DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A..., com o número de contribuinte ... e residência no ..., nº..., ..., ..., ...-... ..., veio em 16/3/2022 requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação do IRS do ano de 2015 emitida sob o nº 2019 ... .
Fundamentou o pedido nos seguintes termos:
Relativamente ao ano de 2015 foi emitida e enviada ao Requerente liquidação adicional de IRS com o nº 2019..., da qual resultou um imposto a pagar, acrescido dos juros compensatórios, no valor total de € 49.827,40.
O Requerente em 18/03/2020 apresentou requerimento inicial do procedimento de reclamação graciosa (RG) que correu termos pela Direção de Finanças de Lisboa sob o nº ...2020..., pelo qual peticionou a anulação da liquidação adicional supra identificada.
Por notificação datada de 18/02/2022 foi comunicado ao Requerente que por decisão de 18/02/2022 do Chefe da Divisão da Direção de Finanças de Lisboa era indeferido o pedido formulado pelo Requerente por via do procedimento de reclamação graciosa.
O Requerente, residente fiscal em Portugal, incluindo no ano de 2015, entregou, em 9 de Junho de 2016, declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2015, acompanhado, entre outros, do anexo J.
Anexo no qual, entre outros rendimentos, declarou como rendimentos de fonte estrangeira, no Quadro 8A- Rendimentos de Capitais Categoria E, a título de dividendos ou lucros e juros, o valor total de € 16.866,88, que identificou sob os respetivos códigos E11, E21 e E24
e no Quadro 9.2A- Rendimentos Categoria G Incrementos Patrimoniais, a título de mais valias na alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, o valor total de € 48.875,40, que identificou sob os respetivos códigos G01, G10 e G20.
E, ainda no Quadro 9.2B, a título de outros incrementos patrimoniais a quantia de € 4.650,25 que identificou sob os respetivos códigos G30.
Na sequência da declaração apresentada foi o Requerente notificado para efetuar o pagamento do imposto apurado, no valor de € 33.990,36, que pagou.
No identificado Anexo J o Requerente declarou todos os rendimentos que auferiu na Suíça no ano de 2015, provenientes de ativos financeiros detidos pelo Requerente, conforme informação que lhe foi prestada pelas respetivas entidades bancárias, entre os quais o Bank B..., Ag, através dos documentos denominados Extrait des Revenus Résumé e Extrait des Revenus Gains et Pertes en Capital Réalisés.
Em Setembro de 2019 o Requerente foi notificado pela Direção de Finanças de Lisboa para proceder à correção dos valores constantes no anexo J da declaração modelo 3 referente a 2015 entregue pois, segundo a referida Direção, não constavam declarados rendimentos sob a forma de juros abrangidos pela Diretiva da Poupança no valor de € 177.686,00 que tinham sido comunicados pela Suíça, ao abrigo da Diretiva da Poupança, mediante informação da entidade pagadora, B..., Ag.
Em resposta, que ora se junta como Doc. nº 9, o Requerente informou que os valores auferidos na Suíça tendo como entidade pagadora o referido Banco e a título de dividendos e juros, no valor de € 16.866,88, tinham sido declarados no Quadro 8A, sob os códigos E11, E21 e E24, do Anexo J da declaração de IRS entregue em 2016, por ser esse o valor resultante de comunicação que lhe tinha sido efetuada pelo referido Banco.
Mais afirmando que o valor referido no ofício, € 177.686,00, como respeitando a valores pagos pelo Bank B..., Ag a título de juros não correspondiam aos valores efetivamente pagos a esse titulo, tendo para o efeito junto então como documento 1 e documento 2 cópia dos documentos que recebeu do Bank B..., Ag e que sustentaram o Anexo J por si entregue em 2016, supra referidos, tendo ainda junto os mapas auxiliares de cálculo das mais e menos valias declaradas, com a respetiva decomposição dos valores.
No entanto a Direção de Finanças de Lisboa, por decisão de 16/10/2019, veio a decidir que, e não obstante ter expressamente afirmado como legítimos os documentos juntos pelo Requerente na sua resposta e assim concluído como validamente declarados pelo Requerente a título de Rendimento de Capitais (Quadro 8A, Anexo J) o valor de € 16.866,88 e a titulo de Rendimentos de Incrementos Patrimoniais (Quadro 9.2 A) o valor de € 110.894,81.
Conclui, no entanto, que tendo sido comunicados pela AT Suíça rendimentos obtidos na Suíça no total de € 177.686,00 e tendo o Requerente declarado a título de rendimentos ali obtidos “apenas” € 127.761,69 (110.894,81 + 16.866,88), então, conclui-se na decisão, ficam a faltar € 49.924,31, valor que deve ser acrescido no Anexo J, Quadro 8 A, linha 816 com o código E24, ou seja, acrescendo tal valor a título de juros qualificados como rendimentos de capitais, Categoria E.
Correção que assim deu origem à liquidação impugnada nº 2019 ... e da qual, conforme supra referido, resultou o valor a pagar de € 49.827,40, que o Requerente não pagou, tendo obtido a suspensão da execução fiscal instaurada para a respetiva cobrança em razão de garantia prestada.
O Requerente deduziu procedimento de reclamação graciosa que correu termos pela Direcção de Finanças de Lisboa sob o nº ...2020..., pela qual peticionou a anulação da liquidação adicional nº 2019 ..., no valor de € 49.827,40
O Requerente juntou também, então, carta, datada de 15/11/2019, do Bank B..., Ag, e respetiva tradução certificada, no qual esta entidade esclarecia que quando, como era o caso concreto do Requerente, o Banco desconhecia o custo histórico dos ativos, o que acontece quando estes são provenientes de outra entidade bancária, declara a título de rendimentos obtidos o valor total da realização.
Refere ainda a entidade pagadora Bank B..., Ag que no que respeita ao Requerente no ano de 2015 foram registadas, e comunicadas, 24 transacções, em algumas das quais foi necessário reportar o montante do reembolso total devido à falta de informação do valor de aquisição.
Efectivamente alguns dos activos que foram transacionados pela entidade pagadora em 2015 provieram do Banco C... para o Bank B..., Ag, após a falência do primeiro.
O Bank B..., Ag, emitiu e enviou ao Requerente, para efeitos declarativos em sede de IRS, documentos em que identifica todas as transacções efectuadas por aquele banco no ano de 2015, denominados Extrait des Revenus Résumé e Extrait des Revenus Gains et Pertes en Capital Réalisés.
Resultando do documento denominado Extrait des Revenus Gains et Pertes en Capital Réalisés que a entidade pagadora assinalou em certas transacções a menção da letra (B) a que corresponde, conforme legenda, a informação de que quanto a cada uma dessas transações assinaladas não existe informação do valor de aquisição e que, portanto, não podem calcular o ganho ou perda de capital ou seja a mais ou menos valia, logo o valor ali indicado é o respetivo valor de realização.
Na reclamação graciosa, o Requerente, além de explicitar e exemplificar esta situação, juntando toda a respetiva prova documental, juntou um mapa resumo onde inscreveu todos os ativos transacionados em 2015 e que foram por si declarados no Anexo J - Quadro 9.2 A entregue em 2016, identificados com quantidade, valor de aquisição, valor de alienação, despesas suportadas e consequentes mais ou menos valias obtidas, assim como as 20 transacções comunicadas pela entidade pagadora e respetivo valor comunicado.
Tendo o Requerente concluído que o valor resultante da liquidação impugnada, € 49.924,31, não decorre de rendimento efetivamente obtido, mas sim da circunstância de ter sido indicado o valor de realização, não expurgado ou deduzido do valor de aquisição nem, havendo, das respetivas despesas e encargos dedutíveis.
As restantes 4 transacções comunicadas respeitam a juros corridos já declarados no Anexo J entregue em 2016.
Junto com a reclamação graciosa o Requerente juntou 54 documentos que, como afirmou, documentavam as operações para cálculo das mais e menos valias relativas às transações comunicadas pela entidade pagadora e que, nesse enquadramento fiscal tinham todas sido declaradas pelo Requerente no Anexo J que entregou em 2016.
Por notificação datada de 04/01/2022 foi o Requerente notificado para o exercício do direito de audição, sobre a proposta de decisão de indeferimento do pedido do Requerente.
O Requerente exerceu o seu direito de audição por escrito mas, por decisão de 18/02/2022, a chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa manteve o projecto de decisão e indeferiu a reclamação graciosa deduzida pelo Requerente.
Considerou-se na decisão de indeferimento que foram analisados os argumentos e documentos juntos pelo Requerente e dos quais foi “…possível perceber que, de facto, os valores comunicados pelas autoridades fiscais suíças, e conforme explicação da entidade pagadora dos mesmos (o Bank B..., AG), contêm rendimentos de mais valias mobiliárias, onde só é indicado o valor de realização.
Mas por considerar que dos documentos apresentados não foi possível "…perceber quais os valores de aquisição pertinentes para o efeito", considerou-se que a informação prestada pela Autoridade fiscal Suíça à AT faz fé e como o Requerente não fez, no seu entendimento, prova contrária, foi indeferida a reclamação graciosa deduzida pelo Requerente mantendo a liquidação impugnada, ou seja, mantendo o valor da diferença entre a soma dos rendimentos declarados pelo Requerente no Anexo J entregue em 2016 e a soma dos rendimentos comunicados pela AT Suíça imputados ao Requerente a título de rendimentos de capitais, Categoria E.
Considera o Requerente que na comunicação efectuada pela autoridade fiscal suíça, esta não discrimina nem qualifica fiscalmente os rendimentos que comunica, nem aliás podia, pois tal depende das normas de incidência do IRS de cada país, competindo a cada país, no caso Portugal, efectuar o respetivo enquadramento fiscal face às normas internas de incidência.
De facto, a indicação de juros usada na comunicação assenta numa noção ampla de juros, que inclui, além dos juros propriamente ditos, também dividendos, rendimentos de reembolso, resgate ou cessões de valores mobiliários, tudo conforme resulta do artigo 6º da Directiva e artigo 7º do Acordo.
E que não se enquadram nos conceitos e normas de incidência do rendimento da categoria E definida no CIRS, não constituindo facto tributário desta categoria de rendimentos, face à legislação portuguesa.
A Directiva também estabelece, no artigo 8º, uma obrigação da diferenciação dos juros por referência aos diversos tipos de juros previstos no artigo 6º.
O Requerente declarou no Anexo J entregue em 09/06/2016 a totalidade dos rendimentos comunicados e pagos pelo Bank B..., Ag, auferidos em 2015, e que declarou: i) a titulo de rendimentos de categoria E , quadro 8 A; ii) a titulo de rendimentos de categoria G, quadro 9.2 A, e iii) a título de outros incrementos patrimoniais Quadro 9.2B, conforme supra discriminado.
O apuramento e inscrição desses valores resulta dos elementos constantes dos documentos fornecidos pelo agente pagador suíço, designadamente do denominado “Extrait des Revenus Gains et Pertes en Capital Réalisés” que identifica todos os títulos, respectivas transacções e valores de realização.
As declarações dos contribuintes, entregues nos termos da Lei, presumem-se verdadeiras e de boa fé, conforme art. 75º da LGT.
Ora, não se verificando no caso concreto, nem sendo aliás suscitado pela AT, nenhuma das situações previstas no nº 2 do art.º 75 da LGT, terá de se concluir que se presume verdadeira e de boa fé a declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2015, que o Requerente entregou em 09/06/2016, que deu origem à Liquidação nº 2016..., no valor de € 33.990,36.
Por outro lado, a prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoca, conforme se prevê no nº 1 do art.º 342 do Código Civil e art.º 74 da LGT, neste caso à AT.
Pelo que recai sobre a Autoridade Tributária a prova de que o Requerente omitiu rendimentos na sua obrigação declarativa ou que os rendimentos declarados pelo Requerente não correspondem aos rendimentos efetivamente auferidos na Suíça, no caso pela entidade pagadora Bank B..., Ag.
Assim como lhe cabe o ónus da prova dos factos que fundamentam o ato tributário a praticar, no caso a qualificação e prova de que os rendimentos reportados e objeto de pretendida correção não foram declarados e são efetivamente, face ao direito interno e às regras de incidência fiscal, rendimentos da categoria E do IRS.
Ónus e prova que a Autoridade Tributária não cumpriu, não tendo provado, nem aliás alegado, factos que permitam afastar a presunção de veracidade da declaração do Requerente prevista no nº 1 do art.º 75 da LGT.
O Requerente alegou e demonstrou no procedimento de reclamação graciosa, juntando os respectivos documentos, que o valor que a AT refere estar em falta resulta da comunicação efetuada pela entidade pagadora no valor de realização, não estando assim apurado a mais ou menos valia das transações comunicadas pelo agente pagador Bank B..., Ag.
Face ao exposto não pode prevalecer no direito interno a imputação ao Requerente como rendimentos sob a forma de juros, categoria E do resultado aritmético de subtração (simples) entre o declarado pela AT Suíça e o declarado pelo Requerente, devendo a liquidação adicional de IRS do ano de 2015 com o nº 2019 ... sob impugnação ser anulada.
Por sua vez, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta na qual se defendeu nos seguintes termos:
O contribuinte A..., NIF n.º..., residente fiscal em Portugal, entregou declaração de rendimento referente ao IRS de 2015 com anexo J, onde inscreveu os rendimentos que auferiu provenientes do estrangeiro.
Posteriormente, consultados os ficheiros originais recebidos das Autoridades Fiscais da Suíça no âmbito da troca de informação prevista na Directiva da Poupança, verificou-se que os montantes declarados eram inferiores aos comunicados por aquelas autoridades.
Pelo que o Requerente foi notificado para regularizar a situação ou justificar a divergência de valores.
Não tendo sido atendidas as justificações então apresentadas pelo Requerente, foi recolhida uma declaração oficiosa contendo as correções propostas, materializada na inclusão no anexo J, dos rendimentos alegadamente omitidos.
A referida declaração deu origem à liquidação n.º 2019... com o resultado de € 49.827,40 a pagar.
Em 16/03/2020, o sujeito passivo A..., apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2015, alegando em suma que os rendimentos que a AT tributou em 2015 dizem respeito a mais valias, cujo valor de aquisição terá sido considerado pelo banco a zeros por não ter informação da proveniência dos títulos vendidos, juntou para o efeito declarações da entidade bancária estrangeira.
Em 18/02/2022, por despacho da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa a reclamação graciosa foi indeferida.
Resumidamente, tal indeferimento fundou-se, por um lado na falta de esclarecimento e falta de correspondência com os valores declarados no anexo J, não sendo permitida uma confirmação objetiva, desde logo porque os montantes inscritos no anexo J não encontram reflexo direto nos documentos bancários, podendo existir valores declarados que integrem o somatório de algumas parcelas indicadas nos documentos, e, por outro lado, a informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suíça à AT faz fé, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 76º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que o reclamante não logrou fazer prova contrária quanto à informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suíça à Autoridade Tributária Portuguesa ao abrigo do disposto no Acordo EU-Suíça.
Tal como já foi analisado pela Direção de Finanças de Lisboa, efectuando uma análise cruzada dos argumentos do Requerente com os respetivos documentos de suporte probatório, verifica-se que, de facto, os valores comunicados pelas autoridades fiscais suíças, e conforme explicação da entidade pagadora dos mesmos (o Bank B..., AG), contêm rendimentos de mais valias mobiliárias, onde só é indicado o valor de realização.
Ora, sem o valor de aquisição, o montante da mais valia será inevitavelmente inflacionado, de forma errada, gerando um rendimento que não corresponde, de todo, à realidade.
Todavia, perante os documentos apresentados, não se consegue, de forma clara e objetiva, perceber quais os valores de aquisição pertinentes para o efeito.
Tanto mais que, pese embora o Requerente apresente exemplos (cujas explicações se revelam globalmente consistentes com os documentos que os sustentam), o mesmo não esclarece, nem efetua a sua correspondência, com os valores declarados no anexo J.
E nem o melhor esforço analítico permite uma confirmação objetiva, desde logo porque os montantes inscritos no anexo J não encontram reflexo direto nos documentos bancários, podendo existir valores declarados que integrem o somatório de algumas parcelas indicadas nos documentos.
E, se assim for, tal deve ser claramente demonstrado, tarefa que cabe a quem invoca os Factos, nos termos do nº1 do art.º 74º da LGT, que é o Requerente.
Reforçando os argumentos já apresentados em sede de reclamação por parte da AT, cruzando a informação fornecida pela carta da entidade Bank B..., AG, o Requerente deveria apresentar documentos relativos aos ativos provenientes de outra entidade bancária - Banque C... (C...).
Neste sentido, não constam quaisquer documentos da entidade Banque C... (C...) que sustentem o alegado pelo Requerente.
De acordo com o peticionado pelo sujeito passivo a diferença dos rendimentos declarados no anexo J para a informação recebida das autoridades fiscais da Suíça deve-se a uma comunicação de rendimentos por parte da entidade Bank B..., AG, a qual não terá identificado os valores de aquisição de certos títulos, originando um rendimento de mais valia equivalente ao valor de realização.
Nesse sentido, o Requerente veio juntar uma carta da entidade Bank B..., AG, a qual consta nos autos e aqui se reproduz as conclusões da mesma:
“O Bank B..., AG, na análise e execução da Diretiva de Tributação dos Rendimentos da Poupança (DTRP), faz a distinção entre dois tipos de juros:
i) Juros directos: juros propriamente ditos, pagos ou creditados numa conta, resultantes da titularidade de ações (dividendos), bem como da diferença resultante entre o valor de aquisição e o resgaste de unidades de participação em fundos e da diferença resultante entre o valor de emissão e o valor de reembolso quando acima do par, no caso das obrigações (mais-valias);
ii) Juros indirectos: certos rendimentos que, ao abrigo da Diretiva, são considerados como juros, como sucede no caso dos fundos de investimento compostos em mais de 40% por ativos subjacentes que pagam juros dentro do fundo, os quais, não tendo sido distribuídos, não estão sujeitos a imposto, embora tenham que ser reportados;
iii) E ainda: quando o banco desconhece o custo histórico de aquisição, normalmente porque os activos provieram de outra entidade bancária, reporta o valor total da realização ou um outro valor calculado aplicando regras especiais para assim determinar o lucro relevante a ser reportado.
O Requerente esclarece que o montante reclamado/contestado, se deve única e exclusivamente à situação enunciada no ponto iii) anterior, ou seja, decorrente da falta de informação do Bank B..., AG, do valor de aquisição de alguns activos que foram transacionados em 2015, os quais transitaram em 2014 do Banque C... (C...), após a sua falência, para o banco actual.
Tal como já foi analisado pela Direcção de Finanças de Lisboa, efectuando uma análise cruzada dos argumentos do Requerente com os respetivos documentos de suporte probatório, verifica-se que, de facto, os valores comunicados pelas autoridades fiscais suíças, e conforme explicação da entidade pagadora dos mesmos (o Bank B..., AG), contêm rendimentos de mais valias mobiliárias, onde só é indicado o valor de realização.
Sem o valor de aquisição, o montante da mais valia será inevitavelmente inflacionado, de forma errada, gerando um rendimento que não corresponde, de todo, à realidade.
Todavia, perante os documentos apresentados, não se consegue, de forma clara e objectiva, perceber quais os valores de aquisição pertinentes para o efeito.
Ora, no que concerne aos rendimentos de juros oriundos da Suíça, a informação que dispomos resulta do mecanismo de troca de informações relativamente aos rendimentos de juros abrangidos pela Directiva da Poupança n.º 2003/48/CE, nos termos do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça.
Neste sentido, a propósito da idoneidade da informação proveniente das autoridades fiscais estrangeiras a posição defendida pela União Europeia, bem como pela OCDE, é que a troca de informações fiscais entre os Estados-Membros constitui um dos principais instrumentos de combate à fraude e à evasão fiscal.
Ainda quanto ao valor probatório da informação recebida e conforme o disposto no n.º 1 do art. 76º da LGT, o qual, estabelece, que as informações oficiais fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei.
Pelo que, nos termos do n.º 4 do art. 76º da LGT “São abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado.”
Deste modo, fica assim demonstrado que em face do disposto na lei vigente a informação recebida das Autoridades Fiscais estrangeiras no âmbito da troca de informação prevista na Directiva da Poupança é válida, uma vez que se identificou o banco que transmitiu a informação, o n.º da conta, os titulares e os montantes de rendimento.
E, uma vez demonstrada a validade da informação que a AT dispõe o ónus da prova inverte-se, cabendo ao Requerente demonstrar que os rendimentos que as Autoridades Fiscais estrangeiras nos comunicaram são falsos, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 74º da Lei Geral Tributária, pois o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca.
Dos documentos que o Requerente juntou no presente processo constam uns que contêm informação que a entidade bancária comunicou às autoridades fiscais Suíças.
Aliás, em face do alegado e das comunicações trocadas entre o sujeito passivo e a entidade bancária Bank B..., AG resulta claro que, a existir erro esse terá sido do banco que comunicou e considerou os rendimentos em causa como juros, assim como parte dos valores indicados, não tiveram em consideração o histórico dos rendimentos.
Deste modo, não se pode imputar à AT nem à autoridade fiscal Suíça o erro quanto à natureza dos rendimentos em causa bem como quanto ao montante dos rendimentos comunicados, mas sim ao Bank B..., AG.
Resumindo, da documentação apresentada pelo Requerente (documentos da entidade Bank B..., AG) resulta claro que por um lado confirmam parte da informação comunicada às autoridades fiscais suíças e, por outro lado, são insuficientes para demonstrar inequivocamente o alegado pelo sujeito passivo quanto aos montantes dos rendimentos de mais valias, nomeadamente os valores de aquisição dos produtos financeiros que são provenientes do Banque C... (C...).
Concluindo, ao contrário do alegado pelo Requerente foi a entidade bancária em questão que qualificou e quantificou os rendimentos em causa como juros/ mais valias referentes ao ano de 2015 e não a Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal, pelo que o enquadramento face à lei portuguesa foi feito tendo por base a informação fornecida pelas autoridades fiscais Suíças, a qual por sua vez se limitou a reportar a informação fornecida pela entidade bancária.
2. Por despacho de 5/7/2022 foi designada a audiência de produção de prova para o dia 12 de Setembro às 14h30.
Nessa audiência foi inquirida a testemunha D... e notificados o Requerente e a Requerida para apresentarem alegações escritas sucessivas no prazo de 15 dias para cada uma das partes. Foi ainda indicada a data de 31/10/2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral.
Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 27 de Maio de 2022.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.
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Em 9/6/2016 o Requerente apresentou a sua declaração de IRS relativa ao ano de 2015 com a identificação..., onde incluiu o anexo J relativo a rendimentos obtidos no estrangeiro, que incluíam € 16.866,88 relativos a rendimentos de capitais, € 114.118,02 relativos a incrementos patrimoniais por alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, e € 4.650,25 relativos a outros incrementos patrimoniais.
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Em 5/8/2016 foi emitida pela Requerida a liquidação de IRS relativa ao ano de 2015, com um valor a pagar de € 33.990,36.
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Em 26/9/2019 a Direcção de Finanças de Lisboa enviou ao Requerente o ofício ..., notificando-o, em sede de audiência prévia, da sua intenção de corrigir a declaração de rendimentos de IRS (modelo 3) em virtude de informação recebida do Fisco da Suíça de que o Requerente recebeu nesse país por parte do Bank B... Ag a importância de € 177.686, relativa a rendimentos sob a forma de juros abrangidos pela Directiva da Poupança (Directiva 2043/48/CE).
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Em 29/3/2019 a Requerida efectuou a liquidação 2019..., em virtude dessa correcção, da qual resultou um valor a pagar de € 49.827,40, sendo € 47.935,70, relativos a imposto e € 1.891,70 relativo a juros compensatórios.
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Em 19/3/2020 o Requerente apresentou reclamação graciosa contra essa liquidação, à qual foi atribuído o número de processo ...2020..., onde juntou documentos oriundos do Bank B... Ag, explicando a forma de cálculo dos rendimentos que comunicou às autoridades fiscais.
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A Autoridade Tributária emitiu em 4/1/2021 despacho no sentido do indeferimento da referida reclamação graciosa, apesar de reconhecer que "efetuada a análise cruzada dos argumentos do contribuinte com os respetivos documentos de suporte probatório, é possível perceber que, de facto, os valores comunicados pelas autoridades fiscais suíças, e conforme explicação da entidade pagadora dos mesmos (o Bank B..., Ag), contêm rendimentos de mais valias mobiliárias, onde só é indicado o valor de realização. Ora, sem o valor de aquisição, o montante da mais valia será inevitavelmente inflacionado, de forma errada, gerando um rendimento que não corresponde, de todo, à realidade". Considerou, no entanto, que "perante os documentos apresentados, não se consegue, de forma clara e objetiva, perceber quais os valores de aquisição pertinentes para o efeito", sendo que esse ónus caberia ao contribuinte, nos termos do nº1 do art. 74º da LGT. Isto porque como "a informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suíça à AT faz fé, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 76º da Lei Geral Tributária (LGT), afigura-se que o reclamante não logrou fazer prova contrária quanto à informação prestada pela Autoridade Fiscal da Suíça à Autoridade Tributária Portuguesa ao abrigo do disposto no Acordo EU-Suíça".
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O Requerente foi notificado desse despacho em 23/1/2022 e veio exercer o direito de audiência prévia em 28/1/2022.
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Por despacho proferido em 18/2/2022, a Requerida manteve, no entanto, a sua decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
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Em 15/3/2022 o Requerente apresentou o presente pedido de constituição do tribunal arbitral.
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Do procedimento administrativo junto aos autos não consta qualquer comunicação da Autoridade Fiscal Suíça, tendo, porém, a Requerida procedido à junção de uma declaração da sua Direcção de Serviços de Relações Internacionais, datada de 1/6/2022, onde se refere singelamente ter sido recebida da Autoridades Fiscais da Suíça informação sobre o pagamento em 2015 de juros no montante de € 177.686 ao Requerente pelo Bank B... AF.
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Nessa declaração a Direção de Serviços de Relações Internacionais da Requerida informa ainda que "a comunicação desta informação pelas diversas autoridades fiscais à Direção de Serviços de Relações Internacionais resulta do mecanismo de troca automática, previsto na própria Diretiva da Poupança, processando-se do seguinte modo: Os ficheiros informáticos são recebidos de forma massificada pelo Núcleo Antifraude e Datawarehouse (NADW) através da caixa de correio eletrónico "CCN-mail2" no formato XML, sendo posteriormente sujeitos a um conjunto de procedimentos informáticos compreendendo diversas fases que envolvem quer o Núcleo de Identificação e Gestão de Contribuintes (NIGC), quer a Direção de Serviços de Relações Internacionais com vista ao tratamento da informação. Deste processo resultam ficheiros em formato Excel com a informação dos sujeitos passivos potenciais incumpridores pela omissão destas rendimentos, que são remetidos à Direção de Finanças do domicílio fiscal dos sujeitos passivos. Desta forma não existe qualquer outro documento físico de suporte referente às comunicações efetuadas pelas demais autoridades fiscais à Direção de Serviços de Relações Internacionais no âmbito da Diretiva da Poupança para 2015".
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e à resposta e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes. Já quanto ao depoimento da testemunha D... não se considerou que do mesmo tenha resultado qualquer prova relevante para a decisão da causa.
Matéria de direito
5. A questão que se coloca neste caso respeita à possibilidade de a Requerida corrigir a declaração de IRS apresentada pelo Requerente com fundamento numa informação prestada pelas Autoridades Fiscais da Suíça, com apenas a indicação de um valor pago ao Requerente sem qualquer outra informação ou enquadramento, e que relevância deve ser atribuída à explicação do contribuinte relativamente ao rendimento referido nessa comunicação.
Neste caso aplica-se o disposto no art. 8º da Directiva da Poupança, Directiva 2008/43/CE, que dispõe o seguinte:
Artigo 8º
Comunicação de informações por parte do agente pagador.
1. Sempre que o beneficiário efectivo dos juros seja residente num Estado-Membro distinto daquele em que se encontre estabelecido o agente pagador, o conteúdo mínimo das informações a comunicar pelo agente pagador à autoridade competente do seu Estado-Membro de estabelecimento é o seguinte:
a) Identidade e residência do beneficiário efectivo, determinadas em conformidade com o artigo 3.º;
b) Nome ou denominação e endereço do agente pagador;
c) Número de conta do beneficiário efectivo ou, na sua falta, identificação do crédito gerador dos juros;
d) Informação relativas ao pagamento de juros, em conformidade com o disposto no n.º 2.
2. O conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar em relação ao pagamento de juros deve diferenciar os juros segundo as categorias a seguir mencionadas e incluir:
a) No caso de um pagamento de juros na acepção da alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º, o montante dos juros pagos ou creditados;
b) No caso de um pagamento de juros na acepção das alíneas b) ou d) do n.º 1 do artigo 6.º, o montante dos juros ou dos rendimentos referidos nessas disposições ou o montante total do produto da cessão, do reembolso ou do resgate;
c) No caso de um pagamento de juros na acepção da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º, o montante dos rendimentos referidos nessa disposição ou o montante total da distribuição;
d) No caso de um pagamento de juros na acepção do n.º 4 do artigo 6º., o montante dos juros que cabem a cada um dos membros da entidade referida no n.º 2 do artigo 4º. o que reúnam as condições do n.º 1 do artigo 1.º e do n.º 1 do artigo 2.º;
e) No caso de um Estado-Membro recorrer à possibilidade prevista no n.º 5 do artigo 6.º, o montante dos juros anualizados.
No entanto, os Estados-Membros podem limitar o conteúdo mínimo das informações que o agente pagador deve comunicar no que se refere ao pagamento de juros, ao montante total dos juros ou dos rendimentos e ao montante total do produto da cessão, do resgate ou do reembolso.
Esta Directiva foi transposta para o ordenamento português pelo Decreto-Lei 62/2005, de 11 de Março, cujo art. 4º, nº1, refere quais são os rendimentos da poupança sob a forma de juros:
Consideram-se rendimentos da poupança sob a forma de juros, para efeitos do presente regime:
a) Os juros decorrentes de contratos de mútuo, abertura de crédito, reporte e outros que proporcionem, a título oneroso, a disponibilidade temporária de dinheiro;
b) Os juros derivados de depósitos, em qualquer modalidade, em instituições financeiras;
c) Os juros de certificados de depósitos;
d) Os juros, os prémios de amortização ou de reembolso de títulos da dívida pública, os títulos de participação, os certificados de consignação, as obrigações de caixa ou outros títulos análogos emitidos por entidades públicas ou privadas e demais instrumentos de aplicação financeira, designadamente letras, livranças e outros títulos de crédito negociáveis, enquanto utilizados como tais;
e) O saldo dos juros apurados em conta corrente;
f) Os juros de suprimentos, abonos ou adiantamentos de capital feitos pelos sócios às sociedades;
g) Os juros devidos pelo facto de os sócios não levantarem os lucros ou remunerações colocados à sua disposição;
h) Os juros pagos ou atribuídos pelas seguintes entidades:
i) Organismos de investimento colectivo em valores mobiliários, autorizados nos termos da Directiva n.º 85/611/CEE, de 20 de Dezembro;
ii) Entidades que exerçam a opção referida no n.º 2 do artigo 3.º;
iii) Organismos de investimento colectivo estabelecidos fora do território em que o Tratado da Comunidade Europeia é aplicável nos termos do seu artigo 299.º;
i) Os rendimentos obtidos aquando da cessão, do reembolso ou do resgate de partes ou unidades de participação nas entidades referidas na alínea anterior, quando estas tenham investido, directa ou indirectamente, por intermédio das mesmas entidades, mais de 40% do respectivo activo em créditos e outras aplicações que gerem rendimentos previstos nas alíneas a) a e).
Ora, conforme consta da matéria de facto provada a AT concluiu da análise da documentação junta à reclamação graciosa que "é possível perceber que, de facto, os valores comunicados pelas autoridades fiscais suíças, e conforme explicação da entidade pagadora dos mesmos (o Bank B..., Ag), contêm rendimentos de mais valias mobiliárias, onde só é indicado o valor de realização. Ora, sem o valor de aquisição, o montante da mais valia será inevitavelmente inflacionado, de forma errada, gerando um rendimento que não corresponde, de todo, à realidade".
Daqui resulta, portanto, que está em causa uma tributação que não correspondente à realidade subjacente, em primeiro lugar, porque o rendimento em questão é de mais-valias e não de juros e em segundo lugar porque as mais-valias estão a ser tributadas apenas com base no valor de realização, sem qualquer referência ao valor de aquisição.
Ora, neste caso, perante uma tributação que a própria Autoridade Tributária reconhece não corresponder à realidade, não cabe invocar o valor probatório atribuído à comunicação das Autoridades Fiscais Suíças, nos termos do art. 76º, nº4, da LGT, que remete para o nº1 dessa disposição. Em primeiro lugar, e por força dessa remissão as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado só "fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei". Ora, não conseguimos descortinar qualquer fundamentação nessa informação, que não seja o valor e a entidade pagadora, sem que haja qualquer explicação sobre a origem e a natureza do rendimento.
Mas, em qualquer caso, a verdade é que o art. 76º, nº 4, in fine, da LGT, admite "a prova em contrário do sujeito passivo ou interessado". Ora, mesmo que a AT não tenha conseguido, dos documentos apresentados, detectar quais os valores de aquisição, percebeu que os rendimentos eram de mais-valias e não de capitais e que a tributação conforme a declaração adicional de IRS que apresentou não correspondia à realidade. Por outro lado, o contribuinte apresentou prova que demonstrou não ter justificação a correcção efectuada.
Assim sendo, há que aplicar a presunção estabelecida no art. 75º, nº1, da LGT, segundo a qual "presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos". Essa presunção apenas não se verifica nas hipóteses previstas no art. 75º, nº2, da LGT, sendo que não está causa nenhuma destas situações.
Em consequência, considera-se que a Requerida não logrou elidir a presunção de veracidade da declaração de IRS apresentada pelo Requerente, não sendo a comunicação das Autoridades Fiscais da Suíça, perante a prova efectuada pelo sujeito passivo, idónea a afastar esta presunção, uma vez que tributa rendimentos de mais-valias como rendimentos de capitais e apenas considera naqueles o valor de realização.
Ora, o contribuinte tem, nos termos do art. 99º a) CPPT, o direito de impugnar a liquidação com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente a errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários. Verifica-se claramente uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, o que torna ilegal a liquidação impugnada.
O pedido arbitral mostra-se pois procedente.
III – Decisão
Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral, e consequentemente, anula-se a liquidação adicional de IRS do ano de 2015 com o nº 2019 ... .
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 49.827,40, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.142, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 19 de Outubro de 2022
O Árbitro
(Luís Menezes Leitão)