Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 285/2022-T
Data da decisão: 2022-10-27  IMI  
Valor do pedido: € 16.703,43
Tema: IMI; terrenos para construção; determinação do VPT; revisão do acto tributário - artigos 45.º, 38.º e 78.º da LGT
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Sumário

  1. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do Código do IMI, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à construção bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, mas não os coeficientes previstos na expressão matemática contida no artigo 38.º do Código do IMI.
  2. A fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI não é aplicável na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção. 

  III.         A errada fixação do valor patrimonial tributário pode ser arguida através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo (nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI), não obstante os atos de fixação do valor patrimonial tributário constituírem “atos destacáveis” e serem suscetíveis de impugnação autónoma.

 

DECISÃO ARBITRAL

I.              Relatório

As partes: A… – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A., com o com o número de identificação fiscal …, com sede na Avenida … Lisboa, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo, e AUTORIDADE TRIBUTARIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT. 

No dia 22-04-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral, aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 22-04-2022, conforme consta da respetiva ata. 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como arbitro o Exmo. Dr. Paulo Ferreira Alves, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos. 

Em 15-06-2022 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Deste modo, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 05-07-2022.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formado em 23-01-2022 (objeto imediato do PPA), e Liquidações com os n. 2016 …, 2016 …, 2016 … referentes ao ano 2016, no montante total de €43 928,74; Liquidações com os n.os 2017 …, 2017 …, 2017 … referentes ao ano 2017, no montante total de €43 570,23; Liquidações com os n.os 2018 …, 2018 …, 2018 … referentes ao ano 2018, no montante total de €38 502,15; Liquidações com os n.os 2019 …, 2019 … e 2019 … referentes ao ano 2019, no montante total de €36 810,57. na parte relativa aos terrenos para construção inscritos na matriz predial sob os n.ºs U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, da freguesia de Pombal, que deram origem às notas de cobrança que a Requerente juntou ao PPA (objeto mediato do PPA), por terem dado origem a um IMI superior ao legalmente devido, no montante global de €16.703,43 (dezasseis mil setecentos e três euros e quarenta e três cêntimos), bem como a condenação da AT no reembolso deste valor, acrescido de juros indemnizatórios.

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou em síntese, o seguinte:

a.                 As liquidações de IMI sub júdice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de IMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto.

b.                 Ora, recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA quanto à errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes.

c.                 Deste modo, nos anos sub judice (2016, 2017, 2018 e 2019), relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de IMI referente a este ano. 

d.                 Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pela Requerente, a AT não retificou as respetivas coletas de IMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de IMI superior ao montante legal e efetivamente devido

e.                 Com efeito, relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de IMI sub judice, afigura‐se claro que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da coleta de IMI destas liquidações (coeficientes estes que conforme explanado infra não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efetivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto. 

f.Consequentemente, estamos perante um erro nos pressupostos de facto e de direito do qual resulta em ilegais liquidações (parciais) de IMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável de IMI e da qual resulta uma colecta ilegal deste imposto. 

g.                 Deste modo, é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos actos tributários de liquidação de IMI sub judice, mas sem prejuízo de este mesmo cálculo poder considerar elementos e características igualmente relevantes para efeitos de determinação estes coeficientes. 

h.                 Com efeito, e conforme o disposto na redação conferida ao n.º 3 do artigo 45.º do Código do IMI que se encontrava em vigor nos anos de 2016 a 2019, a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação – esta sim um dos elementos legais para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários de “terrenos para construção” – tinha em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º, disposição normativa esta que diz respeito à fixação do coeficiente de localização, estipulando que deverá ter‐se em consideração certas características tais como: a acessibilidade; a proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; os serviços de transporte públicos; a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. 

i.     Deste modo, a consideração do coeficiente de localização aquando do cálculo do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” determina que a mesma realidade fáctica (a localização) seja duplamente tida em consideração – i.e. na determinação da percentagem do valor do “terreno de implantação” –, que é a percentagem legalmente prevista para efeitos de cálculo de “terrenos para construção” – e na determinação do valor patrimonial tributário considerando o coeficiente de localização per si – coeficiente este que (e bem!) não se encontra previsto como um dos elementos de cálculo do valor patrimonial tributário destes terrenos. 

j.    Ora, a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada no sentido de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afectação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT. 

k.                 Neste contexto, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos nos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, e que, conforme infra demonstrado, teve repercussões prejudiciais para a Requerente quanto ao IMI devido (e pago) nos anos em apreço. 

l.      Termina a Requerente, peticionando a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de IMI sub júdice, no montante de € 16.703,43, porque manifestamente ilegais; e, efetuado o respetivo reembolso  dos montantes de imposto liquidado e pago em excesso de € 16.703,43, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais. 

m.               Mais peticiona o Requerente, a titulo subsidiário, que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do valor patrimonial tributário (“VPT”) de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade e anulados os atos tributários de liquidação de IMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais.

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

a.                 A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação,  mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT).

b.                 Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

c.                 O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.

d.                 Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo. 

e.                 Considera a Requerida que a pretensão da Requerente relativamente às liquidações de 2016 e 2017 não pode proceder porquanto:  − Não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais; − Mas, se assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa não são tempestivos; − O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica;  − Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato  de liquidação que seja praticado com base no mesmo;  − A Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos.

f.           Sobre a inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais, conclui-se que não está legalmente prevista a revisão oficiosa de atos de fixação do valor patrimonial tributário. E não sendo possível a impugnação de vícios de fixação do Valor Patrimonial Tributário, a presente ação não pode proceder.

g.                 Sobre a tempestividade do pedido de revisão oficiosa, mesmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no  n. º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º  4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.

h.                 Por isso, tendo em conta as datas dos atos de avaliação sub judice, que, como se vê das cadernetas prediais juntas com o ppa no Doc nº3, as avaliações que estiveram subjacentes às liquidações de 2016 e 2017 foram concretizadas há mais de cinco anos, pelo que se conclui que  o pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-11-2021 sempre seria intempestivo.

i.           Sobre a consolidação do ato tributário que determinou o VPT, defende a Requerida, que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

j.           E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

k.                 Em face de todo o exposto, fácil é de concluir, que por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

l.            Sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT  

m.               Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial  tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável. 

n.                 Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis,

o.                 Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do  VPT em sede de impugnação do ato de liquidação. 

p.                 Sobre a alegada violação do princípio constitucional da legalidade tributária

q.                 O que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. 

r.          Sendo inatacável ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.

s.                  Face ao exposto conclui-se não só, por um lado, que não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, mas também que a prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente.

t.          Sobre o pedido de juros indemnizatórios, ora, no caso em apreço não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente pois como órgão executivo está adstrita constitucionalmente,  

u.                 Termina a Requerida, impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros. Deve presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e,  consequentemente, absolvida a requerida de todos  os pedidos. 

Em 26-09-2022 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

Tudo visto, cumpre proferir,

 II.           Matéria De Facto 

           i.    Factos provados

Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal Arbitral por assente com base na prova documental, os seguintes factos:

Em 2016, 2017, 2018 e 2019, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial sob os n.ºs U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, U-…, da freguesia de Pombal, (cfr. resulta das notas de cobrança juntas ao PPA como documento 2, e das cadernetas prediais juntas ao PPA como documento 3).

A Requerente foi notificada das liquidações de IMI dos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, que incluíam o imposto devido pelos terrenos para construção identificados no número anterior, com os seguintes montantes:

      i.         Liquidações com os n.os 2016 …, 2016 …, 2016 … referentes ao ano 2016, no montante total de € 43 928,74; 

    ii.         Liquidações com os n.os 2017 …, 2017 …, 2017 … referentes ao ano 2017, no montante total de € 43 570,23; 

   iii.         Liquidações com os n.os 2018 …, 2018 …, 2018 … referentes ao ano 2018, no montante total de € 38 502,15; 

   iv.         Liquidações com os n.os 2019 …, 2019 … e 2019 … referentes ao ano 2019, no montante total de € 36 810,57 (jutos ao PPA como documento 2).

As notas de cobrança n.º 2016 …, 2016 …, 2016 …, de 02-03-2017, referente à 3ª e última prestação do IMI devido pelo ano de 2016, indica como prazo limite de pagamento Novembro de 2017 (cfr. documento 2 junto ao PPA).

Na determinação dos VPT's dos terrenos para construção já identificados, foi aplicada uma fórmula que considerou os coeficientes multiplicadores do VPT — de afetação e de localização — dos artigos 38.º, 1 e 41.º a 43.º, do CIMI, e a majoração do valor-base dos prédios edificados constante do artigo 39.º, 1, do mesmo Código, em concreto, os coeficientes multiplicadores ínsitos na fórmula nos artigos das matrizes dos terrenos para construção melhor identificados, coeficientes multiplicadores esses aplicados aquando da prática do ato de fixação do valor patrimonial. (cfr. cadernetas prediais urbanas juntas ao PPA como documento 3).

A consideração destes coeficientes na fixação do VPT dos terremos para construção resultou num acréscimo de IMI a pagar pelos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019, no montante total de € 16.703,43  (cfr. documento 4 junto ao PPA), que corresponde à soma dos seguintes montantes: €6.305,12 relativamente ao IMI de 2016; €6.389,95 relativamente ao IMI de 2017; €2.045,63 relativamente ao IMI de 2018; €1.962,73 relativamente ao IMI de 2019.

A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das notas de cobrança acima identificadas (cfr. alegado no artigo 27.º do PPA e não contestado pela Requerida).

A Requerente apresentou, em 30-11-2021, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, pedido de revisão oficiosa contra as Liquidações Contestadas, não tendo sido notificado de qualquer decisão até 22-04-2022. 

Em 30 de Março de 2022, formou-se a presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

Em 22-04-2022, a Requerente apresentou o PPA.

          ii.    Factos não provados 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, 2, CPPT, e art. 607.º, 3, CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, 1, a) e e), RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior art. 511.º, 1, CPC, correspondente ao atual art 596.º, aplicável ex vi art. 29.º, 1, e), RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do art. 110.º, 7, CPPT, e a prova documental aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

III.           Questões Decidendas

Atenta as posições assumidas pelas partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:

Das exceções e questões prévias suscitadas pela Requerida:

           i.inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais;

          ii.tempestividade do pedido de revisão oficiosa;

        iii.consolidação do ato tributário que determinou o VPT.

Do pedido da Requerente: 

        iv.Declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formado em 30 de Março de 2022, e das Liquidações com os n. 2016 …, 2016 …., 2016 … referentes ao ano 2016, no montante total de €43 928,74; Liquidações com os n.os 2017 …, 2017 …, 2017 … referentes ao ano 2017, no montante total de €43 570,23; Liquidações com os n.os 2018 …, 2018 …, 2018 … referentes ao ano 2018, no montante total de €38 502,15; Liquidações com os n.os 2019 …, 2019 … e 2019 … referentes ao ano 2019, no montante total de €36 810,57. por terem dado origem a um IMI superior ao legalmente devido, no montante global de €16.703,43 (dezasseis mil setecentos e três euros e quarenta e três cêntimos).

          v. Condenação da AT no reembolso à Requerente deste valor, acrescido de juros indemnizatórios.

IV.           Matéria De Direito

A questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral prende-se com a apreciação da legalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e a apreciação da legalidade dos atos de liquidação em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 2016, 2017, 2018 e 2019, já identificados.

Tendo a Requerida suscitado questões prévias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais questões e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do referido indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas (cfr. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT). A título subsidiário apreciará: Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI, interpretado no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI têm aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP. E do reembolso dos valores acrescido de juros indemnizatórios.

Vejamos,

Da inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação patrimoniais e da consolidação dos atos tributários que determinaram o VPT dos terrenos para construção

A Requerida alegou que quando um ato de fixação de VPT de um imóvel se consolida na ordem jurídica por inércia do sujeito passivo, o respetivo VPT serve de base à emissão de liquidações de IMI e de outros impostos, até eventual alteração do seu valor.

Para a Requerida, o artigo 78.º, 1, LGT, não abrange a revisão de atos de avaliação patrimonial, na medida em que não são atos tributários para os efeitos aí previstos assim como não são atos de apuramento da matéria tributável (art. 78.º, 3, idem), desde logo, mas não só, por força da letra da lei mas também porque esta prevê meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para atacar os referidos atos.

Isto significa que, caso o sujeito passivo, por inércia, não impugne um ato de fixação do VPT, fica com o ónus de impugnar, sucessivamente, ao longo dos anos, cada uma das liquidações nele baseadas (mas não significa que está impedido de o fazer). 

No caso sub judice, não está em causa a declaração de ilegalidade e anulação de atos de fixação de VPT, mas a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de IMI (não relevando, assim, o prazo de cinco anos referido no artigo 158.º do CPA, aplicável à anulação administrativa de atos que fixam o VPT de imóveis, subsidiariamente aplicável por força do artigo 79.º da LGT).

Defende a Requerida que admitir a impugnação de liquidações de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT poria em causa a validade dos efeitos jurídicos de diferentes atos tributários que, para diferentes efeitos, assumem como referencial o VPT de um imóvel constante da matriz predial, e que resultaria na coexistência, no mesmo período, de dois ou mais VPTs, criando uma situação caótica, com prejuízo para o princípio da certeza e segurança jurídica, enquanto princípio basilar de um Estado de Direito.

Este tema e suas variações já foram múltiplas vezes tratados pelos tribunais arbitrais, acompanhamos de perto a linha argumentativa emergente das decisões elaboradas no âmbito dos processos supra identificados, em especial dos processos 487/2020-T, 504/2020-T e 813/2021-T.

Considerando o disposto no artigo 15.ºdo CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» — artigo 86.º, 1, LGT.

Por sua vez, nos termos do artigo 86.º, 2, LGT, a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Estando em causa a avaliação de prédios urbanos, o sujeito passivo que discorde com o resultado da avaliação direta pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que tenha sido notificado do primeiro — artigo 76.º, 1, CIMI.

É sobre a segunda avaliação que cabe impugnação judicial, nos termos do artigo 77.º, 1, CIMI. Esta reação judicial impugnatória é enquadrada pelo art. 134.º, CPPT, — permite sustentar qualquer ilegalidade (erro de facto e/ou de direito). Para o efeito, essa reação impugnatória tem de ocorrer no prazo de três meses, estipulando o n. 7 do citado preceito que a impugnação não tem efeito suspensivo e só pode “ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

Como se refere na decisão arbitral 52/2022-T, “Ora, num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), temos que a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT.

A “estabilidade” na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça resultaria na nada mais do que permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP), o que não é de aceitar.”

In casu, as ilegalidades imputadas pela Requerente aos atos de liquidação de IMI incidem apenas às suas bases de incidência, à fixação do VPT desses terrenos, porque, de acordo com a causa de pedir, foram calculadas de acordo com uma fórmula incorreta. Daqui resulta que a Requerente pretende a anulação das liquidações de IMI por vicio do VPT. Encontrando-se o objeto do processo configurado desta forma, teremos forçosamente de aplicar a jurisprudência citada supra. Não porque a Requerente tenha impugnado diretamente o ato de fixação do VPT, pois dirige o seu pedido aos atos de liquidação, mas porque o fundamento (único) que invoca para a invalidade (parcial) destes atos de liquidação respeita tão-só́ ao VPT fixado.

No entanto, como se refere na citada decisão arbitral 487/2020-T, "apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de avaliação de valores patrimoniais, os ns. 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excepcional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».". Estamos perante uma 'válvula de escape' do sistema, ao positivar um poder-dever de revisão oficiosa aos atos tributários ilegais.

Desta forma, verificando-se determinados pressupostos, admite-se a revisão dos atos tributários no âmbito do artigo 78.º, LGT, improcedendo, assim, o pedido da Requerida de inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação patrimoniais e da consolidação dos atos tributários que determinaram o VPT dos terrenos para construção.

Da inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com fundamento em vícios do ato de fixação do VPT 

Veio a Requerida, na sua Resposta, sustentar que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, o qual, não tendo sido impugnado, se deve ter por consolidado na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, o que implica que posterior liquidação terá de acolher o resultado apurado nesse mesmo procedimento avaliativo, designadamente o VPT daí emergente.

Alega que a Requerente ao não ter colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível apreciar em subsequente liquidação eventuais erros ou vícios insertos na avaliação.

Ora, cumpre sublinhar que a impugnabilidade da decisão de indeferimento tácito relativa a um pedido de revisão oficiosa, estando em causa a admissibilidade de impugnabilidade indireta, através de um pedido de revisão oficiosa, das Liquidações Contestadas com fundamento em erro no cálculo do VPT, cabe dentro do âmbito de decisão do Tribunal Arbitral. 

Questão diferente, e fora do âmbito do arbitral, é a impugnabilidade direta de atos de liquidação de IMI com fundamento em erro no cálculo do VPT, a que se refere o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 27-4-2010, no processo n.º 03586/09, e no Acórdão de 12-2-2008, no processo n.º 02125/07. Esta distinção é reconhecida na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2021, de 15-2-2022, na qual se pode ler:

“São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.”

Retomando o caso em apreço, a questão decidenda prende-se com saber se é admissível a revisão de atos de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT em que se baseiam (nos termos do artigo 78.º da LGT), ou dito de outra forma: se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no VPT fixado. 

Neste contexto, importa atentar ao disposto nas seguintes disposições legais:

Artigo 78.º da LGT

Revisão dos actos tributários

“1 — A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)

4 — O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5 — Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (…)”

 

Artigo 115.º do Código do IMI 

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:(…)


    c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; (…)”

Antes de passarmos a uma análise mais detalhada da questão decidenda acima enunciada, importa realçar que, ainda que por vias e mecanismos diversos, os tribunais têm vindo a anular atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, juntamente com os correspondentes atos de liquidação, com fundamento na errónea fixação do VPT: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 31-10-2019, no processo n.º 2765/12.BELRS; Decisão Arbitral de 10-05-2021, no processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 10-05-2021, no processo n.º 254/2021-T; Decisão do Tribunal Arbitral de 24-06-2021, no processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral de 27-07-2021, no processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral de 10-12-2021, no processo n.º 253/2021-T; Decisão Arbitral de 15-02-2022, no processo n.º 676/2021-T; Decisão de 14-03-2022, no processo n.º 541/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, proferida no processo n.º 835/2021-T; Decisão Arbitral de 04-05-2022, proferida no processo n.º 497/2021-T; Decisão Arbitral de 06-05-2022, proferida no processo n.º 411/2021-T; Decisão Arbitral de 23-05-2022, proferida no processo n.º 753/2021-T; Decisão Arbitral de 21-06-2022, proferida no processo n.º 55/2022-T.

Retomando os autos, importa (i)  saber se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no VPT fixado, e (ii) saber em que condições e o limite temporal de admissão de tal pedido de revisão oficiosa.

Vejamos,

Pode o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no VPT fixado? 

Relativamente a esta primeira questão e atendendo à posição das partes, afigura-se-nos importante salientar que a exceção ao princípio da impugnação unitária contido no artigo 54.º do CPPT aplicável a “atos destacáveis” (ou seja, a atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, são direta e autonomamente impugnáveis pelo contribuinte por tal resultar expressamente da lei)[1] foi criada com o objetivo de concretizar e ampliar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP), e não de limitar ou restringir o mesmo.

A consideração dos atos de fixação do VPT como “atos destacáveis” têm uma razão de ser: evitar a necessidade de o sujeito passivo ter de impugnar, sucessivamente, ao longo dos anos, cada uma das liquidações neles baseadas (cfr. Decisão Arbitral de 14-03-2022, no processo n.º 541/2021-T). 

Como se pode ler no artigo 54.º do CPPT, não resulta qualquer limitação para a impugnabilidade da decisão final (no caso em apreço, atos de liquidação de IMI) com fundamento em ilegalidade de ato interlocutório (no caso em apreço, atos de fixação de VPT):

“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

Desta norma resulta apenas e tão só que (a) em regra, os atos interlocutórios não são impugnáveis autonomamente e os vícios poderem ser invocados na impugnação da decisão final, e (b) a título excecional, os atos interlocutórios podem ser impugnados autonomamente. Ora os atos de fixação de VPT caem nesta exceção por força do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT (em sintonia com o artigo 86.º, n.º 1, da LGT). 

Assim, não é controvertida a questão de saber se os atos de fixação de VPT constituem “atos destacáveis”, ou se são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma, porquanto o disposto nos artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT são claros a este respeito.

A questão relevante para o caso sub judice é a de saber se estas disposições, ao estabelecer que os atos de fixação de VPT são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma, têm o efeito de (1) precludir a possibilidade de o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo (caso em que a impugnação autónoma dos atos de fixação de VPT se torna num verdadeiro ónus), ou (2) conferir ao sujeito passivo a possibilidade de impugnar os atos de fixação de VPT de forma autónoma, a que acresce a possibilidade de posteriormente contestar a validade das liquidações baseadas no VPT erradamente fixado através de pedido de revisão oficiosa. 

Assim, considera o Tribunal que o disposto nos artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT (que permitem a impugnação autónoma dos atos de fixação do VPT) devem ser entendidos, não como uma restrição às garantias dos contribuintes, ou como um ónus sobre o sujeito passivo, o que seria a consequência da posição sustentada pela Requerida, mas antes como uma ampliação dessas garantias, uma ampliação materializada no reconhecimento aos contribuintes de uma defesa adicional contra um ato ilegal (no mesmo sentido: Decisão Arbitral de 02-07-2021, no processo n.º 760/2020-T). 

Por um lado, interessa sublinhar que a interpretação contrária (subscrita pela Requerida) não resulta expressamente na lei processual e seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

Por outro lado ainda a interpretação da lei processual subscrita pela Requerida ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). 

A este respeito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29-09-2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.

Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[2]

“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[3]

“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [4]

Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-11-2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:

“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

Temos que o princípio da segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo do artigo 78.º da LGT). Tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

À luz de todas estas considerações, temos que o princípio da legalidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da justiça ínsitos na nossa Constituição impõem afastar a interpretação do artigo 54.º do CPPT, conjugado com o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual a possibilidade de impugnação autónoma e imediata dos atos de fixação de VPT (enquanto “atos destacáveis”) constituiria um ónus cujo incumprimento inviabilizaria o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI emitidas posteriormente, com fundamento em erro no cálculo do VPT que serviu de base às mesmas liquidações.

Conclui-se, assim, que os sujeitos passivos podem arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo, e que o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa faz nascer na esfera jurídica do sujeito passivo o direito a impugnar este indeferimento, e que o pedido de pronúncia arbitral constitui meio adequado para o efeito.

Em que condições e o limite temporal de admissão de um pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT?

A jurisprudência mais recente, tem vindo a confirmar a admissibilidade da sindicância da ilegalidade de atos de liquidação de IMI com fundamento na errónea fixação do VPT, por via de pedido de revisão oficiosa, como resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e das Decisões Arbitrais já supra referidas.

A este respeito, temos que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais dos mecanismos invocados pelas partes, os princípios antiformalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva. 

Assim, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, temos que se deverá optar por aquela que favoreça a ação e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pelo sujeito passivo.

Com este fundamento, entendemos ser de reconhecer à Requerente o direito de apresentar um pedido de revisão oficiosa contra as Liquidações Contestadas com fundamento na incorreta fixação dos VPTs dos terrenos em construção identificados supra, ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, por erro imputável à AT no âmbito do procedimento de fixação dos VPTs em causa. 

Esta posição foi, aliás, acolhida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão proferido no processo n.º 2765/12.BELRS, em 31-10-2019, que se transcreve parcialmente abaixo:

“É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.

Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.

Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].

Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.

Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. (...)

A fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.

A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).

Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.

Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.

Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.

Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.

Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.

É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.

O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.

Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.

O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

A mesma posição foi também acolhida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 297/2021-T, por Decisão de 22-02-2022, na qual se pode ler: 

“O ato de fixação do VPT é regulado no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7). 

Importa, contudo, saber se o condicionamento da impugnação ao esgotamento dos meios graciosos tem como consequência a consolidação das liquidações efetuadas ao abrigo desse VPT, isto é, a impossibilidade (jurídica) de estas serem alteradas com fundamento no VPT (só o podendo ser as geradas depois da alteração do VPT, com efeitos apenas para o futuro). Antecipamos já uma resposta negativa a esta questão, com os fundamentos que se aduzem de seguida.

Em primeiro lugar, recordam-se as palavras do TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT. (...)

Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.

Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI2 - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”, porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. (...)

Efetivamente a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que a Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coordena com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral pois mesmo relativamente aos atos praticados em 2016 (referentes ao ano de 2015), o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no ano de 2020 (…)”

Também no sentido da aplicação do n.º 1 do artigo 78.º da LGT foram as Decisões Arbitrais de 24-06-2021, proferida no processo n.º 500/2020-T; de 09-03-2022, proferida no processo n.º 540/2021-T; de 04-05-2022, proferida no processo n.º 497/2021-T; de 05-05-2022, proferida no processo n.º 835/2021-T; de 21-06-2022, proferida no processo n.º 55/2022-T. 

À luz desta jurisprudência, que o presente Tribunal Arbitral acompanha, cumpre apenas referir que, no caso sub judice, caso se determine que o VPT foi fixado pela AT de forma incorreta, tal erro será de imputar à AT, que não alegou nem logrou provar que a Requerente declarou algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção identificados supra.

Conclui-se, assim, que é admissível, nos termos dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, o pedido de revisão oficiosa das Liquidações Contestadas apresentado pela Requerente com fundamento em vícios de fixação do VPT, bem como o PPA do indeferimento tácito que se formou sobre o mesmo. 

Nestes termos, improcede o pedido da Requerida de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de IMI com base em vícios na fixação do VPT.

Da Tempestividade do pedido do pedido de revisão oficiosa

A Requerida defende que o pedido de revisão oficiosa do ato de avaliação dos terrenos para construção só seria possível no prazo de três anos, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT.

Todavia, conforme resulta do referido anteriormente, considera o Tribunal Arbitral que o prazo de revisão oficiosa aplicável é de quatro anos, conforme ao estabelecido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Quanto ao início de contagem, da leitura conjugada dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 129.º, n.º 2, do Código do IMI resulta que o referido prazo de quatro anos começa a contar a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação de IMI.

Visto que o prazo para pagamento voluntário da última prestação de IMI de 2016 terminou em 30-11-2017, e que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 23-09-2021, conclui-se que o mesmo é tempestivo em relação à liquidação de IMI do ano de 2016, bem como em relação às liquidações de IMI dos anos seguintes (2017, 2018 e 2019).

Por conseguinte improcede o pedido de extemporaneidade. 

Por fim, quanto à impossibilidade, alegada pela Requerida, de anulação administrativa dos atos de avaliação, por ter decorrido o prazo de 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, importa notar que a presente ação arbitral não contém um pedido anulatório dirigido aos atos de fixação dos valores patrimoniais (VPT) dos imóveis. Não está, pois, em discussão a anulação dos atos de avaliação (com mais de 5 anos), antes a invalidade (parcial) dos atos subsequentes, de liquidação de IMI, i.e., de atos tributários. Estes atos foram praticados em 2016, 2017, 2018 e 2019, pelo que não estava esgotado o citado prazo. O entendimento exposto não se altera pelo facto de as ilegalidades (erro de direito) que constituem fundamento da anulação dos atos tributários terem origem nos atos de avaliação. Como se disse, os atos cuja anulação foi pedida nesta ação são, tão-só, os atos de liquidação e podem sê-lo com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT e artigos 2.º e 29.º, n. 1, al. a) do RJAT).

Deste modo, improcede, o pedido da Requerida, e será de admitir o pedido de revisão oficiosa das liquidações de IMI ora impugnadas, por ser tempestivo.

 

Do Mérito

A Requerente alega que as Liquidações Contestadas são ilegais porque baseadas em VPTs de terrenos para construção fixados tendo em consideração os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto referidos no 38.º do Código do IMI, que regula o cálculo do VPT de prédios urbanos.

Defende a Requerente que o VPT dos terrenos para construção é fixado nos termos do artigo 45.º do Código do IMI, que, na redação em vigor à data dos factos, estabelecia uma fórmula de cálculo que não incluía os coeficientes referidos no 38.º do Código do IMI.

Na Resposta, a Requerida não contestou a correção, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI proposta pela Requerente no PPA.

Por conseguinte, e antes de mais, importa efetuar o enquadramento jurídico-tributário da avaliação dos “terrenos para construção” enquanto tipologia de prédios consagrada pelo CIMI.

E para tal desiderato impõe-se atentar no disposto do art. 45.º do CIMI, na redação da Lei 64-B/2011, 30 de Dezembro:

"Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

1. O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação. 

2. O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas. 

3. Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º 

4. O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5. Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente".

Da leitura desse normativo resulta de forma objetiva a não previsão quanto a uma eventual aplicabilidade aos terrenos para construção de qualquer dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto.

Tais coeficientes e sua aplicação está consignada para os prédios urbanos, leia-se edificados, logo não para os terrenos para construção, o que se colhe, desde logo, da existência de um factor – Vc – o qual corresponde ao “valor base dos prédios edificados”.

Ora, não se encontrando, pela sua natureza e definição legal, os terrenos para construção edificados, é manifesto concluir que o legislador não pretendeu determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção ao abrigo da expressão aritmética constante e decorrente do artigo 38º do CIMI.

Não constando tais coeficientes de qualquer norma aplicável à avaliação dos terrenos para construção, a sua aplicação no apuro do quantum do VPT dos terrenos para construção em apreço não pode, quando efetuada, deixar de significar a aplicação por analogia de uma disposição legal de incidência, analogia essa que é insuscetível de aplicação pelo princípio da tipicidade fiscal.

Esta questão da aplicação aos prédios urbanos classificados como terrenos para construção dos coeficientes de afetação e localização, previsto no artigo 38.º, CIMI, para os prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços, assim como a respetiva fórmula matemática, foi amplamente debatida e tem sido decidida por jurisprudência uniforme do STA no sentido da sua inadmissibilidade.

Considera-se que a fórmula positivada no artigo 38.º, idem, apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí identificados (habitação, comércio, indústria e serviços), não se prevendo a inclusão de terrenos para construção.

Com efeito, o legislador consagrou uma norma que, especificamente, prevê os terrenos para construção — o art. 45.º, CIMI, “onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do n.º 3 do artigo 42. Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal” — cf. o acórdão do STA, de 23 de outubro de 2019, processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, cujo sumário é o seguinte:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto

Da sua fundamentação, que merece a nossa total adesão, resulta:

O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (n.º 2 do artigo 15.º do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45.º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6o do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45.º já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do n.º 3 do artigo 42.º.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38.º do CIMI.

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11.º da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

A própria remissão para os artigos 42.º e 40.º do CIMI constante do artigo 45.º e mesmo a redacção dada ao artigo 46.º relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42.º e 40.º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do n.º 3 do artigo 6.º do C.I.M.I.(...)

Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2.ª edição, pp. 104, de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,”e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no art. 6.º n.º 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência

(...) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (...).

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (art. 45.º n.º 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

Como se referiu, estamos perante jurisprudência sólida, reiterada em acórdãos, cujos processos infra se referenciaram: processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13 de janeiro de 2021; processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, de 23 de outubro de 2019; processo n.º 0165/14.4BEBRG, de 9 de outubro de 2019; Pleno – processo n.º 016/10.9BELLE, de 3 de julho de 2019;  processo n.º 0986/16, de 16 de maio de 2018, entre outros.

A jurisprudência a que supra nos reportamos versa sobre a avaliação de terrenos para construção, cujo entendimento é no sentido de não serem aplicáveis os coeficientes que não se encontrem concretamente tipificados pelo artigo 45.º do Código do IMI (na redação anterior à alteração trazida pelo OE de 2021), rejeitando assim a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 38.º deste Código, os quais, na medida em que são suscetíveis de alterar a base tributária (leia-se no VPT apurado) e na incidência do imposto, porquanto tal solução configuraria uma aplicação analógica não consentida pelo princípio da tipicidade fiscal.

Considera-se, também, ser de afastar o coeficiente de localização, em virtude de este fator já estar contemplado na percentagem prevista no artigo 45.º, 3, CIMI, pois, de outro modo tal fator (de localização) relevaria, por duas vezes, na determinação do VPT dos terrenos para construção.

À face do exposto, tem de se concluir em consonância com a Requerente, no sentido de que a Requerida não devia ter aplicado aos terrenos para construção acima identificados os coeficientes de localização e de afetação que geraram a liquidação de imposto em excesso, julgando-se o pedido procedente nesta parte.

 

Questões de conhecimento prejudicado

Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por ilegalidade substantiva (erro de direito) dos atos impugnados, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, nomeadamente a que se refere à alegada violação do princípio constitucional da igualdade e da legalidade tributária, bem como à proibição legal de pronúncia arbitral conforme a equidade (cf. artigos 130.º e 608.º,  2, CPC, ex vi artigo 29.º, 1, e), RJAT).

 

Do reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pede o seu reembolso que considera indevidamente pago a que deve acrescer os correspondentes juros indemnizatórios.

Em linha com o definido pela lei e seguido pela jurisprudência, deve ser apurado pela Requerida, em execução de julgados, qual o montante concreto a anular e que deve ser devolvido à Requerente, porquanto recai sobre a AT o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade — cf. artigo 24.º, 1, b), RJAT, e artigo 100.º, LGT.

Determina o artigo 24.º, 5, RJAT, que "“é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, e 100.º, LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere o art. 78.º, 1, LGT — cf. Ac. STA, de 12-7-2006, processo n.º 402/06 («nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT»).

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo desta, conforme previsto no art. 78.º, LGT.

Nestes casos, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do ato tributário — cf. art. 43.º, 3, c), LGT.

De acordo com o probatório a 30 de Novembro de 2021 a Requerente deduziu revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI melhor identificados, pelo que os juros sobre o valor a reembolsar apenas se começam a contar a partir de 23 de Setembro de 2021, nos termos dos artigos 43.º, 4, e 35.º, 10, LGT, do artigo 61.º, CPPT, do artigo 559.º do CCiv. e da Portaria 291/2003, de 8 de abril.

  V.           Decisão

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

      i.         Julgar improcedente as exceções e questões previas suscitadas pela Requerida.

    ii.         Julgar procedente o pedido arbitral, anulando parcialmente os atos tributários, em sede Imposto Municipal sobre Imóveis, (“IMI”) supra identificados bem como anulado o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

   iii.         Julgar improcedente o pedido subsidiário da Requerente.

   iv.         Condenar a Requerida na restituição da prestação tributaria paga em excesso

     v.         Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a 30 de novembro de 2021 até efetivo e integral pagamento, tudo conforme o disposto n.ºs 2.º a 5.ºdo art.º 61.º do CPPT, à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do art.º 43.º da LGT.

Valor Do Processo E Custas

Fixa-se o valor do processo em € 16.703,43 (dezasseis mil setecentos e três euros e quarenta e três cêntimos) atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em €1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

 

Notifique-se.

Lisboa, 27 de Outubro de 2022

O Arbitro

Paulo Renato Ferreira Alves



[1] Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – vol I (5ª edição, Áreas Editora 2006), página 424 (anotação ao artigo 54.º do CPPT).

[2] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000), página 256.

[3] ibid, página 264.

[4] ibid, página 265.