Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2022-T
Data da decisão: 2022-10-26  IVA  
Valor do pedido: € 1.621.963,47
Tema: IVA. Direito à dedução. Locação financeira imobiliária. Indemnização. Isenção. Financiamento
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Decisão Arbitral

 

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Eva Dias Costa e Profª Doutora Cristina Aragão Seia (árbitras vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-06-2022, acordam no seguinte:

 

        

         1. Relatório

 

A…, LDA., pessoa colectiva nº …, com sede na Rua …, Oeiras, (doravante designada como “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação dos seguintes actos:

 

– liquidação adicional de IVA n.º … relativa ao período de 2019/04, no montante de € 566.555,70;

– liquidação de juros compensatórios n.º 2021… no montante de € 53.396,02.

 

A Requerente pede ainda a restituição do Imposto objecto de indeferimento, no montante de € 1.055.406,17, acrescido de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 06-04-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 25-05-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-06-2022.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente veio suscitar a questão de o processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira estar incompleto, na sequência do que foi ordenada a sua junção.

Em 07-10-2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio juntar o processo administrativo, o que foi notificado à Requerente nessa mesma data.

Por despacho de 11-10-2022, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações.

A Requerente apresentou alegações em 21-10-2022, em que vem arguir uma «nulidade processual», resultante de deficiências no processo administrativo, que entende não estar por ordem, não estar numerado, estar incompleto e não ser perceptível nem entendível.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Importa apreciar a «nulidade processual» suscitada pela Requerente, o que pode ser feito sem audiência da parte contrária, nos termos do artigo 201.º do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

2. Questão da nulidade processual

 

Em 07-10-2022, foi junto aos autos o processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o que foi notificado à Requerente nessa mesma data, por via eletrónica, através do sistema de gestão processual do Centro de Arbitragem Administrativa.

Nas suas alegações, que apresentou em 21-10-2022, a Requerente vem arguir uma «nulidade processual», por entender que existem deficiências no processo administrativo, por não estar por ordem, não estar numerado, estar incompleto e não ser perceptível nem entendível.

Nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do RJAT, na redacção da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, as notificações efectuadas por via eletrónica, através do sistema de gestão processual do Centro de Arbitragem Administrativa, presumem-se realizadas no 3.º dia posterior ao da elaboração, ou no 1.º dia útil seguinte quando este não o seja, nos termos da lei processual civil, com as devidas adaptações.

Assim, as notificações relativas à junção do processo administrativo presumem-se efectuadas em 10-10-2022 (3.º dia posterior à elaboração da notificação).

O prazo supletivo para a prática de actos processuais é de 10 dias, nos termos dos artigos 23.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 29.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por isso, o prazo para a Requerente arguir nulidades processuais derivadas do conteúdo do processo administrativo terminou em 20-10-2022.

A Requerente não arguiu a invocada nulidade nesse prazo, pelo que se extinguiu o direito de a invocar, pois o decurso de prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, nos termos do artigo 139.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

De qualquer modo, a falta de junção do processo administrativo ou as suas hipotéticas deficiências não são causa de nulidade processual, podendo apenas ter as consequências especificamente previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 84.º do CPTA, mas «não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade».

Fora dos casos em que esteja especificamente prevista uma nulidade processual, «a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa», como decorre do preceituado no artigo 195.º, n. 1, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

No caso em apreço, todos os factos alegados pela Requerente são considerados provados, como já se referiu no despacho de 11-10-2022, pelo que é irrelevante para a decisão da causa a eventualidade de o processo administrativo enfermar de deficiências.

Assim, as invocadas deficiências do administrativo não constituem nulidade processual.

Termos em que se indefere a arguição de nulidade processual.

 

           

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

 

  1. A Requerente tem, desde 1989, por atividade, o comércio por grosso de relógios e de artigos de ourivesaria e de joelharia - CAE 46480;
  2. Actividade da Requerente consistia na comercialização de relógios. representando marcas de renome internacional assegurando também a assistência técnica dessas marcas em Portugal;
  3. No desenvolvimento dessa actividade, as vendas da Requerente eram feitas, a 12 (doze) meses. contra a entrega da mercadoria e o recebimento de cheques pós-datados;
  4. A Requerente tinha, então, em média 16 (dezasseis) vendedores e 14 (catorze) representações de marcas de relógios. de ouro e de prata;
  5. Para o desenvolvimento da actividade, a Requerente celebrou, em 19-12-2003, com B…, S.A., (doravante designado como “B…”) o contrato de leasing imobiliário que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, tendo como objecto a construção das actuais fracções 'A', 'B', 'C', 'D' e 'E' do edifício “… Oeiras”, destinadas ao exercício da actividade da Requerente;
  6. A partir de 2008, por força da crise económica e dificuldades de concessão de crédito pelos bancos, o negócio da Requerente teve uma grande quebra e perda das 14 representações que detinha;
  7. Devido à diminuição dos negócios, a Requerente viu-se obrigada a arrendar 4 das 5 fracções, objecto de tal contrato de leasing, ao … de Oeiras;
  8. Esse arrendamento teve por objecto as referidas fracções 'B', 'C', 'D' e 'E';
  9. Esse arrendamento foi efectuado, em 2008, por um contrato válido por 10 (dez) anos, renovável, como forma de obtenção de rendimentos que permitissem fazer face aos encargos, nomeadamente do PER e do leasing, entre outros;
  10. O contrato de arrendamento referido foi celebrado sem renúncia à isenção de IVA;
  11. Entretanto, devido à situação descrita, em 28-11-2012, foi a Requerente forçada a renegociar o referido contrato de leasing, celebrando um novo contrato, como forma de financiar a sua actividade;
  12. Face à quebra de negócios, a Requerente viu-se forçada a requerer um PER, para fazer face a dívidas e Bancos, fornecedores e a trabalhadores;
  13. O referido PER foi aprovado pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, em 2014, e veio a ser integralmente cumprido;
  14. Perante o panorama descrito, e não vislumbrando a possibilidade de impulsionar a actividade, a Requerente decidiu começar a suspender grande parte da actividade, desde 2013;
  15. As rendas das fracções "B', "C", 'D', e 'E' iam permitindo, assim, fazer face aos encargos, até que, em 2018, procurando pôr fim aos elevados encargos com o contrato de leasing, decidiu colocar as fracções objecto de arrendamento à venda;
  16. Para tal, a Requerente contratou os serviços de uma empresa especializada, a C… Consultoria e Gestão, com o objetivo de angariar um cliente ou clientes para as mencionadas fracções;
  17. Passado algum tempo, foi angariado um cliente, a empresa D… - Actividades Imobiliárias, S. A., interessado em adquirir as 4 (quatro) fracções 'B', 'C', 'D' e 'E', pelo preço global de € 12.500.000,00 (dele milhões e quinhentos mil euros);
  18. A intenção de vender as fracções referidas foi comunicada ao arrendatário, … de Oeiras, para poder exercer o seu direito de preferência (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  19. O … de Oeiras tomou posição sobre a comunicação para exercício de direito de preferência nos termos que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Na sequência de comunicação sobre o assunto identificado em epígrafe vimos por este meio informar V. Exa. que o … de Oeiras tomou conhecimento que por rescisão do contrato de locação financeira celebrado entre o B…, S.A. (B…) e a A…, Lda., e subsequente celebração de um novo contrato de locação financeira entre aquela instituição financeira e a sociedade D… - Atividades Imobiliárias S.A. (D…), esta última assumirá a qualidade de locatária financeira das frações B, C, D e E, que integram o denominado "Edifício …", sito na Rua …, …, Oeiras.

Mais informamos V. Exa. que esta … mantém interesse no cumprimento integral do clausulado em vigor do contrato de subarrendamento relativo ao Imóvel em causa, pelo que aceita e concorda que o Contrato n.° …/2008 continue a vigorar nos seus exatos e atuais termos, designadamente quanto ao montante da renda e prazo de vigência, comprometendo-se a diligenciar a aprovação da correspondente adenda ao contrato inicial, mediante aprovação de proposta de deliberação, tendo agora por base o contrato de locação financeira celebrado entre o B… e a D…, assumindo esta última a qualidade de primeira contraente ou senhoria.

  1. O investidor Interessado na aquisição das fracções tencionava obter licenciamento, através de um contrato de leasing, e era, como a Requerente, cliente do Banco B…, que já tinha celebrado com a Requerente o referido contrato de leasing;
  2. Estavam assim reunidas as condições para a Requerente proceder à venda das 4 fracções B, C, D e E, objecto do contrato de leasing, com renúncia à isenção de IVA;
  3. A adquirente D…, SA., ia, igualmente, renunciar à isenção desde IVA;
  4. Para concretizar a venda, haveria de se proceder à rescisão do contrato de leasing em vigor entre o Banco B… e a Requerente e celebrar novo contrato com a empresa/sociedade comercial adquirente dos bens, a D…, S.A. e o Banco B…;
  5. Em 2019-04-15, a Requerente procedeu à Resolução Parcial do Contrato de Locação Financeira, que detinha com o Banco B…, com liquidação total antecipada do mesmo, sem aquisição pela Requerente das fracções B, C, D e E (RIT);
  6. Em 15-04-2019, o Banco B… emitiu a factura n.º … de “Resolução do Contrato de Locação Financeira Referente às Frações B, C, D e E”, respeitante às rendas vincendas até ao termo integral do contrato, no montante de € 6.549.476,77 com liquidação de IVA de € 1.506.379,66 (23%), no total de € 8.055.856,43 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e RIT);
  7. A quantia a que se refere a factura n.º … não foi paga ao Banco B… (RIT);
  8. Relativamente a estas frações B, C, D e E, a Requerente emitiu a factura n.º …, de 16-04-2019, ao “Banco B…”, com a descrição “Valor da Indeminização pela Resolução Antecipada Parcelar do Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º … Frações B, C, D e E”, no montante de € 4.436.141,43, acrescido de IVA de € 1.020.312,53, totalizando € 5.456.453,96, montante este que foi transferido e recebido na conta bancária da Requerente (RIT);
  9. No que respeita à referida "indemnização” recebida pela Requerente, esta fez constar o valor € 4.436.141,43, nos campos 1042 do quadro 06-A e no campo 3 e a liquidação de IVA, de € 1.020.312,53, no campo 4 e procedeu à dedução no campo 20 – Imobilizado, o montante de € 1.506.379,66 relativo ao documento emitido pelo Banco B…, respeitante à “Resolução do Contrato de Locação Financeira Referente às Frações B, C, D e E”, das rendas vincendas até ao termo integral do contrato (RIT);
  10. A empresa “C… Consultoria e Gestão”, NIF …, emitiu a factura n.º …, da data de 24-09-2019, no montante de € 500.000,00, acrescida de IVA de € 115.000,00, com descritivo em que se refere "Comissão de mediação imobiliária referente ao Edifício … Oeiras” Rua … – frações B, C, D e E" (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. A Requerente deduziu o IVA no montante de € 115.000,00 respeitante à referida factura n.º …, na declaração relativa ao período 2019-04;
  12. Em 07-10-2020, a Requerente apresentou um pedido de reembolso no montante de € 1.057.000,00, relativo ao período 2008M (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. Na sequência do referido pedido de reembolso de IVA relativo ao período 2020-08, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente em que foi elaborado Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

Este procedimento de inspeção visa a análise do crédito de imposto solicitado pelo sujeito passivo, no pedido de reembolso de IVA n.º …/0, efetuado em 2020-10-06, na DP do período 2020-08, no montante de € 1.057.000,00, bem como os créditos apurados a seu favor em períodos anteriores, que se encontram a influenciar este reembolso, mais concretamente desde 2019.

As ações inspetivas vertidas nestas Ordens de Serviço têm natureza interna, de âmbito parcial (IVA), conforme disposto na alínea a), do n.º 1, do art.º 13.º e na alínea b), do n.º 1, do art.º 14.º, ambos do RCPITA.

 

II.3. Outras situações

II.3.1. Breve caracterização da empresa e atividade desenvolvida

O sujeito passivo, com NIF … tem a sede na Rua … – … Oeiras.

Trata-se de uma sociedade por quotas, registado para efeitos de IVA desde 1989-09-15, enquadrado no CAE 46480 - Com. por grosso relógios e artigos ourivesaria e joalharia, desde 2009-12-01.

Com atividade aberta desde 1989, a sua área de negócios centrava-se na comercialização de relógios, representando algumas marcas de renome internacional, assegurando a assistência técnica das mesmas em Portugal. Desde 2013, tendo em conta uma situação financeira complexa, a empresa perdeu as representações que detinha, entrando em PER, reduzindo drasticamente a faturação na sua atividade principal, que desde 2014 é quase nula.

Paralelamente, a empresa em 2012 celebrou um contrato de leasing imobiliário com o “Banco B…” no montante de € 9.379.024,60, por um prazo de 15 anos e um mês, com vista à construção do edifício “… Oeiras”, sendo que numa dessas frações [Fração A] estão localizados os escritórios e a sede da empresa, as outras 4 frações [Fração B, C, D e E] foram celebrados contratos de arrendamento ao abrigo do NRAU, com outras entidades, sem liquidação de IVA.

 

(...)

 

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

 

III.1. Análise dos elementos contabilísticos em sede de IVA

Para aferir da legitimidade do crédito de IVA solicitado neste pedido de reembolso, na DP do período 2020-08, no montante de 1.057.000,00, com reportes desde 2019 foi o sujeito passivo, nos termos ao art.º 85.º do CIVA, notificado por email, em 2019-11-19, para o Contabilista Certificado (CC) da empresa Dr. E…, para remeter a estes serviços os elementos da contabilidade ali solicitados.

Analisada a documentação remetida, também por email, em 2019-11-23 e de todos os elementos constantes do sistema informático da AT, relativamente ao sujeito passivo constatou-se:

1. O sujeito passivo, em 2012-11-28 celebrou o Contrato de Leasing Imobiliário n.º …, junto do Banco “B…”, com duração de 15 anos e um mês, para aquisição de 5 frações autónomas no “Edifício … Oeiras”, que na qualidade de entidade locatária se encontrou a pagar as 181 rendas mensais acordadas de € 53.772,32 acrescidas de IVA à taxa normal, de 23%. O valor de aquisição e de financiamento foi de €9.379.024,60 ao qual acresce IVA, à taxa em vigor e o valor residual é o correspondente a €4.100.000,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

2. A empresa “A…”, na gestão destas 5 frações autónomas afetou a “fração A” para escritório e sede da empresa e celebrou contratos de arrendamento ao abrigo do NRAU, das restantes 4 frações “B, C, D e E”, operações isentas de IVA, ao abrigo do n.º 29, do art.º 9.º do CIVA.

3. No que respeita a estes imóveis, até ao período 2017-11, o IVA liquidado nas rendas de leasing pagas ao banco, respeitante às 5 frações foi integralmente deduzido nas DPs entregues, contudo as rendas pagas relativamente às 4 frações arrendadas ao abrigo do NRAU, constituíam operações isentas de IVA sem direito à dedução (art.º 9.º e 19.º, ambos do CIVA).

4. O sujeito passivo detetando esta situação, aquando da entrega na DP referente ao período 2017-12, procedeu à regularização do imposto indevidamente deduzido até então, das 4 frações arrendadas, inscrevendo no campo 41 – Regularizações a Favor do Estado, no montante de € 282.658,10, tendo a partir de então, só exercido a dedução do imposto da renda mensal de leasing da fração A, correspondente à sede da empresa.

5. Em abril de 2019, a empresa teve uma oferta de aquisição destas 4 frações que se encontravam arrendadas, (Frações B, C, D e E) e, com esta decisão, em 2019-04-15, procedeu à Resolução Parcial do Contrato de Locação Financeira, que detinha com o Banco “B…”, com liquidação total antecipada do mesmo.

6. A Fração A, que fazia também parte deste mesmo contrato foi adquirida pela “A…”, com escritura celebrada em 2019-04-24, com Banco “B…”, sendo este o único imóvel, que o sujeito passivo detém no seu património, a esta data.

 

III.2. Análise detalha da documentação de aquisição da fração “A”

Estando a “A…” interessada na aquisição da “Fração A” do “Edifício … Oeiras” ao Banco B…”, onde se encontra a sede da empresa foi celebrada a escritura de compra e venda, em 2019-04-24, pelo valor de € 1.570.705,46. Esta aquisição foi sujeita à renúncia à isenção do IVA, nos termos do art.º 12.º do CIVA, conforme documento notarial que nos foi enviado.

O Banco B…, ainda sobre esta fração A emitiu, em 2019-04-24, a fatura n.º …, da Rescisão Antecipada, respeitante às rendas vincendas até ao termo integral do contrato, no montante de € 1.571.670,461, com liquidação de IVA de € 361.484,21(23%), no total de € 1.933.154,67. De acordo com o extrato bancário enviado, este montante foi regularizado a favor do B…. Na DP 2019-04, entregue pelo sujeito passivo constatamos:

a) No campo 20 foi exercida a dedução do IVA, nos termos do art.º 19.º do CIVA, respeitante às rendas vincendas pagas por revogação do contrato, no montante de € 361.484,21 (1.571.670,46 x 23%), dado estar em causa a fração afeta à sede da empresa;

b) No que respeita à escritura de aquisição desta fração A, de acordo com doc. notarial, esta aquisição no montante de € 1.570.705,46 foi solicitada a renúncia à isenção do IVA, no disposto do art.º 12.º do CIVA.

Dado estar em causa uma operação sujeita a IVA, no montante de €361.262,26, o imposto a liquidar recai na esfera da entidade compradora (IVA Devido pelo Adquirente). Da consulta à DP de IVA entregue no período 2019-04, constatamos que esta obrigação legal não foi refletida a favor do estado, embora com direito à dedução, dado estar em causa um imóvel afeto à sede que se encontra a desenvolver uma atividade tributada.

c) De acordo com o disposto no n.º 14.º, do art.º 78.º do CIVA, o sujeito passivo poderá:

“Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços e os correspondentes montantes não tenham sido incluídos na declaração periódica, originando a respetiva liquidação e dedução ou o tenham sido fora do prazo legalmente estabelecido, a liquidação e a dedução são aceites sem quaisquer consequências desde que o sujeito passivo entregue a declaração de substituição, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber.”

 

III.3. Análise detalhada da documentação referente às frações “B, C, D e E”

Encontrando-se a “A…” com a proposta de aquisição destas frações autónomas “B, C, D e E”, que se encontravam arrendadas, ao abrigo do NRAU e integradas no mesmo contrato de Leasing conjuntamente com a Fração A foi também resolvido o contrato respeitante às mesmas, junto do banco.

Relativamente a estas frações, não foi celebrada escritura de aquisição, permanecendo na posse do Banco B…, para celebrar novos contratos com novas condições e com novos locatários.

Em 2019-04-15, o Banco B… emitiu a fatura n.º … de “Resolução do Contrato de Locação Financeira Referente às Frações B, C, D e E”, respeitante às rendas vincendas até ao termo integral do contrato, no montante de € 6.549.476,77 com liquidação de IVA de € 1.506.379,66 (23%), no total de € 8.055.856,43, que de acordo com o extrato bancário enviado, este montante não foi pago ao banco, logo não movimentado.

Ainda relativamente a estas frações a “A…” emitiu a fatura n.º …, de 2019-04-16, ao “Banco B…” com a descrição “Valor da Indeminização pela Resolução Antecipada Parcelar do Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º … Frações B, C, D e E”, no montante de € 4.436.141,43, acrescido de IVA de € 1.020.312,53, totalizando € 5.456.453,96. Este montante foi transferido e recebido na conta bancária do sujeito passivo, conforme extrato, com descritivo “Rescindem CT ….

Consultada a DP de IVA, do período 2019-04 e no que respeita a estas transações, constatamos:

a) No que respeita à indemnização recebida pela empresa “A…” fez constar o valor € 4.436.141,43, nos campos 1042 do quadro 06-A e no campo 3 e a liquidação de IVA, de € 1.020.312,53, no campo 4;

b) Procedeu à dedução no campo 20 – Imobilizado, o montante de € 1.506.379,66 relativo ao doc. emitido pelo Banco B…, respeitante à “Resolução do Contrato de Locação Financeira Referente às Frações B, C, D e E”, das rendas vincendas até ao termo integral do contrato.

 

III.4. Análise da resolução do contrato de locação financeira em sede de IVA

Da análise efetuada ao contrato inicial, de Leasing Imobiliário, escritura e toda a documentação emitida entre as duas entidades “A…” e o “Banco B…”, no que se refere a este contrato, verificamos:

a) O sujeito passivo desde o início do contrato em 2012 até 2019, aquando da renúncia, exerceu o direito à dedução do imposto liquidado nas rendas mensais relativas à Fração A, dado estar aí localizada a sede onde era exercida a atividade;

b) Este entendimento foi diferente, no que respeita às restantes frações, uma vez que sobre estas foram celebrados contratos de arrendamento ao abrigo do NRAU, constituindo proveitos isentos do n.º 29 do art.º 9.º do CIVA, operações isentas sem direito à dedução. Tanto mais que em 2017, foi efetuada a regularização a favor do estado, do imposto até aí deduzido indevidamente.

c) Outro entendimento teve o sujeito passivo relativamente aos mesmos factos quando procedeu à dedução do imposto liquidado nas rendas vincendas pagas ao Banco B…, quando da resolução parcial do contrato de leasing, das frações autónomas B, C, D e E, no montante de € 1.506.379,66 no campo 20 da DP 2019-04.

d) Como contrapartida deste negócio foi acordada que o Banco B…, iria pagar uma indemnização ao sujeito passivo, pela rescisão antecipada do contrato, no montante de € 4.436.141,43 acrescido de IVA (€ 1.020.312,53), fatura n.º …, de 2019-04-16, emitida pela “A….”

 

Estando em causa um acordo de “Resolução Antecipada do Contrato”, dada a oportunidade de negócio para ambas as partes, sem que sobre ele se encontre em dívida qualquer renda, o montante, pago pelo banco das rendas vincendas (indemnização) traduziu-se posteriormente em puro financiamento bancário, dado que foi reposto na conta bancária do sujeito passivo, suportado no documento de indemnização emitido pela A… ao Banco B….

Analisado o contrato de Leasing, em nenhuma das suas cláusulas é referida qualquer indemnização, para além das relacionadas com incumprimentos de pagamentos, nem mesmo refere qualquer contrapartida no caso de acordo negocial de resolução antecipada do contrato.

Salienta-se que nos termos do contrato de Leasing e apenas por mero acordo, atendendo a penalizações contratuais as mesmas são sempre a cargo do locatário e não do locador.

Mais se realça da análise ao negócio envolvido das 5 frações, que o valor da rescisão cobrado à “A…” da resolução do contrato das 4 frações (B, C, D e E), no montante de € 6.549.476,77, teve como contrapartida do “B…r”, o pagamento de indemnização de € 4.436.141,43 das mesmas frações mais a venda da fração A, com valor de escritura de € 1.570.705,46 acrescido de IVA, sendo só estas 2 últimas operações relevadas no extrato bancário.

Só através destas operações a “A…” obteve saldo bancário / financiamento para proceder ao pagamento da compra da fração A, ao Banco, denotando ser desta forma que obteve financiamento para a precursão do negócio.

Atendendo ao caráter residual que o conceito de prestação de serviços possui, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA considera-se como prestações de serviços todas as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, importações ou aquisições intracomunitárias de bens.

A qualificação de prestação de serviços é aqui de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil, abrangendo a transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (não praticar determinado ato) e ainda a prestação de serviços coativa.

Assim, no que concerne à tributação em sede de IVA, dever-se-á ter em atenção, no que se refere às indemnizações:

a) Por um lado, serão tributáveis as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestações de serviços, enquanto expressão da atividade económica do agente, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente relativamente a uma operação sujeita a imposto, enquadrando-se estas operações no âmbito da alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do CIVA. Sublinhando-se nestes casos a existência de um nexo sinalagmático.

b) Por outro lado, não são tributáveis as indemnizações que sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços. Estes casos encontram-se excluídos de tributação pela alínea a), do n.º 6, do artigo 16.º do CIVA, ou porque efetivamente não se enquadram na alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do mesmo código, porque assumem aqui um carácter meramente ressarcitório.

 

Atendendo ao facto concreto, a indemnização em causa configura uma contraprestação, a obter do adquirente relativamente a uma operação sujeita a imposto, enquadrando-se estas operações de rendas de leasing, no âmbito da alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do CIVA.

Constata-se que os fundos facultados pelo B… visam apenas satisfazer a necessidade de crédito da “A…”, sendo o seu valor determinado apenas pela quantificação dessa necessidade. Por este motivo, a justificação para o valor da indemnização assume relevância, para permitir o nexo sinalagmático, dando expressão económica à transação.

Nesta resolução de contrato não se verifica um nexo causal para a determinação de uma indemnização não prevista nos contratos anteriormente celebrados. A razão económica para este fluxo financeiro é a necessidade de obtenção de financiamento.

Face ao exposto a operação com as frações B, C, D e E, consubstancia uma operação de financiamento, que nos termos da al. a), n.º 1, do art.º 20.º do CIVA, não confere direito à dedução, visto se tratar de uma operação isenta, nos termos da subal. a), da alínea 27), do art.º 9.º do CIVA.

Ainda assim, numa mera hipótese académica, de não se considerar esta operação, uma operação de financiamento, a mesma corresponderia a uma operação acessória de uma atividade isenta (arrendamento) nos termos da alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, pelo que não conferem direito à dedução, nos termos do art.º 19.º, do CIVA.

 

 

III.5. Outras deduções indevidas

Analisados os documentos de suporte ao campo 24 – Outros Bens e Serviços da DP 2019-04, no período em decorreu o negócio das 5 frações, consta a fatura n.º 4, de 2019-04-24, emitida pela empresa “C… Consultoria e Gestão”, NIF …, no montante de € 500.000,00, acrescida de IVA de € 115.000,00, imposto este deduzido.

No descritivo deste documento refere “Comissão de mediação imobiliária referente ao Edifício … Oeiras” Rua … – frações B, C, D e E”. Ora estes imóveis na esfera da empresa A…, apenas tinham contratos de arrendamento ao abrigo do NRAU, operações isentas que não conferem direito à dedução.

A resolução do contrato de Leasing, não originou qualquer transmissão do imóvel, dado que permanece na titularidade do Banco B…, pelo que, pelas mesmas razões que as rendas vincendas não são dedutíveis, então todas as despesas incorridas neste negócio também não conferem direito à dedução do IVA, de acordo com o disposto no art.º 19.º e 20.º, ambos do CIVA.

Desta forma não será aceite o IVA deduzido, relativamente ao documento da comissão de mediação destas frações no montante de € 115.000,00.

 

 III.6. Resumo das correções propostas

III.6.1. Período 2019-04 (onde foi gerado o crédito)

 Pelo exposto, concluímos que na DP 2019-04 foram praticadas as seguintes irregularidades:

a) Falta de liquidação do IVA devido pelo Adquirente, relativamente a aquisição da Fração A, no montante de € 361.262,26 (III.2), cuja base deveria ser declarada no campo 100 do quadro 06-A;

b) Dedução indevida no campo 20 da DP, no montante de € 1.506.379,66 relativo à Resolução Parcial do Contrato de Leasing, das frações autónomas B, C, D e E (III.3);

c) Dedução Indevida de € 115.000,00, respeitante à comissão de mediação imobiliária faturada pelo fornecedor ““C… Consultoria e Gestão” (III.5)

 

Das correções agora propostas, no total de €1.982.641,92, o crédito apurado a favor do sujeito passivo na DP 2019-04 de € 1.054.822,96, será completamente anulado e apurar-se-á imposto a favor do Estado no montante de € 927.818,96, sendo emitida uma liquidação adicional, sem que haja crédito de imposto a reportar para o período seguinte.

 

 

III.6.2. Período 2020-08 (onde foi solicitado reembolso IVA)

O reembolso agora em análise referente ao período de 2020-08, no montante de 1.057.000,00, resulta do acumular de reportes desde o período 2019-04, de € 1.057.656,89.

O crédito apurado, de € 1.054.823,03, no período 2019-04 e reportado nos períodos seguintes até 2020-08, por via das correções propostas deixará de existir, o que tem implicações no reembolso solicitado em 2020-08.

Dado que não se detetaram incorreções nas DPs (2019-05 a 2020-08), o crédito apurado e reportado até ao 2020-08 de € 1.057.656,89 em que foi solicitado reembolso parcial de 1.057.000,00, irá ser corrigido na medida do reporte apurado em 2019-04 de € 1.054.823,03.

As correções propostas em 2019-04 têm as seguintes repercussões até ao período do reembolso 202008:

 

 

O crédito a favor do sujeito passivo será no período 2020-08 de € 1.593,23, sendo este o valor do reembolso a deferir, eliminando também o reporte para o período seguinte de € 656,96, já que o mesmo será incluído no reembolso de 2020-08.

 

(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

O sujeito passivo foi notificado, nos termos e para efeitos do disposto no Art.º 60.º da Lei Geral Tributária e no Art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, pelo ofício n.º …, de 2021/08/25, registado nos CTT, sob o n.º RH … PT, para exercer o direito de audição.

No dia 2021/09/14 deu entrada nestes serviços via CTT, correspondência do sujeito passivo, a exercer o direito de audição, por escrito, relativamente ao projeto de correções propostas, com o n.º de entrada 2021…, de 2021/09/14 (Anexo VI).

 

O sujeito passivo nos pontos 1.º a 3.º do seu direito de audição, relativamente ao ponto III.2. do projeto de relatório e à fração A, concorda que se encontrava em falta a liquidação do imposto, pela compra deste imóvel com renúncia à isenção do IVA, pelo que, procedeu à regularização voluntária do mesmo:

 

Procedimento que veio a efetuar hoje, dia 13/09/21, remetendo a declaração de substituição indicando no quadro 6 a opção SIM e nos campos 3 (incluindo o montante de € 1.570.705,46 €), no campo 4 (incluindo o montante de 361,262,26 €), no campo 20 (incluindo o montante de 361.262,26 €) e no quadro 06-A no campo B-100 o montante de 1.570.705,46 €.

Pelo que face a este procedimento deve considerar-se regularizada a correção indicada no ponto 1.4 do projeto de relatório o montante de € 361.262,26 € relativa à falta de liquidação do imposto”.

 

No ponto 4.º e seguintes do exercício do Direito de Audição, o sujeito passivo vem apresentar a sua discordância relativa aos pontos III.3 e III.4 do Projeto de Relatório, relativo às frações B, C, D e E.

O sujeito passivo não aceita as correções efetuadas alegando não estar em causa um financiamento.

Alega assim:

De facto e dada a oportunidade de negócio para ambas as partes, a A…, Lda e o Banco aceitaram em resolver o contrato nas condições enumeradas a págs. 8 do projeto de relatório. Por via desse acordo a exponente emitiu a fatura n.º … de 16/04/2019 de 16/04/2019 pelo montante total de 5.456.453,96 € com liquidação de IVA no montante de 1.020.312,53 € e declarado a favor do Estado, conforme declaração periódica entregue.”

Continuando,

De igual forma procedeu à dedução do IVA suportado pelo pagamento antecipado das rendas vincendas no montante 1.506.379,66 €, direito que lhe assiste por via dessa Resolução do Contrato de Locação Financeira.”

Ainda que,

O mesmo se deve entender relativamente ao IVA suportado pelo pagamento da comissão de intermediação no montante de 115.000,00 €”

 

Concluindo,

“Por não se tratar de qualquer operação de financiamento, mas de antecipação das rendas vincendas e de uma indeminização pela resolução antecipada parcelar do contrato de locação financeira, devem estas operações ser consideradas corretas, tanto a liquidação do imposto como os valores deduzidos.”

 

Sobre este ponto, somos de referir o seguinte:

- Salientar, em primeira análise, que, está em causa no âmbito do presente Relatório de Inspeção, o direito à dedução do imposto suportado no âmbito da operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”;

- Nestes termos, conforme descrito no exercício do Direito de Audição Prévia, é o próprio sujeito passivo que vem referir que a operação resultou de uma “oportunidade de negócio para ambas as partes”;

- Que por via dessa oportunidade de negócio, o sujeito passivo suportou IVA, quer pelo pagamento antecipado das rendas vincendas, no montante de 1.506.379,66 €, quer pelo pagamento da comissão de intermediação, no montante de 115.000,00 €;

- Considera o sujeito passivo, que não se tratou de uma operação de financiamento, mas apenas da antecipação das rendas vincendas e de uma indemnização pela resolução antecipada parcelar do contrato de locação financeira;

- No entanto, não se entende, como a referida operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, foi uma oportunidade de negócio para o sujeito passivo, tendo em consideração, que pela globalidade da operação, o sujeito passivo, suportou IVA em montante muito superior ao que liquidou;

- De igual modo, não se entende, como a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, contribuiu para a realização de Transmissões de bens e Prestações de serviço, no âmbito da atividade de “COM. POR GROSSO RELÓGIOS E ARTIGOS OURIVESARIA E JOALHARIA”, a que corresponde o CAE 46480, para o qual o sujeito passivo se registou;

- Salienta-se que, por via desta operação, conforme descrito no ponto III.3, do presente relatório de Inspeção, o sujeito passivo recebeu em termos líquidos do Banco B…, o montante de € 4.436.141,43;

- Pelo exposto, tendo em consideração o alegado no âmbito do exercício do Direito de Audição Prévio, verifica-se que o sujeito passivo, não demonstrou como a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, contribui para a realização de operações tributáveis, no âmbito da atividade para a qual se encontra registada, não logrando também afastar o caráter financeiro em que se encontra envolvida toda a

operação de da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, aqui em causa.

 

 - Mas, para além do exposto, e na sequência do que se referiu no Projeto de Relatório, reproduzido também no presente Relatório de Inspeção, cf. Ponto III.4, que a seguir se transcreve:

“Ainda assim, numa mera hipótese académica, de não se considerar esta operação, uma operação de financiamento, a mesma corresponderia a uma operação acessória de uma atividade isenta (arrendamento) nos termos da alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, pelo que não conferem direito à dedução, nos termos do art.º 19.º, do CIVA”;

- Verifica-se ainda, que a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, não consubstancia uma operação tributável sujeita, em sede de IVA, tendo em consideração o disposto na alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, não conferindo, também por esta via, direito à dedução do IVA, quer pelo pagamento antecipado das rendas vincendas, no montante de 1.503.379,66 €, quer pelo pagamento da comissão de intermediação, no montante de 115.000,00 €;

- Salienta-se, mais uma vez, que o objeto da atividade do sujeito passivo, está relacionada com “COM. POR GROSSO RELÓGIOS E ARTIGOS OURIVESARIA E JOALHARIA”;

- Sendo que, para os referidos imóveis, não se encontra estabelecida qualquer renúncia à isenção do IVA, que permitissem ao sujeito passivo, beneficiar do direito à dedução do IVA, por via da referida operação;

 - Mas mais,

- Sobre os referidos imóveis, existem firmados, contratos de arrendamento de paredes nuas, operações essas isentas, nos termos do disposto na alínea 29) do art.º 9.º do CIVA, que não conferem direito à dedução;

- Salienta-se ainda, que sobre o enquadramento da alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, conforme referido pelos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), no Projeto de Relatório, e aqui reproduzido no presente Relatório de Inspeção Tributária, o sujeito passivo nada alegou;

- Nem nada referiu, quanto ao facto destas frações estarem suportadas em contratos de arrendamento de paredes nuas, que conforme anteriormente referido e mais uma vez se salienta, constituem operações isentas, nos termos do disposto na alínea 29) do art.º 9.º do CIVA, que não conferem direito à dedução.

Concluindo,

No âmbito do exercício do Direito de Audição Prévio, o sujeito passivo não logrou apresentar elementos que colocassem em causa o alegado no âmbito do Projeto de Relatório e que justificassem a alteração do entendimento dos SIT, que se encontra detalhadamente fundamentado no referido Projeto de Relatório, devidamente notificado, sendo, nos termos referidos anteriormente, de manter na integra, as correções propostas, relativamente às deduções de imposto associadas às referidas 4 frações.

Desta forma, propõe-se que as correções propostas no valor global de € 1.621.379,66, associadas ao negócio das frações A, B, C e D, se convolem em definitivas.

Para efeitos de concretização do as correções proposta e promoção da correspondente liquidação de imposto, será elaborado o respetivo documento de correções

 

  1. Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu o despacho de 18-11-2021, que se refere no documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que deferiu o pedido de reembolso apenas quanto à quantia de € 1.593,23, indeferindo esse pedido quanto ao valor restante de € 1.055.406,77;
  2. Na sequência deste despacho, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º 2021…, nos valores de € 566.555,70 e € 53.396,02, respectivamente, que se referem nas demonstrações de acerto de contas que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 e do documento n.º 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  3. Em 04-04-2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

3.2.1. Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e os que constam do processo administrativo.

Nos pontos em que não são indicados documentos, a matéria de facto foi fixada com base nas afirmações da Requerente que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente indicou três testemunhas, mas não se tornou necessária a sua inquirição por o Tribunal Arbitral considerar provados todos os factos alegados pela Requerente.

 

 

4. Matéria de direito

 

O presente processo arbitral tem por objecto duas correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativas a dedução de IVA pela Requerente:

Dedução indevida no campo 20 da DP, no montante de € 1.506.379,66 relativo à Resolução Parcial do Contrato de Leasing, das frações autónomas B, C, D e E (ponto III.3 do RIT);

– Dedução Indevida de € 115.000,00, respeitante à comissão de mediação imobiliária faturada pelo fornecedor ““C… Consultoria e Gestão” (ponto III.5 do RIT).

 

Não está, assim, em causa, a correcção inicialmente projectada pela Autoridade Tributária e Aduaneira relativa à falta de liquidação do IVA devido pelo Adquirente, relativamente a aquisição da Fração A, no montante de € 361.262,26 (III.2 do RIT), pois a Requerente efectuou a regularização, apresentando uma declaração de substituição.

Também não é objecto do presente processo qualquer questão relativa ao IVA mencionado na factura emitida pela Requerente relativamente ao «Valor da Indeminização pela Resolução Antecipada Parcelar do Contrato de Locação Financeira Imobiliária n.º … Frações B, C, D e E”,

No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca esta factura emitida pela Requerente para sustentar a tese que defende no RIT de que a operação em causa se traduziu numa operação de financiamento da Requerente pelo Banco B….

 

4.1. Posições das Partes

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedução do IVA indicado na factura emitida à Requerente pelo Banco B… relativa às rendas vincendas do contrato de locação financeira, nem a factura emitida pela C… Consultoria e Gestão, por serviços de intermediação imobiliária.

As razões para esta correcção invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no RIT e densificadas após o exercício do direito de audição pela Requerente são as seguintes, em suma:

 

«a operação com as frações B, C, D e E, consubstancia uma operação de financiamento, que nos termos da al. a), n.º 1, do art.º 20.º do CIVA, não confere direito à dedução, visto se tratar de uma operação isenta, nos termos da subal. a), da alínea 27), do art.º 9.º do CIVA».

 

«Ainda assim, numa mera hipótese académica, de não se considerar esta operação, uma operação de financiamento, a mesma corresponderia a uma operação acessória de uma atividade isenta (arrendamento) nos termos da alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, pelo que não conferem direito à dedução, nos termos do art.º 19.º, do CIVA.»

 

«não se entende, como a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, contribuiu para a realização de Transmissões de bens e Prestações de serviço, no âmbito da atividade de “COM. POR GROSSO RELÓGIOS E ARTIGOS OURIVESARIA E JOALHARIA”, a que corresponde o CAE 46480, para o qual o sujeito passivo se registou»;

 

«o sujeito passivo, não demonstrou como a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, contribui para a realização de operações tributáveis, no âmbito da atividade para a qual se encontra registada, não logrando também afastar o caráter financeiro em que se encontra envolvida toda a operação de da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, aqui em causa».

 

– a operação da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, não consubstancia uma operação tributável sujeita, em sede de IVA, tendo em consideração o disposto na alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, não conferindo, também por esta via, direito à dedução do IVA, quer pelo pagamento antecipado das rendas vincendas, no montante de 1.503.379,66 €, quer pelo pagamento da comissão de intermediação, no montante de 115.000,00 €;

 

– «para os referidos imóveis, não se encontra estabelecida qualquer renúncia à isenção do IVA, que permitissem ao sujeito passivo, beneficiar do direito à dedução do IVA, por via da referida operação»;

 

– «A resolução do contrato de Leasing, não originou qualquer transmissão do imóvel, dado que permanece na titularidade do Banco B…, pelo que, pelas mesmas razões que as rendas vincendas não são dedutíveis, então todas as despesas incorridas neste negócio também não conferem direito à dedução do IVA, de acordo com o disposto no art.º 19.º e 20.º, ambos do CIVA».

 

 

No presente processo, a Requerente alega o seguinte, em suma:

– o direito a dedução constitui uma trave-mestra do sistema do IVA que, em princípio, não pode ser limitado, sendo a dedutibilidade uma das principais características do IVA, através do qual se assegura o principio estruturante da neutralidade do imposto;

– o direito à dedução do IVA confere aos sujeitos passivos o direito a deduzir ao montante de imposto de que são devedores, o IVA incorrido nas suas aquisições de bens e de serviços, quando os mesmos tenham como finalidade a realização de operações que conferem o direito à dedução, ou seja, a concretização do principio da neutralidade só se assegura na circunstância de os sujeitos passivos de imposto se desonerarem do mesmo, subtraindo o IVA incorrido nos seus inputs ao IVA que liquidam nos outputs, tal como decorre do disposto na Directiva do IVA e no nosso Código do IVA (CIVA);

– a Jurisprudência Europeia se manifesta em sentido idêntico/semelhante;

– para o IVA ser dedutível. as operações efectuadas a montante devem apresentar um nexo directo e imediato com operações a jusante com direito a dedução;

– também a Doutrina e a Jurisprudência atentam, essencialmente, na substância, ao invés da forma;

– é, pois, neste contexto. que a Requerente entende dever prevalecer o direito à dedutibilidade do imposto suportado a montante, atendendo a substância da referida transacção.

 

No presente processo a Autoridade Tributária e Aduaneira defende a posição assumida no RIT, salientando ainda, em suma, que:

 

– analisado o contrato de Leasing, em nenhuma das suas clausulas é referida qualquer indemnização, para além das relacionadas com incumprimentos de pagamentos, nem mesmo refere qualquer contrapartida no caso de acordo negocial de resolução antecipada do contrato;

– através da rescisão do contrato de leasing quanto às fracções B, C, D, e E, a Requerente obteve saldo bancário/financiamento para proceder ao pagamento da compra da fração A ao Banco, denotando ser desta forma que obteve financiamento para concretizar a compra;

– não são tributáveis as indemnizações que sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caráter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços;

– estes casos encontram-se excluídos de tributação pela alínea a), do n.º 6, do artigo 16.º do CIVA, ou porque efetivamente não se enquadram na alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º do mesmo código, assumindo, ao caso concreto, um carácter meramente ressarcitório;

– mesmo não se considerando uma mera operação de financiamento, a mesma corresponderia a uma operação acessória de uma atividade isenta (arrendamento) nos termos da alínea 29), do art.º 9.º do CIVA, pelo que nunca conferiria direito à dedução, nos termos do art.º 19.º, do CIVA;

– a resolução do contrato de Leasing relativamente àquelas frações não originou qualquer transmissão do imóvel, dado que permanece na titularidade do locador, o Banco B…;

– as rendas vincendas não eram dedutíveis – não tendo havido renúncia à isenção de IVA –, todas as despesas incorridas neste negócio também não conferem direito à dedução do IVA, de acordo com o disposto no art.º 19.º e 20.º, ambos do CIVA;

– a “Resolução do Contrato de Locação Financeira” não pode ter configurado uma oportunidade de negócio para a Requerente, tendo em consideração, que pela globalidade da operação, suportou IVA em montante muito superior ao que liquidou.

 

 

4.2. Dedução no montante de € 1.506.379,66 relativo à Resolução do Contrato de Leasing, das frações autónomas B, C, D e E

 

Os artigos 9.º alíneas 27) subalínea a) e 29), 19.º, e 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, invocados no Relatório da Inspecção Tributária estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 9.º

 

Isenções nas operações internas

 

Estão isentas do imposto:

 

(...)

27) As operações seguintes: (ver Directiva n.º 2006/112/CE – artigo 135.º, n.º 1, d))

 

a) A concessão e a negociação de créditos, sob qualquer forma, compreendendo operações de desconto e redesconto, bem como a sua administração ou gestão efectuada por quem os concedeu;

 

(...)

 

29) A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange:

 

a) As prestações de serviços de alojamento, efectuadas no âmbito da actividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo;

b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento colectivo de veículos;

c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial;

d) A locação de cofres-fortes;

e) A locação de espaços para exposições ou publicidade;

 

 

Artigo 19.º

 

Direito à dedução

 

1 - Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:

 

a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;

 

(...)

 

Artigo 20.º

 

Operações que conferem o direito à dedução

 

1 - Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

 

a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

(...)

 

Estes artigos 19.º e 20.º do CIVA estão em sintonia com o regime previsto no artigo 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, que tem primazia sobre o Direito Nacional por forma do preceituado o artigo 8.º, n.º 4, da CRP.

Neste artigo 168.º estabelece-se o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 168.º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

 

(...)

 

As considerações que a Requerente faz sobre o regime do direito à dedução são essencialmente correctas e constituem jurisprudência corrente do TJUE, como pode ver-se, entre muitos, no acórdão de 21-03-2018, processo C-533/16, Volkswagen AG:

 

39 Como o Tribunal de Justiça já sublinhou reiteradamente, o direito à dedução previsto nos artigos 167.º e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Em particular, esse direito é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante (acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.º 37, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.º 36 e jurisprudência aí referida).

 

40 O direito à dedução do IVA está, porém, sujeito ao respeito de requisitos ou condições, tanto substantivos como formais (acórdão de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.º 38).

 

41 Quanto aos requisitos ou às condições substantivos, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva 2006/112 que, para beneficiar desse direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção dessa diretiva, e, por outro, que os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdãos de 15 de setembro de 2016, Senatex, C-518/14, EU:C:2016:691, n.º 28 e jurisprudência aí referida, e de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.º 39).

 

No entanto, no caso em apreço, verifica-se precisamente uma situação em que não há direito à dedução relativamente a IVA suportado com a resolução parcial do contrato de leasing e com os serviços de mediação imobiliária, pois não se demonstrou o requisito de que «os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas».

Na verdade, a actividade de locação das fracções B) C) D) e E) que a Requerente desenvolvia antes da rescisão do contrato, não era actividade tributada, pois era isenta, por força da alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, já que não houve a renúncia à isenção (permitida pelo n.º 4 do artigo 12.º do CIVA e no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro).

Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a operação de pagamento das rendas vincendas no âmbito da “Resolução do Contrato de Locação Financeira”, relativamente às fracções arrendadas, não tem potencialidade para contribuir para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços, no âmbito da única actividade tributada que a Requerente desenvolvia, que é a de COMÉRCIO POR GROSSO RELÓGIOS E ARTIGOS OURIVESARIA E JOALHARIA”, a que corresponde o CAE 46480.

Assim, se é certo que, como diz a Requerente, invocando jurisprudência do TJUE, há direito a dedução do imposto que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante quando as despesas efectuadas tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante, também é certo que isso não sucedeu no caso em apreço, pois as despesas com as rendas de leasing vincendas relativas a fracções arrendadas não são elementos constitutivos dos preços dos bens e serviços comercializados pela Requerente no âmbito da sua única actividade tributada de comércio por grosso relógios e artigos ourivesaria e joalharia.

Para além disso, quanto aos serviços de intermediação imobiliária relativos às fracções B), C), D), e E), que se reconduziram na angariação de uma empresa interessada em adquiri-las (no caso, pela via de um novo contrato de locação financeira), apenas se entrevê ligação com a actividade de arrendamento, que era isenta, e, por isso, não há direito a dedução do IVA suportado com a aquisição de bens ou serviços utilizados exclusivamente conexionados com essa actividade.

Assim, não se verifica o requisito substantivo do direito à dedução de «os bens ou serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas» (ponto 41 do acórdão do TJUE citado), exigido pelo artigo 20.º n.º 1 do CIVA, ao estabelecer que «só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas».

Conclui-se que são correctos os fundamentos invocados no RIT sobre a aplicação à actividade de arrendamento da isenção prevista na alínea 29) do artigo 9.º do CIVA e, em face dessa isenção, não se verificar o requisito do direito à dedução exigido pelo artigo 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, quer quanto ao IVA suportado com a rescisão do contrato de leasing na parte relativa às fracções arrendadas, quer quanto ao IVA suportado com os serviços de intermediação imobiliária.

Obtida esta conclusão, fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), a apreciação do outro fundamento invocado no RIT para considerar que a operação em causa estava isenta de IVA, que é o do seu enquadramento na alínea 27) do artigo 9.º do IVA, por ser uma operação de financiamento.

Pelo exposto, conclui-se que o pedido de pronúncia arbitral tem de ser julgado improcedente, quer quanto a questão do indeferimento do pedido de reembolso, quer quanto à questão da ilegalidade das liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas.

 

5. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios.  

 

Improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da liquidação e da decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA, improcede também o pedido de reembolso das quantias pagas por força das liquidações impugnadas.

Para além disso, improcede também o pedido de juros indemnizatórios, pois é seu pressuposto que tenha havido um pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

 

 

            6. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Indeferir a arguição de nulidade processual relativa a deficiências do processo administrativo;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação da decisão de indeferimento do pedido de reembolso de IVA relativo ao período 2020-08;
  3. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação das liquidações de IVA n.º … e de juros compensatórios n.º 2021…;
  4. Julgar improcedente o pedido de reembolso das quantias pagas relativamente a estas liquidações;
  5. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.621.963,47 indicado pela Requerente e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 21.420,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 26-10-2022

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Eva Dias Costa)

 

 

 

(Cristina Aragão Seia)