”
(…)
E aproveitando tal deixa, apressa-se a classificar a actividade financeira de investimento da C... como uma “actividade típica de sociedade de investimento”, assim concluindo que “aos dividendos com ela conexionados, há-de aplicar-se a alínea b) do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC”.
(…)
A análise do regime jurídico das sociedades de investimento constante do Decreto-Lei n.º 260/94, de 22/10 (com as alterações do Decreto-Lei n.º 100/2015, de 02/06) permite verificar que o objecto definido no artigo 3.º é amplo mas não comporta a emissão de produtos unit linked.
(…)
Por conseguinte, falta uma sustentação legal sólida à alegação de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da proibição de discriminações infundadas, e do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais, que a Requerente pretende assacar à interpretação do corpo do n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC, pela exclusão dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros.
(…)
Por último, no 3.º passo, dedicado à Violação da Directiva mães-filhas, a Requerente procura mostrar que a exclusão feita no n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC viola o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Directiva 2011/96/UE, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados- -Membros diferentes
(…)
Importa sublinhar que o n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC institui um benefício fiscal, ao estender o regime do n.º 1 a situações nele não abrangidas, por via da dispensa do cumprimento de alguns requisitos constantes das suas alíneas, portanto, à partida estará fora do alcance da Directiva, mormente do n.º 1 do artigo 4.º.
(…)
Acresce que a jurisprudência do TJUE tem afirmado, em especial nos acórdãos C-115/16, C-118/16, C-119/16 e C-299/16, de 26/02/2019 que os benefícios desta Directiva (e de igual modo, da Directiva 2003/49/CE) só podem ser invocados pelos destinatários últimos dos rendimentos, entendidos como sendo aqueles que, tendo a sua titularidade jurídica, também têm a sua titularidade económica, isto é, o poder de controlar e dispor livremente dos rendimentos.
(…)
entende-se que este facto é suficiente para que o legislador tenha excluído tais realidades do âmbito do benefício fiscal concedido pelo n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC, não se vislumbrando em que medida o poder do legislador nacional poderia ser limitado, nesta matéria, pela Directiva 2011/96/UE.
(…)
Não pode, pois, a Requerente fazer uso do instituto previsto no artigo 51.º do Código do IRC, que a proceder, criaria um verdadeiro benefício fiscal indevido na esfera da entidade seguradora conseguido através de um artifício contabilístico.
(…)
o significado da expressão "inclusão" é, naturalmente, que aqueles rendimentos fazem parte do "lucro", enquanto base do imposto, afastando-se, pois, qualquer hipótese de que o seu efeito no lucro seja nulo.
(…)
analisada a informação trazida ao processo através da declaração emitida pela Sociedade Gestora do Fundo, cfr. declaração emitida pela Sociedade Gestora do Fundo junta a fls., numeradas como 182 frente e verso, ao Processo Administrativo, verifica-se que relativamente ao Fundo ... é considerada, pela Requerente, como data de alienação/resgate das UP a data de 02.01.2017
(…)
Podemos assim concluir, que não decorreram dois anos entre a data de aquisição (30.06.2015) e a data de alienação (02.01.2017) a considerar para efeitos de aplicação do regime de mais ou menos valia, anteriormente descrito, referente às UP no Fundo ... . (…)
(…)
relativamente ao Fundo ..., os elementos trazidos ao processo, cfr. declaração emitida pela Sociedade Gestora do Fundo junta a fls. numeradas como 183 a 185, frente e verso, ao Processo Administrativo, identificam que as UP foram alienadas/resgatas em 02.06.2017. Desta forma, é possível concluir que entre a data a considerar como data de aquisição (30.06.2015) e a data indicada como data do resgate (02.06.2017) não decorreram dois anos, para aplicação do disposto no nº 1 do artigo 47º do CIRC, ou seja, para aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda.
(…)
Donde, sem conceder, ainda que seja passível de aplicar o disposto no artigo 47º do CIRC no apuramento das mais ou menos valias fiscais a apurar aquando da alienação/resgate das UP de um Fundo de Investimento Imobiliário, considerando o regime transitório disposto no nº 9 do artigo 4º do DL 7/2015, bem como, o disposto no artigo 22º-A do EBF e nº 2 do artigo 46º do CIRC, no caso em apreço, não é de aplicar o coeficiente de desvalorização da moeda relativamente às UP no Fundo ... e do Fundo ... por, tal como supra indicado, não ter decorrido o prazo exigido de 2 anos, entre a data de aquisição (aquela que resulta do regime transitório, 30.06.2015) e data de alienação/resgate indicada nas declarações emitidas pela Sociedade Gestora dos Fundos.».
3.2. Apreciação das questões suscitadas.
As questões a responder são de Direito não existindo prova complementar a ser feita.
Como forma de responder às questões colocadas pelas Partes iremos submeter os Factos provados a quatro níveis de análise após um enquadramento prévio:
-
O artigo 51.º e conexos do IRC;
-
A Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011;
-
A Constituição da República Portuguesa (nos artigos 2.º e 13.º invocados);
-
A aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição, no âmbito do apuramento das mais e menos-valias decorrentes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário.
3.2.1. Enquadramento prévio.
A Autora do PPA é a sociedade dominante num conjunto de sociedades onde se integrava a C... SA. sendo todas elas regidas pela tributação prevista nos artigos 69.º, 70.º e 71.º do CIRC conhecido como RETGS (Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades).
Situemo-nos no artigo 70.º do CIRC que transcrevemos para facilidade de leitura:
Artigo 70.º
Determinação do lucro tributável do grupo
1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do artigo 67.º.
Significa isto que não existe dupla tributação económica entre as sociedades que são membros do RETGS porquanto a transmissão dos resultados líquidos dos exercícios parciais de cada uma das sociedades é: i) calculado e declarado numa declaração modelo 22; ii) transmitido qua tale para a sociedade dominante que: iii) executa uma operação de soma algébrica de cada uma das declarações individuais; e, iv) declara o lucro obtido pelo Grupo de Sociedades como se de uma só se tratasse.
3.2.2. O artigo 51.º do CIRC.
O artigo 51.º do CIRC estabelece no direito português a regra da participation exemption ou seja, os lucros, reservas ou dividendos distribuídos podem determinar a «não concorrência» para a determinação do lucro tributável desde que verificadas certas condições previstas na norma como: i) percentagem de detenção do capital; ii) tempo de detenção e iii) troca institucional de informações administrativas entre Estados.
A consagração de um regime de participation exemption tem naturalmente limitações que devem estar consagrados na norma. A mais relevante é o que está consagrado nos n.ºs 13 e 14.º do artigo 51.º do CIRC que prevê a desconsideração de certas operações.
Outra é a que consta do n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, que tem a seguinte redação:
“6 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros e, bem assim, aos rendimentos das seguintes sociedades[3]:
a) Sociedades de desenvolvimento regional;
b) Sociedades de investimento;
c) Sociedades financeiras de corretagem.”
Com interesse para o caso sub judice interessa a expressão «à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros».
É que, por um lado, os seguros unit-linked são direta ou indiretamente imputáveis aos tomadores de seguros através do mecanismo de definição do valor da UP (Unidade de Participação) detida pelo investidor. Por outro, nem sequer está demonstrado que as participações sociais estejam afetas a provisões técnicas sendo que, para além do que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa indica a este respeito, o próprio Requerente admite a sua não contabilização como provisões técnicas (pag. 11 do PPA).
Quer dizer que a situação que a Requerente pretende fazer subsumir à previsão da norma falha – não uma, mas – duas das suas condições.
A este propósito diz a AT:
«Ora, se bem se compreende o teor integral da PI, a Requerente sustenta a sua tese utilizando um argumentário que comporta três passos, sendo de adiantar, desde já, não lograrem conduzir a uma conclusão sólida e segura do ponto de vista técnico e legal sobre a matéria em análise, susceptível de abalar o entendimento firmado pelos Serviços da AT.
22.
No âmbito do 1.º passo, sugestivamente intitulado “A legal e necessária aplicação do artigo 51.º do CIRC (eliminação da dupla tributação económica) também aos dividendos de participações sociais adquiridas e detidas pela C... para cobertura (sã gestão) de concretização de responsabilidades futuras com contratos de seguro unitlinked ou com seguros do ramo vida com nos resultados“, elabora, sobretudo, à volta das decisões arbitrais proferidas sobre esta matéria mas que se inscrevem ainda no regime do artigo 51.º do Código do IRC, em vigor antes da alteração à introduzida pelo artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 março.
23.
Com efeito, a redação do artigo 51.º, nas partes aqui relevantes, registou alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro e pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, conforme se mostra no quadro seguinte:
24.
Lembra-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, incidiram no n.º 1, quer no proémio, com a supressão do segmento “rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos”, quer nas suas alíneas e na renumeração do n.º 2 ,que passou a n.º 6.
25.
Por seu lado, o artigo 133.º da Lei n.º 7-A/2016 deu nova redacção ao proémio do n.º 6, tendo explicitado que a parte dos rendimentos não abrangida pelo n.º 1 respeita aos “rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros”.
26.
Pois bem, no que concerne à primeira linha argumentativa, impõe-se esclarecer que a conclusão formulada pela AT estriba-se nas normas contabilísticas do sector das empresas seguradoras e está em conformidade com o entendimento confirmado pelo Instituto de Seguros de Portugal (ISP) – hoje designado Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – em janeiro de 2009, na resposta a uma solicitação que lhe foi dirigida pela (ao tempo) DGCI.
27.
Conforme comunicou o ISP/ASF, na sequência da análise ao tratamento contabilístico, aplicável aos Unit Linked, à luz do Plano de Contas para as Empresas de Seguros*, apresentado pela DGCI: “concordamos com o entendimento dessa Direcção de que constitui apenas rendimento efectivo da empresa de seguros os encargos de gestão e de subscrição cobrados, não tendo o rendimento global gerado pelos investimentos afectos aos unitlinked impacto em termos dos resultados da empresa”.
28.
Ora, determina o artigo 17.º do Código do IRC que:
“1 – O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 – (...).
3 – De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código; (...)”
29.
O que significa que, não prescrevendo a lei fiscal um tratamento diferente para as operações relativas aos contrato Unit linked e outros contratos de seguros com participação nos resultados, é acolhido, para efeitos da determinação do lucro tributável, o preconizado pela normalização contabilística aplicável, in casu, o PCES.
30.
A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) qualifica os seguros de vida ligados a fundos de investimento (unit linked) como instrumentos de captação de aforro estruturado (ICAE) e define-os como “seguros de vida de capital variável em que o valor a receber pelo beneficiário depende, no todo ou em parte, de um valor de referência constituído por uma ou mais unidades de participação”.
31.
Mas, a Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS) N.º 4 – Contratos de Seguros apresenta os critérios de classificação do tipo de contratos celebrados pelas empresas de seguros e de resseguros tendo em vista o tratamento contabilístico aplicável, nomeadamente o resultante da Norma internacional de Contabilidade (IAS) 39 (contratos de investimento) e/ou da NIC(IAS) 18 (contratos de serviços).
32.
Ora, para efeitos dessa classificação assumem relevância, sobretudo, as diversas componentes dos contratos e as correspondentes características económicas, o que significa que a tipologia adoptada no plano contabilístico pode ser diferente da designação comercial dos produtos ou mesmo da sua designação técnica adoptada no seio da própria empresa de seguros.
33.
Assim, em sintonia com a normalização contabilística aplicável, a C... informa no Relatório e Contas 2017 da C... (in pág. 395), na nota 2. 15 - Contratos de seguro e contratos de investimento que "[n]o âmbito da transição para o novo PCES, foram incorporados neste normativo os princípios de classificação de contratos estabelecidos pela IFRS 4 "Contratos de seguro", no âmbito dos quais os contratos sem risco de seguro significativo são considerados contratos de investimento e contabilizados de acordo com os requisitos da IAS 39".
34.
Os contratos de seguro, cujo risco de investimento é suportado pelo tomador de seguro (“unit linked”*) são, portanto, classificados pela C... como contratos de investimento.
35.
A designação do produto “unit-linked”[4] significa, tão só, que existe uma ligação (excepto quando existem valores garantidos) entre os activos que integram as carteiras de investimento em que Contratos em que as prestações a pagar pela empresa de seguros se encontram directamente ligadas ao valor das unidades de participação de fundos de investimento ou de fundos autónomos detidos pela própria empresa de seguros.
36.
No tocante a saber se o resultado líquido contabilístico apurado pela seguradora reflecte, ou não, os rendimentos provenientes de lucros distribuídos relativos às participações sociais nas carteiras dos produtos unit-linked e de produtos de seguros do ramo-vida com participação nos resultados, basta ter em devida consideração os movimentos contabilísticos implicados pelo respectivos modus operandi, a que é dado o devido relevo na Informação que suporta a decisão sobre a reclamação graciosa e para a qual se remete.
37.
É forçoso reconhecer que os lucros distribuídos às participações sociais incluídas nas carteiras de investimento afectas aos produtos Unit linked não podem considerar-se integrados no resultado contabilístico da seguradora, embora tais rendimentos lhe sejam atribuídos, na qualidade de detentora e titular daqueles activos financeiros.
38.
Na realidade, os beneficiários últimos dos rendimentos são os tomadores dos seguros ou beneficiários e, ademais, se estivessem incluídos no resultado líquido contabilístico da seguradora, fariam parte do lucro distribuível aos seus próprios sócios.
39.
Os rendimentos, embora recebidos pela seguradora e relevados na sua contabilidade, estão adstritos a carteiras de investimento afectas a contratos unit linked e, consequentemente, revertem em benefício último dos clientes que os subscreveram com a garantia de participação nos resultados das aplicações financeiras, ou como a Requerente refere (artigo 49.º PI), a aquisição, pela C..., das participações sociais donde fluem os rendimentos visa “dar cobertura à concretização futura de responsabilidades com seguros unit-linked ou com seguros do ramo vida com participação nos resultados”.
40.
Ou seja, a C... não pode mobilizar ou afectar aqueles rendimentos a outras finalidades – seja financiar o ciclo produtivo da empresa ou novos investimentos – portanto, não faz sentido estabelecer - como pretende fazer crer a Requerente - qualquer paralelismo entre os lucros distribuídos às participações sociais incluídas em carteiras conexas com produtos unit linked e qualquer outro sujeito passivo de IRC, que detém participações numa outra sociedade, e dela recebe dividendos.
41.
A Requerente, em lugar de comprovar o que alega com factos e com os concretos movimentos contabilísticos em contas do activo, passivo, gastos e rendimentos, refuta a posição defendida pela AT com considerações genéricas e contributos extraídos de diversas decisões arbitrais, que têm como referência normativa a redacção do artigo 51.º, n.º 2 do Código do IRC, que vigorou até à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, excepto as decisões relativas aos processos n.º 104/2019-T e n.º 220/2019-T que já se subordinam à redacção em vigor a partir de 2014.
42.
Ora, a intervenção legislativa da Lei n.º 7-A/2016 retirou actualidade à fundamentação que sustenta a tese plasmada nas referidas decisões arbitrais, que a Requerente agora recupera e, diga-se, nunca acompanhada pela AT, a saber:
-
os rendimentos – lucros distribuídos – das participações sociais incluídas nas carteiras de investimentos conexas com contratos unit linked ou outros contratos de seguros do ramo-vida com participação nos resultados seguros influenciam o resultado contabilístico e a base tributável (lucro tributável) de IRC da seguradora, estando assim preenchido o requisito que permite desencadear a aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos estabelecido pelo n.º 1 do artigo 51.º e não aceitar esta premissa “contraria as regras contabilísticas (...). e, consequentemente, o artigo 17.º do CIRC”; e
-
não podiam excluir-se os dividendos atribuídos a contratos unit linked do n.º 2 (ou no n.º 6 (na redacção ao tempo em vigor) do artigo 51.º porque seguindo o Parecer do Senhor Professor Doutor Casalta Nabais: «sendo todos seguros do ramo vida, sejam seguros de vida tout court ou seguros ligados a fundos de investimento, não há legitimidade para proceder a qualquer distinção relativamente às provisões técnicas das sociedades de seguros, consoante as mesmas se reportem aos primeiros ou aos segundos».
43.
Ora, importa lembrar que foi, justamente, o reconhecimento de que, na esfera da seguradora, não ocorre dupla tributação económica relativamente aos rendimentos de participações sociais de carteiras de investimento de produtos unit linked e outros produtos de seguro do ramo vida com participação de resultados, por não integrarem o resultado contabilístico nem o resultado fiscal das Empresas de seguro, que determinou a alteração introduzida ao n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC pela Lei n.º 7-A/2016.
44.
A Requerente insiste, que há lugar a tributação dos dividendos, na esfera da seguradora que detém as acções para cobrir economicamente as suas responsabilidades legais com seguros do ramo vida, mas não explicita como se materializa uma tal ocorrência, pois, mesmos nos exemplos que apresenta, o efeito no resultado contabilístico da seguradora é nulo, nem poderia deixar de ser, pois, de outro modo, os rendimentos integrariam os resultados distribuíveis destas empresas.
45.
A exclusão do âmbito do benefício fiscal[5], consagrado no n.º 6 do artigo 51.º, não constitui qualquer discriminação negativa relativamente aos rendimentos de participações sociais conexas com provisões para cobrir responsabilidades com outros contratos de seguro do ramovida, desde logo, porque as realidades em confronto são distintas.
46.
Aliás, um elemento diferenciador da maior relevância entre os rendimentos sob análise e o exemplo de uma SGPS, ilustrado pela Requerente no art. 68º da PI, advém de a dedução dos juros suportados com o financiamento ter uma justificação que nada tem a ver com a motivação subjacente à dedução dos gastos relativos à variação das provisões técnicas/passivo, que precisamente decorre de a sociedade não ser a beneficiária última dos lucros distribuídos ás participações afectas a contratos unit linked, rendimentos de que a seguradora não pode dispor livremente para qualquer finalidade.
47.
Adianta a Requerente que “se o beneficiário do seguro unit-linked falir, os credores não poderão ir atrás nem daquele dividendo, nem da participação social por trás dele, pela razão simples que, ambos, integram o património da seguradora, e não do cliente” mas como bem acrescenta “Podem apenas ir atrás do direito do beneficiário a um pagamento pecuniário, tal como configurado pelas regras contratualizadas na subscrição do seguro unit-linked”.
48.
Há uma diferença objectiva no atinente ao tratamento das realidades conexas com produtos unit linked e outros em que o risco não é assumido pelo subscritor do contrato, portanto, estão afastadas as alegadas violações dos princípios da igualdade, da proibição de discriminações infundadas, e do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais, previstos nos artigos 2.º e 13.º, da CRP.»
Podemos assim concluir que o n.º 6 do artigo 51.º do CIRC sustenta a posição da AT que aplicou de forma fundamentada a norma em vigor.
Vejamos, no seguimento, se o n.º 6 do artigo 51.º do CIRC viola a Diretiva 2011/96/EU de 30-11-2011.
3.2.3. A Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011 no seu confronto com o artigo 51.º n.º 6 do CIRC.
A Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011 representa uma etapa na criação do mercado interno porquanto estabelece a eliminação da dupla tributação económica da tributação do lucro distribuído nas relações entre sociedades participadas no espaço da União Europeia.
Nos considerandos pode ler-se:
“ (3) O objectivo da presente Directiva é isentar de retenção na fonte os dividendos e outro tipo de distribuição de lucros pagos pelas sociedades afiliadas às respectivas sociedades-mãe, bem como suprimir a dupla tributação de tais rendimentos ao nível da sociedade-mãe.
(…)
(9) Os pagamentos das distribuições de lucros a um estabelecimento estável de uma sociedade-mãe, e o respectivo recebimento, deverão ter o mesmo tratamento que o aplicável entre uma sociedade afiliada e a sua sociedade-mãe. Deverá abranger-se a situação em que a sociedade-mãe e a sua sociedade afiliada se situam no mesmo Estado-Membro e o estabelecimento estável noutro Estado-Membro. Por outro lado, verifica-se que situações em que o estabelecimento estável e a sociedade afiliada estão situados no mesmo Estado-Membro podem, sem prejuízo da aplicação dos princípios do Tratado, ser tratadas com base na legislação nacional do Estado-Membro em questão.”
No texto da Diretiva pode ler-se:
Artigo 1.º
1. Os Estados-Membros aplicam a presente directiva:
a) À distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado-Membro e provenientes das suas afiliadas de outros Estados-Membros;
b) À distribuição dos lucros efectuada por sociedades desse Estado-Membro a sociedades de outros Estados-Membros de que aquelas sejam afiliadas;
c) À distribuição dos lucros obtidos por estabelecimentos estáveis, situados nesse Estado-Membro, de sociedades de outros Estados-Membros e provenientes das suas afiliadas instaladas num Estado-Membro que não seja o Estado-Membro em que está situado o estabelecimento estável;
d) À distribuição dos lucros efectuada por sociedades desse Estado-Membro a estabelecimentos estáveis, situados noutro Estado-Membro, de sociedades do mesmo Estado-Membro de que aquelas sejam afiliadas.
2. A presente directiva não impede a aplicação das disposições nacionais ou convencionais necessárias para evitar fraudes e abusos.
O âmbito de aplicação situa-se ao nível das relações entre sociedades participadas situadas em mais do que um espaço soberano integrante da União Europeia.
Na busca de um enquadramento histórico e teórico fizemos uma nova leitura do relatório Neumark (relatório do Comité Fiscal e Financeiro de 1962) onde podemos encontrar com clareza as motivações e base de que se partiu para chegarmos à Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011.
A questão da dupla tributação vem assim equacionada[6]:
“O artigo 220 do tratado de Roma dispõe que os Estados membros se empenharão, entre eles, caso necessário, em negociações tendo em vista assegurar a favor dos seus nacionais a eliminação da dupla tributação no interior da Comunidade.
Esta disposição visa, antes de mais, senão exclusivamente, as duplas tributações internacionais que se produzem, a cargo do mesmo contribuinte, quando a mesma situação jurídica ou material determina a aplicação do imposto em dois (ou vários) países, pelo mesmo título ou um título equivalente. Dito de outra forma é a dupla tributação jurídica internacional direta que é a visada pelo artigo 220 (do tratado de Roma).
No entanto, o previsto no artigo 220 não parece excluir o seu campo de aplicação à dupla tributação internacional indireta.
Esta acontece quando o devedor de um elemento do rendimento ou da fortuna não pode deduzir da sua matéria coletável um pagamento ou uma dívida ao passo que o credor, que tem o seu domicílio fiscal num outro Estado, é tributado pelo montante que lhe foi pago ou que lhe é devido, tendo presente que esta situação não seria possível se o devedor ou o credor tivessem domicílio no mesmo Estado.
(…)
A causa da dupla tributação reside na aplicação de duas ou mais legislações fiscais, de estruturas diferentes ou análogas, a um mesmo objeto e a um mesmo contribuinte (dupla tributação direta) ou somente a um mesmo objeto (dupla tributação indireta).”
A Doutrina hoje enquadra a primeira definição de dupla tributação direta como dupla tributação jurídica e a segunda (dupla tributação indireta) como dupla tributação económica.
É esta dupla tributação económica que é regulamentada pela Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011.
A norma prevista no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC fixa uma limitação à distribuição de dividendos ou lucros ou reservas a participadas no âmbito interno por razões de limitação contratual livremente assumida pelas partes e de prática prudencial na gestão de um ativo financeiro que está vinculado a manter e refletir o seu valor em cada momento perante o subscritor das UP´s do unitlinked.
Esta é, certamente, uma das principais motivações para a aquisição destes seguros que não dependem das reservas da entidade emissora mas da própria composição do Fundo e sua gestão a cada dia.
A mais do que já se escreveu a propósito da sugestão de reenvio prejudicial, seguindo o decidido na decisão do processo 857/2021-T, não visualizamos – tal como a AT não viu – qualquer incompatibilidade ou violação da norma europeia, nomeadamente a Diretiva 2011/96/UE de 30-11-2011, na estipulação de uma limitação – no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC – à não concorrência para o lucro tributável da distribuição de dividendos que se encontram convencionalmente vinculados à garantia de uma ativo com cotação transparente e possibilidade de resgate a qualquer momento.
3.2.4. A violação da Constituição da República Portuguesa.
A Requerente do PPA suscita a questão da inconstitucionalidade com base na violação dos artigos 2.º e 13.º da CRP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Comecemos por notar que as opções do legislador podem ser criticáveis, mas isso não as transforma em violadoras da Constituição ou da lei.
Em nome do respeito pela instância aprofundemos um pouco mais.
Dispõe o artigo 13.º da CRP:
Artigo 13.º
Princípio da igualdade
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O conceito de igualdade tem em direito tributário duas componentes: a igualdade formal e a substancial.
Qual das duas ou em que dimensão é que a igualdade da Requerente do PPA foi atingida? Perante quem? As sociedades de investimento, de capital de risco e de desenvolvimento regional que têm um diferente enquadramento regulatório e fiscal e que, como notou a AT para as primeiras, não estão habilitadas a emitir produtos unit linked? E é perante essas diferentes realidades que se invoca violação “do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais” – quando, como referido nos parágrafos 45 a 48 da Resposta da AT, acima transcritos, elas nada têm de iguais?
O nosso Tribunal Constitucional, lidando abundantemente com o princípio da igualdade, recusou sempre comparações entre segmentos de regimes – como se pode ler, por exemplo, no seguinte trecho do Acórdão n.º 319/2000 (disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000319.html ):
“Como o Tribunal Constitucional teve já ocasião de afirmar, nomeadamente no seu acórdão nº 287/2000, ainda não publicado, “não é aceitável (...) isolar um ponto do regime global para fazer a comparação.” E, citando o acórdão n.º 683/99, publicado no Diário da República, II Série, de, 3 de Fevereiro de 2000: “(...) Como se salientou recentemente no Acórdão nº 555/99 (e, em sentido semelhante, ainda mais recentemente, no Acórdão nº 663/99, ambos inéditos), em relação à comparação de pontos parciais do estatuto ou do regime jurídico da relação de emprego público (no caso, de funcionários civis e militares), ‘o carácter tendencialmente fechado e totalizante do quadro normativo que definiu o estatuto [...] levanta um decisivo obstáculo a que se considere exigível e decorrente da observância do princípio da igualdade a ‘extensão’ de um determinado direito [...].’ (…)
A mesma advertência se pode encontrar, nomeadamente, no acórdão nº 367/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 9 de Março de 2000): ‘(...) a igualdade é sempre um conceito de relação (cf. o parecer da Comissão Constitucional nº 5/81, Pareceres da Comissão Constitucional, 14º vol., pp. 309 e segs., e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 44/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º vol., pp. 133 e segs.) e o de que a igualdade é um conceito predominantemente valorativo. Por outras palavras, aferir da igualdade/ /desigualdade entre duas situações não passa penas pela sua consideração isolada, antes é, sobretudo, um trabalho de ponderação dos valores que estão subjacentes à disciplina legal de cada uma delas e da sua harmonização.’
E, no acórdão nº 663/99, atrás citado, tirado a propósito da constitucionalidade da diferença de tratamento estabelecida entre trabalhadoras da função pública e trabalhadoras vinculadas por contrato individual de trabalho no que toca à licença de maternidade, disse-se: ‘Pretender fazer valer uma igualdade formal em matéria de uma regalia específica ou norma específica, desconsiderando todo o universo de diferenças que a justifica, bem como o sentido da própria regulamentação globalmente considerada que a impõe (diverso, como se disse, perante relações de direito privado e no domínio público), seria desconsiderar o próprio sentido do princípio da igualdade, que exige o tratamento diferenciado do que é diferenciado tanto quanto exige o tratamento igual do que é igual. Sendo certo, aliás, que a igualação de uma circunstância pode, no conjunto, agravar a desigualdade – basta que tal igualização se faça a favor da parte mais favorecida em todas as outras circunstâncias, menos naquela.’””.
Por outro lado, a Requerente invoca ainda o disposto no artigo 2.º da CRP, embora, em razão do grau de abstração desta norma fundadora, a sua violação só pudesse ser atingida por via de uma violação de outras normas ou princípios constitucionais que a densificam[7]. O que só poderia ser o caso dos que invoca: os “princípios da igualdade e da proibição de discriminações infundadas, e do sub-princípio da neutralidade no tratamento de realidades económicas iguais”, todos reconduzíveis à já afastada violação do disposto no artigo 13.º da Constituição.
Dispõe o artigo 2.º da CRP:
Artigo 2.º
Estado de direito democrático
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Perante o texto da norma constitucional interessa entender a posição da Requerente. Para o efeito entendemos ser útil formular algumas questões:
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Em que medida é que o disposto no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC viola qualquer dos princípios do Estado de Direito Democrático?
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Como é que uma norma de natureza prudencial que visa garantir estabilidade e credibilidade ao sistema financeiro e aos investidores e impedir a criação de assimetrias híbridas que implicam dupla contabilização de um fluxo financeiro com sinais contrários e em detrimento dos investidores e da fiabilidade do investimento pode atingir o Estado de Direito Democrático?
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Não será o contrário? A solução preconizada pela Requerente no PPA de dupla contabilização e erosão da garantia anunciada no investimento contratualizado com transmissão do recurso a terceiro sem responsabilidade não representaria uma violação do Estado de Direito Democrático?
O argumento da Requerente improcede por não concretizar qual o valor “autónomo” do Estado de Direito que entende violado, e, ou, porque as alegadas violações dos princípios invocados carecem de fundamento e, portanto, não podem repercutir-se no âmbito do princípio do Estado de Direito Democrático. Aliás, como se concluiu na já referida decisão do processo 857/2021-T, “o que está em causa é a redução de âmbito de aplicação de uma norma excecional, que, na sua essência, corresponde a um benefício fiscal, o que cabe perfeitamente dentro da liberdade de conformação do legislador ordinário.”
Improcedem, portanto, as questões de inconstitucionalidade suscitadas.
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A aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição, no âmbito do apuramento das mais e menos-valias decorrentes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário.
Tem aqui aplicação a norma constante do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, que dispõe o seguinte:
9 - A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto-lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.
Esta norma estabelece como valor de aquisição das unidades de participação duas possibilidades:
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Considerar-se, por ficção jurídica, como valor de aquisição, o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015;
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Considerar-se o valor real de aquisição das mesmas.
Neste segundo caso, não pode deixar de ser aplicado, como é bom de ver, o artigo 47.º, n.º 1, do CIRC. O critério legal de aplicação de um ou outro valor é aquele que, em concreto, se mostrar mais favorável ao contribuinte.
Se o valor real de aquisição (acrescido da correção monetária prevista no artigo 47.º do CIRC) for de valor superior ao valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, será este o aplicável. Se, pelo contrário, for este último o valor superior, será este o valor de aquisição a considerar, por ficção legal.
Desta norma não resulta qualquer lesão dos interesses do contribuinte, dado que o valor a aplicar é aquele que, em concreto, a este se revelar mais favorável.
O que não se afigura ter guarida na letra nem o espírito da lei é aplicar-se a ficção legal em causa por indicação do contribuinte na sua autoliquidação, e não considerar como data de aquisição a suposta pela ficção, mas sim a data efetiva de aquisição aplicável ao apuramento baseado no valor real de aquisição que, no caso em concreto, não se revelou mais favorável ao contribuinte.
A este respeito, alega o contribuinte que está em causa o resgate de unidades de participação e que a norma se dirige à transmissão onerosa.
Este argumento puramente formal e pretensamente conceptual, não procede.
O resgate de unidades de participação consiste num contrato pelo qual o titular das mesmas as transmite a favor do Fundo recebendo, em contrapartida, o valor correspondente. Trata-se, portanto, duma transmissão onerosa, mesmo que inerente ao resgate esteja a subsequente ou simultânea extinção da unidade de participação por “dissolução” no património do fundo que, assim, vê reduzido o número de unidades de participação por que responde.
O que não parece defensável é entender que as unidades de participação se extinguem ainda no património do investidor. Não sendo este – manifestamente – o caso, não pode deixar de se considerar que a extinção se dá só na esfera do fundo, o que implica que a sua aquisição por este resulta duma transmissão que o investidor fez a seu favor. O facto de a aquisição pelo fundo implicar automaticamente a extinção da unidade de participação não altera esta conclusão.
Esta leitura da norma é confirmada pelo número 10 do artigo em causa (que a Requerente não refere) que confirma que para o legislador o resgate é uma transmissão onerosa de unidade de participação:
“10 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.”
Naturalmente que, se os rendimentos são resgatados para efeitos no número anterior isso aponta necessariamente para o que aí se considera a “determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais”, incluindo expressamente o conceito de resgate no de transmissão onerosa.
De resto, a tese sustentada pela Requerente de diferenciar fiscalmente a cessão onerosa das unidades de participação a favor do fundo (denominado “resgate”) da cessão onerosa a favor de terceiros (“venda”), além de não ter apoio na letra nem no espírito da lei, violaria, manifestamente, os princípios da capacidade contributiva, da coerência sistemática e da neutralidade fiscal.
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Decisão.
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
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julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a manutenção da autoliquidação de IRC impugnada;
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condenar a Requerente nas custas do processo, nos termos infra fixados.
Valor do processo:
Fixa-se o valor do processo em € 693 695,37 (seiscentos e noventa e três mil seiscentos e noventa e cinco euro e trinta e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas:
Vai a Requerente do PPA condenada em custas por total improcedência do pedido, sendo o seu montante fixado em € 10.098,00 (dez mil e noventa e oito Euros).
Lisboa, 3 de Novembro de 2022
O Árbitro Presidente
(Professor Doutor Victor Calvete)
Os Árbitros-Vogais
(Professor Doutor Vasco Branco Guimarães - relator)
(Dr. Marcolino Pisão Pedreiro)
Declaração de voto do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro
Concordo com a decisão arbitral de julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e acompanho os fundamentos da decisão referentes ao ponto 3.2.5., respeitante à aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição, no âmbito do apuramento das mais e menos-valias.
Quanto às demais questões, perfilho a fundamentação constante da decisão arbitral proferida no processo 857/2021-T para a qual, com a devida vénia, remeto, acompanhando também, evidentemente, a fundamentação da presente decisão nas partes em que se sintoniza com aquela.
Não acompanho a tese da presente decisão de que “O n.º 6 do artigo 51.º do CIRC na parte em que restringe a distribuição destes dividendos é uma norma prudencial que visa garantir que a entidade gestora dos unit-linked e a sua vendedora aos investidores têm efetivamente aquele valor disponível para resgate a qualquer momento e não estão dependentes de fundos próprios ou ativos que constem do património geral da entidade”, antes se me afigurando que a norma, neste segmento, tem uma finalidade estritamente fiscal, não visando prosseguir interesses ou finalidades do direito do sistema financeiro.
Por outro lado, não posso concordar com a afirmação de que “a A... enquanto sociedade dominante do Grupo é detida por entidade não nacional” porquanto tal facto, mesmo a ser exato, não foi alegado por nenhuma das partes, não constitui facto notório, nem é do conhecimento do Tribunal no exercício das suas funções (artigo 412º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 29º, nº 1, al. e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), não podendo, no meu entender, ser considerada pelo tribunal, à luz dos art. 99º, nº 1, da Lei Geral Tributária e 13º, nº 1, do Código de Processo e Procedimento Tributário (aplicáveis ex vi art. 29º, nº 1, als. a) e c) do RJAT).
O Árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] Por, nos termos do n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF serem considerados “rendimentos de bens imóveis”.
[2] Segundo o Relatório sobre a Solvência e a Situação Financeira da A... de 2017, p. 22 (disponível em https://www... ), a A... era controlada a 100% pela D... Limited, uma sociedade do grupo E... sedeada em Hong Kong. Ver a Nota Informativa de 17 de Abril de 2014 do Instituto de Seguros de Portugal disponível em https://www...pdf .
[3] Redação da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. A redação dada pela Lei n.º 7-A/2016 pretendia ter natureza interpretativa do Direito anterior, mas a questão não se coloca nos presentes autos, uma vez que os atos de autoliquidação ocorreram já na sua vigência.
[4] A nota apensa neste ponto tinha a seguinte redacção: “Linking implies matching. It would not be prudent to link the value of a policy to an asset, unless that asset actually forms part of the fund. So, we also note that the unit-linked policy liability should be matched by holding the appropriate asset or assets to which it is linked. From this arrangement, we can immediately see that the investment risk and reward are transferred from the insurer to the client.”
[5] A nota apensa neste ponto tinha a seguinte redacção: “Qualifica-se como benefício fiscal, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do EBF, por instituir um tratamento excepcional – a dispensa da verificação dos requisitos da percentagem de participação e do tempo de detenção), traduzido numa vantagem, concedido a determinados sujeitos passivos em atenção à relevância da sua actuação em prol do desenvolvimento económico, captação e aplicação das poupanças.”
[6] Relatório Neumark, citado versão em francês, pág. 69 e segs. Tradução nossa.
[7] Como escrevem Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (Vol. I), Almedina, Coimbra, 2007, p. 206, “Tendo essencialmente uma função aglutinadora e sintetizadora, o preceito do Estado de direito democrático, em princípio, não produz normas com determinabilidade autónoma, ou seja, normas que não encontrem tradução em outras disposições constitucionais.”