Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 144/2022-T
Data da decisão: 2022-10-18  IRS  
Valor do pedido: € 681.028,89
Tema: IRS. Transmissão de ações. Divergência entre o valor declarado e o valor real. Artigo 52.º do CIRS.
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Sumário:

 

I - Nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRS, é à Administração que cabe demonstrar fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão de ações, para efeito de poder presumir que o valor da alienação, não estando os títulos cotados em bolsa de valores, é o que for apurado com base no último balanço;

II – Tendo sido a transação declarada efetuada pelo valor nominal das ações e havendo lugar a correção tributária, na determinação da mais-valia mobiliária, com base no valor de alienação apurado em função do último balanço, era ainda à Administração, face ao critério de repartição do ónus da prova do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, que incumbia a prova da possibilidade de existir divergência de valores e não ao contribuinte que competia demonstrar que a transmissão foi realizada pelo valor nominal.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

  1. A..., solteiro, maior, NIF ..., residente na Rua ..., no ..., ..., ...-... veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do ato de liquidação adicional de IRS n.º 2021... e juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2017, com um valor a pagar de € 681.028,89.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

O Requerente alienou, em 18 de setembro de 2017, nove mil e quatrocentas ações da sociedade B..., S.A. ao seu pai, C..., administrador único e fundador da referida sociedade, pelo preço global de € 94.000,00, correspondente ao valor nominal das ações, preço esse que não chegou a ser pago.

 

O Requerente incluiu a alienação de ações, com indicação das datas de aquisição e de realização e o respectivo preço, no anexo G da sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS referente ao ano de 2017, apurando-se o rendimento coletável de € 34.262,85.

 

Na sequência de uma acção inspectiva por parte da Autoridade Tributária, o referido rendimento coletável foi corrigido em € 1.089.599,18, passando a ser de € 1.119.758,03, correção efetuada ao abrigo do disposto no artigo 52.º do Código do IRS, com base na divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.

 

Ora, o artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRS impõe à Autoridade Tributária o ónus de apresentar as razões objectivas que conduzem à divergência entre o valor declarado e o valor da transação e, só depois de preenchido esse requisito, é que é possível aplicar os n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo para efeito de determinar o valor de alienação com base na cotação em bolsa ou no último balanço, sendo que, além do mais, essas disposições estabelecem presunções ilidíveis.

 

E, por outro lado, a transmissão foi efetuada em contexto estritamente familiar, de filho para pai, que é o real titular das ações, não havendo nenhum motivo para serem cedidas por valor superior ao seu valor nominal, na medida em que não se tratou de uma transmissão de ações para terceiros.

 

Acresce que o Requerente autorizou o acesso às suas contas bancárias e disponibilizou-se para fornecer todos os documentos considerados necessários para esclarecer a situação, sucedendo que a Autoridade Tributária prescindiu de qualquer desses meios de prova, violando o princípio da verdade material, bem como o princípio da capacidade contributiva e o princípio da razoabilidade.

 

A Autoridade Tributária, na resposta, sustenta que o Requerente alienou ao seu pai, C..., administrador único da sociedade, pelo seu valor nominal, as ações que detinha na sociedade B..., S.A., que eram representativas de 89,52% do capital social da sociedade, e fez constar o valor da alienação do Quadro 9 do Anexo G – Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais - da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS de 2017.

 

No entanto, o valor real das ações era superior ao seu valor nominal, de acordo com os balanços e demonstração de resultados constantes das Declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES) entregues nos anos de 2009 a 2017, em que a sociedade apresentava uma evolução positiva dos ativos totais, capital social, capital próprio, volume de negócios e resultado líquido do exercício.

 

            E, por outro lado, o Requerente não prestou os esclarecimentos solicitados pela Autoridade Tributária no âmbito do procedimento inspetivo, e, designadamente, não juntou o comprovativo das operações realizadas e dos meios de pagamento utilizados.

 

E considerou-se, assim, que existe uma fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações, porquanto as ações tinham um valor muito superior ao seu valor nominal, divergência esta passível de ser corrigida ao abrigo do artigo 52º do CIRS.

 

2. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 8 de julho de 2022, foi agendada para o dia 15 de setembro a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada à produção de prova testemunhal arrolada pelas partes, prosseguindo o processo para alegações escritas pelo prazo sucessivo de 15 dias.

 

3. Em alegações, as partes procuraram fixar a matéria de facto a ser dada como assente e, no mais, mantiveram as suas anteriores posições.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em  20 de maio de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

  

  1. Em 18 de setembro de 2017, o Requerente acordou alienar 9.400 ações que detinha na sociedade B..., S.A., pelo valor nominal de € 10,00, representativas de 89,52% do capital social, ao seu pai C..., administrador único da sociedade. 
  2. O contrato de alienação não foi reduzido a escrito, havendo apenas menção da operação na declaração Modelo 4 - Aquisição e/ou Alienação de Valores Mobiliários, pelo adquirente e pelo alienante, e ainda pelo alienante no Quadro 9 do Anexo G – Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais - da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS de 2017 conforme segue:

 

 

Campo

Titular

Entidade

Emitente

Realização

Aquisição

Despesas e Encargos

Ano

Mês

Dia

Valor

Ano

Mês

Dia

Valor

  

  9001

A

...

2017

9

18

94.000,00 €

2008

5

5

94.000,00 €

0,00 €

 

9002

A

...

2017

02

01

2.777,54 €

2017

01

19

-

8,66 €

 

 

Soma

96.777,54 €

 

94.000,00 €

8,66 €

 

  1. O preço da alienação das ações não foi pago até à data da apresentação do pedido arbitral, constituindo o pagamento uma obrigação cum voluerit e cum potuerit.
  2.   A Sociedade B... é uma empresa familiar gerida pelo fundador e administrador único C..., pai do Requerente, e a transação das ações, que se encontravam na titularidade formal do Requerente, foi realizada por razões de gestão empresarial.
  3.       As ações foram acordadas transmitir pelo seu valor nominal.
  4. A transmissão das ações, em termos práticos, não implicou qualquer alteração do funcionamento e da representação da empresa.
  5. O Requerente desempenhou funções de gerente da sociedade entre 13 de maio de 2008 e 14 de julho de 2009, funções que passaram a ser desempenhadas pelo seu pai a partir desta última data.
  6. Em 23 de dezembro de 2009 houve um aumento de capital de € 5.240,42 para € 105.000,00 e a transformação da sociedade de sociedade por quotas para sociedade anónima.
  7. Nessa data, C... foi designado administrador único.
  8. O Requerente auferiu rendimentos da categoria A (Trabalho Dependente) colocados à disposição pela B..., S.A., conforme segue:

 

Tipo de Rendimento

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

Rendimento Bruto da CAT A

13.761,25

11.788,90

1.845,00

15.246,94

29.292,07

30.957,28

34.160,00

34.160,00

34.262,85

 

  1. De acordo com os balanços e demonstração de resultados que integram as Declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES) entregues nos anos de 2009 a 2017, a sociedade B... S.A apresentava a seguinte evolução dos ativos totais, capital social, capital próprio, volume de negócios e resultado líquido do exercício: 

 

 

B... - S.A, NIPC ...

 

Data

Total do Ativo

Capital Social

Capital Próprio

Volume de Negócios

Resultado Líquido Exercício

31-12-2009

1.506.118,30 €

105.000,00 €

527.055,19 €

1.653.406,14 €

21.540,61 €

31-12-2010

1.991.353,53 €

105.000,00 €

866.804,02 €

2.575.323,91 €

341.316,33 €

31-12-2011

1.891.939,15 €

105.000,00 €

1.001.295,30 €

2.172.064,01 €

134.491,28 €

31-12-2012

1.905.171,31 €

105.000,00 €

1.144.141,51 €

1.923.477,57 €

142.846,21 €

31-12-2013

1.871.469,91 €

105.000,00 €

1.255.222,13 €

2.171.461,15 €

111.080,62 €

31-12-2014

1.620.326,18 €

105.000,00 €

1.328.370,51 €

2.088.290,54 €

78.692,24 €

31-12-2015

1.628.730,07 €

105.000,00 €

1.330.482,90 €

1.487.263,97 €

2.245,40 €

31-12-2016

1.530.071,78 €

105.000,00 €

1.331.555,47 €

1.598.808,56 €

1.072,57 €

31-12-2017

1.580.778,07 €

105.000,00 €

1.342.230,58 €

1.625.918,36 €

10.675,11 €

 

  1. A Autoridade Tributária desencadeou uma acção inspectiva ao Requerente, credenciada pela Ordem de Serviço nº 2019..., em vista ao controlo de operações com instrumentos de capital próprio (Modelo n.º 4, Modelo nº 13 e Anexos G e G1 da declaração de IRS) e respetivas despesas e encargos associados às operações.
  2.  A acção inspectiva originou a liquidação adicional de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017, no montante total global de € 681.028,89, que resultou da correção ao quadro 9 do Anexo G da declaração de IRS do ano de 2017, nos seguintes termos: valor de realização: € 1.192.059,18; valor de aquisição: € 94.000,00; mais-valia: € 1.089.599,18.
  3. No âmbito do procedimento inspetivo, a Autoridade Tributária solicitou ao Requerente, através do ofício n.º 2021..., o envio de cópia dos documentos comprovativos e valorativos das operações discriminadas no quadro 9 do referido anexo G à declaração Mod.3 de IRS de 2017 e de cópia dos meios de pagamento utilizados, assim como cópia dos extratos bancários que evidenciem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados.
  4. Em resposta, o Requerente prestou os seguintes esclarecimentos:

As ações aqui em questão dizem respeito à firma B... S.A., contribuinte fiscal..., agora uma sociedade anónima, mas que em 2008 era uma sociedade por quotas de cariz familiar, cuja fundação remonta a 1997, com capital social de 99.579,58 €, tendo o sócio gerente A..., adquirido em 05/05/2003 a quota a D... .

A firma transformou-se em sociedade anónima em 23/12/2009, aumentando o seu capital social para 105.000,00€ e ficando o acionista/administrador A..., detentor do 9.900 ações ao portador, no valor nominal de 10,00 € cada.

Ao tempo tratava-se portanto de V.M.P. titulados não constando dos respetivos títulos o nome dos titulares, sendo apenas necessário para a transmissão ou constituição de ónus sobre esses VMP a entrega dos títulos ao adquirente ou beneficiário desso ónus.

Para exercer os direitos inerentes de tais VMP, tal como o direito de voto, direito a dividendos ou direito a juros, na medida em que não existia qualquer registo sobre a titularidade desses VMP junto do emitente, o possuidor dos títulos deveria apresentá-los junto do emitente ou, se estivessem junto de um banco depositário, apresentar certificado por este emitido atestando a titularidade dos VMP. No caso aqui em análise, porque apesar de tudo se trata duma empresa familiar, os títulos estavam depositados no cofre da empresa.

Trata-se assim duma empresa de capitais abertos emitente de ações, valores mobiliários (VMP) não admitidos à negociação em mercado regulamentado, e que à data dos factos (Setembro de 2017) não constituíra o registo de  que trata o art. 61.º do CMV. Por tal motivo não se juntam os registos relativos a 2017, solicitados no mail de V.Exa., conquanto relativamente a 2008 "importa dizer, respondendo ao seu pedido, que se tratava duma sociedade por quotas, não abrangida por essa imposição legal.

Com a Lei 15/2017, de 3 de Maio, com entrada em vigor prevista em 4/11/2017 e depois adiada para o final de 2018, houve uma mudança de paradigma desta situação, acabando as ações ao portador, que passaram todas a nominativas e registadas.

Por se tornar oportuno e à guisa de informação complementar importa, lembrando tratar-se duma SA que o administrador C..., agora acionista maioritário e beneficiário único, pai do ex-administrador A..., apenas e só por motivos imperiosos de saúde esteve fora da empresa, regressando em 2017, não se tratando assim dum verdadeiro negócio de compra e venda de posição contratual, antes a constituição de direito duma situação de facto, pelo que o valor de venda independentemente da redução do valor das ações no mercado, foi feito pelo seu valor nominal.

Daí se afirmar que se trata de valores escriturais, que resultam de resolução em assembleia de acionistas e cuja operação é de declaração obrigatória à ATA, o que foi feito pela B... atempadamente através internet das declarações modelo 4, atinentes às operações aqui em discussão, no cumprimento do disposto art. 138.º do CIRS de que se juntam cópias em anexo.

  1. A correção tributária encontra-se fundamentada no Relatório de Inspeção Tributária nos seguintes termos:

 

III.3 VALOR DE REALIZAÇÃO NO CÁLCULO DAS MAIS-VALIAS RESULTANTES DA ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS

De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.  10.º do CIRS constituem mais-valias, os ganhos obtidos que resultem da alienação de partes sociais e de outros valores mobiliários, sendo o ganho sujeito a IRS constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme determina a alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo.

Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se:

 Valor de aquisição - o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nos termos previstos na alínea b) do art.  48.º do CIRS. Sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a data da alienação ou afetação o valor de aquisição das partes sociais é corrigido pela aplicação de coeficientes para o efeito aprovados por portaria do membro do Governo responsável


pela área das finanças, conforme estabelece o n.º 1 do art.  50.º do CIRS.

 No caso em apreço, o sujeito passivo considerou o valor nominal.

Em termos económicos, o preço de uma participação social depende do valor da empresa e da sua avaliação.

Assim, relativamente ao valor de realização declarado pelo sujeito passivo, tendo em consideração o descrito nos pontos anteriores, designadamente:

- O preço de venda das participações sociais correspondeu ao valor nominal das respetivas ações, independentemente do valor da sociedade B... S.A. não tendo assim sido obtida qualquer mais valia:

  - A sociedade B..., S.A., apresentava uma situação patrimonial sólida com acréscimos, nos anos anteriores a 2017, muito significativos da situação líquida da empresa resultantes do aumento do ativo e do capitel próprio. Aliás, o capital próprio é muito superior ao capital social, o que por si só é demonstrativo de que o valor real das ações era superior ao seu valor nominal, conforme se demonstra no quadro seguinte:

 

Quadro VIII

B... – S.A. NIPC ...

Data

Total do Ativo

Capital Social

Capital Próprio

Volume de

Negócios

Resultado Líquido Exercício

31-12-2009

1.506.118,30 €

105.000,00 €

527.055,19 €

1.653.406,14 €

21.540,61 €

31-12-2010

1.991.353,53 €

105.000,00 €

866.804,02 €

2.575.323,91 €

341.316,33 €

31-12-2011

1.891.939,15 €

105.000,00 €

1.001.295,30 €

2.172.064,01 €

134.491,28 €

31-12-2012

1.905.171,31 €

105.000,00 €

1.144.141,51 €

1.923.477,57 €

142.846,21 €

31-12-2013

1.871.459,91 €

105.000,00 €

1.255.222,13 €

2.171.461,15 €

111.080,62 €

31-12-2014

1.620.326,18 €

105.000,00 €

1.328.370,51 €

2.086.290,54 €

78.692,24 €

31-12-2015

1.628.730,07 €

105.000,00 €

1.330.482,90 €

1.487.263,97 €

2.245,40 €

31-12-2016

1.530.071,78 €

105.000,00 €

1.331.555,47 €

1.598.808,56 €

1.072,57 €

31-12-2017

1.580.778,07 €

105.000,00 €

1.342.230,58 €

1.625.918,36 €

10.675,11 €

 

 

Nos anos que mediaram a aquisição e alienação das ações a sociedade registou acréscimos significativos quer ao nível do volume de negócios, quer ao nível dos resultados líquidos dos períodos (exceção nos períodos de 2015, 2016), exibindo bons indicadores de atividade ao nível das margens brutas, conforme segue:

 

Quadro IX

MARGENS BRUTAS

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

MBI (VN-CMVMC)/VN

65,81

65,61

68,00

62,14

70,03

73,84

79,13

71,17

MBI (VN-CMVMC-PSEVVN

53,62

53,41

56,29

50,31

54,87

55,81

59,64

57,26

 

A..., NIF ... tinha relações especiais relativamente ao adquirente seu pai C..., consubstanciada na sua relação de parentesco.

O sujeito passivo não logrou apresentar qualquer elemento comprovativo da operação declarada, nem comprovativo do recebimento do valor declarado como valor de realização da alienação das ações, tendo referido que o contrato entre as partes foi verbal e que até à data o montante de € 94.000,00 ainda não foi recebido.

Mais, convidado a demonstrar os critérios que estiveram na base da determinação do preço de venda das ações não o fez, referindo apenas que a operação foi feita peio valor nominal das ações;

Economicamente não é verosímil que o preço de venda da participação social da sociedade B... corresponda ao valor nominal, na medida em que tal significaria que da atividade económica realizada ao longo de aproximadamente sete anos não teria resultado qualquer acréscimo de valor à empresa, situação que aliás é contrariada pelas demonstrações financeiras que evidenciam um aumento muito significativo do capital próprio (muito superior ao capital social), bem como sistematicamente resultados líquidos positivos:

Nos anos que mediaram a aquisição e a alienação das ações não houve distribuição de resultados, o que contribuiu para o acréscimo verificado ao nível dos capitais próprios.

Considera-se que existe uma fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações da B..., porquanto as ações tinham um valor muito superior ao seu valor nominal, divergência esta passível de ser corrigida à luz do art. 52.º do CIRS.

III.4 DETERMINAÇÃO DO VALOR DA PARTICIPAÇÃO ALIENADA E DA MAIS-VALIA SUJEITA A TRIBUTAÇÃO

De acordo com o n.º 1 do art. 52.º do CIRS, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação, o que no caso vertente se aplica.

Assim sendo, a alínea b) do n.º 2 do art. 52.º do CIRS, estabelece que se a divergência recai sobre o valor de alienação de ações não cotadas em bolsa de valores, tal como se verifica no caso em apreciação, «o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço».

Nestes termos, tendo a transmissão das ações ocorrido em 18 de setembro de 2017, ter-se-á que tomar por referência o último balanço de 2016-12-31.

De seguida apresentam-se os cálculos que estiveram na base da determinação do valor da participação e, consequentemente, do valor de realização a considerar, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.  52.º do CIRS, para efeitos de determinação da mais-valia tributada:

 

Quadro X

AÇÕES TRANSICIONADAS – DADOS DA EMPRESA

ALIENAÇÃO DAS AÇÕES

Representativas da sociedade

Capital Social

N.º total ações

Valor nominal

Capitais Próprios

N.º total ações

Valorização unitária

Data da operação

Alienante

Quantidade

Valorização unitária

Valorização atribuída à operação

Designação

NPC

31-12-2016

31-12-2016

 

1

2

3

4

5

6

7

6=6/7

9

10

11

12=6

13

B..., SA

...

105.000,00

10.500,00

10

1.331.555,47

10.500,00

126,81

18-09-2017

A...

9.400,00

126,81

1.102.059,18

                                       

 

III.5 DETERMINAÇÃO DA MAIS-VALIA SUJEITA A TRIBUTAÇÃO

Conforme anteriormente se deu conta, relativamente à operação em análise, o sujeito passivo apurou um saldo das mais e menos-valias nulo.

A mais-valia na alienação de ações é determinada da seguinte forma:

MV = VR - (VA + DAL) x Coef

MV- Mais-Valia

VR - valor de realização

VA - valor de aquisição

DAL - despesas com a alienação e com a aquisição Coef - coeficiente de desvalorização da moeda.

No quadro seguinte procede-se -à determinação da mais-valia tendo em consideração o valor apurado no ponto III.4 para o valor de realização das ações:

 

Quadro XI

Valor Realização –

art.º 52º n.º 2 CIRS

(VR)

Valor Aquisição

(VA)

Coef. Desv. Moeda

Portaria 326/2017

(Coef.)

Mais-Valia

(MV)

(1)

(2)

(3)

(4)=(1)-(2)x(3)

1.192.059,18 €

94.000,00 €

1,09

1.089.599,18

 

 

Na declaração de rendimentos Mod.3 de IRS relativa ao ano de 2017, o sujeito passivo exerceu a opção pelo englobamento dos rendimentos previstos na alínea b) do n.º I do art. 10.º do CIRS, ficando consequentemente, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da categoria G, conforme dispõe o art. 22.º do CIRS.

Do exposto resulta que o sujeito passivo omitiu rendimentos obtidos em 2017, decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de partes sociais, no montante de € 1.089.599,18.

O montante da correção ao rendimento tributável corresponde à diferença entre o valor do saldo da mais-valia corrigida e o da mais-valia declarada, ou seja, € 1.089.599,18 (€ 1089.599,18).

  1. O Requerente foi notificado, em 12 de outubro de 2021, para exercer o direito de audição relativamente ao projecto de Relatório de Inspeção Tributária.
  2. Em 9 de novembro de 2021, o Requerente exerceu o direito de audição, através do requerimento de fls. 61-66 do processo administrativo, junto com a resposta da Autoridade Tributária, e aqui se dá como reproduzido, em que, para além de ter rebatido a correção tributária em termos similares aos constantes do pedido arbitral, requer o seguinte:

«E, sendo assim, o que o signatário ora requer é que antes da decisão, a Divisão de Inspeção Tributária proceda à análise de todas as contas bancárias do signatário a partir do ano de 2017, para o que dá a respectiva autorização, disponibilizando-se desde já para subscrever e praticar todos os atos necessários a esse fim».

  1. No Relatório Final de Inspeção Tributária, os serviços inspetivos, além de terem reiterado a argumentação do projecto de decisão notificado ao Requerente para efeito do exercício do direito de audição, acrescentaram, quanto ao pedido de acesso às contas bancárias, o seguinte:

Finalmente, o sujeito passivo vem, em sede de direito de audição, requerer que a AT aceda a todas as suas contas bancárias para análise dos anos de 2017 em diante por forma a constatar-se o não recebimento da importância de € 94.000,00 e muito menos dos valores apurados pela AT.

Ora, pese embora tenha sido notificado para o efeito, o sujeito passivo não logrou apresentar no âmbito do procedimento inspetivo os extratos bancários, com a evidência das operações declaradas no anexo G à declaração Mod. 3 de IRS do ano de 2017.

Vem agora, em sede de direito de audição, fazer referência às contas bancárias, pedindo o acesso da AT, sem, contudo, apresentar qualquer declaração de autorização para o efeito,

No decurso do procedimento inspetivo, foi dada a possibilidade a A..., NIF..., de demonstrar, nomeadamente através da exibição dos extratos bancários, que o preço de venda das ações foi diferente do valor da correção proposto pela AT, todavia o sujeito passivo não logrou apresentar os seus argumentos.

No prazo de 25 dias, concedido para o exercício do direito de audição, o sujeito passivo, mais uma vez, teve a possibilidade de apresentar prova, nomeadamente através da exibição das contas bancárias, que contrariasse o valor proposto pela AT, todavia não aproveitou.

Com efeito, o ónus da prova do valor pelo qual negócio se realizou cabe ao sujeito passivo.

Importa, todavia, referir que, à semelhança do que foi alegado pelo sujeito passivo no âmbito do presente procedimento inspetivo, aquando da justificação do não recebimento do valor de realização de € 94.000,00, a alienação das ações por determinado valor, não está dependente do seu recebimento. Portanto, ainda que da análise efetuada às contas bancárias, não resultasse evidencia do recebimento de valores correspondentes à venda das ações, tal facto, não seria suficiente para pôr em causa a referida alienação, na medida em que o valor poderia ainda não ter sido recebido tal como o sujeito passivo argumentou, para justificar a não evidencia do recebimento dos € 94.000,00 que considerou como valor de realização.


Assim, atendendo a que não foram apresentados factos ou elementos novos, nem os argumentos invocados peta exponente contrariam a fundamentação para as correções propostas, procede-se à elaboração do relatório definitivo, mantendo-se as correções propostas em sede de IRS, em conformidade com o projeto de relatório da inspeção tributária de 2021-10-06, com os fundamentos ali enunciados.

  1. O prazo para pagamento voluntário do imposto terminou no dia 17 de Janeiro de 2022.
  2.      O pedido arbitral deu entrada em 29 de março de 2022.

 

Factos não provados

 

Não se encontra provado que a transmissão de ações a que se refere a alínea A) da matéria de facto tenha sido efetuada pelo valor de € 1.192.059,18 e possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Não há outros factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na prova testemunhal produzida em audiência.

 

O Tribunal deu particular relevo aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Requerente, que se mostraram credíveis e revelaram conhecimento de causa quanto ao contexto factual em que ocorreu a transação das ações. A testemunha H..., revisor oficial de contas da sociedade B... entre 2009 e 2020, afirmou que a sociedade era uma empresa familiar e a transação foi realizada pelo valor nominal das ações, não estando subjacente à tradição dos títulos uma efetiva transação financeira. A testemunha E... confirmou que a sociedade era uma empresa familiar e as ações estavam na titularidade de A... por razões de gestão e que não houve uma verdadeira transação nem se colocou a questão do valor da alienação. A testemunha F..., diretora financeira da sociedade, referiu que o aumento de capital verificado em 2009 foi realizado por uma necessidade de reajustamento quando a sociedade foi transformada em sociedade anónima. Corroborou que a transação foi realizada pelo valor nominal das ações e sem contrato escrito, e não houve lugar ao pagamento do preço, e que, em termos práticos, não ocorreu por efeito da transação uma qualquer alteração. A testemunha G..., funcionária administrativa da sociedade, afirmou que A... não tem possibilidade de pagar o valor de liquidação do imposto resultante da correção tributária. As testemunhas H... e F... confirmaram que o volume de negócios e os resultados económicos têm vindo a diminuir nos últimos anos.

   

            Matéria de direito

 

5. A única questão em debate prende-se com a existência de fundada possibilidade de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão de ações para efeito de ser aplicada a presunção da alínea b) do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS, pela qual, não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.

 

A fundada divergência de valores foi reconhecida pela Autoridade Tributária, no âmbito de um procedimento inspetivo, essencialmente por se ter entendido que o sujeito passivo não apresentou documentos comprovativos da operação, nem do recebimento do valor da alienação das ações, e não ser economicamente verosímil que o preço de venda das ações corresponda ao seu valor nominal sem se ter em conta o acréscimo de valor da empresa resultante da atividade económica realizada ao longo dos anos.

 

O Requerente considera que a Autoridade Tributária não logrou efetuar a prova, que nos termos do artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRS lhe competia, da divergência entre o valor declarado e o valor real da transação, sendo que só depois de feita essa demonstração é que havia lugar à aplicação das presunções dos n.ºs 2 e 3 desse artigo para efeito de apurar o valor de alienação com base na cotação em bolsa ou no último balanço.

 

E acrescenta que a transmissão foi efetuada no âmbito de uma relação familiar, através de um acordo verbal, sem que tenha sido pago o preço da transmissão, e que a cedência das ações pelo valor nominal se justificava na medida em que o adquirente, pai do Requerente, era o administrador único e fundador da sociedade e real titular das ações.

 

Refere ainda o Requerente que autorizou o acesso às suas contas bancárias e disponibilizou-se para fornecer todos os documentos considerados necessários para esclarecer a situação, sucedendo que a Autoridade Tributária prescindiu de qualquer desses meios de prova, violando o princípio da verdade material, bem como o princípio da capacidade contributiva e o princípio da razoabilidade.

 

            É esta a questão que cabe dilucidar.

 

O artigo 52.º do Código do IRS, correspondendo a uma norma destinada a determinar as mais-valias mobiliárias, sob a epígrafe «Divergência de valores», dispõe nos seguintes termos:

 

 1- Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.

2- Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:

  a) Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta;

  b) Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.

3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço.

 

Como tem sido entendimento jurisprudencial, o n.º 1 constitui uma norma de alcance geral e, como tal, aplicável a todas as situações geradoras de mais-valias, e que impõe à Administração a consideração fundada de que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão para efeito de presumir o valor da realização. Torna-se assim necessário demonstrar, com base em razões objetivas, a possibilidade de que possa existir divergência de valores e só preenchido esse requisito, quando a divergência se reportar ao valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, é que é possível presumir, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 52.º, que o valor de alienação, estando os títulos cotados em bolsa de valores, é o da respetiva cotação à data da transmissão ou o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta, ou, não estando cotados em bolsa, o valor que que for apurado com base no último balanço (cfr., com as necessárias adaptações, acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 812/2019-T e 735/2020-T).

 

Refere André Salgado de Matos que o n.º 1 exige que a Administração considere fundadamente que existe divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão. Ou seja, não basta que o valor declarado seja inverosímil, improvável ou pouco usual, tem que existir prova de que não é o valor real (Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) Anotado, 1999, edição do Instituto Superior de Gestão, pág. 323)

 

O que se verifica, na situação do caso, é que a Autoridade Tributária entendeu existir uma fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações com base em considerações de cariz meramente economicista, atendendo à evolução do capital próprio, volume de negócios e resultados líquidos no período de 2009 a 2017, sem ter em linha de conta a realidade subjacente à transação.

 

O que resulta da matéria de facto dada como assente, com base na prova testemunhal produzida, é que ocorreu a mera transmissão para C..., fundador e administrador único da empresa, de ações que estavam apenas formalmente na titularidade do filho, ora Requerente, e que a transmissão foi efetuada pelo valor nominal e por simples acordo verbal e sem qualquer objetivo lucrativo (alíneas B), D) e E) da matéria de facto).

 

  A operação foi realizada, como também se comprova, no âmbito de uma relação familiar, por meras razões de gestão empresarial, e em que não houve sequer lugar ao pagamento do preço, não tendo implicado em termos práticos uma qualquer alteração do funcionamento e da representação da empresa (alíneas C), D) e F) da matéria de facto).

 

E como foi ainda referido em audiência, e é possível constatar através dos elementos coligidos pela Autoridade Tributária no âmbito do procedimento inspetivo, o volume de negócios e os resultados líquidos do exercício têm vindo a decair nos anos mais recentes, com especial acuidade, no que se refere a este último parâmetro, a partir de 2014 (alínea K) da matéria de facto, quadro VIII). E se se verificou um aumento do capital próprio isso encontra-se explicado por não ter havido distribuição de lucros entre as datas de aquisição e alienação das ações, não sendo significativo de um efetivo acréscimo do valor da empresa (alínea P) da matéria de facto, documento n.º 3 junto ao pedido arbitral, pág. 17).

 

A Autoridade Tributária tomou ainda em consideração, para concluir pela fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, a circunstância de o sujeito passivo não ter apresentado qualquer elemento comprovativo da operação, nem do recebimento do valor declarado da alienação das ações. Mas como o Requerente pôde esclarecer no exercício do direito de audição, no decurso do procedimento inspetivo, e resulta ainda da matéria de facto dada como assente, esses elementos de prova nunca poderiam ter sido fornecidos uma vez que o contrato não foi reduzido a escrito e não houve lugar ao pagamento do valor da alienação, pelo que não poderia ser imputado ao sujeito passivo a consequência negativa da falta ou insuficiência de prova que não estava na sua disponibilidade realizar (alíneas B) e C) da matéria de facto).

 

Além de que, ainda no exercício do direito de audição, o Requerente solicitou à Autoridade Tributária que procedesse à análise das contas bancárias, para o que concedia a respetiva autorização e se disponibilizava a praticar todos os atos considerados necessários para o efeito. No entanto, a Administração prescindiu de qualquer diligência instrutória nesse sentido e continuou a imputar ao sujeito passivo o ónus da prova quanto ao valor da alienação das ações (alínea S) da matéria de facto).

 

Ora, a Autoridade Tributária, sob pena de preterição do princípio da verdade material, não poderia recusar a diligência de acesso às contas bancárias, que havia sido requerida no exercício do direito de audição, e simultaneamente considerar insuficiente a prova apresentada pelo contribuinte, na fase procedimental precedente, quanto ao preço de venda das ações.

 

E, em todo o caso, como se deixou entrever, nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 1, do Código do IRS, é à Administração que cabe demonstrar fundadamente a possibilidade de/que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transação das ações, sendo esse um corolário do critério de repartição do ónus da prova consignado no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, pelo qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

 

Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação oficiosa, praticado pela Autoridade Tributária, corrigindo liquidação anterior baseada na declaração do contribuinte, é à Administração que incumbe o ónus da prova dos pressupostos legais da correção que operou. E, por conseguinte, era à Administração que incumbia a prova de que possa haver divergência de valores e não ao contribuinte que competia demonstrar que a transmissão foi efetuada pelo valor nominal das ações (quanto ao ónus da prova nas situações de liquidação oficiosa e de liquidação baseada na declaração do contribuinte, cfr. os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 615/220-T, 305/2021-T e 520/2021-T).

 

Ora, não existe qualquer prova, nos elementos dos autos, de que a transmissão das ações possa ter sido efetuada pelo valor de mercado da empresa, tendo em conta a sua situação patrimonial e os resultados económicos, quando é certo que nem sequer está demonstrado que o alienante auferiu o preço da transação, e, por outro lado, se constata que a operação decorreu no âmbito de uma relação familiar, entre pai e filho, que teve em vista repor a titularidade das ações na esfera do fundador e administrador único da sociedade.

 

Subsiste, nestes termos, fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do ato tributário, o que é suficiente, em atenção ao disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, para anular a liquidação em crise, que tem por base a divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das ações.

 

O pedido arbitral mostra-se, por conseguinte, ser procedente por todas razões invocadas, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões que tenham sido suscitadas.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o ato tributário de liquidação adicional de IRS n.º 2021..., referente ao período de tributação de 2017, e o correspondente ato de liquidação de juros compensatórios, com um valor a pagar de € 681.028,89.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 681.028,89, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 18 de outubro de 2022  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

A Árbitro vogal

 

Sofia Ricardo Borges

 

A Árbitro vogal

 

Ana Teixeira de Sousa