Sumário:
I - Tendo havido lugar à anulação administrativa parcial do ato tributário que constituía objeto do pedido arbitral, ainda no decurso do prazo para a apresentação da resposta, a anulação deve ter-se como tempestiva e gera a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide na parte que foi considerada, nos termos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC.
II -Tendo declarado a Requerente que, face à anulação administrativa parcial, não tem interesse no prosseguimento do processo, verifica-se a desistência parcial do pedido com a consequente extinção do direito que se pretendia fazer valer em juízo nessa parte, nos termos dos artigos 283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1, do CPC.
DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A…, titular do número de identificação fiscal nº …, com domicílio fiscal na Rua …, Cascais, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021 …, em que se apurou um valor a pagar de € 149.687,72, requerendo ainda o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.
Por requerimento de 12 de outubro de 2022, a Requerente veio dizer que, tendo sido notificada do despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 26 de setembro de 2022, que revogou parcialmente o ato de liquidação que constitui objeto do pedido de pronúncia arbitral, não mantêm interesse no prosseguimento do processo arbitral por se encontrar satisfeita a sua pretensão.
Por despacho da mesma data, o tribunal arbitral notificou o Requerente para juntar aos autos o despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, e, por requerimento do dia 18 seguinte, o Requerente procedeu à junção do referido despacho.
Notificada para se pronunciar, por despacho arbitral de 19 de outubro de 2022, sobre o requerimento da impugnante de 12 de outubro, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio declarar que deve o presente processo arbitral ser extinto por inutilidade superveniente da lide, suportando o Requerente as custas processuais referentes à desistência do pedido arbitral.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 7 de outubro de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e foi invocada pelo Requerente a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
3. Por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 26 de setembro de 2022, foi revogado parcialmente o ato de liquidação impugnado, com base em informação dos serviços em que se concluiu, referindo-se a um prédio inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Carcavelos e Parede, que deve ser corrigido, em conformidade com o pedido de pronúncia arbitral, o apuramento de IRS relativo ao ano de 2020, “apenas não sendo de aceitar qualquer exclusão de sujeição a tributação de uma parte do rendimento de mais valia realizado no ano controvertido, concretamente o decorrente da alienação da fração … do artigo ….º”.
Na sequência, o Requerente veio dizer que não mantêm interesse no prosseguimento do processo arbitral, e, notificada para se pronunciar, a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que deve ser julgado extinto o processo arbitral, por inutilidade superveniente da lide.
Cabe preliminarmente referir que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1), enquanto a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3).
No caso vertente, a Autoridade Tributária entendeu ser de corrigir, em parte, o ato de liquidação de imposto com base na argumentação aduzida no pedido arbitral, pelo que praticou, segundo a nova terminologia, um ato de anulação administrativa, isto é, um ato que tem como fundamento considerações de legalidade administrativa e não de mera discricionariedade.
Por outro lado, segundo o artigo 168.º, n.º 3, do CPA, quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa pode ter lugar até ao encerramento da discussão, devendo entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.
Dito isto, não pode deixar de reconhecer-se que a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o ato anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.
A anulação parcial do ato impugnado gera a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 277.º, alínea e), do CPC, quanto ao conteúdo do ato que foi objeto de anulação.
O Requerente informou, no entanto, que não tem interesse no prosseguimento do processo, o que corresponde a uma desistência do pedido na parte que não foi abrangido pela anulação administrativa.
Nos termos legalmente previstos, o autor pode desistir do pedido, em qualquer altura, no todo ou em parte, tendo a desistência como efeito a extinção do direito que se pretendia fazer valer em juízo (artigos 283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1, do CPC).
Havendo lugar a desistência, cabe ao tribunal verificar, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, se a desistência é válida e, no caso afirmativo, assim o declarar por sentença, condenando ou absolvendo nos precisos termos (artigo 290.º, n.º 3, do CPC).
No caso vertente, não há nenhum obstáculo formal à desistência parcial do pedido, pelo que o tribunal, pelo presente acórdão, homologa a desistência e declara extintos os direitos de anulação que o Requerente pretendia exercer em relação ao ato de liquidação de IRS no que se refere à tributação de mais-valias pela alienação da fração … do artigo ….º inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Carcavelos e Parede.
Quando a causa termine por desistência, as custas são pagas pela parte que desistir, salvo se a desistência for parcial, caso em que a responsabilidade pelas custas é proporcional à parte de que se desistiu (artigo 537.º, n.º 1, do CPC). Tendo havido lugar à desistência parcial do pedido, o Requerente é responsável pelas custas devam corresponder à sujeição a tributação de uma parte de mais-valias decorrente pela alienação da fração D.
No pedido arbitral, o Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios. No entanto, a anulação parcial do ato tributário impugnado tem como necessária consequência a emissão de um outro ato tributário com a correção do imposto a liquidar. E, por outro lado, a informação dos serviços que mereceu concordância da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, através de 26 de setembro de 2022, igualmente reconhece o direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.
E, em qualquer caso, o tribunal apenas teria de pronunciar-se sobre os pedidos acessórios de reembolso do imposto e pagamento de juros indemnizatórios em consequência de uma decisão arbitral em que, em apreciação do mérito da causa, se concluísse pela procedência do pedido arbitral com fundamento em ilegalidade.
III - Decisão
Termos em que se decide:
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Declarar a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto à parte do ato de liquidação impugnado que foi objeto de anulação administrativa pelo despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 26 de setembro de 2022;
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Homologar a desistência do pedido e declarar extintos os direitos de anulação que o Requerente pretendia exercer em relação ao ato de liquidação impugnado no que se refere à tributação de uma parte de mais-valias pela alienação da fração … do artigo ….º inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de Carcavelos e Parede.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 149.687,72, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, que fica a cargo da Requerente e da Requerida na percentagem de 58,44% e 41,56%, respetivamente.
Notifique.
Lisboa, 28 de outubro de 2022,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
José Campos Amorim
O Árbitro vogal
Amândio Silva