Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 186/2013-T
Data da decisão: 2014-02-21  Selo  
Valor do pedido: € 53.200,70
Tema: IS
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Processo n.º 186/2013-T

 

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1.      A "A" (doravante designada por "Requerente"), apresentou, no dia 26 de Julho de 2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, do Dec.-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT").

2.      A Requerente pede pronúncia com vista à declaração da ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo (doravante "IS") emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida"), no valor total de €53.200,70, que consta da liquidação de imposto de selo (1.ª prestação), junta como documento nº 1 ao pedido de pronúncia arbitral.

3.      A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade do mencionado acto de liquidação de imposto de selo, sobre prédio urbano da espécie "terrenos para construção", efectuado com base na norma do art. 1.º do Código do Imposto do Selo (doravante "CIS"), conjugada com a Verba n.º 28.1 da respectiva Tabela Geral (doravante "TGIS") e com o art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro; imposto contra o qual a Requerente deduz uma impugnação.

4.      Em 26 de Setembro de 2013 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

5.      O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, nº 1 e 11º, 1 do RJAT.

6.      Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta em 1 de Novembro de 2013, juntando o processo administrativo e argumentando, em síntese, a total improcedência do pedido do Requerente.

7.      A reunião nos termos e para os efeitos do disposto no art. 18.º do RJAT realizou-se em 21 de Janeiro de 2014, juntando-se aos autos a respectiva Acta. As partes optaram por não apresentar alegações orais ou escritas, e prescindiram da produção de prova testemunhal. Foi designada a data de 21 de Fevereiro de 2014 para a prolação da decisão arbitral.

8.      O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

9.      As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade, nos termos dos arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março)..

 

II – Fundamentação: A Matéria de Facto

 

II.A. Factos que se consideram provados

 

a)       A Requerente foi notificada da liquidação de imposto à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário (VPT) de € 5.320.070 correspondente ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... do concelho do Porto sob o nº U-..., até 2012 na propriedade da Requerente.

b)       A liquidação de nº 2013 ..., com a data de 21 de Março de 2013 e reportada ao ano de 2012, assentou na aplicação do previsto no nº 28.1. da TGIS, na redacção dada pelo art. 4.° da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que dispunha "Por prédio com afectação habitacional- 1%"

c)       Na Caderneta Predial Urbana o prédio é descrito como "Terreno para Construção", e somente nos Dados de Avaliação aparece mencionada a "Habitação" como "Tipo de coeficiente de localização".

d)       Da Caderneta Predial Urbana consta que a avaliação do valor patrimonial foi efectuada em 20 de Novembro de 2012.

 

II.B. Factos que se consideram não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

II.C. Fundamentação da matéria de facto provada

 

Os factos dados como provados resultam da matéria documentalmente provada nos autos, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas.

 

III – Fundamentação: A Matéria de Direito

 

III.A. Posição da Requerente

 

a)      A Requerente sustenta que o acto de liquidação é ilegal por falta do pressuposto da incidência, alegando que um terreno para construção não tem por si mesmo a "afectação habitacional" requerida para a incidência (arts. 4º segs. do Requerimento Inicial, doravante "R.I.")

b)      Sublinha-se que, para efeitos do art. 6º do CIMI, é nítida a distinção entre dois tipos de prédios urbanos, os terrenos para construção de um lado, os prédios habitacionais de outro (arts. 8º a 11º R.I.)

c)      Sustenta-se que o simples licenciamento para construção de prédios habitacionais não converte um terreno para construção num prédio habitacional, num prédio com "afectação habitacional", sinónimo de "destino habitacional", para efeitos do art. 6º do CIMI (arts. 12º a 17º R.I.)

d)     Alega-se que a associação dessa "afectação habitacional" a um terreno para construção faria a incidência tributária corresponder a uma coisa futura (art. 17º R.I.)

e)      Invoca-se a mens legislatoris nas palavras do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais proferidas na Assembleia da República em 10 de Outubro de 2012, nas quais se alude ao objectivo de tributação especial de "prédios urbanos habitacionais" e de "casas" de valor superior a um milhão de euros (arts. 18º e 47º R.I.)

f)       O acto de liquidação seria inconstitucional, alega a Requerente, por violação do princípio da igualdade, mesmo que se admitisse preenchido o requisito de incidência "afectação habitacional" (arts. 21º segs. R.I.)

g)      A violação do princípio da igualdade traduz-se no desrespeito do princípio da capacidade contributiva, aferida por manifestações de riqueza do sujeito passivo, e orientada a um equilíbrio na repartição da oneração com o imposto (arts. 22º segs. R.I.)

h)      Alega-se que, enquanto imposto acessório do IMI, o imposto de selo previsto no nº 28.1 da TGIS segue a modalidade de adicionamento, como uma espécie de "derrama selectiva"; mas que essa circunstância provoca uma discriminação insustentável entre patrimónios de igual valor e de igual "afectação", atendendo somente à sua maior ou menor fragmentação (arts. 37º a 38º R.I.)

i)        Especificamente alega-se que, a admitir-se a tributação de um terreno para construção com "afectação habitacional" por ter o valor unitário superior a 1 milhão de euros, deixará a tributação de incidir se se edificar sobre ele um prédio habitacional composto por fracções de valor unitário inferior a 1 milhão de euros, mesmo que o somatório do valor das fracções ultrapasse em muito esse montante de 1 milhão de euros – o que constituiria uma flagrante distorção do princípio da capacidade contributiva (arts. 39º a 46º R.I.)

j)        A Requerente alega, por fim, que há ilegalidade na violação do regime transitório da TGIS aplicável ao ano de 2012, previsto no art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro:

a.       porque a avaliação do prédio teve somente lugar a 20 de Novembro de 2012 quando a norma em apreço estabelece que em 2012 (o ano de referência) o facto tributário se verifica no dia 31 de Outubro;

b.      porque a mesma norma estabelece que em 2012 a taxa é de 0,5% ou 0,8%, conforme haja, ou não, avaliação nos termos do CIMI (mas em ambos os casos não a taxa de 1% que foi aplicada)

c.       porque a mesma norma estabelece que a liquidação respeitante a 2012 deve ter lugar até ao dia 20 de Dezembro de 2012, quando o facto é que ela acabou por ter lugar somente no dia 21 de Março de 2013.

k)      Verificando-se, portanto, que foram violados todos os pressupostos da tributação no regime transitório de 2012 (arts. 50º a 55º R.I.).

 

III.B. Posição da Requerida

 

a)      Por impugnação, a Requerida sustenta que a verba 28.1 da TGIS não viola o princípio da igualdade por se encontrar formulada nos devidos termos gerais e abstractos, distinguindo somente situações desiguais em função das diversas qualificações jurídicas e inerentes efeitos jurídicos que caibam a cada uma (arts. 6 a 16 da resposta da Requerida, doravante "Resposta AT")

b)      Subscreve um entendimento sobre o que seja "afectação habitacional" de um terreno para construção partindo do estabelecido nos arts. 2º, 1, 6º, 1, 41º e 45º, 2 do CIMI, que configuram tais terrenos como prédios e os sujeitam a uma avaliação que fixa a respectiva finalidade através de um "coeficiente de afectação" – com aplicabilidade por via do art. 67º, 2 do CIS – sendo portanto a aludida "afectação habitacional" não mais do que a finalidade ou aptidão determinadas através do mencionado coeficiente (arts. 17 a 29 Resposta AT)

c)      Sublinha que a Requerente não se opôs (ou pelo menos não o fez pelas vias adequadas e nos prazos devidos) à aplicação do coeficiente de afectação que permitiu qualificar o terreno para construção como estando afecto a "habitação" (arts. 32 a 37 Resposta AT)

d)     Alega que a previsão legal é a da "afectação habitacional", expressão mais ampla do que a de "prédio destinado à habitação", e distinta dela, porque visa abarcar outras realidades como a do valor da "área de implantação" das edificações autorizadas e previstas com base no projecto de edificação ou de urbanização, ou valores conexos com a afectação de terrenos para efeitos de PDMs, de loteamento e de edificação, e que necessariamente antecedem a edificação propriamente dita (arts. 43 a 51 Resposta AT)

e)      Sustenta a não-violação do regime transitório estabelecido no art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, alegando tratar-se, no caso em apreço, de liquidação a efectuar no ano de 2013, aplicando-se portanto, no seu entender, exclusivamente o nº 2 do referido artigo.

 

III.C. Questões a decidir

 

1.      Dado que estamos perante uma situação em que o valor patrimonial tributário é superior a 1 milhão de euros, a questão em apreço centra-se na definição do que sejam "prédios com afectação habitacional" para efeitos de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS. Por outras palavras, trata-se muito singelamente de saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a verba 28.1 da TGIS se contêm, ou não, os terrenos para construção, na medida em que possa aceitar-se que tais terrenos sejam qualificados como "prédios urbanos com afectação habitacional".

2.      Se a resposta for positiva, interessará ainda ponderar se, para lá da má técnica legislativa que permitiu a colocação de expressões e conceitos pouco rigorosos e ambíguos na previsão de normas de incidência tributária, não subsistirá um problema de inconstitucionalidade – nomeadamente o que respeita às desigualdades introduzidas por um critério que, ao menos nalguns casos, faz tábua-rasa de diferenças claras de capacidade contributiva expressas em diversas realidades prediais, além de premiar a mera fragmentação predial. E interessaria ainda saber se houve, ou não, violação do regime transitório estabelecido no art. 6º da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro; devendo assinalar-se que se gerou um equivoco a essa propósito, respeitante ao ano a que se reporta a tributação – se a 2012, como consta do acto de liquidação, se a 2013, como parece querer ser alegado pela Requerida (o que, entre outras implicações, teria a de já não ser a Requerente o sujeito passivo do imposto).

3.      Se a resposta ao problema central for negativa, essas e outras questões que se suscitam poderão ter-se por prejudicadas.

4.      Ora a resposta à questão central em apreço afigura-se negativa: os terrenos para construção não integram nem podem integrar o conceito de "prédios com afectação habitacional".

5.      Para esta conclusão aduzimos argumentos de ordem lógico-sistemática (de "mens legis"), de ordem histórica (de "mens legislatoris"), e de ordem jurisprudencial.

 

III.C.1. Argumentos de ordem lógico-sistemática (de "mens legis"):

 

1.      A Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou um n.º 2 ao artigo 67.º do CIS, que determina que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

2.      Ora o CIMI distingue claramente, dentro dos prédios urbanos, os prédios habitacionais e os terrenos para construção (arts. 4º e 6º, 2 e 3).

3.      Se existisse "afectação habitacional" actual, efectiva, já presente, num "terreno para construção", ele deixaria de sê-lo e passaria a integrar conceptualmente a categoria de "prédio habitacional". A legalidade e a segurança jurídica não consentem, face a essa distinção normativa, que uma incidência tributária tome por foco uma mera potencialidade, uma mera futuridade contingente que pode pura e simplesmente nunca vir a concretizar-se, nunca vir a realizar-se: num terreno para construção pode nunca vir a implantar-se um edifício, habitacional ou não-habitacional – pois isso está na liberdade do seu proprietário.

4.      Mas o mais decisivo argumento logico-sistemático é-nos fornecido pelo próprio legislador: decerto reconhecendo que o conceito de "afectação habitacional" era imprestável, a Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, veio alterar, no seu art. 194º, a verba 28.1 da TGIS, dando-lhe nova redacção: "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI - 1%"

5.      Significa isso que o próprio legislador percebeu que a dicotomia consagrada no CIMI, entre prédios habitacionais e terrenos para construção, tinha que ser respeitada; e conquanto sujeite agora ambos à mesma tributação, reconhece, sem sombra para dúvida, que a anterior redacção da verba 28.1 da TGIS não autorizava essa equiparação – porque esta tinha que ser explicitada.

6.      Conquanto subsistam para futuro problemas de inconstitucionalidade que a nova redacção não resolve, e porventura agrava até, o facto que interessa no caso em apreço é que, à data dos factos a que o presente caso se reporta, existia uma redacção da verba 28.1 da TGIS que o próprio legislador reconheceu supervenientemente ser insuficiente para suportar uma interpretação como aquela que é sustentada pela Requerida no caso presente.

 

III.C.2. Argumentos de ordem histórica (de "mens legislatoris"):

 

1.      A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, resultou da Proposta de Lei nº 96/XII (2ª). Ora, na discussão dessa Proposta de Lei, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais afirmou: "(…) Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinados à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1% em 2013. E incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros" (Diário da Assembleia da República – I Série, de 11 de Outubro de 2012, p. 32).

2.      O que a Assembleia da República aprovou, votando essa Proposta e convertendo-a na Lei n.º 55-A/2012, foi portanto a criação de uma taxa especial sobre "prédios urbanos habitacionais", sobre "casas" – não sobre "terrenos para construção". Essa a "mens legislatoris".

 

III.C.3. Argumentos de ordem jurisprudencial:

 

1.      Os argumentos de ordem lógico-sistemática e de ordem histórica conduziram-nos a uma conclusão que nos coloca em harmonia com os precedentes jurisprudenciais, que são unânimes a perfilhar o mesmo entendimento quanto à inaplicabilidade aos "terrenos para construção" do previsto na verba nº 28.1. da TGIS, na redacção dada pelo art. 4.° da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

2.      Referimo-nos às decisões arbitrais proferidas nos Processos n.º 42/2013-T (Nuno Azevedo Neves), n.º 48/2013-T (Manuel Carlos Rodrigues), n.º 49/2013-T (Álvaro Caneira), nº 50/2013-T (Maria do Rosário Anjos), n.º 53/2013-T (Jorge Manuel Lopes de Sousa / Conceição Pinto Rosa / Alberto Amorim Pereira) e n.º 132/2013-T (Miguel Patrício).

3.      Permitimo-nos destacar algumas passagens dessas decisões, em reforço do que ficou já argumentado:

A)    Processo n.º 42/2013-T (Nuno Azevedo Neves)

"40. Os terrenos para construção, não estando edificados, não satisfazem, por si só, qualquer condição para serem considerados como prédios com afetação habitacional, uma vez que, por um lado, não possuem licença de utilização para habitação, e, por outro lado, não são habitáveis (porque pura e simplesmente não estão edificados)."

"42. […] apenas quando a “afetação habitacional” se concretizar, e nunca antes da sua edificação, é que poderemos considerar que o prédio urbano se enquadra no âmbito da norma de incidência tributária objetiva em apreço."

"46. Pelo exposto, considera-se que a expressão “prédio urbano com afetação habitacional” prevista no Verba 28.1 da TGIS reconduz-se ao de prédio urbano habitacional, previsto no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI."

B)    Processo n.º 48/2013-T (Manuel Carlos Rodrigues)

"Conforme se verifica da apresentação da proposta de lei nº 96/XII (2ª), o que foi proposto aos deputados e que estes aprovaram foi a criação de uma tributação do património imobiliário de luxo, no qual não se incluem os terrenos para construção (…) ou seja, uma tributação sobre os prédios habitacionais referidos no nº 2 do art. 6º do CIMI. Daí que, no caso dos autos, a administração fiscal e aduaneira esteja a dar interpretação da norma do art. 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo não conforme com a lei aprovada na Assembleia da República, sendo portanto ilegal a liquidação efectuada"

C)    Processo n.º 49/2013-T (Álvaro Caneira)

"16. A qualificação de um prédio, ou a sua afectação, dependem da utilização normal que lhe pode ser dada face às suas características actuais e reais. Sendo que num terreno para construção a utilização normal não poderá ser, como é lógico, a habitação, porquanto não existe nenhum prédio edificado apto a permitir tal utilização."

"61. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, que, como se afirma na resposta da requerida, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária."

"62. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código."

"70. Nas condições referidas, a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outro finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado."

"71. Nestes termos, resultando do art. 6.º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional"."

D)    Processo nº 50/2013-T (Maria do Rosário Anjos)

"25 "(…) Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal." (no mesmo sentido, decisão arbitral no Processo n.º 132/2013-T [Miguel Patrício])

E)     Processo n.º 53/2013-T (Jorge Manuel Lopes de Sousa / Conceição Pinto Rosa / Alberto Amorim Pereira)

"A entender-se que a expressão «prédio com afectação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que as liquidações enfermarão de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois todos os prédios relativamente aos quais foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 são terrenos para construção, sem qualquer edifício ou construção, exigidos para se preencher aquele conceito de «prédios habitacionais». Por isso, a adoptar-se a interpretação de que «prédio com afectação habitacional» significa «prédio habitacional», as liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida serão ilegais, por não haver em qualquer dos terrenos qualquer edifício ou construção."

"A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional."

"À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção de algumas Requerentes que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não tem utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido."

"(…) em boa hermenêutica, «prédio com afectação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim."

"De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação."

"(…) em nenhum dos casos se está perante prédios com afectação habitacional actual, pelo que não incide sobre esses prédios o Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS."

 

III.C. Em conclusão

 

1.      As liquidações cuja declaração de ilegalidade é pedida enfermam de vício de violação da verba 28.1 da TGIS, por erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a sua anulação (artigo 135.º do CPA).

2.      Face à declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

3.      Demos prioridade aos vícios cuja procedência determinava uma mais estável e eficaz tutela dos interesses da Requerente, cumprindo o disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT.

 

IV – Decisão

 

Em face do supra exposto, decide-se:

 

Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo n.º2013 ..., com a data de 21 de Março de 2013, com todos os efeitos legais, nomeadamente a anulação dessa liquidação.

 

V- Valor do Processo

 

Fixa-se o valor do processo em €53.200,70 (cinquenta e três mil e duzentos euros e setenta cêntimos), nos termos do art. 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI- Custas

 

Custas a cargo da Requerida (AT), no montante de €2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, dado que o presente pedido foi julgado procedente, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2014

 

O Árbitro

 

 

 

 

 

 

 

(FERNANDO ARAÚJO)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no art. 138.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.