Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 190/2022-T
Data da decisão: 2022-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 392.029,71
Tema: IRC – Inaplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC a gastos resultantes da aplicação do método do justo valor previsto no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do Código do IRC. Inaplicabilidade do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC a menos-valias decorrentes da transmissão efetiva de participações sociais, quando o saldo entre mais-valias e menos-valias, nesse exercício, é positivo.
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SUMÁRIO:

  1. À data dos factos (i.e., exercício de 2010), o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC estabelecia que “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.
  2. A limitação estabelecida no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC não se aplica a gastos resultantes da aplicação do método do justo valor que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, pelo que o valor dos referidos gastos deverá concorrer para a formação do lucro tributável na sua totalidade.
  3. O artigo 45.º, n.º 3, do CIRC não se aplica a menos-valias individualmente consideradas, mas apenas ao saldo negativo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada exercício, pelo que o valor de uma menos-valia realizada com uma transmissão de participações sociais deverá concorrer para a formação do lucro tributável na totalidade, se nesse exercício o saldo entre as mais-valias e as menos-valias auferidas pelo sujeito passivo for positivo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (árbitro-presidente), Professor Doutor Fernando Manuel dos Santos Cardoso e Dr. David Oliveira Silva Nunes Fernandes (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-05-2022, acordam no seguinte:

 

I.  RELATÓRIO

 

A..., S.A., pessoa coletiva ..., com sede em ..., ..., ...-... ..., Oeiras (“Requerente”), apresentou, no dia 21 de março de 2022, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT"), pedido de constituição de tribunal arbitral tributário e pedido de pronúncia arbitral contra o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa deduzido nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT (objeto imediato do pedido pronúncia arbitral), cujo objeto correspondia à liquidação de IRC de 2010 (objeto mediato do pedido pronúncia arbitral), pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como a restituição do imposto indevidamente pago, no montante de 392.029,71 EUR, acrescido de juros indemnizatórios contados a partir de 10 de Março de 2015 (cf. artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT).

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 22 de março de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os membros do presente Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

Em 14 de abril de 2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 31 de maio de 2022.

 

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º, nºs 1 e 2, do RJAT, a Requerida foi notificada, em 1 de junho de 2022, para, no prazo de 30 (trinta) dias, (i) apresentar, querendo, resposta e solicitar prova adicional, bem como para (ii) remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

 

No dia 3 de junho de 2022, a Requerida comunicou ao Tribunal Arbitral os juristas designados para intervirem em sua representação nos presentes autos.

 

No dia 28 de junho de 2022, e não tendo sido apresentada resposta, foram as partes notificadas de despacho prolatado pelo Tribunal Arbitral no sentido de (i) instar a Requerida a remeter, no prazo de 10 (dez) dias, cópia do processo administrativo, e de (ii) facultar às partes, no mesmo prazo, oportunidade para se pronunciarem quanto à necessidade de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

No dia 2 de setembro de 2022, a Requerente comunicou entender não ser necessária a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, nem tão pouco a apresentação de alegações finais escritas.

 

Também a Requerida, por requerimento apresentado a 12 de setembro de 2022, considerou desnecessária a realização da supra referida reunião.

 

Na mesma data, a Requerida apresentou as suas alegações finais, tendo igualmente procedido à junção aos autos do processo administrativo.

 

No dia 3 de outubro de 2022, as partes foram notificadas de despacho prolatado pelo Tribunal Arbitral no sentido de (i) confirmar a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, em face da ausência de prova testemunhal a produzir no presente processo arbitral e da concordância manifestada pelas partes, (ii) admitir as alegações apresentadas pela Requerida, nomeadamente em face da falta de apresentação de resposta em momento anterior, (iii) notificar a Requerente para, querendo, apresentar alegações finais no prazo de 10 (dez) dias, tendo em vista o princípio do contraditório, e (iv) notificar a Requerente para, no mesmo prazo, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente. Mais determinou o Tribunal Arbitral, naquele despacho, que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 30 de outubro de 2022.

 

A Requerente apresentou alegações finais escritas no dia 12 de outubro, tendo também nessa data junto ao processo comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

 

II.  POSIÇÃO DAS PARTES

 

 

A Requerente, enquanto entidade dominante de um grupo de empresas sujeita ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do CIRC, sustenta a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2010, na parte que se refere à:

 

  1. Desconsideração, por força do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código CIRC, de 50% do gasto apurado em face de ajustamentos de valor decorrentes da aplicação do método do justo valor (previsto no n.º 9 do artigo 18.º do CIRC), relativamente a um conjunto de ações do Banco B... SA (“B...”) negociadas em mercado regulamentado;

 

  1. Desconsideração, por força do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, de 50% de uma menos-valia realizada pela Requerente decorrente da efetiva alienação de ações do B... .

 

Quanto à primeira questão, a Requerente entende, sinteticamente, que o normativo vertido no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não é aplicável às perdas determinadas por aplicação do critério do justo valor, ancorando o seu entendimento na seguinte fundamentação, que se sumariza:

 

  1. De acordo com o disposto no artigo 18.º do CIRC, apenas relevam os ganhos e perdas efetivos, resultantes de reais e efetivas operações, e não ganhos ou perdas potenciais.

 

  1. As alterações ao CIRC previstas Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, introduziram uma exceção ao supra referido princípio da realização, na medida em que o legislador aceitou, como caráter excecional, a não aplicação desse princípio, estatuindo a aplicação do regime de justo valor aos instrumentos de capital que (i) tenham um preço formado em mercado regulamentado, e (ii) sejam detidos numa participação não superior a 5% do capital social, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

 

  1. O princípio do justo valor impõe a indagação, no final de cada exercício, do valor desses ativos financeiros no mercado regulamentado, sendo que: nos casos em que tal valor se afigura inferior face ao exercício anterior, o contribuinte teve uma perda; inversamente, nos casos em que tal valor é superior, o contribuinte auferiu um ganho.

 

  1. Diferentemente do que decorre do princípio da realização (ao abrigo do qual as perdas ou ganhos se apuram apenas mediante a venda do ativo), o princípio do justo valor impõe o apuramento de tais ganhos ou perdas em todos os exercícios, enquanto o contribuinte for titular dessa participação.

 

  1. O princípio do justo valor apenas se aplica aos ativos que tenham um preço formado em mercado regulamentado, porquanto apenas nesses casos é que a fiabilidade da determinação do justo valor estará, em princípio, assegurada.

 

  1. A característica do justo valor é a total simetria de tratamento a dar às alterações do valor dos ativos, sendo toda a valorização tributada e toda a desvalorização custo, porquanto, enquanto aspeto nuclear, no justo valor não há evasão fiscal, na exata medida em que a valorização e desvalorização resultam de mercado organizado e não, como acontece no princípio da realização, da vontade estabelecida entre comprador e vendedor.

 

  1. No âmbito do processo arbitral n.º 108/2013-T, entendeu-se ser incoerente e inequitativo aplicar o regime do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC a situações como as do justo valor, em que não há qualquer possibilidade de manipulação pelo contribuinte do resultado tributável, já que este depende da cotação das ações em mercado regulamentado.

 

  1. A aplicação do regime vertido no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC às situações de justo valor põe em causa o modelo de tributação que é o da antecipação financeira do imposto a receber aquando da venda do ativo, já que o imposto a pagar seria muito mais elevado do que decorre das situações de tributação apenas com a venda.

 

  1. Da aplicação do regime vertido no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC às situações de justo valor resultaria que o imposto apagar não seria o que deveria ter sido pago aquando da realização, mas sobre um rendimento muito superior, dependendo de fatores totalmente arbitrários – o número e o volume das flutuações do e no mercado bolsista.

 

  1. A aplicação do regime vertido no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC às situações de justo valor conduz ainda ao desaparecimento de uma simetria existente no regime de realização de mais e menos-valias, porquanto:

 

  1. No regime fiscal das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (“SGPS”), que constou do artigo 32.º do EBF, em regra, as mais-valias geradas pela alienação de instrumentos financeiros não eram tributadas e, simetricamente, as menos-valias também não eram custo fiscal;

 

  1. Para as restantes sociedades, as menos-valias, como se viu, apenas relevavam em 50% e as mais-valias, em caso de reinvestimento, também só eram tributadas em 50%.

 

  1.  A interpretação segundo a qual o regime previsto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC se aplica às situações de justo valor conduz a uma assimetria, segundo a qual todos os ganhos do justo valor são tributados na totalidade e todas as perdas do justo valor só relevam em 50%.

 

  • No enunciado normativo do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC é empregue a expressão “outras perdas, para além de menos valias”, sendo que a alínea i) do n.º 1 do artigo 23.º CIRC, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, não designou por perdas os gastos resultantes da aplicação do justo valor.

 

  1. Só a partir da entrada em vigor da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, é que as variações negativas do justo valor passaram a ser consideradas pelo legislador como perdas, tendo também sido revogado o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

 

  • A referida revogação tem presente o critério da simetria entre ganhos e perdas, já que:

 

  1. Antes de 2014, as menos-valias só eram dedutíveis em metade e as mais-valias só eram tributadas em metade, se houvesse reinvestimento;

 

  1. Após 2014, a generalidade das mais-valias não é tributada, pelo que a generalidade das menos-valias, na totalidade, não é custo e, em relação às situações em que as mais-valias são tributadas na totalidade, as menos-valias referentes a essas situações são custo na sua totalidade.

 

  • Sendo o regime do justo valor autónomo face ao regime das mais e menos-valias, em face do disposto no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, e considerando o caráter excecional das normas que estabelecem o relevo dos ganhos ou perdas estimadas, não realizadas, para formação do lucro tributável, conclui-se que regime do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não é regime regra ou excecional relativamente a outras normas excecionais.

 

Quanto à segunda questão, considera a Requerente o seguinte:

 

  1. Estão em causa vendas concretas, efetivas, realizadas pela sociedade integrante do perímetro do grupo fiscal, as quais originaram um saldo positivo e não um saldo negativo (como foi indevidamente considerado pela Requerente);

 

  1. Se houve lugar a um saldo positivo entre mais e menos-valias, o n.º 3 do artigo 45.º do CIRC não é aplicável.

 

 Termina a Requerente a sua argumentação, peticionando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e da liquidação de IRC de 2010, com todas as legais consequências, incluindo a restituição do imposto indevidamente pago a mais, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Por seu turno, a Requerida entende, essencialmente, o seguinte a propósito das questões suscitadas pela Requerente:

 

  1. A AT tem o entendimento consolidado, vertido no Despacho da Diretora Geral da AT, datado de 14 de novembro de 2018, que as variações positivas ocorridas em instrumentos financeiros reconhecidos ao justo valor concorrem em 100% para a determinação do resultado fiscal, sendo que, às variações negativas previstas na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, se aplica a limitação da dedutibilidade prevista no anterior n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

 

  1. Tal visão desta problemática teve por base a estrutura conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), em particular a definição de “justo valor”, constante do parágrafo 98, como “a quantia pela qual um ativo poderá ser trocado ou por um passivo liquidado, entre parte conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não existam relacionamento entre elas”.

 

  1. O modelo do justo valor contém um risco de subjetividade, quando comparado como a objetividade do modelo do custo, podendo a fiabilidade das mensurações ao justo valor se significativamente afetada quando existam mercados ativos.

 

  1. O justo valor revela-se um critério particularmente adequado para alguns instrumentos financeiros transacionados em mercados ativos, sendo que, contabilisticamente, a sua aplicação traduz-se no reconhecimento de gastos e rendimentos não realizados na demonstração de resultados.

 

  1. A utilização do método do justo valor é admitida sempre que os bens ou direitos sejam negociados em mercados regulamentados, ou quando o justo valor possa ser obtido de forma fiável, nos casos especificamente previstos nas normas contabilísticas.

 

  1. A adaptação do CIRC às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao SNC, relativamente ao justo valor, implicou o aditamento ao n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, bem como a alteração à redação conferida ao n.º 1 do artigo 20.º, ao n.º 1 do artigo 23.º, e ao n.º 1 do artigo 46.º, todos do CIRC.

 

  1. Os conceitos de mais e menos-valias, previstos no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, sofreram uma alteração substancial, afastando taxativamente daquela definição os instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

 

  1. A este respeito, a AT divulgou em ficha doutrinária o entendimento que “no caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o art.º 45.º, n.º 3, do CIRC, estabelece que «…outras perdas…relativas a partes de capital, … concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do valor» (…) sendo as reduções de justo valor destas partes de capital, qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido art.º 45.º, n.º 3 do CIRC, em 50% do seu valor”.

 

  1. Por despacho da Diretora Geral da AT, de 14 de novembro de 2018, foi emitido entendimento no sentido da permanência da aplicação da doutrina, segunda a qual, às perdas do justo valor previstas na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, se aplica a limitação de dedutibilidade em 50% prevista no n.º 3 do artigo 45.º do mesmo diploma.

 

Termina a Requerida advogando pela manutenção do indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

 

III.  QUESTÕES A DECIDIR

 

Compulsando a posição vertida pelas partes nas respetivas peças processuais, as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar são as seguintes:

 

  1. Determinar se o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC é aplicável aos ajustamentos de valor previstos na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC e se, em consequência, a perda registada pela Requerente, no exercício de 2010, com a aplicação do método do justo valor às ações do B... deverá relevar fiscalmente na totalidade ou apenas em metade do seu valor.

 

  1. Determinar se o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, ao limitar a consideração das menos-valias realizadas para formação do lucro tributável, se aplica a cada menos-valia individualmente considerada, ou apenas ao saldo negativo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada exercício, e se, em consequência, a menos-valia realizada pela Requerente, no exercício de 2010, com a transmissão de ações do B... deverá relevar fiscalmente na totalidade, ou apenas em metade do seu valor, considerando que, nesse exercício, o saldo entre as mais-valias e as menos-valias auferidas pela Requerente foi positivo.

 

 

IV.  SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porquanto apresentado dentro do prazo de 90 dias a contar da notificação do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

 

O processo não enferma de nulidades. Não foram invocadas exceções suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.

 

 

V.  MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos provados com relevância para os autos e respetiva fundamentação

 

  1. A Requerente era, no exercício de 2010, a entidade dominante de um grupo de sociedades sujeito ao RETGS previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, o Grupo C...–– cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. No exercício de 2010, o resultado fiscal consolidado apurado pela Requerente (enquanto sociedade dominante) englobou o resultado de uma sociedade denominada “D..., S.A.” (“D...”) – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Naquele exercício, a D... apurou uma perda em relação às ações detidas no capital social do B... no valor total de 2.735.670,53 EUR (dois milhões, setecentos e trinta e cinco mil, seiscentos e setenta euros, e cinquenta e três cêntimos), resultante da desvalorização da cotação, em mercado, das referidas ações, e em virtude de ajustamentos de valor decorrentes da aplicação do método do justo valor previsto no artigo 18.º, n.º 9, do Código do IRC – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por aplicação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, na redação em vigor à data, a Requerente reconheceu uma perda fiscal da D... correspondente a metade daquele valor, ou seja, a 1.367.535,27 EUR (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros, e vinte e sete cêntimos) – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Esta perda fiscal influenciou o resultado tributável do grupo do qual era sociedade dominante a Requerente, refletindo-se na liquidação de IRC de 2010 desta – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Também no exercício de 2010, a D... realizou uma menos-valia no valor de 230.358,44 EUR (duzentos e trinta mil, trezentos e cinquenta e oito euros, e quarenta e quatro cêntimos), com a venda de ações representativas do capital social do B...– cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por efeitos da aplicação do regime vertido no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, a referida menos-valia gerou um acréscimo, para efeitos fiscais, na esfera da D..., de 50% do respetivo valor, ou seja, no montante de 115.179,22 EUR (cento e quinze mil, cento e setenta e nove euros, e vinte e dois cêntimos) – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. No exercício de 2010, a D... obteve um saldo positivo entre mais-valias e menos-valias – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Em 10 de março de 2014, a Requerente apresentou, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa da sua liquidação de IRC de 2010, peticionando (i) a consideração fiscal da totalidade da perda apurada quanto às ações representativas do B... detidas e mensuradas de acordo com o critério do justo valor, bem como (ii) a consideração da totalidade da menos-valia realizada com a venda efetiva de ações representativas do capital social do B... – cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. A Requerida determinou o arquivamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, por considerar não ser aquele o meio de reação adequado para contestar a legalidade da liquidação de IRC de 2010 – cfr. documentos n.º 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 13 de maio de 2021, proferida no âmbito dos autos n.º 1740/14.2BESNT, foi a Requerida condenada a apreciar o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente – cfr. documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Subsequentemente, a Requerida proferiu decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativamente à liquidação de IRC de 2010, que correu termos sob o n.º ...2021..., por despacho exarado, em 27 de dezembro de 2021, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. A Requerente foi notificada do indeferimento do pedido de revisão oficiosa em 28 de dezembro de 2021.

 

  1. Em 21 de março de 2022, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a presente processo arbitral.

 

 

  1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

Inexistem factos não provados com relevância para decisão da causa.

 

A convicção deste Tribunal Arbitral relativamente aos factos supra considerados como provados baseia-se nos elementos documentais referidos quanto a cada um deles, mais se salientando que a correspondência dos mesmos à realidade não é contestada pela Requerida, a qual, não tendo apresentado Resposta, não os contestou no âmbito das alegações finais que efetivamente apresentou.

 

 

VI.  MATÉRIA DO DIREITO

  1. Da aplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC aos ajustamentos de valor previstos na alínea a) do n.º 9.º do artigo 18.º do CIRC

 

No que respeita à primeira temática suscitada pela Requerente no âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral, o cerne da questão controvertida consiste em determinar se a norma ínsita no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC é aplicável aos ajustamentos de valor previstos nos termos do disposto na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, isto é, ajustamentos de valor respeitantes a instrumentos financeiros reconhecidos de acordo com o critério do justo valor (desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado, e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5 % do respetivo capital social).

 

No exercício de 2010 (à data dos factos), o enunciado normativo da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC (com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho), era o seguinte:

 

Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

(…)

9- Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

 

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; (…)”

 

 

Por seu turno, e também com referência à data dos factos, o enunciado normativo do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC era o seguinte:

 

Artigo 45.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

(…)

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

Importa notar que a presente temática tem vindo a ser amplamente discutida no âmbito da jurisprudência do CAAD – ainda que nesta sede de forma não uniforme[1] –, bem como dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

 

A propósito da mesma, foi recentemente proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo um Acórdão, datado de 10 de novembro de 2021, no âmbito do processo n.º 02410/14.7BELRS[2], a cujo entendimento, pela completude e sentido, se adere, transcrevendo-se infra os segmentos de maior relevância para o caso vertente:

 

2.2.2 DA APLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO DA DEDUTIBILIDADE PREVISTA NO N.º 3 DO ART. 45.º DO CIRC ÀS VARIAÇÕES PATRIMONIAIS NEGATIVAS RESULTANTES DA APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DO JUSTO VALOR APURADAS NO EXERCÍCIO, AO ABRIGO DO ART. 18.º, N.º 9, ALÍNEA A), DO CIRC

 

A questão não é nova e este Supremo Tribunal já sobre ela se pronunciara antes da data em que foi proferida a sentença – como bem deu conta a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa (Vide a nota anterior.), que para ela remeteu – e continuou a pronunciar-se após essa data ( Cf. o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17), disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f07690fb3c5ece8e802586460043e57a.),sempre no mesmo sentido.

(…)

(…) em princípio (Desde que respeitem os requisitos do art. 23.º do CIRC.), as menos-valias e as perdas realizadas por uma sociedade com uma determinada operação comercial concorrem, negativamente, para a formação do lucro tributável do respectivo exercício.

Mas existem algumas limitações, entre as quais ora nos interessa considerar a do art. 45.º do CIRC, com a epígrafe «Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais», que no seu n.º 3 estabelecia: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

(…)

A referida norma foi aditada (sob o n.º 3) ao então art. 42.º do CIRC (depois 45.º) pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado ara 2003), com a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

O Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento do Estado de 2003 (…) após referir «[n]o que respeita às receitas, estabelecem-se desde logo duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável» (pág. 34), enquadrou a medida de «exclusão parcial (50%) das menos-valias registadas na alienação de partes sociais pela generalidade das empresas» no âmbito das alterações em sede de IRC em ordem ao «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade» (pág. 53).

Ulteriormente, com a entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o referido n.º 3 do então art. 42.º do CIRC recebeu a seguinte redacção: «A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

O Relatório do Ministério das Finanças para este Orçamento (…) enquadrou esta alteração no âmbito do «combate à fraude e evasão fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental» (pág. 31).

Ou seja, o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, após a republicação do CIRC, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável. Sob essa óptica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.

Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».

A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.

No caso, não se suscitando dúvidas quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 18º, n.º 9, alínea a), do CIRC, há apenas que saber se é aplicável a limitação que consta do art. 45.º, n.º 3, do mesmo Código.

O já referido acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 582/17, responde a esta questão nos seguintes termos:

«Estas “mais-valias ou menos-valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias – o valor dos activos consubstancia-se numa posição financeira – porque não há uma efectiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32.º, n.º 2 do CSC.

Não há, assim, qualquer dúvida de que (…) à posição financeira negativa resultante do Justo Valor, não lhe “... subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos activos transaccionados em mercado organizado, onde a cotação do activo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos-valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim, uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho – pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo” (cfr. Tomás Castro Tavares, idem, págs. 1143 e 1144).

Portanto, o legislador com a norma do artigo 18.º, n.º 9, al. a), para casos como o dos autos, afastou o princípio da realização e aproximou, ainda mais, a regra fiscal à regra contabilística, atribuindo relevância fiscal à variação anual do valor dos instrumentos financeiros, com preço formado em mercado regulamentado, quando aplicadas as regras do Justo Valor, cfr. artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC.

Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação – ao Justo Valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respectivo activo».

Entendemos, pois, em conformidade com o julgado no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Junho de 2018 ( E secundado no também já referido acórdão de 16 de Dezembro de 2020, proferido no processo com o n.º 1760/15.0BELRS (819/17).), que a diferença negativa releva na totalidade para a formação do lucro tributável, e não apenas em metade do seu valor, concluindo pela ilegalidade da correcção efectuada em IRC pela AT e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação adicional impugnada” (ênfase e sublinhado nosso).

 

Na verdade, já em Acórdão datado 16 de dezembro de 2020, proferido no âmbito do processo n.º 01760/15.0BELRS[3], o Supremo Tribunal Administrativo havia expressado entendimento ao qual se adere igualmente, por coerente com o que antecede, nos termos do qual se sufragou a seguinte posição:

 

“Por outro lado, como também já se referiu, se os proveitos do justo valor são totalmente tributados, também os gastos devem ser aceites na totalidade, não se vislumbrando razões fiscais ou extrafiscais que justifiquem a disparidade na tributação das componentes positivas e negativas do justo valor, potenciando, um tal tratamento diferenciado, um regime fiscal mais injusto do que o modelo da realização. Neste exacto sentido, conclui Tomás de Castro Tavares, in ―Justo Valor e tributação das mais-valias de acções de sociedade cotadas: a propósito da interpretação do art. 18º, nº 9, al. a) do CIRC‖, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, volume IV, p. 1143, que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica.”

(…)

Partilhando e com a devida vénia o ponto de vista do EPGA expressado no seu douto Parecer, a questão controvertida motivou duas correntes jurisprudenciais no âmbito da jurisprudência produzida no CAAD, enveredando a primeira por defender a aplicação do regime previsto no nº3 do artigo 45° do CIRC (cfr. decisões proclamadas nos processos nºs 25/2015, 87/2016 e 90/2016) e a outra perfilhando a opinião contrária (cfr. - decisões pronunciadas nos processos nºs 108/2013, 231/2015 e 393/2016).

Ora, como acabamos de ver, há que salientar que, segundo o discurso fundamentador vertido no já citado acórdão arbitral de 25/11/2013, no processo 108/2013 «o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade. Esta circunstância não é, face à redacção actual do CIRC, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20º/1/f) e h), 23º/1/i) e l), e, em especial 46º/1/b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.

o regime resultante da conjugação dos artigos 45º/3 e 46º do CIRS, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

(…)

No ponto, é determinante atentar no disposto na al. a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC segundo o qual (…).

No nosso modo de ver e perante a literalidade e os elementos sistemático e teleológico que enquadram esse preceito feitos ressaltar na sentença e no aresto em que se apoia, sufragamos o ponto de vista de que estão verificados os pressupostos nele elencados, porquanto a variação patrimonial negativa decorrente da aplicação do método de mensuração do justo valor aos instrumentos financeiros detidos pela impugnante concorre para a formação do lucro tributável.” (ênfase e sublinhado nossos).

 

Mais se dirá que a mesma linha argumentativa e decisória vem sendo sucessivamente adotada, sendo disso exemplo o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 7 de abril de 2022, proferido no âmbito do processo n.º 1799/13.0BELRS[4], cujo sumário se transcreve:

 

“I - Em regra, os ajustamentos decorrentes do justo valor são fiscalmente irrelevantes, sendo, no entanto, previstas exceções, designadamente a constante do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

II - O art.º 45.º, n.º 3, do CIRC deve ser interpretado no sentido de, na sua previsão, não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos do art.º 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.”

 

Na mesma esteira, a jurisprudência do CAAD tem vindo a acolher este entendimento, como decorre da decisão proferida no âmbito do processo n.º 493/2019-T, datada de 2 de outubro de 2020[5]:

 

“(…) torna-se possível concluir que a norma do artigo 45º, n.º 3 do Código de IRC, interpretada de acordo com o fim visado pelo legislador e tendo presente a conjuntura que determinou a decisão legislativa, não pode ser entendida como abrangendo os gastos resultantes da aplicação do justo valor num mercado regulado, caso em que a vontade do contribuinte não releva para a valorização ou desvalorização dos activos financeiros, e nenhuma razão subsiste para a penalização desses gastos para efeitos fiscais.

Entende-se, em conformidade, e na linha do julgado no acórdão do STA de 6 de junho de 2018, que a diferença negativa releva na totalidade para a formação do lucro tributável, e não apenas em metade do seu valor, pelo que se mostra ser ilegal a correcção efectuada em IRC pela Autoridade Tributária.

 

 

Ora, importa notar que, não só a posição e argumentação vertidas nos arestos supra referidos merecem acolhimento, assim como o disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil determina que “[n]as decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicações uniformes do direito”.

 

De resto, sempre se acrescentará que o argumentário carreado para estes autos pela Requerida, bem como em sede decisória do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, assenta essencialmente na observância de fichas doutrinárias, bem como do Despacho da Ex.ma Diretora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datado de 14 de novembro de 2018. Em momento algum, porém, alude a Requerida à jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores que se citou, nem tão pouco procurou refutar o entendimento da mesma.

 

Ora, entende este Tribunal Arbitral que tal posição não contende com a procedência do argumentário expendido pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral e vertido em múltiplas decisões, judiciais e arbitrais, antecedentes, cuja relevância impõe que se considere inquinada pelo vício de violação de lei a liquidação de IRC de 2010 da Requerente, na parte em que determina o acréscimo ao lucro tributável da Requerente de metade do ajustamento de valor determinada pelo critério do justo valor relativamente às ações detidas no capital social do B... (correspondendo essa metade a 1.367.535,27 EUR), razão pela qual o Tribunal declara ilegal e anula a referida liquidação de IRC nessa parte, com todas as legais consequências.

 

 

  1. A aplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC às menos-valias realizadas

 

A propósito da segunda temática suscitada pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, cumpre salientar, a priori, que o contexto fáctico difere daquele que vem supra analisado, porquanto se discute nesta sede o tratamento fiscal de mais-valias e menos-valias efetivamente realizadas, e já não o seu enquadramento por força do critério do justo valor.

 

No âmbito dos presentes autos, a Requerida não se pronunciou quanto a esta temática, sendo certo que o fez no quadro da decisão proferida em sede de revisão oficiosa, nos seguintes termos:

 

16. Da análise dos autos e tendo concretamente em consideração o exposto pela Reclamante importa atentar nos seguintes factos ocorridos no período de tributação de 2010 na esfera da empresa D...:

(…)

  • Registo da detenção das ações do B... na rubrica de «Ativos financeiros detidos para negociação», conta #1421900000, com utilização para a sua mensuração do método do justo valor reconhecido em resultados, de acordo com a NCRF 27 – Instrumentos financeiros;
  • Reconhecimento dos ganhos ou perdas resultantes dos ajustamentos decorrentes da variação da cotação das ações detidas diretamente em resultados;
  • A variação negativa da cotação das ações (desde a data da compra até 2010-12-31) ascendeu ao valor global de € 2 735 070,53, dos quais 50% foi acrescido para efeitos de determinação do lucro tributável, mediante a inscrição do valor de 1 367 535,271 no campo 737, do quadro 07, da declaração modelo 22;
  • Nas sucessivas vendas de ações foram registadas:
    • Perdas de € 230 358,44 – conta #6886000000 – «Perdas em instrumentos financeiros», das quais apenas foi considerado fiscalmente relevante 50%, o que implicou o acréscimo para efeitos de determinação do lucro tributável do valor de € 115 179,22;
    • Ganhos de € 1 934 128,77 – conta #7884000000 – «Ganhos em outros instrumentos financeiros», sendo € 1 646 928,77 referentes a ganhos com a venda de ações e € 287 200,00 referentes a ganhos com a venda de direitos de ações;

(…)

43. Sendo defendido pela Requerente estar-se perante participações financeiras que contabilisticamente foram registadas de acordo com o critério do justo valor, com os ajustamentos daí resultantes a ser reconhecidos através de resultados e que do ponto de vista fiscal corresponderam aos requisitos exigidos legalmente para a consideração do seu valor pelo mesmo critério, nos termos do n.º 9 do artigo 18.º do Código do IRC, não se vê, então, como pode agora vir a mesma alegar a existência de mais e menos valias com referência às operações de venda das ações em questão.

44. Do ponto de vista fiscal ou há aplicação do modelo do justo valor ou há aplicação do princípio da realização.

É que,

45. De uma forma muito clara, o legislador do IRC afastou os instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados do regime das mais-valias e menos-valias.

46. Somente há aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, ou às partes de capital que correspondam a mais de 5% do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados.

47. Daí que para participações financeiras em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorram no período de tributação para a formação do lucro tributável tenha sido expressamente excluído o princípio da realização.

48. É o que resulta do estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC: (…)

49. O Código do IRC, mediante o disposto no referido normativo, afasta, assim, do conceito de mais e menos valias os ganhos e perdas gerados com as ações reconhecidas fiscalmente ao justo valor.

Desta forma

50. Em consonância com o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, a atuação da empresa D... com referência ao acréscimo no valor de € 115 179,22, correspondente a 50% da perda de € 230 358,44 registada na conta #6886000000, não merece reparos.

(…)”

 

 

Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC (na redação em vigor à data dos factos):

 

“Artigo 46.º

Periodização do lucro tributável

1 – Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a:

 

a) (…)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º.”

 

Não subsistem dúvidas de que os ajustamentos de valor em instrumentos financeiros decorrentes da mensuração ao justo valor, efetuados nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, não são suscetíveis de qualificação como mais-valias ou menos-valias – nem, tão pouco, seguem o regime legal a estas aplicável.

 

Todavia, ainda que se entendesse que a perda registada pela Requerente na conta #6886000000 decorria, ou deveria decorrer, da mensuração das participações sociais relevantes ao abrigo daquele normativo, por inaplicabilidade do regime das mais e menos-valias, sempre se concluiria concomitantemente pela inaplicabilidade do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, conforme supra amplamente se expôs, tendo especialmente presente a harmonização jurisprudencial da matéria, caso em que sempre relevaria fiscalmente a totalidade da perda registada pela Requerente quanto a tais participações sociais, e não apenas metade do seu valor.

 

Diferentemente, entendendo-se que a perda em apreço deverá ser enquadrada no regime fiscal atinente às mais-valias e menos-valias, caso em que manifestamente se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, não poderá deixar de se considerar como inequívoco o respetivo elemento literal para dar provimento à posição vertida pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral. Efetivamente, o enunciado normativo em vigor à data dos factos aludia expressamente à “(…) diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital (…)”, como concorrendo “(…) para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”. É, pois, o saldo negativo das mais-valias e das menos-valias que se sujeita à limitação ínsita no n.º 3 do artigo 43.º do CIRC, e não cada uma das menos-valias relevantes para apuramento desse saldo.

 

Por outras palavras: o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC não se aplica ao valor de uma menos-valia realizada com uma transmissão de participações sociais, se nesse exercício o saldo entre as mais-valias e as menos-valias auferidas pelo sujeito passivo for positivo. Não se aplicando o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, o valor da menos-valia deverá concorrer para a formação do lucro tributável na totalidade.

 

Consequentemente, deverá entender-se que a liquidação de IRC da Requerente, referente ao exercício de 2010, é também parcialmente inválida, por violação de lei, na parte correspondente ao acréscimo ao lucro tributável de metade da menos-valia realizada na venda de ações do B... . Assim sendo, o Tribunal Arbitral declara ilegal e anula a liquidação de IRC de 2010 da Requerente também nessa parte, a que corresponde o montante de 115.179,22 EUR.

 

Em consequência do exposto supra, o Tribunal declara ilegal e anula integralmente o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. Pedido de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona a restituição do imposto indevidamente pago, bem como o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

A Requerente tem direito a ser reembolsada do imposto efetivamente pago em excesso, em sede de IRC, com referência ao exercício de 2010, em virtude da anulação parcial da liquidação de IRC de 2010 da Requerente nos termos supra referidos.

 

No que concerne ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, aduzido pela Requerente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, importa atender ao enunciado normativo do artigo 43.º da LGT, o qual se transcreve, nos segmentos relevantes:

 

“Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…).

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

 

Cumpre assinalar, a priori, que o enunciado normativo do artigo 43.º, n.º 1, da LGT não alude, especificamente, ao pedido de revisão oficiosa (ou revisão do ato tributário). Em contraponto, a alínea c) do n.º 3, do mesmo preceito legal contempla uma referência específica ao pedido de revisão oficiosa desencadeado por iniciativa do contribuinte (como sucede no presente caso), ali se prevendo que os juros apenas são devidos transcorrido que seja mais de um ano após a apresentação do pedido pelo contribuinte.

 

Sobre esta temática em concreto, a jurisprudência prevalente aponta no sentido de que, sendo deduzido pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto na 2.ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o direito a juros indemnizatórios se processa, apenas nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, afastando-se a aplicabilidade do n.º 1 do mesmo preceito legal.

 

São exemplos dessa jurisprudência os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: (i) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 022/18.5BALSB, em 27 de fevereiro de 2019; (ii) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0630/18.4BALSB, em 20 de maio de 2020; (iii) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 040/19.6BALSB, em 30 de setembro de 2020; (iv) Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 093/21.7BALSB, em 29 de junho de 2022.

 

Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 038/19.4BALSB, em 4 de Novembro de 2020, os juros indemnizatórios “são devidos depois de decorrido um ano contado da apresentação do pedido de revisão, por aplicação do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT, e não desde a data do pagamento indevido do imposto, porque o contribuinte poderia ter «obtido anteriormente anulação do acto», e ao não fazê-lo «desinteressou-se temporariamente pela recuperação do seu dinheiro», o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente”.

 

            A questão que se suscita no presente caso concreto prende-se, porém, com o facto de o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado pela Requerente em 10 de março de 2014, tendo então sido arquivado, por ter então a Requerida pugnado pela inadequação do meio procedimental empregue, em face dos pedidos aduzidos. No seguimento do aludido arquivamento, e em consequência de ação administrativa especial intentada pela Requerente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, viria a Requerida a ser condenada, por sentença datada de 13 de maio de 2021, a emitir decisão quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado (sendo que tal decisão viria a ser emitida em 27 de dezembro de 2021).

 

            Ora, se é certo que entre a data da sentença e a prolação da decisão de indeferimento por parte da Requerida não decorreu um ano, igualmente certo é que o pedido de revisão oficiosa foi validamente apresentado no dia 10 de março de 2014, tendo o respetivo arquivamento sido julgado ilegal pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra. Donde, por razões de coerência, impõe-se a conclusão de que o prazo de um ano a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 45.º da LGT transcorreu em 10 de março de 2015, sendo que a inobservância do prazo é, in casu, imputável à Requerida.

 

            Por conseguinte, são devidos juros indemnizatórios, à taxa legal aplicável, calculados sobre o montante de imposto pago em excesso, relativamente ao período compreendido entre 10 de março de 2015 e a data do integral e efetivo reembolso daquele montante.

 

 

VII.  DECISÃO

 

            Considerando o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral aduzido pela Requerente, e consequentemente:

 

  1. Declarar ilegal e anular integralmente a decisão proferida pela Requerida em sede da revisão oficiosa do ato tributário que correu termos sob o n.º ...2021... .

 

  1. Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de IRC de 2010 da Requerente:

 

  1. na parte referente à desconsideração, e respetivo acréscimo ao lucro tributável, de metade do valor dos ajustamentos resultantes da aplicação do critério do justo valor previsto na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC, relativamente às ações detidas pela Requerente no capital social do B..., correspondendo a referida metade a 1.367.535,27 EUR (um milhão, trezentos e sessenta e sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros, e vinte e sete cêntimos);

 

  1. na parte referente à desconsideração, e respetivo acréscimo ao lucro tributável, de metade do valor da menos-valia realizada pela Requerente em virtude da venda de ações representativas do capital social do B..., correspondendo a referida metade a 115.179,22 EUR (cento e quinze mil, cento e setenta e nove euros, e vinte e dois cêntimos).

 

  1. Condenar a Requerida no reembolso do imposto efetivamente pago em excesso pela Requerente, em sede de IRC, com referência ao exercício de 2010, em virtude da anulação parcial da liquidação.

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados à taxa legal em vigor, entre 10 de março de 2015 e a data do efetivo e integral reembolso à Requerente dos montantes efetivamente pagos em excesso, a título de IRC, com referência ao exercício de 2010.

 

  1. Condenar a Requerida nas custas do processo.

 

 

VIII.  VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, bem como no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 392.029,71 EUR (trezentos e noventa e dois mil, vinte e nove euros, e setenta e um cêntimos), tal como indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida.

 

 

IX. CUSTAS

 

Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 6.426,00 EUR (seis mil, quatrocentos e vinte e seis euros), nos termos do previsto na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

 

Lisboa, 29-10-2022

O Tribunal Arbitral Coletivo

 

 

 (Rita Correia da Cunha)

 

 

                                                       

(Fernando Manuel dos Santos Cardoso)

 

 

 

(David Oliveira Silva Nunes Fernandes)

 

 



[1] No sentido da aplicabilidade do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC a ajustamento decorrentes do justo valor: decisões proferidas nos processos n.ºs 25/2015-T e 90/2016-T. Contrariamente, no sentido da inaplicabilidade daquela norma a ajustamentos do justo valor: decisões proferidas nos processos n.ºs 108/2013-T, 58/2015-T, 208/2015-T, 473/2015-T, 393/2016-T e 155/2017-T.

[3] Disponível para consulta integral em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/f07690fb3c5ece8e802586460043e57a