Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 317/2022-T
Data da decisão: 2022-11-03   
Valor do pedido: € 1.536.578,40
Tema: Revisão oficiosa. Recurso hierárquico. IRC. Valor patrimonial tributário de imóveis. Erro imputável aos serviços
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Decisão Arbitral

 

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Filipa Barros e Dr. Nuno Maldonado Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-07-2022, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A...., entidade com capital aberto ao investimento público, com sede na Rua …, em Lisboa, (em diante abreviadamente designada de “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista ser «admitido e julgado procedente e reverter a decisão de indeferimento proferida em sede de recurso hierárquico, e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2016, na medida correspondente à dedução do montante de € 1.536.578,40, a título de correcção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 14-05-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 07-07-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-07-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que suscitou a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 03-10-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações, com possibilidade de a Requerente se pronunciar sobre a excepção.

A Requerente pronunciou-se sobre a excepção.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a excepção da incompetência [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:

 

 

  1. Em 31-05-2017, a Requerente apresentou a declaração de IRC modelo 22 que consta do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, relativa ao período de 2016, em que apurou valor a recuperar;
  2. Com base nos montantes vertidos naquela declaração, o Requerente apurou um prejuízo fiscal de € 585.908.399,14, e um total de imposto a reembolsar de € 662.849,52, conforme consta da liquidação n.º 2017 …, de 07-07-2017, reproduzida na página 25 do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. Esta liquidação n.º 2017 … foi notificada à Requerente em 26-07-2017 (página 7 do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Em 2019, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2018…, de 01-03-2018, relativa ao período de 2016;
  5. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta parcialmente do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, que foi sancionado, nos termos do artigo 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA) por despacho do Diretor Adjunto da Unidade dos Grandes Contribuintes de 22-01-2020;
  6. Nesse RIT refere-se, além do mais, o seguinte:

(...)

VI. - REGULARIZAÇÕES EFETUADAS PELO SUJEITO PASSIVO NO DECURSO DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

O Sujeito Passivo usou da faculdade prevista no art.º 58.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) e procedeu, no decurso da presente ação inspetiva, à regularização voluntária dos montantes abaixo mencionados através da apresentação de uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC (de substituição), em 07 de novembro de 2019. - [Declaração identificada com o n.º …-…-…].

(...)

VI.1.3 - CORRECÃO PELO ADQUIRENTE DO IMÓVEL QUANDO ADOTA O VPT PARA A DETERMINAÇÃO DO RESULTADOTRIBUTÁRIO NA RESPETIVA TRANSMISSÃO [ALÍNEA B) DO N.º 3 DO ART.º 64.º DO CIRC]

€647.133,05

No âmbito da análise à declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2016, constatou-se que foi deduzido ao resultado líquido contabilístico o valor de € 2.976.338,88 - valor inscrito no campo 772 do quadro 07 -, com base no enquadramento legal previsto na alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC.

Ao nível do enquadramento legal, importa referir que resulta do n.º 1 do art.º 64.º do CIRC que "os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável (...) valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (lMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto".

Do n.º 2 do mesmo artigo retiramos que "Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário [VPT] definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para a determinação do lucro tributável".

E, da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC resulta que, para aplicação do disposto no número 2, "O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel".

Por forma a justificar o valor deduzido ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC, a A… apresentou um ficheiro com a designação "Ponto_15_22_Ajustamento_VPT" contendo uma listagem dos imóveis transmitidos no exercício de 2016, adquiridos, quer em 2016 quer em anos anteriores, por valor inferior ao valor patrimonial tributário definitivo.

Assim, em resultado da análise efetuada pela inspeção tributária aos elementos disponibilizados pela A..., verificaram-se situações em relação às quais consideramos não haver lugar à dedução ao lucro tributável operada pela A..., conforme infra [pontos 1) e 2)] se analisa e demonstra:

1) em relação a três imóveis alienados - melhor identificados no Anexo 18 (2 folhas) - constatou-se que a A… considerou, para efeitos do cálculo efetuado, como valor de aquisição, um valor inferior àquele pelo qual efetivamente adquiriu esses imóveis (e que consta do respetivo Documento Único de Cobrança de IMT).

Assim, em cumprimento do que dispõe o n.º 2 e a alínea b) do n.º 3, ambos do art.º 64 do CIRC, na transmissão onerosa destes imóveis, a A... apenas poderia ter deduzido à matéria tributável de IRC o montante que, anteriormente, enquanto adquirente destes imóveis, resultava da diferença positiva entre o VPT (à data da aquisição) e o respetivo valor de aquisição (a essa mesma data).

Deste modo, em cumprimento destes normativos legais, na medida em que o valor de aquisição inicialmente considerado pela A... estava incorreto, procedeu-se a um novo apuramento, e ao respetivo ajustamento do resultado fiscal apurado pela A..., revertendo a dedução à matéria tributável de IRC efetuada pelo sujeito passivo, relativamente a estes três imóveis, no valor de € 34.608,60, conforme apuramento constante do Anexo 18 (2 folhas);

2) relativamente a um conjunto de imóveis alienados - melhor identificados no Anexo 18 (2 folhas) -, o Documento Único de Cobrança de IMT, emitido aquando da sua aquisição pela A..., evidenciava como "facto tributário", o código 31 com o descritivo de "Aquisição de imóveis do Estado, Regiões Autónomas, Autarquias Locais; aquisição de imóveis por arrematação judicial ou administrativa ou ao abrigo de regimes legais de apoio financeiro à habitação", mais constando, ao nível dos benefícios, o código 16 com o descritivo "Aquisições por Instituições de Crédito -Processo de execução, falência ou insolvência".

 

Ora, o valor tributável do IMT está previsto no art.º 12.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT). O n.º 1 do art.º 12.º do CIMT dispõe que "O IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior".

No entanto, o n.º 4 do art.º 12.º do CIMT refere que, "o disposto nos números anteriores [incluindo, portanto, o disposto no n.º 1 do art.º 12.º do CIMT] entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:" e a regra 16.º do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT dispõe que "o valor dos bens adquiridos ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais, bem como o dos adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato".

Deste modo, no caso dos imóveis adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa o valor tributável corresponderá ao valor da arrematação e que serviu (ou serviria) de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

Em suma, nas situações dos imóveis adquiridos ao Estado, Regiões Autónomas ou Autarquias locais, ou mediante arrematação judicial ou administrativa, o legislador não precisa de acautelar ou prevenir o perigo de evasão ou fraude fiscal uma vez que tais imóveis foram adquiridos aos órgãos da administração pública, tratando-se deste modo de uma exceção à regra geral plasmada no art.º 64.º do CIRC.

A este propósito refere a jurisprudência, plasmada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proc. n.º 01508/12, de 05/11/2014, que "a ratio legis da norma constante da regra 16.º, do n.º 4, do art.º 12.º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transação nas situações em que o ato da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efetuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador."

A A... facultou contratos de aquisição, os quais tinham várias denominações, tais como escritura de compra e venda, título de transmissão, título de dação em cumprimento. Da análise dos documentos apresentados, constatou-se ainda que os contratos celebrados tiveram como intervenientes administradores de insolvência e, no caso do imóvel com a identificação interna da A... "chave …", um título de transmissão de bens adquiridos em processo de execução fiscal.

Atendendo a que a regra 16.ª do n.º 4 do art.º 12.º, do CIMT, dispõe que "o valor dos bens adquiridos (...) mediante arrematação judicial ou administrativa, é o preço constante do ato ou do contrato", importa saber se os contratos de aquisição de imóveis apresentados pela A... se integram no conceito de arrematação judicial ou administrativa.

Neste sentido, foi sancionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o entendimento vertido na Circular n.º 22/2009, datada de 14 de setembro, da Direção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais (DSIMT), que define a arrematação como um meio de aquisição onerosa do um valor em concorrência juridicamente organizada" que decorre através de um tribunal ou sob o seu controlo apesar da cada vez maior intervenção do agente da execução ou do liquidador judicial, uma compra e venda que se caracteriza "pela concorrência - pelo menos potencial - de propostas de aquisição, prévia e juridicamente organizada, isto é, decorrente de um sistema previamente fixado e destinado justamente a possibilitá-la" - a ação executiva - e, dentro desta, muito especialmente através da venda e das respetivas modalidades expressas na lei.».

O art.º 811.º do Código do Processo Civil (CPC) prevê as "modalidades de venda" executiva com natureza judicial, cuja distinção entre si resulta de a venda ser efetuada perante um juiz ou através da intervenção do agente de execução ou liquidatário judicial, sempre sobre a supervisão de um juiz de direito.

Assim, a venda por negociação particular (que decorre em ação executiva) elencada na alínea d) do n.º 1 do artigo 811.º do CPC, é apenas uma das modalidades de venda executiva consagradas na lei e o facto de se firmar através de um contrato de compra e venda não altera a natureza do negócio, uma vez que é promovida a partir de instância judicial adequada no âmbito de um processo executivo.

No mesmo sentido se encaminha o Acórdão n.º 01508/12, do Tribunal Central Administrativo Sul, no seu discurso jurídico ao concordar com o entendimento constante da Circular anteriormente identificada:

(...) A ratio legis do preceito prende-se, pois, com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transacção nas situações em que o acto da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efectuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador (Também neste sentido, ob. citada, a fls. 212.).

Esse entendimento afigura-se-nos ser o mais adequado, e ser perfeitamente aplicável para o caso subjugue.

(...)

O facto do contrato de compra e venda ser titulado por escritura, não afasta, tal como na negociação particular, o seu carácter judicial, pelo que, para efeitos da regra 16a do nº 4 do artigo 12.º do CIMT, integra o conceito de arrematação judicial."

Assim, em todas situações em apreço - Anexo 18 (2 folhas) - é inaplicável o n.º 1 do art.º 64.º do CIRC, porquanto os valores patrimoniais tributários definitivos invocados pela A... não serviram de base à liquidação do IMT, aquando da sua aquisição, uma vez que se enquadram na exceção prevista na regra 16.ª do n. 4 do art.º 12.º, do CIMT.

Na sequência do exposto, e de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, por referência à exceção prevista na regra 16.º do n.º 4 do art.º 12.º do CIMT, será de reverter à matéria tributável de IRC, o montante de € 612.524,45 (que havia sido deduzido em excesso).

 

Na sequência do exposto nos pontos 1) e 2) supra, e em cumprimento da alínea b) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC, será de reverter à matéria tributável de IRC, o montante global de € 647.133.05 (que havia sido deduzido em excesso), apurado conforme Anexo 18 (2 folhas).

Esta correção é efetuada nos termos e com os fundamentos acima referidos.

O sujeito passivo regularizou voluntariamente o referido valor através da apresentação, em 07 de novembro de 2019, de uma declaração de rendimentos modelo 22 (de substituição) – (Declaração identificada com o n.º …-…-...)

 

  1. Durante o processo inspectivo, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira a lista de imóveis que consta da 2.ª página do anexo 18 ao RIT, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

 

  1. Em 07-11-2019, a Requerente procedeu à entrega de uma declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição referente ao período de 2016, com o número de identificação …-…-…, que consta das páginas 27 a 38 do documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral;
  2. No contexto da referida declaração de substituição foi apurado um prejuízo fiscal de € 607.435.405,47 e um total de imposto a reembolsar de € 1.180.456,99, conforme nota de liquidação n.º 2020 …, de 02-03-2020, que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. No entanto, a declaração de rendimentos de substituição (com o n.º de identificação n.º …-…-…, apresentada para refletir as regularizações que voluntariamente aceitou fazer, ficou em situação de «Doc. Não Liquidável», pelo facto de a Requerente ter considerado o valor das retenções na fonte no Campo 360 em vez de o ter considerado no campo 359 (artigos 14 .º e 15.º da Resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, com suporte a página 7 da informação em que se baseou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa );
  4. Na sequência da inspecção e da apresentação da referida declaração de substituição, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2020 …, em que teve em conta as correcções efectuadas no procedimento inspectivo e a que consta da declaração se substituição;
  5. Em 26-06-2020, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do «acto tributário de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), respeitante ao período de tributação de 2016» (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. Nesse pedido de revisão oficiosa, a ora Requerente disse, em suma, o seguinte:

6. Ora, no decurso do período de 2016, o Requerente procedeu à alienação de diversos ativos imobiliários, os quais foram adquiridos, essencialmente, mediante (i) processos de insolvência, (ii) dação em cumprimento e (iii) arrematação judicial.

7. Neste âmbito, e nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 64.º do Código do IRC, o A… inscreveu no campo 745 o montante de € 12.202.328,42 relativo à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário (“VPT”) definitivo do imóvel e o valor constante do contrato.

8. Ademais, tendo dado cumprimento ao disposto na alínea b) do nº 3 do referido artigo, o Requerente inscreveu ainda no campo 772 o montante de € 2.329.205,83 relativo à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão.

9. Não obstante, o A… não efetuou, por lapso, a dedução da diferença positiva entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados naquele período, cuja aquisição tinha sido realizada por arrematação judicial ou adjudicação fiscal.

10. Consequentemente, não foi devidamente refletido o apuramento do montante do prejuízo fiscal, devendo, por isso, ser efetuada a dedução respeitante aos imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, por aplicação do nº 3 do artigo 64.º do Código do IRC.

11. Neste sentido, o Requerente pretende proceder à retificação do apuramento da matéria coletável do período de 2016 no montante de € 2.643.511,53 respeitante à dedução da diferença positiva entre o VPT e valor de aquisição dos imóveis adquiridos em processos de arrematação judicial

(...)

 

59. Em face do exposto, estando reunidos todos os pressupostos exigidos para a dedução do montante de € 2.643.511,53 relativo a diferença positiva entre o valor patrimonial tributário e o valor de aquisição dos imóveis adquiridos mediante arrematação judicial para efeitos do apuramento da matéria coletável do Requerente, não se vislumbram quaisquer argumentos que possam obstar à sua aceitação, devendo as referidas alterações à matéria coletável ser promovidas em conformidade.

 

DO PEDIDO

 

Por todo o exposto, e em face da argumentação apresentada, solicita-se a V. Exa, O deferimento da pretensão do Requerente, procedendo-se à revisão do ato de autoliquidação de IRC n.º 2020 …, referente ao período de tributação de 2016, através da dedução do montante de € 2.643.511,53 a título de correção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial.

(...)

  1. Na sequência de projecto de indeferimento e de audição da ora Requerente, em 13-10-2020, foi o Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências, proferiu despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que manifesta concordância com a Informação n.º …/2020, em que se refere, além do mais, o seguinte:

      Concordando com o informado, determino

  1. Rejeição liminar, por extemporaneidade, o pedido de anulação da liquidação nº 2020 …, com base na falta de dedução ao lucro tributável do ajustamento previsto na alínea b) do n.º 3 do artigo 64 º do Código do IRC. relativamente a imóveis adquiridos por arrematação judicial e administrativa, identificados no documento n.º 5 apresentado com o requerimento de reclamação graciosa, com exceção quer do imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo …, da freguesia …, Concelho de Guimarães, quer inscrito na matriz urbana sob o artigo …, fração …, freguesia …, Concelho de Valongo,
  2. Indeferir o pedido de anulação da liquidação n º 2020…, com base na falta de dedução ao lucro tributável do ajustamento previsto na alínea b) do n º 3 do artigo 64 º do Código do IRC, relativamente quer ao imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo …, da freguesia …, Concelho de Guimarães, quer ao imóvel inscrito na matriz urbana sob o artigo … fração … freguesia …, Concelho de Valongo.

 

  1. A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão do procedimento de revisão oficiosa, em que formulou pedido de «correção do acto de autoliquidação de IRC n.º 2020 …, referente ao período de tributação de 2016, mediante a dedução do montante de € 2.643.511,53 a título de correção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O recurso hierárquico foi indeferido por despacho de 10-02-2022, proferido pelo Subdiretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo de Subdelegação de competências, em que manifesta concordância com a informação DSIRC N.º I2021…. e o parecer do Chefe de Divisão que constam do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. Na Informação DSIRC N.º I2021…. refere-se, além do mais, o seguinte:

(...)

A matéria em questão.

Está em causa a decisão de indeferimento do procedimento de revisão oficiosa identificado com o n.º …, referente à liquidação adicional de IRC n.º 2020…., relativa ao período de tributação de 2016;

Segundo a Recorrente não foi incluído no campo 772 do Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 (“declaração Modelo 22"), o montante de € 2.643.511,53 relativo à correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário ("VPT") definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão, respeitante aos imóveis alienados no período de 2016 cuja aquisição ocorreu mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal, por aplicação do nº 3 do artigo 64.º do Código do IRC.

 Vejamos,

A Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) pronunciou-se no sentido do indeferimento do procedimento de revisão oficiosa e considera que o presente recurso deve ser indeferido pois, na sua perspetiva, a Recorrente repete os argumentos já utilizados e não apresenta novos dados;

É também essa a nossa opinião e afigura-se-nos que, relativamente a esta matéria, não pode ser atendida a pretensão da Recorrente de ver deduzida, adicionalmente, no campo 772 do quadro 07 da declaração Modelo 22 do período de tributação de 2016, o montante de € 2.643.511,53, a título de correção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial;

Atentemos nos dados,

A Recorrente é um sujeito passivo de IRC e tem por objeto o exercício da atividade própria das instituições de crédito;

Ao abrigo da ordem de serviço nº OI2018…, foi sujeita a um procedimento de inspeção ao exercício de 2016;

No âmbito desse procedimento a Recorrente procedeu à regularização voluntária de alguns ajustamentos à matéria tributável, através da apresentação de uma declaração modelo 22 de substituição, em 7 de novembro de 2019;

Uma dessas regularizações, no montante de € 647.133,05, diz respeito à “Correção pelo

adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º nº 3, al. b)], prevista no campo 772 do quadro 07;

A UGC na informação/decisão do pedido de revisão oficiosa refere que “Em 03-02-2020, a AT emitiu a liquidação n.º 2020..., para o período de tributação de 2016, liquidação que refletiu não só as correções realizadas pela Inspeção Tributária ao lucro

tributável da Requerente, como também as regularizações voluntárias que esta efetuou através da declaração de rendimentos de substituição...”;

Refere que a Requerente começou por aceitar o entendimento dos SIT de que o disposto no artigo 64.º, nº 3, alínea b) não era aplicável a imóveis adquiridos mediante arrematação judicial ou administrativa tendo efetuado a respetiva regularização ao inscrever no campo 772 do quadro 07 da declaração de rendimentos de substituição o valor de € 2.329.205,83 (€ 2.976.338,88 - € 647.133,05);

Mas pouco tempo depois de submeter a declaração de substituição, que aconteceu em 07-11-2019, a Requerente veio, em 26-06-2020, apresentar pedido de revisão oficiosa, que foi instaurado sob o nº …;

Perante estes dados a questão que importa analisar e qual o valor de transmissão a considerar para efeitos de determinação do resultado tributável em IRC, nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 64.º do CIRC, nos casos em que a aquisição dos imóveis se efetue por via de arrematação judicial ou administrativa;

Defende a Requerente que “...a regra prevista no artigo 64.º do Código do IRC não contempla, na sua letra, qualquer limitação a dedução da diferença positiva entre o valor patrimonial tributável e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados, cuja aquisição ocorreu mediante arrematação judicial.

Sobre este argumento refere, e bem, a UGC que o legislador ao introduzir o artigo 64.º no Código do IRC, entendeu que nas transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis efetuadas através de arrematação judicial ou administrativa não havia o risco de que fossem considerados, para efeitos de apuramento do rendimento tributável, valores de transmissão inferiores aos efetivamente praticados, e , sendo assim, não havendo esse risco, justifica-se que não seja aplicável aquela norma anti abuso nas referidas transmissões de bens imóveis;

E, “...o fundamento para que assim seja reside no facto de, nestes casos, ser seguro que o preço praticado nas transmissões de direitos reais é efetivamente o que consta no ato ou contrato, pois este tipo de transmissões representa o resultado final de processos administrativos e judiciais instaurados com o fim de proceder à venda de bens imóveis, dirigidos por entidades independentes e imparciais, abertos a qualquer interessado e que, normalmente, culminam com a adjudicação do bem á melhor proposta”;

Afigura-se-nos correta a apreciação feita pela UGC sobre esta matéria não se vislumbrando que a pretensão da Requerente possa ser atendida;

 

Vejamos,

O artigo 64.º do CIRC é aplicado a situações normais de mercado, decorrendo do n.º 2 que o alienante e o adquirente adotam o mesmo valor para determinação do lucro tributável;

A compra de imóveis mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal não se enquadra no conceito de situações normais de mercado, não tendo, as entidades alienantes, de considerar o VPT para efeitos da determinação do resultado da venda;

Como refere e bem a UGC, o legislador terá entendido que, quando os bens são adquiridos ao Estado ou mediante arrematação judicial ou administrativa, não se justifica pôr em causa o preço dele constante para efeitos de liquidação do IMT;

A Requerente tem entendimento contrário como decorre de toda sua argumentação e, por fim e em sua defesa, vem aludir a uma decisão arbitral proferida no processo nº 105/2019;

Ora esta decisão arbitral aborda a matéria aqui em apreço de uma forma demasiado formalista sem atender às alterações legislativas, e em outros processos arbitrais vamos encontrar decisões favoráveis à posição defendida pela AT, de que são exemplos as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 180/2015 e 43/2019;

Sobre matéria idêntica à que aqui nos ocupa já se pronunciou igualmente o Supremo Tribunal Administrativo e quer no Acórdão de 05/11/2014 (Processo nº 01508/12) quer no Acórdão de 21/11/2019 (Processo n.º 0816/08.0BECBR 0558/17) a posição daquele Tribunal Superior parece dar suporte à posição defendida pela Autoridade Tributária;

Como se escreveu no Acórdão do STA de 05-11-2014 (Processo n.º 01508/12):

“II - A ratio legis da norma constante da regra 16ª, do nº 4, do art.º 12.º do CIMT prende-se com a maior segurança da correspondência e conformidade do valor declarado ao valor real da transação nas situações em que o ato da venda é realizado mediante a intervenção das autoridades judiciais e administrativas, admitindo-se que existirá sempre um controlo daquelas autoridades sobre o valor da alienação, apesar de a venda ser efetuada após negociação entre um negociador nomeado por aquele órgão e o comprador.

III - A venda de imóvel efetuada pelo administrador em processo judicial de falência e sob controlo judicial (arts. 158.º e 161.º do CIRE) integra o conceito de arrematação judicial para efeitos da regra 16ª, do n.º 4 do art.º 12º do CIMT”;

 

Ou no Acórdão do STA de 21/11/2019 (Processo n.º 0816/08.0BECBR 0558/17):

“...está justificada a aplicação à situação dos autos do ordenado no § 16 do nº 4 do artigo 12º do CIMT, o que vale por dizer que o valor a atender para efeitos de IMT e consequentemente para efeitos de IRC, deva ser o preço inserto no contrato, por se conectar com a aquisição de um bem sobre o qual o Município de Cantanhede fixou o atinente clausulado e sobre o qual manteve os poderes de resolução em caso de incumprimento desse clausulado”;

Ora a aquisição dos imóveis aqui em causa ocorreu, conforme refere a Requerente, mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal;

Nestes casos como se refere na decisão arbitral do CAAD de 05/09/2019, processo n.º 43/2019-T:

“A desnecessidade de correção ao valor de transmissão dos imóveis resulta da certeza e maior segurança da correspondência e conformidade dos valores declarados com os valores reais das transações, face à intervenção das autoridades judiciais e administrativas.

Assim as transmissões de direitos reais sobre os bens imóveis em causa não se subsumem na previsão ínsita no referido preceito. E como se a presunção de rendimentos tivesse sido ilidida.

E em consequência, o n.º 2 do mesmo artigo, porque se refere às “transmissões onerosas previstas no número anterior”, também é inaplicável.

Conclui-se, assim, que para efeitos do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC, os valores mínimos que deviam ser adotados para determinação do lucro tributável eram os que constam dos atos ou contratos de aquisição operados nos processos de insolvência, por serem esses os que deveriam ser considerados para efeitos de liquidação de IMT, se não existissem as isenções”;

 

Concluindo, reforça-se que terá sido entendimento do legislador que, quando o Estado é parte num ato ou contrato de transmissão onerosa de imóvel, não se justifica pôr em causa o preço dele constante;

Sendo que o artigo 64.º do CIRC deve ser aplicado a situações normais de mercado, decorrendo do n.º 2 a obrigação de o alienante e o adquirente adotarem o mesmo valor para efeitos de determinação do lucro tributável;

Ora, perante tudo o quanto foi exposto, afigura-se-nos que não poderá atender-se à pretensão da Requerente de ver deduzido no campo 772 do quadro 07, o valor adicional de € 2.643,51153 a título de correção do valor de aquisição dos imóveis adquiridos mediante arrematação judicial, nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.

Concluindo, não se vê razões para alterar a decisão proferida pela UGC em sede de procedimento de revisão oficiosa.

 

(...)

 

  1. No referido parecer do Chefe de Divisão sobre que recaiu o despacho de indeferimento do recurso hierárquico diz-se o seguinte:

Confirmo.

Quanto à questão da rejeição por intempestividade, que resulta da UGC se questionar se o ato de liquidação de IRC objeto de revisão oficiosa será o ato de autoliquidação que correspondeu a liquidação n.º 2017…, ocorrido em 31.05.2017, ou a liquidação adicional n.º 2020…., de 03.02.2020, concluindo que quanto à autoliquidação esse pedido sempre seria de rejeitar porque, pela sua própria natureza, inexistiria qualquer erro imputável aos Serviços, sempre se dirá que face a revogação do nº 2 do artigo 78.º da LGT, a ficção nele prevista deixou de vigorar, com efeitos a 31.03.2016, só sendo possível avaliar o erro na autoliquidação ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, quando esse alegado erro seja verdadeiramente imputável aos Serviços, nomeadamente quando o sujeito passivo seguiu orientações destes.

Todavia, tendo sido analisado o mérito do pedido e tendo-se chegado à conclusão da inexistência de qualquer erro imputável aos Serviços, parece-nos que essa questão foi ultrapassada, propondo-se, pois, o indeferimento do presente recurso hierárquico.

À consideração superior

  1.  Os imóveis alienados pela Requerente em 2016 indicados na lista que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, foram adquiridos no âmbito de procedimentos administrativos e judiciais aí indicados (acordo das Partes, que se infere do afirmado pela Requerente e do artigo 76.º da Resposta); ( [1] )
  2. Para além desses imóveis indicados no documento n.º 8, a Requerente vendeu no ano de 2016 os três imóveis indicados no documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, cuja aquisição ocorreu mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal (acordo das Partes, que se infere do afirmado pela Requerente e do artigo 76.º da Resposta);
  3. Em 2-05-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, bem como no afirmado pela Requerente que não é questionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à via de aquisição dos imóveis.

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece no artigo 76.º da Resposta que «a aquisição dos imóveis aqui em causa ocorreu, conforme refere a Requerente, mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal», pelo que se considera provado por acordo que em relação a todos os imóveis em causa (quer os indicados no documento n.º 8, quer os indicados no documento n.º 11, juntos com o pedido de pronúncia arbitral), foram adquiridos por estas vias.

 

3. Excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral

 

3.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira suscita a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral pelos seguintes razões, em suma:

– quando não há erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação;

– a forma processual de reacção contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação;

– o Tribunal Arbitral vai ter que analisar dos pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que a AT defende a extemporaneidade quanto a uma parte do pedido de revisão oficiosa, bem como, que não existe qualquer erro, de facto ou de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação;

– tendo em conta que o p.p.a não é interposto para a apreciação direta de uma liquidação, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa, é evidente que o Tribunal vai ter que decidir de uma questão relativa ao controle dos pressupostos de aplicação do art. 78º da LGT;

– o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT;

– a Portaria de Vinculação não permite que a AT se vincule à jurisdição dos Tribunais Arbitrais para apreciação de um pedido de revisão apresentado “in extremis” e quando já não é mais possível interpor reclamação graciosa por estar esgotado o prazo para a dedução da mesma;

– é inconstitucional a intervenção do Tribunal Arbitral fora do âmbito das situações em que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculara à arbitragem tributária, através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente incidiu sobre a liquidação adicional n.º 2020 …, de 02-03-2020, emitida na sequência da submissão da declaração Modelo 22 de substituição, em 07-11-2019, cuja anulação parcial pediu com base na ilegalidade do ajustamento efectuado no campo da declaração de rendimentos Modelo 22, a título de correcção do valor de transmissão de imóveis adquiridos em 2016, mediante arrematação judicial e sufragado pela AT no âmbito da acção de inspecção promovida;

– os serviços de inspecção tributária efectuaram correções ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 64 operando uma correcção matéria tributável de IRC, no montante de € 612.534,45, considerando tratar-se de uma dedução excessiva por respeitar a imóveis adquiridos por arrematação judicial;

– a referida correção não abarcou a totalidade do ajustamento referente a todos os imóveis adquiridos por arrematação judicial, mas tal não se ficou a dever ao facto de aqueles imóveis não terem todos sido analisados pelos Serviços da AT em sede de inspecção tributaria, mas antes à circunstância de o Requerente, erroneamente, não ter feito reflectir na declaração de rendimentos a dedução relativa à diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição sobre todos os imóveis adquiridos por arrematação judicial em 2016, mas apenas sobre parte deles;

– aquando do procedimento inspectivo, a AT tinha em sua posse os elementos necessários para aferir que os ajustamentos que o Requerente agora peticiona, estavam em falta na declaração Modelo 22, quer no que respeita aos imóveis cuja dedução acabou por reverter, quer sobre os imóveis em relação aos quais não foi efectuada a dedução que a lei impõe;

– a correção em causa é indevida não só pela reversão de uma dedução que foi efectuada e que era legalmente devida, mas também porque não abarcou a totalidade do ajustamento que era devido;

– AT tem o dever de efectuar correcções não só desfavoráveis, mas também favoráveis ao contribuinte, pois assim o impõe o princípio da legalidade;

– a AT tem o dever de realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade;

– a correcção promovida pela AT, em sede de procedimento inspectivo, é sistemática, já tendo ocorrido na inspecção relativa o período de 2012, pelo que o procedimento do Requerente decorre de orientações emanadas pelos serviços de inspecção tributária;

– por isso, o erro da Requerente é imputável aos serviços da AT e, consequentemente. o pedido de revisão oficiosa podia ser apresentado no prazo de quatro anos, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT;

– a fiel determinação do lucro tributável ou prejuízo fiscal só será possível através da correta aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC a todos os imóveis subsumíveis no escopo daquela norma;

– constatada uma ilegalidade a AT tem o dever de reconstituir totalmente a legalidade.

 

 

3.2. Apreciação da excepção

 

3.2.1. Objecto do processo arbitral

 

A ora Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa invocando que deveria ter sido incluída no campo 772 do Quadro 07 da declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao período de 2016, n que concerne à correcção pelo adquirente do imóvel quando adapta o valor patrimonial tributário ("VPT") definitivo para a determinação do resultado tributável na respectiva transmissão, a dedução respeitante aos imóveis alienados no período de 2016 cuja aquisição ocorreu mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal, por aplicação do n.º 3 do artigo 64.º do Código do IRC.

Foi proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter entendido que o pedido era extemporâneo, com excepção da parte respeitante à dedução da diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição de dois dos imóveis e, quanto a estes dois imóveis, ter entendido que o artigo 64.º, n.º 2, do CIRC não é aplicável às transmissões de direitos reais efectuadas através de arrematação judicial ou administrativa.

No entanto, a decisão do pedido de revisão oficiosa não é objecto do presente processo arbitral, pois a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento e é a decisão do recurso hierárquico o objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral, como decorre do objecto que é expressamente indicado e da formulação do pedido:

 

3. O objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral é o indeferimento do recurso hierárquico supra identificado e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2016, na medida correspondente a dedução do montante de € 1.536.578,40, a título de correcção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial.

(...)

19. Contudo, não pode o Requerente concordar com tal entendimento, pelo que pretende submeter à apreciação do Tribunal Arbitral a legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade de parte da autoliquidação de IRC referente ao período de tributação de 2016 do Requerente e, bem assim, proceder à rectificação do apuramento da matéria colectável do período de 2016 no montante de € 1.536.578,40 respeitante à dedução da diferença positiva entre o VPT e valor de aquisição dos imóveis adquiridos em processos de arrematação judicial.

 

(...)

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser admitido e julgado procedente e reverter a decisão de indeferimento proferida em sede de recurso hierárquico, e, consequentemente, o acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2016, na medida correspondente à dedução do montante de € 1.536.578,40, a título de correcção do valor de transmissão de imóveis adquiridos mediante arrematação judicial. (negrito nosso)

 

Como se vê, a ora Requerente não pede no presente processo a apreciação o anulação da decisão do pedido de revisão oficiosa, pedindo, antes, a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento do recurso hierárquico e, como decorrência da sua ilegalidade, a eliminação do acto de liquidação n.º 2020 … que consta do documento n.º 2 e é indicado no cabeçalho na 1.ª página do pedido de pronúncia arbitral.

Assim, é de concluir que é o acto de indeferimento do recurso hierárquico e não o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, o objecto directo do presente processo, sendo seu objecto mediato, a liquidação n.º 2020…., que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

        

3.2.2. Limitação da competência dos tribunais arbitrais pelo âmbito do processo de impugnação judicial

 

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Há restrições à competência dos tribunais arbitrais derivadas das excepções que constam da vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, operada pelo artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, mas não têm aplicação no caso em apreço, em que está em causa a apreciação da legalidade de uma decisão de um recurso hierárquico e do acto de liquidação que nele foi impugnado.

Refere-se no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais; (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

 

Para além da apreciação directa da legalidade de actos deste tipo, o facto de a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa e o recurso hierárquico, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele artigo 2.º do RJAT.

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias susceptíveis de serem objecto de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo ou de acção administrativa, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, ao fazer referência aos «actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de actos que, nos termos do CPPT, não podem ser objecto de impugnação judicial, mas para que é adequada a acção administrativa.

Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. ( [2] ) ( [3] )

É este o único critério de distinção dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, não havendo suporte legal para sustentar que, relativamente a impugnação de actos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, se possa utilizar a acção administrativa, designadamente para apreciar questões relativas à verificação dos pressupostos de pedido de revisão oficiosa. ( [4] )

Por isso, constatando-se que o acto impugnado comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, fica definida a adequação do processo de impugnação judicial, independentemente das questões que foram apreciadas no acto impugnado e das que venha a ser necessário apreciar no processo judicial.

E, consequentemente, pelo que se referiu sobre a sobreposição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral (com excepção do que decorre do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março), conclui-se que os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para apreciar a legalidade de decisões de recurso hierárquico que apreciam a legalidade de actos de liquidação, independentemente das questões que seja necessário apreciar.

No caso em apreço, é manifesto que a decisão do recurso hierárquico aprecia a legalidade do acto de liquidação, pronunciando-se sobre a questão de saber se é aplicável o artigo 64.º do CIRC relativamente aos imóveis adquiridos por via judicial ou administrativa, pelo que se está perante a impugnação de um acto que comporta a apreciação da legalidade de acto de liquidação, para que, por isso, é adequado o processo de impugnação judicial e, consequentemente, o processo arbitral.

No que concerne às questões de inconstitucionalidade que a Autoridade Tributária e Aduaneira entende decorrerem «dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários os ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT», por entender que está em causa uma ampliação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD não prevista na lei, não se colocam, pois é claro o enquadramento nessas competências da apreciação da legalidade do acto de liquidação impugnado e da decisão do recurso hierárquico que o manteve e falta de suporte legal para qualquer restrição destas competências derivada do tipo de questões que seja necessário apreciar para apurar da legalidade desses actos.

 

 

3.2.3. Conclusão sobre a excepção

 

            Em face do que se referiu, tem de se concluir que

– o objecto imediato do presente processo e a decisão do recurso hierárquico e o objecto mediato é a liquidação n.º 2020…. (ponto 3.2.1. deste acórdão);

– a decisão do recurso hierárquico comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação n.º 2020 …, pelo que o meio adequado para a impugnar nos tribunais tributários é o processo de impugnação judicial e, consequentemente, insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da sua legalidade (ponto 3.2.2. deste acórdão).

 

Pelo exposto, improcede a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

4. Matéria de direito

 

Na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2016, apresentada em 31-05-2017, a Requerente indicou o valor de € 2.976.388,88 no campo 772, relativo a «Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]».

A Autoridade Tributária e Aduaneira, em inspecção realizada em 2019, constatou que nesse valor se incluía o de € 647.133,05, respeitante a imóveis que haviam sido adquiridos pela Requerente através de vias judiciais e administrativas e entendeu que seria de efectuar uma correcção sentido de «reverter à matéria tributável de IRC, o montante global de € 647.133,05 (que havia sido deduzido em excesso)».

Em 07-11-2019, antes de estar elaborado o Relatório da Inspecção Tributária dessa inspecção, a ora Requerente, agindo em sintonia com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a correcção referida, apresentou uma declaração modelo 22 de substituição, relativa ao ano de 2016, em que indicou no mesmo campo 772 o valor de € 2.329.205,83.

Na sequência foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2020 …, de 02-03-2020, relativa ao referido período de 2016.

Em 26-06-2020, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa desta liquidação, invocando a existência de erro quanto à indicação do valor que inscrevera no campo 772 da declaração de substituição, invocando que «não efetuou, por lapso, a dedução da diferença positiva entre os valores patrimoniais tributáveis e o valor efetivo de aquisição dos imóveis alienados naquele período, cuja aquisição tinha sido realizada por arrematação judicial ou adjudicação fiscal», que quantificou em € 2.643.511,53.

O pedido de revisão oficiosa foi indeferido «por extemporaneidade», excepto quanto ao valor de dois imóveis, relativamente aos quais a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou o indeferimento no entendimento de que o artigo 64.º, n.º 3, do CIRC não é aplicável relativamente a imóveis adquiridos por via judicial ou administrativa.

A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

O recurso hierárquico foi indeferido, sendo a decisão de indeferimento o objecto imediato do presente processo, que tem como objecto mediato a liquidação que esta decisão manteve.

A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

– foi relativamente à liquidação n.º 2020 … que Requerente solicitou a revisão oficiosa;

– os serviços de inspecção tributária não identificaram o erro incorrido pelo Requerente, ao não indicar no campo 772 da declaração modelo 22 o valor dos imóveis adquiridos por via judicial ou administrativa, apesar da informação relevante se encontrar ao alcance dos serviços competentes;

– apesar de estarmos perante elementos que foram declarados pelo próprio contribuinte (i.e., pela ora Requerente), tal não invalida que a AT devesse ter actuado de forma atenta e diligente, devendo corrigir oficiosamente o erro na fixação do quantum do imposto entretanto detectado;

– Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 55.º da LGT, devendo proceder às correcções que se mostrem devidas face aos erros praticados pelos contribuintes na autoliquidação, quer esses erros lhe sejam favoráveis ou desfavoráveis, nos termos do artigo 58.º da LGT, e tem o dever de «confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários», nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA);

– os erros praticados pelos contribuintes na autoliquidação resultam do facto de a tarefa da liquidação do imposto, que em última instância compete ao Estado, ser delegada no contribuinte;

– mesmo perante um acto de autoliquidação, a AT pode ser responsabilizada por erros constantes do mesmo, caso esses mesmos erros fossem, por exemplo e com relevância para o caso em discussão, do seu conhecimento;

– em sede de inspecção ao período de tributação de 2016, detinha elementos suficientes para aferir que os ajustamentos que o Requerente ora peticiona estavam em falta na declaração Modelo 22;

– tendo os serviços de inspecção tributária efectuado correcções ao abrigo do n.º 3 do artigo 64.º e tendo a última liquidação de IRC efectuada pelo Requerente ambicionado reflectir aquelas, outra conclusão não pode ser retirada que não a de que a liquidação padece de erro imputável aos serviços;

– erro esse que deriva do facto de não ter sido efectuado o ajustamento respeitante a dedução da diferença positiva entre o VPT e valor de aquisição dos imóveis adquiridos em processos de arrematação judicial;

– pelo que o pedido de revisão oficiosa do acto tributário de autoliquidação do IRC n.º 2020 …, referente ao período de tributação de 2016, não é extemporâneo;

– o procedimento referido no artigo 139.º do CIRC é o único que permite ao sujeito passivo demonstrar que o preço praticado é efectivamente inferior ao VPT e, como tal, afastar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 64.º do Código do IRC;

– não tendo o anterior detentor dos imóveis e a Requerente iniciado o procedimento de prova do preço efectivo, a Requerente deu cumprimento às diligências previstas no artigo 64.º do Código do IRC;

– não decorre da Lei qualquer limitação na aplicação deste normativo aos imóveis adquiridos por via de arrematação judicial, pelo que a dedução deverá ser aplicada a todos os activos imobiliários, independentemente do seu processo de aquisição;

– a Requerente reconhece que incorreu em erro na autoliquidação de IRC no que respeita ao apuramento da dedução correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor de aquisição dos imóveis alienados, aquando da submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 do período de 2016;

– não se pode fazer aplicação no âmbito do IRC de uma norma de incidência do IMT;

– a subalínea 16.º do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IMT consubstancia uma norma de carácter excepcional e não de carácter geral, uma vez que exclui os imóveis adquiridos mediante arrematação judicial da norma prevista no n.º 1 desse artigo, esta sim de carácter geral;

– não há qualquer correspondência entre a regra prevista no Código do IRC e a regra de apuramento do valor tributável previsto no Código do IMT, tanto mais que a regra prevista no primeiro Código remete para o valor patrimonial tributário do imóvel e não para o valor tributável do imóvel em IMT;

– a Requerente reuniu elementos probatórios suficientes apenas para comprovar e apurar um montante a deduzir de € 1.459.310,67, correspondente à diferença entre o VPT e o valor de aquisição dos imóveis adquiridos via arrematação judicial que foram alienados no período de 2016;

– a Requerente não é obrigada a deter documentação com antiguidade superior a 10 anos;

– para os imóveis adquiridos mediante arrematação judicial cujo prazo de detenção já excedeu o período de 10 anos, a Requerente não é obrigado a apresentar elementos probatórios para justificar o montante correspondente;

– nesta situação encontram-se 3 imóveis, cuja diferença positiva entre o VPT e o valor de aquisição ascende a € 77.267,73;

– assim, para além do valor de € 1.459.310,67 documentalmente comprovado, também o montante de € 77.267,73, deverá ser considerado no presente pedido.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida na decisão do recurso hierárquico, que entende ser a que já tinha sido adoptada na decisão do pedido de revisão oficiosa, dizendo, em suma, o seguinte:

– o legislador ao introduzir o artigo 64.º no Código do IRC, entendeu que, nas transmissões onerosas de direitos reais sobre bens imóveis efetuadas através de arrematação judicial ou administrativa não havia o risco de que fossem considerados, para efeitos de apuramento do rendimento tributável, valores de transmissão inferiores aos efetivamente praticados, e, sendo assim, não havendo esse risco, justifica-se que não seja aplicável aquela norma anti abuso nas referidas transmissões de bens imóveis;

– o fundamento para que assim seja reside no facto de, nestes casos, ser seguro que o preço praticado nas transmissões de direitos reais é efetivamente o que consta no ato ou contrato, pois este tipo de transmissões representa o resultado final de processos administrativos e judiciais instaurados com o fim de proceder à venda de bens imóveis, dirigidos por entidades independentes e imparciais, abertos a qualquer interessado e que, normalmente, culminam com a adjudicação do bem à melhor proposta;

– em face do n.º 1 do artigo 64.º do CIRC para efeitos de determinar o valor relevante para efeitos de determinação do lucro tributável, é necessário apurar qual o valor que foi considerado para efeitos de IMT ou que seria em caso de não haver lugar à liquidação desse imposto;

– o valor tributável para efeitos de IMT é determinado de acordo com as regras que constam do art.º 12.º do CIMT;

– o n.º 1 do Art.º 12.º do CIMT estabelece a regra é que o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato, ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior;

– as regras consignadas no n.º 4 do Art.º 12.º do CIMT, têm natureza especial em relação às determinadas no n.º 1 do mesmo artigo, sendo aplicáveis preferencialmente nos seus específicos domínios;

– é o próprio CIRC que, preenche o conceito de VPT definitivo, remetendo para a aplicação dos preceitos que serviriam para especificar a base tributável a considerar para a liquidação de IMT se houvesse lugar a essa liquidação, determinado de acordo com a regra 16ª do n.º 4 do Art. 12.º do CIMT;

– o valor tributável para efeitos de IMT corresponde ao valor do contrato, e não o VPT, conforme decorre da citada regra 16.ª do n.º 4 do Art.º 12.º do CIMT, o que constitui uma derrogação à regra geral constante no n.º 1 do citado artigo, a qual manda comparar o VPT com o preço declarado ou acto ou contrato, prevalecendo o que for maior;

– não tem qualquer pertinência estabelecer a comparação entre o preço do contrato e o VPT respetivo, na medida em que esta comparação apenas ocorreria quando o VPT servir como base tributável para a liquidação de IMT;

– para efeitos de IMT, o valor sobre o qual a respetiva taxa incide é, justamente, o preço da transmissão e não o VPT, ainda que superior e para efeitos de IRC, em face do disposto no n.º 1 do Art.º 64.º do CIRC, a regra é exatamente a mesma e, consequentemente, o lucro tributável para efeitos deste imposto deve ser o preço constante no contrato, e não o do VPT;

– em face do n.º 1 do Art.º 64.º do CIRC, só há lugar a correção do lucro tributável do IRC com base no VPT superior ao preço se, para efeitos de IMT, tal regra for igualmente aplicável;

– a regra da prevalência do VPT não se aplicou, e nem se aplicaria, na liquidação de IMT, então de igual forma a mesma não é aplicável para efeitos de IRC;

– não tem razão a Requerente ao querer fazer aplicar às transmissões que presidiram às correcções, para efeitos de determinação do lucro tributável, as regras estatuídas no n.º 1 do Art.º 64.º do CIRC, não lhe são igualmente aplicáveis o disposto no n.º 2 e 3 do citado Art.º 64.º do CIRC, porquanto apenas relevam quando o VPT foi tido em consideração e comparado com o valor dos contratos;

– o mecanismo previsto no Art.º 64.º do CIRC está subordinado a uma lógica de neutralidade fiscal, impondo que os ajustamentos terão de ocorrer correlativamente em sede de alienante/adquirente;

– o artigo 64.º do CIRC deve ser aplicado a situações normais de mercado, decorrendo do n.º 2 a obrigação de o alienante e o adquirente adotarem o mesmo valor para efeitos de determinação do lucro tributável.

 

As questões a apreciar são, assim, em suma:

– a de saber se o artigo 64.º do CIRC, relativo a «correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis», é aplicável aos casos em que a transmissão se operou por via judicial ou administrativa;

– em caso afirmativo, a existir erro no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido da não aplicação desse regime, é necessário apurar se na liquidação impugnada ocorreu erro imputável aos serviços, que permita enquadrar o pedido de revisão oficiosa na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT;

– a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira violou os princípios da legalidade e do inquisitório (artigos 55.º e 58.º da LGT e o artigo 2.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira).

 

 

4.1. Questão da aplicação do artigo 64.º do CIRC a transmissões ocorridas por via judicial ou administrativa

 

O artigo 64.º do CIRC estabelece o seguinte:

 

 

Artigo 64.º

 

Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis

 

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.

 

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

 

Este artigo 64.º, corresponde ao anterior artigo 58.º-A do CIRC e foi introduzido na sequência da reforma da tributação do património, operada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, para consagrar uma intenção legislativa no sentido de que «os valores patrimoniais tributários que servirem de base à liquidação do IMT passam a constituir o valor mínimo para a determinação do lucro tributável, quer do IRS, rendimentos empresariais, quer do IRC» (Preâmbulo deste Decreto-Lei n.º 287/2003).

Foi esta regra que foi consagrada no n.º 1 deste artigo 64.º, que estabeleceu que, para determinação do lucro tributável, não podem ser considerados valores inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

O valor tributável para efeitos de IMT é indicado no artigo 12.º do CIMT que estabelece a regra de que «o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior».

No caso em apreço, não é objecto de controvérsia que os imóveis a que se reporta a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na inspecção tributária foram adquiridos através de contratos, como se reconhece no Relatório da Inspecção Tributária, em que se refere:

A A... facultou contratos de aquisição, os quais tinham várias denominações, tais como escritura de compra e venda, título de transmissão, título de dação em cumprimento. Da análise dos documentos apresentados, constatou-se ainda que os contratos celebrados tiveram como intervenientes administradores de insolvência e, no caso do imóvel com a identificação interna da A... "chave …", um título de transmissão de bens adquiridos em processo de execução fiscal.

 

Como resulta da fórmula alternativa utilizada naquele artigo 12.º do CIMT, designadamente do uso da conjunção «ou», o valor do acto ou contrato e o valor patrimonial tributário são conceitos distintos.

Isto é, nos casos em que no CIMT se estabelece que o valor tributável é o «valor do acto ou do contrato», o valor deste não passa a ser considerado «valor patrimonial tributário», pois este continua a ser o que consta da matriz predial ou, no caso de prédio omisso ou não sujeito a inscrição matricial, será o que vier a ser determinado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), por força do preceituado no n.º 2 do artigo 12.º e nos artigo 14.º e 17.º do CIMT.

A esta luz, reportando-se aquele n.º 1 do artigo 64.º do CIRC ao «valor patrimonial tributário», que é um dos tipos de valores tributáveis para efeitos de liquidação de IMT, e não ao «valor do acto ou contrato», deve concluir-se que esta norma se reporta especificamente ao valor patrimonial tributário e não aos outros tipos de valores tributáveis utilizados para liquidação de IMT, designadamente os valores de actos ou contratos.

É certo que poderá aventar-se que o n.º 1 do artigo 64.º «inclui no conceito de “valores patrimoniais tributários definitivos” os valores que “serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto”, pelo que se terá de concluir que aquela expressão não se reporta ao VPT, stricto sensu, mas ao valor que serviu ou serviria de base à liquidação de IMT, independentemente de tal valor ser, ou não, o VPT». ( [5] )  Mas, esta interpretação afigura-se que não é adequada, pois o conceito de «valor patrimonial tributário» tem um alcance preciso, reportando-se a valor resultante de avaliação nos termos do CIMI e do CIMT e não ao valor de actos ou contratos, e os conceitos devem ser interpretados com o sentido que têm no âmbito do direito em que são utilizados, se não decorrer da lei que têm outro, como se infere do n.º 2 do artigo 11.º da LGT.

Ora, «não há dúvida de que as palavras comportam ou  podem comportar diversos pensamentos. Mas nem todos têm a mesma  legitimidade. Um deles significará o entendimento natural imediato,  espontâneo dos dizeres legais, outro uma significação artificiosa ou  arrevesada. Um deles encontrará no teor verbal da lei uma expressão  perfeitamente adequada, outro uma notação vaga. Um deles sente-se como que  à sua vontade dentro do texto legal, outro lá se aguenta com certo  mal-estar. Ora isto há-de ser um motivo de preferência a favor do primeiro  pensamento, que deverá reputar-se o verdadeiro sentido da lei, salvo se os  demais factores da interpretação muito resolutamente aconselharem ou  impuserem outra solução» ( [6] ).

Neste caso, é manifesto que a interpretação mais natural e imediata da expressão «valor patrimonial tributário» é a de que se reporta ao conceito utilizado CIMI e CIMT e não se vêem razões para concluir que essa interpretação não é adequada, quando aplicada no âmbito do IRC.

Na verdade, não há qualquer razão para que o adquirente de prédio através de via judicial ou administrativa tenha um tratamento diferente, a nível de tributação do rendimento, do que é dado à generalidade de todos os outros adquirentes de imóveis. Pelo contrário, é corolário do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP) que a imóveis adquiridos por sujeitos passivos de IRC pelo mesmo preço e com idênticos valores patrimoniais tributários tenham um tratamento idêntico a nível da determinação da matéria tributável de IRC, inclusivamente quanto à possibilidade de opção entre aplicar o valor patrimonial tributário ou fazer a prova do preço efectivo das transacção.

 

Por outro lado, o artigo 64.º do CIRC permite perceber que, em sede de IRC, não existe uma intenção legislativa de impor na determinação da matéria tributável a adopção do valor do contrato, pois a regra é a imposição da adopção dos «valores normais de mercado» que, como é óbvio, não tem de coincidir com o obtido em vendas efectuadas com intervenção de autoridades administrativas ou judiciais, como evidencia, desde logo, o facto de, para as vendas de imóveis efectuadas através de execução em processo civil e execução fiscal, se prever que sejam anunciados preços de venda de 85% e 70% do valor patrimonial tributário, respectivamente (artigos 812.º, n.º 3, e 816.º, n.º 2, do CPC e 250.º, n.ºs 1 e 5, do CPPT).

Neste contexto, seria incongruente com a intenção legislativa de ver adoptado o valor normal de mercado, impor que nessas vendas efectuadas com intervenção de autoridades administrativas ou judiciais o valor a considerar fosse o valor do contrato, mesmo que seja inferior ao valor normal de mercado e inferior ao valor patrimonial tributário que o n.º 1 do artigo 64.º erige como valor mínimo a considerar para efeitos de determinação da matéria tributável de IRC.

 Assim, tendo de se presumir que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), afigura-se que, se no n.º 1 do artigo 64.º não se pretendesse aludir ao «valor patrimonial tributário» genericamente ao valor tributável que é relevante para efeitos de liquidação de IMT, incluindo os casos em que ele é o valor do acto ou contrato, decerto se faria uma referência abrangente aos «valores tributáveis» que serviram ou deveriam servir de base à liquidação do IMT, e não aos valores patrimoniais tributários definitivos, que são apenas um dos tipos de valores tributáveis utilizados para esses efeitos.

Não há o suporte textual mínimo exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, para entender que, nos casos em que IMT foi ou deveria ser liquidado com base no valor do acto ou contrato, se considere este como valor patrimonial tributário.

Na falta de qualquer suporte textual para aplicar no âmbito de IRC a regra 16.ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, apenas poderia aventar-se a sua aplicação por analogia, com fundamento nos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código Civil, se não houvesse regulamentação para a situação no âmbito do CIRC e fosse permitida por essa via a integração de lacunas de regulamentação em matéria de determinação da matéria tributável.

Mas, por um lado, vigora no âmbito tributário a proibição de integração analógica de «lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República» (artigo 11.º, n.º 4, da LGT) e as normas sobre determinação da matéria tributável dos impostos são normas de incidência, em sentido lato, que se inserem na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, definida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Na verdade, como vem entendendo o Tribunal Constitucional, aquela reserva abrange todos os elementos indicados no n.º 2 do artigo 103.º, designadamente todas as normas sobre critérios materiais da definição da incidência real, isto é, todas cujo alcance transcenda a pura esfera processual, assumindo um carácter «material» ou «substantivo». ( [7] )

Por outro lado, não há qualquer lacuna de regulamentação no CIRC sobre esta matéria, pois o n.º 2 do artigo 64.º do CIRC, que estabelece que, «sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável», reporta-se especificamente ao valor patrimonial tributário e não ao valor do acto ou contrato que foi ou deveria ser utilizado para liquidação de IMT.

Como decorre do texto deste n.º 2 e do uso da inequivocamente explícita expressão «sempre», na ausência de norma que preveja excepção, este regime é potencialmente aplicável em todos os casos em que o «valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel», independentemente da natureza do contrato, designadamente se nele intervieram ou não entidades públicas.

Há uma excepção a esta obrigatoriedade de utilizar para determinação do lucro tributável de IRC o valor patrimonial tributário prevista no artigo 139.º do CIRC, que estabelece, no seu n.º 1, que «o disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis».

E, poderia aventar-se, com razoabilidade, que nos casos em que as transacções foram efectuadas com intervenção de autoridades judiciais ou administrativas se estaria perante uma situação em que foi feita essa prova ( [8] ) e, por isso, era de considerar o preço efectivo como provado, sem necessidade do procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC.  

Porém, como resulta do n.º 3 deste 139.º, a prova do preço efectivo inferior ao valor patrimonial tributário depende da iniciativa do sujeito passivo, pois «deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente».

Na verdade, apenas nos casos de disponibilidade pela Autoridade Tributária e Aduaneira de «elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado» se prevê a possibilidade de intervenção oficiosa (n.º 6 do artigo 64.º), o que não sucede no caso em apreço.

 Isto é, à face deste regime que resulta dos artigos 64.º e 139.º do CIRC, nos casos em que o valor do acto ou contrato é inferior ao valor patrimonial tributário, o sujeito passivo pode optar por utilizar, para determinação da matéria tributável de IRC, o valor patrimonial tributário ou pode (procurar) fazer a prova do preço efectivo, sendo certo que, se não manifestar a sua intenção de utilização do preço efectivo para efeitos de determinação do lucro tributável, através de requerimento para instauração do procedimento referido no n.º 3 do artigo 139.º, é forçosamente o valor patrimonial tributário o valor da transmissão a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável de IRC.

Não há, também aqui, qualquer lacuna de regulamentação que permita aplicar analogicamente em sede de determinação da matéria tributável de IRC o regime do artigo 2.º, n.º 4, alínea 16) do CIMT, nem era viável a sua utilização por ser proibida pelo citado n.º 4 do artigo 11.º da LGT.

Assim, no caso em apreço, sendo os valores das transmissões inferiores aos valores patrimoniais tributários e não tendo a Requerente optado por fazer a prova do preço efectivo, não é afastada a aplicação do artigo 64.º do CIRC, pelo que o valor patrimonial tributário é «o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável» (n.º 2) e «o sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel», como impõe a alínea b) do seu n.º 3.

No campo 772 do quadro 7 da declaração modelo 22 de IRC, está expresso o direito à dedução pela «correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão [art.º 64.º, n.º 3, al. b)]».

A explicação para a inclusão na declaração modelo 22 deste campo é dada no «Manual de Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22», IRC 2021, publicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em

https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/modelos_formularios/irc/Documents/Manual_Q_07_Mod22.pdf: ( [9] )

 

Campo 772 – Correção pelo adquirente do imóvel quando adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação do resultado tributável na respetiva transmissão (art.º 64.º, n.º 3, al. b)]

Contrariamente ao que acontecia no âmbito da redação do ex-artigo 58.º-A, o adquirente dos direitos reais sobre bens imóveis já não pode contabilizar os imóveis pelo valor patrimonial tributário definitivo (VPT) quando superior ao valor de aquisição, tendo de respeitar o conceito de custo de aquisição referido nos normativos contabilísticos e no D.R. n.º 25/2009, de 14 de setembro.

Portanto, como o imóvel já não pode ser contabilizado pelo VPT, já não pode ser aceite o acréscimo de depreciações que resultava dessa contabilização.

 No entanto, para efeitos fiscais, esse valor (VPT) é tomado em consideração na determinação de qualquer resultado tributável em IRC que venha a ser apurado relativamente ao imóvel.

 Consequentemente, quando o sujeito passivo transmitir o imóvel, o resultado fiscal é apurado considerando como valor de aquisição o VPT e não o custo de aquisição que reconheceu no seu ativo, quando aquele valor for superior ao custo de aquisição.

 

Exemplo:

Um determinado sujeito passivo adquiriu, em 2020, um imóvel, por € 650.000,00, que

reconheceu nos seus inventários pelo respetivo custo de aquisição.

Em 2021 foi notificado do VPT deste imóvel (€ 700.000,00), tendo integrado o respetivo

documento no dossier fiscal previsto no art.º 130.º (art.º 64.º, n.º 5).

Admitindo que o transmitiu em 2021 e:

a) Que o preço de venda foi de € 720.000,00 (superior, portanto, ao VPT):

Resultado contabilístico: 720.000,00 – 650.000,00 = 70.000,00

Resultado fiscal: 720.000,00 – 700.000,00 = 20.000,00

 (preço de venda) (VPT fixado na aquisição)

 

Correção no Quadro 07:

  • Campo 772 – Dedução de € 50.000,00

 

b) Que o preço de venda foi de € 680.000,00 (inferior, portanto, ao VPT):

Resultado contabilístico: 680.000,00 – 650.000,00 = 30.000,00

Resultado fiscal: 700.000,00 – 700.000,00 = 0

 (VPT fixado para o imóvel)

 

 Correção no Quadro 07:

  • Campo 745 – Acréscimo de € 20.000,00 (€ 700.000,00 – € 680.000,00)
  • Campo 772 – Dedução de € 50.000,00 (€ 700.000,00 – € 650.000,00)

Neste caso, o sujeito passivo tem de acrescer, como alienante, no campo 745, a

diferença positiva entre o VPT e o valor constante do contrato de venda (€ 20.000,00)

e, como adquirente, vai ter de deduzir, neste campo 772, o montante de € 50.000,00,

 

 

Não está em causa, assim, subjacente à correcção a se refere o campo 772, qualquer dúvida ou incerteza sobre o valor de aquisição quando este é fixado através de acto em que intervêm as autoridades judiciais ou administrativas, mas sim o entendimento legislativo de que, mesmo em casos em que não se suscitam dúvidas sobre o valor da transacção, quando o valor patrimonial tributário é superior é este e não esse valor da transacção o valor a considerar para efeitos da determinação da matéria tributável de IRC, se não for utilizado o procedimento previsto no artigo 139.º.

O referido «Manual de Preenchimento do Quadro 07 da Declaração de Rendimentos Modelo 22» enquadra-se no conceito de «orientações genéricas» a que se refere o artigo 68.º-A da LGT, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada ao que nele se refere sobre ser o valor patrimonial tributário o valor a considerar na determinação do resultado tributável em IRC, independentemente do custo de aquisição e da via pela qual o imóvel foi adquirido.

Assim, reconhecendo a Autoridade Tributária e Aduaneira que «a aquisição dos imóveis aqui em causa ocorreu, conforme refere a Requerente, mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal» (artigo 76.º da Resposta) e não tendo a Requerente utilizado o procedimento previsto no artigo 139.º do CIRC, tem de se concluir que a Requerente tinha de adoptar o valor patrimonial tributário para determinação do lucro tributável de IRC relativamente aos imóveis indicados na lista que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, tinha em relação a todos eles o direito de efectuar a dedução prevista no artigo 64.º, n.º 3, alínea b) do CIRC e naquele Campo 772.

Conclui-se, assim, em face do que conta da matéria de facto, que:

– a Requerente incluiu no campo 772 da declaração modelo 22 inicial o valor de € 2.976.338,88 (em que se incluía o valor de € 647.133,05 correspondente às correcções relativas aos imóveis adquiridos por via judicial ou administrativa), quando o valor que deveria ter inscrito deveria ser superior em € 889.445,35, já que se provou que o valor das correcções relativas aos imóveis vendidos em 2016 e adquiridos por essas vias não era o de € 647.133,05, mas sim o de € 1.536.578,40 (€ 1.459.310,67+ € 77.267,73, indicados nos documentos n.ºs 8 e 11), pelo que o valor a inscrever no campo 772 deveria ser de € 3.865.784,23 (€ 2.976.388,88 - € 647.133,05 + € 1.536.578,40);

– a liquidação n.º 2017 …, de 07-07-2017, que se baseou na declaração modelo 22 inicial, enferma desse erro quanto ao valor indicado no campo 772;

 – a liquidação impugnada, n.º 2020 …, de 02-03-2020, baseada na declaração modelo 22 de substituição e nas correcções efectuadas no RIT, que teve como pressuposto a exclusão total do campo 772 dos valores das correcções respeitantes aos imóveis adquiridos por vias judiciais e administrativas, enferma de erro quanto ao valor indicado nesse campo 772.

 

 

4.2. Questão do erro imputável aos serviços e tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

O artigo 78.º, n.º 1, da LGT estabelece o seguinte:

 

A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

No caso em apreço é objecto de controvérsia o enquadramento do pedido de revisão oficiosa dentro dos limites temporais definidos nesta norma.

 

4.2.1. Correcção relativa ao valor de € 647.133,05 objecto de correcção no procedimento inspectivo

 

O artigo 78.º, n.º 1, da LGT prevê na parte inicial, a revisão oficiosa com fundamento em qualquer ilegalidade, quando o pedido é apresentado no prazo da reclamação administrativa, e, na parte final, o pedido de revisão oficiosa formulado depois deste prazo, em que a revisão só pode ter com fundamento erro imputável aos serviços.

Constata-se que quanto ao valor das correcções no montante de € 647.133,05, relativas a imóveis adquiridos por via judicial ou por via administrativa indicados na lista que consta do anexo 18 ao RIT, que a Requerente incluiu na 1.ª declaração modelo 22, está-se perante uma situação enquadrável na parte inicial deste artigo 78.º.

Na verdade, a Requerente havia incluído aquele valor na declaração modelo 22 inicial e a sua exclusão foi decidida na inspecção e concretizada na liquidação n.º 2020 …, de 02-03-2020, que aplicou as correcções. ( [10] )

O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26-06-2020, dentro do prazo de 120 dias previsto para a reclamação graciosa no artigo 70.º, n.º 1, do CPPT, pelo que se está perante uma situação enquadrável na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e, por isso, o pedido pode ter com fundamento «qualquer ilegalidade», independentemente de ser ou não imputável aos serviços.

Aliás, isso é expressamente reconhecido na página 2 da Informação em que baseou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em que se refere, quanto a pressupostos processuais:

(...)

A presente revisão oficiosa é tempestiva, pois foi apresentada dentro do prazo estabelecido na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT. Com efeito, tendo sido deduzida em 26.06.2020, respeitou o prazo de 120 dias estabelecidos para o efeito, contado desde 29.03.2020, data em foi notificada da liquidação adicional resultante da ação inspetiva tributária. (negrito nosso)

 

(...)

 

 

Assim, relativamente às correcções a que respeita aquele valor de € 647.133,05, indicadas na 2.ª página do anexo 18 ao RIT [alínea G) da matéria de facto fixada], não se coloca a questão da existência ou não de erro imputável aos serviços, pois essa limitação aos fundamentos de pedidos de revisão oficiosa apenas está prevista para os pedidos apresentados depois de esgotado o prazo da reclamação administrativa.

Por isso, para o pedido de revisão oficiosa quanto àquelas correcções no valor de € 647.133,05, podia ter como fundamento qualquer ilegalidade.

Não se coloca em relação aos imóveis que constam desta lista qualquer questão de falta de prova documental das aquisições, pois não foi com fundamento na falta de prova que a correcção foi efectuada no Relatório da Inspecção Tributária subjacente à liquidação impugnada nem é invocado esse fundamento na decisão do recurso hierárquico que é objecto imediato do presente processo. Para além disso,  no artigo 76.º da Resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que «a aquisição dos imóveis aqui em causa ocorreu, conforme refere a Requerente, mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal», pelo que se trata matéria de facto assente por acordo, nos termos do artigo 574,º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Assim, podendo o pedido de revisão oficiosa quanto a estas correcções no valor de € 647.133,05 ter como fundamento qualquer ilegalidade e tendo-se concluído no ponto 4.1 deste acórdão que é errado o entendimento adoptado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária quanto à inviabilidade  de considerar esse valor no campo 772 da declaração modelo 22, tem de se concluir que essa correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira enferma de vício de erro sobre os pressupostos de direito (erro de interpretação do artigo 64.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC), que justifica a anulação da liquidação impugnada e do despacho de indeferimento do recurso hierárquico, nas partes correspondentes a essa correcção.

 

 

4.2.2. Questão da possibilidade de revisão oficiosa quanto às correcções respeitantes a valores de imóveis indicadas no pedido de revisão oficiosa, cujo valor não foi incluído na declaração modelo 22 inicial

 

Relativamente às correcções de valores de imóveis susceptíveis de enquadramento no artigo 64.º do CIRC referidas pela Requerente no pedido de revisão oficiosa que não foram incluídas no valor indicado pela Requerente no campo 772, coloca-se a questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa que foi apreciada na informação em que se baseou a decisão de indeferimento do pedido de revisão.

Dos imóveis indicados no pedido de revisão oficiosa, a Requerente reduz o valor das correcções para € 1.536.578,40 no presente processo arbitral, limitando a sua pretensão às correcções referentes aos imóveis indicados nas listas que constam dos documentos n.ºs 8 e 11, no valor de € 1.536.578,40.

Assim, pelo que se referiu no ponto anterior, sendo tempestivo o pedido de revisão oficiosa quanto a correcções no valor de € 647.133,05, estão em causa nesta questão de intempestividade correcções no valor de € 889.445,35 (€ 1.536.578,40 -- € 647.133,05).

Quanto a estas correcções no valor de € 889.445,35, ocorreu omissão da sua indicação na declaração modelo 22 inicial, apresentada em 31-05-2017, e não houve reclamação graciosa nem pedido de revisão oficiosa apresentado no prazo da reclamação, quer relativamente à autoliquidação naquela declaração efectuada ( [11] ), quer da liquidação n.º …, de 07-07-2017, que se baseou nessa autoliquidação ( [12] ).

A apresentação de declaração de substituição não tem relevância para ampliar ou reactivar prazos de impugnação relativamente àquela omissão concretizada na declaração modelo 22 inicial, pois «da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas» (artigo 59.º, n.º 6, do CPPT).

Por isso, o pedido de revisão oficiosa, na parte que se reporta aos imóveis cujos valores de correcções foram omitidos na declaração modelo 22 inicial, não pode ser enquadrado na 1.ª parte do n.º 1, do artigo 78.º da LGT, pois não foi utilizado qualquer meio de impugnação no prazo da reclamação administrativa.

Consequentemente, essa impugnação do que foi omitido na declaração modelo 22 inicial apenas poderá ser efectuada através de pedido de revisão oficiosa enquadrável na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, isto é, só pode basear-se em erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, existiu erro, como se referiu no ponto 4.1 deste acórdão, pelo que apenas há que apreciar se esse erro pode ou não considerar-se imputável aos serviços.

O facto de a declaração modelo 22 inicial ter sido apresentada pela Requerente não exclui a possibilidade de se considerar que o erro é imputável aos serviços, como se depreende do actualmente revogado n.º 2 do artigo 78.º da LGT, em que até se estabelecia uma ficção de que qualquer erro de que enfermassem autoliquidações era imputável aos serviços.

A razão que justificava esta ficção era a de que a imposição aos contribuintes da prática de actos de autoliquidação constitui atribuição do exercício de funções tributárias para que aqueles não estão ou não têm de estar vocacionados nem preparados e, por isso, era razoável e proporcionado admitir com maior amplitude a correcção de erros que eventualmente praticassem e os prejudicassem.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-01-2015, processo n.º 0843/14, «tratando-se de verdadeira liquidação tributária para todos os efeitos, na medida em que o cidadão é utilizado em funções que lhe não são próprias, mas próprias de um funcionário da Administração Tributária, nos casos em que, ao mencionar os factos ou na subsunção dos mesmos ao direito, incorre em erro, esse erro não pode deixar de considerar-se como erro da própria Administração Tributária». ( [13] )

Como é óbvio, esta razão que justifica a especial protecção contra erros praticados pelo contribuinte a quem é imposta por lei a tarefa de liquidação de impostos não deixou de valer com as alterações introduzidas na LGT pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que revogou aquele n.º 2 do artigo 78.º, pois a situação do contribuinte que, depois dessa revogação, se vê obrigado a assumir funções tributárias para que não tem especial preparação é precisamente a mesma que existia antes.

Por isso, afigura-se que a razão da revogação daquela norma do n.º 2 do artigo 78.º, em que se considerava sempre imputável aos serviços qualquer erro da autoliquidação, será a eliminação do exagero de protecção do contribuinte que nela estava ínsito, ao considerar como imputáveis aos serviços todos os erros que o contribuinte tivesse praticado, mesmo que a actuação do contribuinte merecesse censura a título de negligência (ou mesmo de dolo, se bem que pouco provável em situação em que o erro se reconduz a prejuízo para o contribuinte). ( [14] )( [15] )

Foi, decerto, o exagero de protecção do contribuinte negligente que o n.º 2 do artigo 78.º consubstanciava que terá justificado a sua revogação e não uma intenção legislativa de afastar a imputabilidade aos serviços relativamente a todos os erros praticados nas autoliquidações.

Assim, desde logo, será imputável aos serviços o erro do contribuinte em autoliquidação quando actuou em sintonia com orientações da Administração Tributária ( [16] ), gerais ou não, pois serão casos em que haverá nexo de causalidade entre a actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira e o comportamento do contribuinte.

Mas, a ponderação adequada e sensata das exigências que se podem fazer aos contribuintes, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e da justiça, impostos à actuação da Administração Tributária pelo n.º 2 do artigo 266.º da CRP, justificará que não seja necessário, para existir o dever de revogação de actos ilegais que decorre do princípio da legalidade, que exista nexo de causalidade entre uma actuação da Administração Tributária e o erro que afecte a autoliquidação, impondo-se esse dever quando o erro na autoliquidação não decorra de um comportamento negligente do contribuinte, à semelhança do que está previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT quanto a erros na fixação da matéria tributável, e em sintonia com o que há muito vem entendendo o Supremo Tribunal Administrativo, relativamente a esse mesmo conceito de «erro imputável aos serviços» utilizado no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, quanto à responsabilidade por juros indemnizatórios. ( [17] )

De qualquer forma, no caso em apreço, o erro da autoliquidação que decorre de não ter incluído no campo 772 o valor da totalidade das correcções que aí deviam ser incluídas por aplicação do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), da LGT, deve considerar-se é imputável a negligência da Requerente.

Na verdade, a própria Requerente explicou que a não inclusão no campo 772 da declaração modelo 22 do valor da totalidade das correcções se deveu a lapso seu (artigo 9.º do pedido de revisão oficiosa) e disse que «reconhece que incorreu em erro na autoliquidação de IRC no que respeita ao apuramento da dedução correspondente à diferença entre o valor patrimonial tributário e o valor de aquisição dos imóveis alienados, aquando da submissão da declaração de rendimentos Modelo 22 do período de 2016» (artigo 23.º do pedido de revisão oficiosa), não imputando aí esse erro à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Para além disso, o facto de a Requerente ter incluído naquele campo 772 o referido valor de € 647.133,05 respeitante a correções relativas a imóveis adquiridos por via judicial e administrativo, revela que a Requerente não teve dúvidas relevantes de natureza jurídica quanto ao enquadramento das correcções omitidas naquela situação, nem concretizou a omissão por estar a seguir a posição adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em inspecções anteriores (pois não a seguiu quanto a outras semelhantes).

Por outro lado, quanto à alegada falta de diligência da Autoridade Tributária e Aduaneira, na inspecção tributária, por não ter apurado no procedimento inspectivo que havia mais imóveis relativamente as quais deveriam ter sido feitas correcções nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, não tem potencialidade para tornar o erro na autoliquidação imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, obviamente, a inspecção foi muito posterior à autoliquidação.

Assim, é de concluir que o erro na autoliquidação, quanto às correcções relativas aos imóveis cujo valor não foi incluído pela Requerente no campo 772 da decisão modelo 22, é exclusivamente imputável à Requerente.

Por isso, a revisão oficiosa não podia ser efectuada com fundamento naquele erro da autoliquidação imputável à Requerente.

Consequentemente, não enferma de erro a decisão do recurso hierárquico ao entender que não podia ser efectuada a revisão oficiosa por não existir erro imputável aos serviços que permitisse a apresentação do pedido no prazo de quatro anos previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

 

4.3. Questão da violação dos princípios da legalidade e do inquisitório (artigos 55.º e 58.º da LGT e o artigo 2.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira)

 

A Requerente defende, em suma, que a Administração Tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 55.º da LGT, devendo proceder às correcções que se mostrem devidas face aos erros praticados pelos contribuintes na autoliquidação, quer esses erros lhe sejam favoráveis ou desfavoráveis, nos termos do artigo 58.º da LGT, e tem o dever de «confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributária», nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Quanto ao princípio da legalidade, não tem relevo autónomo, neste contexto, pois o que está em causa é, em última análise, saber se houve violação dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório, enunciado no artigo 58.º da LGT, em que se incluirá o dever de confirmação dos elementos declarados, que consta do artigo 2.º, n.º 2 do RCPITA.  

Ora, o artigo 58.º da LGT (bem como artigo 6.º do RCPIT, que tem alcance idêntico relativamente ao procedimento de inspecção) ao impor à Administração Tributária «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material», não pode ser interpretado como obrigando a realizar todas as diligências imaginárias para descobrir factos relativamente aos quais não se equaciona sequer no procedimento que possam ter ocorrido.

         Com efeito, a actuação da inspecção tributária, como a generalidade da actividade procedimental da Autoridade Tributária e Aduaneira, está subordinada aos princípios da proporcionalidade, da eficiência e da praticabilidade (artigos 63.º, n.º 4, da LGT e 46.º do CPPT), pelo que não lhe é exigível que leve a cabo todas as diligências abstractamente possíveis, mas apenas aquelas que, à face da informação disponível, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter considerado potencialmente úteis para o objectivo a atingir, o que está explicitado nos artigos 6.º e 7.º do RCPITA ao fazerem referência ao dever de a Administração Tributária adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas à descoberta da verdade material e «adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária».

         Neste sentido também a aponta o artigo 72.º da LGT ao limitar a utilização dos meios de prova aos que relevem «para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento».

Assim, aquele dever de prosseguir a descoberta da verdade material, tem de ser interpretado como impondo à Administração Tributária apenas a realização das diligências que, no específico circunstancialismo de cada procedimento, se afigurem como potencialmente úteis para averiguar os factos que importa conhecer para proferir a decisão do procedimento.

No caso em apreço, a Requerente apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira, durante a inspecção tributária, a lista de imóveis que consta do anexo n.º 18 do RIT, como sendo aqueles relativamente aos quais havia que efectuar correcções ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC, não aludindo sequer a que poderiam existir mais imóveis transmitidos em 2016 que tinham sido adquiridos por via judicial ou administrativa.

A informação sobre a existência de mais imóveis beneficiava a Requerente, sob a sua perspectiva, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tinha razão para suspeitar que havia outros imóveis que a Requerente poderia ter indicado e não indicara.

Na verdade, não há obrigação de prever a negligência de outrem quando se trata de insólita e anormal falta de declaração de uma dedução à matéria tributável de um valor elevado, para mais quando se está perante uma omissão efectuada por uma entidade de grande dimensão económica, sujeita ao regime dos Grandes Contribuintes, que é de presumir, à face das regras da experiência comum, que disponha de funcionários altamente qualificados, que actuem com o rigor  e cuidado adequado à avultada dimensão das suas relações fiscais. ( [18] )

Por isso, não se justificava a Administração Tributária suspeitasse que, para além das correcções relativas a imóveis que a Requerente indicara no campo 772, em que se incluíam as relativas aos imóveis indicados no anexo 18 ao RIT como tendo sido adquiridos por via administrativa e judicial, existissem outros imóveis adquiridos por essas vias, cujas correcções a ora Requerente não indicara naquele campo 772, nem mesmo na informação que prestou à Administração Tributária no procedimento inspectivo, vários anos depois.

Da mesma forma, o dever de «confirmação dos elementos declarados pelos sujeitos passivos e demais obrigados tributários», nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do RCPITA, limita-se aos que, no contexto procedimental, se devam considerar relevantes para a decisão, não abrangendo o dever de averiguar se, além dos «elementos declarados», há outros que não foram declarados, quando não há qualquer elemento no processo que justifique que se suspeite da sua existência.

Por isso, não ocorreu vício no procedimento de inspecção, nem por violação do princípio da legalidade, nem por não observância do disposto no artigo 58.º da LGT e no artigo 2.º, n.º 2, do RCPITA.

 

4.4. Conclusão

 

O pedido de pronúncia arbitral procede quanto à questão da correcção no valor de € 647.133,05, pelas razões indicadas no ponto 4.1. deste acórdão.

O pedido de pronúncia arbitral improcede quanto à questão da possibilidade de revisão oficiosa quanto às correcções respeitantes a valores de imóveis indicadas no pedido de revisão oficiosa, cujo valor não incluído na declaração modelo 22 inicial, por não existir erro imputável aos serviços, que permita a revisão oficiosa com base na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (pontos 4.2., 4.2.1. e 4.2.2. deste acórdão).

O pedido de pronúncia arbitral improcede ainda quanto aos vícios procedimentais, nos termos referidos no ponto 4.3 deste acórdão.

 

 

            5. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à questão da aplicação do regime do artigo 64.º, n.º 3, alínea b), do CIRC ao valor de € 647.133,05, indicado pela Requerente no campo 772 da declaração modelo 22 inicial;
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes questões;
  4. Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2020 …, na parte em que tem como pressuposto a não consideração daquele valor de € 647.133,05 na determinação da matéria tributável;
  5. Anular parcialmente a decisão do recurso hierárquico, na parte em que manteve aquela liquidação na parte em que não foi considerado daquele valor de € 647.133,05 na determinação da matéria tributável.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.536.578,40.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.502,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, em função dos valores de decaimento, a cargo da Requerente na percentagem de 57,88% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 42,12%.

 

 

Lisboa, 03-11-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

                                                                                  

(Filipa Barros)

 

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)



[1] No artigo 76.º da Resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece que «a aquisição dos imóveis aqui em causa ocorreu, conforme refere a Requerente, mediante arrematação judicial ou adjudicação fiscal».

( [2] )        No conceito de «liquidação», em sentido lato, englobam-se todos os actos que se reconduzem a aplicação de uma taxa a uma determinada matéria colectável e, por isso, também os actos de retenção na fonte (para além dos de autoliquidação e pagamento por conta, que não interessam para a decisão do presente processo).

( [3] )        Porém, como excepção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, actualmente revogado, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável.

Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 2-4-2009, processo n.º 0125/09.

Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos.

( [4] )        Aliás, o Supremo Tribunal Administrativo tem apreciado sempre a questão da tempestividade de pedidos de revisão oficiosa quando é colocada em recursos interpostos em processos de impugnação judicial como pode ver-se, entre muitos, pelos acórdãos de 05-11-2014, processo n.º 01474/12, de 04-05-2016, processo n.º 0407/15, e de 08-03-2017, processo n.º 01019/14.

[5] Como se defende no acórdão arbitral de 17-11-2015, processo n.º 180/2015-T

[6] MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, página 30.

[7]                Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do TC n.º 358/92 (DR, I Série, de 26-1-93), 57/95 (DR, II Série, de 12-4-95), 211/03 (DR, II Série, de 21-6-2003), 84/03 (DR, II Série, de 29-5-2003), e 452/2003 (DR, II Série, de 21-11-2003).

               Sobre este ponto, pode ver-se J. M. CARDOSO DA COSTA, O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, em Perspectivas Constitucionais, Nos 20 Anos da Constituição de 1976, volume II, página 410.

[8] Como, essencialmente, se defende no acórdão arbitral proferido no processo n.º 43/2019-T, dizendo:

«A desnecessidade de correção ao valor de transmissão dos imóveis resulta da certeza e maior segurança da correspondência e conformidade dos valores declarados com os valores reais das transações, face à intervenção das autoridades judiciais e administrativas.

Assim as transmissões de direitos reais sobre os bens imóveis em causa não se subsumem na previsão ínsita no referido preceito. É como se a presunção de rendimentos tivesse sido ilidida».

[9] Este Manual é, neste ponto, idêntico a outros que a Autoridade Tributária e Aduaneira vem publicando, como pode ver-se em Manual (apeca.pt)

[10] Nem se pode aventar que, quanto a estas correcções houve uma autoliquidação anterior decorrente da declaração de substituição, pois esta foi considerada pela Autoridade Tributária e Aduaneira como «não liquidável» [alínea J) da matéria de facto fixada] e, por isso, não concretizou qualquer definição da situação jurídica da Requerente, o que só foi concretizado com a emissão da liquidação n.º 2020 …, concretizando as correcções que decidiu fazer no âmbito do processo inspectivo.

[11] O prazo da reclamação graciosa de autoliquidação é de dois anos a contar da apresentação da declaração, nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

[12] O prazo de reclamação graciosa da liquidação é de 120 dias contados da sua notificação, nos termos dos artigos 70.º, n.º 1, e 102.º, n.º 1, alínea b), do CPPT e a notificação da liquidação ocorreu em 26-07-2017, como se refere na página 7 do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

[13] Entendimento reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 18-11-2020, proferido no processo n.º 02342/12.3BELRS 0400/18.

[14] Como pertinentemente refere PAULO MARQUES, A Revisão do Acto Tributário: Do mea culpa à reposição da legalidade, página 386:

«Na ficção legal constante do artigo 78.º, n.º 2, da LGT (antes da revogação encetada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), em que se considerava verificar «erro imputável aos serviços» em caso de erro na autoliquidação não existia o necessário ponto de equilíbrio entre as partes (fisco e contribuinte), porque estando na presença de uma liquidação administrativa já não existe a presunção/ficção de qualquer erro imputável aos serviços, incumbindo o ónus da prova ao próprio contribuinte (artigo 74.º, n.º l, da LGT). Por sua vez, tratando-se de uma liquidação efectuada pelo próprio contribuinte (autoliquidação), o legislador já vinha estabelecer uma presunção/ficção de erro imputável aos serviços, a favor do contribuinte, quando até pode ter existido má-fé por parte do contribuinte (dolo ou negligência), o que se revelava de difícil harmonia com o espírito do artigo 78.º, n.º 4, bem como contradizia a necessária unidade e coerência do sistema jurídico fiscal. A letra do artigo 78.º, n.º 2, da LGT conferia assim um tratamento diferenciado aos contribuintes que procedem a autoliquidação, colocando-os em situação bastante mais vantajosa do que os contribuintes confrontados com um acto tributário da autoria da administração tributária e mesmo com liquidação oficiosa nas situações de incumprimento do dever de autoliquidação.»

[15] Afirmando que o «"erro imputável aos serviços" concretiza qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte por conduta negligente», pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23-03-2017, processo n.º 1349/10.0BELRS.

Em sentido semelhante o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05-11-2020, processo n.º 328/05.3BEALM, em que se entendeu que «existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços».

[16] Como a própria Autoridade Tributária e Aduaneira reconhece no Parecer do Chefe de Divisão que se transcreveu na alínea R) da matéria de facto fixada.

[17] Como pode ver-se pelos seguintes acórdãos do Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

– de 07-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2593;

– de 12-12-2001, processo n.º 26233, publicado em Apêndice ao Diário da República 13-10-2003, página 2901;

– de 13-03-2002, processo n.º 26765, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-2-2004, página 811.

 

 

[18] De resto, como há muito vem sendo jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em regra, não há obrigação de prever a negligência de outrem, como por ver-se pelos acórdãos de 12-01-1999, processo n.º 1081/98 – 1; de 07-12-2005, processo n. 2998/05; de 09-05-2006, processo n.º 821/06; de 06-11-2008, processo n.º 3331/08, todos sumariados em A culpa nos acidentes de viação na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, publicado em

 https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2017/10/culpanosacidentesdeviao1996asetembrode2014.pdf