Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 51/2012-T
Data da decisão: 2012-11-09  IRC  
Valor do pedido: € 61.805,80
Tema: Arbitrabilidade dos atos de indeferimento do pedido de revisão do ato tributário
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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária


 

Proc. nº 51/2012 -T

ACÓRDÃO

Fund, Inc., constituída em 1992, em …, …,Estados Unidos da América (EUA), actualmente com direcção efectiva em …, Los Angeles, ..., com número de contribuinte especial de entidade não residente … (adiante abreviadamente designada por «REQUERENTE»),

Requereu, ao abrigo do artigo 10.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade do acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que incidiu sobre os dividendos colocados à disposição da ora REQUERENTE, pela …, S.A., em 27 de Abril de 2007.

Alegou no essencial e com vista ao objecto do pedido:

A REQUERENTE é uma sociedade comercial («corporation») constituída em 1992, em …, …, EUA, actualmente com direcção efectiva em …, Los Angeles, …, tendo por objecto social a prossecução da actividade cometida às sociedades de investimento abertas open-end investment company»), nos termos do Investment Company Act de 1940 (Doc. 1).

Em 31 de Março de 2007, o capital social da REQUERENTE era constituído por 2.095.731.924 acções, das quais 1.378.207.075 ─ ou seja, 65,76% ─ eram detidas directamente por investidores, sem qualquer intermediação, sendo que destas, 1.375.893.853 acções ─ 99,83% ─, eram detidas por investidores residentes nos EUA (Doc. 2).

Para efeitos de tributação em sede de imposto sobre o rendimento, e nos termos do disposto nos parágrafos § 851 e § 852 do Internal Revenue Code [Código Geral de Impostos (dos EUA) – cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea b), parágrafo i), da Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95, de 12 de Outubro, adiante abreviadamente designada por «Convenção»], a REQUERENTE é qualificada ─ atento o seu objecto social ─ como sociedade de investimento regulamentada, estando sujeita a imposto nos EUA, e não sendo, por esse motivo, considerada entidade transparente para efeitos fiscais (Docs. 4 e 5).

Em 27 de Abril de 2007, o Banco …, S.A., (…) colocou à disposição da REQUERENTE, a título de lucros distribuídos pela sociedade …, S.A., o montante o montante de € 1.236.116,00 (um milhão, duzentos e trinta e seis mil, cento e dezasseis euros) (cf. cit. Doc.6).

Não obstante o artigo 10.º, n.º 2, da Convenção prever uma taxa de imposto de 15%, o certo é que sobre os referidos dividendos colocados à disposição da REQUERENTE incidiu IRC à taxa interna de 20% que foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte (cf. cit. Doc.6).

Concretamente, o …, na qualidade de substituto tributário, procedeu ─ apesar de conhecer os factos constantes dos artigos 1.º a 6.º da presente petição inicial ─ à retenção na fonte de IRC no valor € 247.223,20 (duzentos e quarenta e sete mil, duzentos e vinte e três euros e vinte cêntimos), pela singela razão de não ter sido apresentada a declaração referida no ponto 3.2 da Circular n.º 6/2009, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, sancionada pelo Senhor Director-geral dos Impostos.

Posteriormente, a ora REQUERENTE apresentou, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 90.º-A do Código do IRC (na redacção vigente à data dos factos), um pedido de reembolso parcial do IRC que incidiu, a título de retenção na fonte, sobre os mencionados dividendos distribuídos à REQUERENTE pela …, SGPS, S.A., no montante de € 61.805,80 (sessenta e um mil, oitocentos e cinco euros e oitenta cêntimos), ou seja, o valor correspondente à diferença entre o imposto efectivamente retido (à taxa interna de 20%) e o que resultaria da aplicação da taxa convencional (de 15%)(cf. cit. Doc.6).

A REQUERENTE instruiu o seu pedido de reembolso com o formulário de modelo oficial 14-RFI (pedido de reembolso do imposto português sobre dividendos de acçõesefectuado ao abrigo da convenção para evitar a dupla tributação), devidamente certificado pelas Autoridades fiscais dos EUA (cf. cit. Doc.6).

Porém, através do Ofício n.º …, datado de 29 de Junho de 2009, a REQUERENTE foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do referido pedido de reembolso de IRC, entretanto autuado com o n.º …/2008.

A Administração tributária projectou o indeferimento do pedido de reembolso apresentado pela REQUERENTE, sustentando-se, para esse efeito, unicamente, na ausência de um elemento adicional, comprovativo da sujeição da REQUERENTE a imposto sobre o rendimento nos EUA.

Em concreto, entendeu a Administração Tributária que, «Given the nature of the requesting entity “fund”, there is any information that this fund meets the following requirement: The “Fund” is fully liable to tax in the country of residence and is not fiscally transparent (in other words, the fund s not liable to tax separately from its subscribers) ».

Não obstante os esforços desenvolvidos pela REQUERENTE no sentido da obtenção atempada do elemento adicionalmente solicitado pela Administração tributária, a recusa expressa das Autoridades fiscais dos EUA em certificar qualquer outro documento, além do formulário modelo 14-RFI impossibilitou a REQUERENTE de proceder à junção de quaisquer outros elementos ao pedido de reembolso anteriormente formulado.

Entretanto, a REQUERENTE apresentou, junto da, então, Direcção-Geral dos Impostos ─ ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária ─ um pedido para promoção da revisão oficiosa do mencionado acto de retenção na fonte, tendo demonstrado, nessa sede, os factos constantes nos artigos 1.º a 6.º do presente articulado, designadamente através da junção dos Estatutos da REQUERENTE, do Statement of Additional Information (documento complementar do prospecto da REQUERENTE exigido pela Securities and Exchange Commission), da legislação americana aplicável (subchapter M to Internal Revenue Code), da Declaração referente à constituição do capital social da REQUERENTE e da Declaração relativa às transacções das acções da REQUERENTE efectuadas no NASDAQ (cf. documentos anexos ao pedido de promoção de revisão oficiosa sob os n.os 1, 2, 3, 4 e 5, e que se encontram, igualmente, juntos ao requerimento de constituição de Tribunal Arbitral – cit. Docs. 1 a 5).

Tendo sido notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, do projecto de despacho de indeferimento do indicado pedido para promoção de revisão oficiosa, a REQUERENTE exerceu o seu direito de audição, tendo, junto a declaração que certifica que a mesma é residente fiscal nos EUA (para efeitos do artigo 4.º da Convenção), está sujeita a imposto sobre o rendimento nos EUA e que não é considerada entidade transparente para efeitos fiscais (Doc. 7).

Não obstante, o certo é que, a REQUERENTE foi notificada, através do Ofício n.º … da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 15 de Dezembro de 2011, do despacho proferido pelo Excelentíssimo Senhor Director de Serviços António Videira, que indeferiu o pedido para promoção da revisão oficiosa do mencionado acto de retenção na fonte, fundando-se, essencialmente, nos seguintes argumentos “ [No presente caso, a retenção na fonte cuja revisão é solicitada pela REQUERENTE, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à distribuição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português”; Caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu e continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular nº 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo Artigo 17º da CDT EUA conjugado com o nº 3 do Protocolo anexo à mesma convenção, não existindo, por isso, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços.”; “Se existiu erro no momento em que se processou a retenção, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada por V. Ex.ª.”. “Assim sendo, também não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no nº 1 do artigo 78º.”. (cf. cit. Doc. 8)

O Código de Processo Tributário veio a admitir, pela primeira vez, de forma generalizada, a revisão do acto tributário, “pela entidade que o praticou, por iniciativa sua ou por ordem do superior hierárquico” (cf. artigo 93.º do Código de Processo Tributário).

Nos termos estabelecidos naquele Código, a revisão era sempre da iniciativa da administração tributária (podendo o interessado, não obstante, solicitá-la), com fundamento no errado apuramento da situação do interessado: i) com base em novos elementos não considerados na liquidação, se a revisão fosse a favor da administração fiscal e desde que efectuada dentro do prazo de caducidade; ou, ii) com base em erro imputável aos serviços ou duplicação de Coleta, nos cinco anos posteriores ao termo do prazo de pagamento tributário ou à data da notificação do acto a rever e, ainda, no decurso do processo de execução fiscal, se a revisão fosse a favor do contribuinte.

A LGT, por seu turno, manteve esta previsão generalizada da possibilidade de revisão dos actos tributários, encontrando-se o seu regime jurídico-processual configurado, essencialmente, no seu artigo 78º, resultando deste regime que a revisão oficiosa pode ter lugar quando o sujeito passivo a requeira dentro do prazo fixado para a reclamação administrativa.

E, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, in fine, da LGT, não obstante o decurso desse prazo, o autor do acto pode, ainda, por sua iniciativa, rever o respectivo acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços, admitindo-se, neste caso, a revisão do acto no prazo de quatro anos ou a todo o tempo se o tributo ainda não estiver pago.

Razão pela qual o acto de retenção é ilegal.

Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no DL 10/2011 e Portaria 112-A/2011, foi constituído, em 7 de maio de 2012, este Tribunal (Cf. acta respectiva).

A Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo integralmente mantido o acto tributário sob impugnação (cf. comunicação da respectiva decisão, nos termos do artigo 13º-1, da LAT), apresentou resposta, excepcionando a competência material do Tribunal Arbitral Tributários e o meio processual utilizado e, sem prescindir, impugnou o peticionado pela REQUERENTE e o mérito do pedido, pedindo a sua total improcedência, alegando, em síntese e no essencial:

I – POR EXCEPÇÃO:

Na exposição dos factos que fundamentam o pedido, a Autora alude ao acto de retenção propriamente dito, praticado em 27 de Abril de 2007; a um pedido de reembolso apresentado à Administração tributária que foi instruído com um formulário modelo 14-RFI (pedido de reembolso parcial do imposto português sobre dividendos de acções efectuado ao abrigo de convenção para evitar a dupla tributação); e a um pedido tendente à promoção da revisão oficiosa do acto de retenção de imposto, ao abrigo do disposto no artigo 78º da LGT.

O pedido efectuado dirige-se, única e exclusivamente, à declaração de ilegalidade do acto (de retenção na fonte) indicado como objecto do pedido de pronúncia e, consequentemente, à sua anulação (parcial).

A impugnação directa do acto de retenção estará, porém, prejudicada, quer pela manifesta intempestividade do presente pedido – o acto data do ano de 2007 – quer pela não apresentação da prévia (e necessária) reclamação graciosa a que alude o disposto no artigo 132º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Acresce que, uma pretensão arbitral formulada nesses moldes – isto é, sem ser precedida da necessária reclamação – estaria afastada do âmbito das matérias susceptíveis de ser sujeitas a arbitragem – cf. artigo 2º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

De igual forma, eventual intenção de impugnação da decisão proferida no âmbito do pedido de reembolso de imposto apresentado à administração, tratando-se, indubitavelmente, de acto administrativo em matéria tributária que não comporta a apreciação do acto de liquidação, e como tal apenas sindicável em sede de Acção administrativa especial, estaria afastada do âmbito das matérias susceptíveis de apreciação em sede arbitral – cf. artigo 97º, n.º 1, alínea p) e n.º 2 do CPPT e artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 160º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.

O acto sobre o qual versa a impugnação parece ser (apenas) a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto, visando-se, através disso, a anulação do acto de retenção na fonte.

Contudo, de acordo com os elementos que se juntam como processo administrativo e aqui se dão por expressa e integralmente reproduzidos, a dita decisão de indeferimento teve como fundamentos, por um lado, a manifesta intempestividade do pedido, isto no que concerne ao disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 78º da LGT, por outro, o não preenchimento dos pressupostos procedi mentais dos quais a lei faz depender a concretização da revisão nos termos da segunda parte da aludida norma.

Assim, tendo em atenção a existência de razões de natureza procedimentais que obstavam a tal conhecimento – intempestividade e não verificação dos específicos pressupostos procedimentais – a decisão que ora se impugna, não se pronunciou sobre a legalidade do acto de retenção propriamente dito.

Assim sendo, como foi de facto, estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do acto de liquidação, apenas seria sindicável através de Acção administrativa especial.

II – POR IMPUGNAÇÃO:

O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Director de Serviços das Relações Internacionais de 05-05-2011.

Foi fundamento dessa decisão, conforme se sintetizou no ofício nº …, de 15-12-2011, através do qual se procedeu à respectiva notificação ao contribuinte, o seguinte:

«Reportando-me ao pedido de Revisão Oficiosa de IRC retido na fonte apresentado por V. Exma. nesta Direcção-Geral a 5 de Maio último, fica por este meio notificado que, por meu despacho de 13 do corrente mês de Novembro, foi indeferido o pedido formulado com os seguintes fundamentos:

 

  1. Nos termos do disposto no n.º 1 deste preceito a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efectuada desde que seja pedida por este no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, sendo que, no presente caso, de facto V. Ex.ª invoca ilegalidade na retenção de IRC no ano de 2007, uma vez que entende que, por força do disposto na CDT celebrada por Portugal e os Estados Unidos da América, o imposto retido não poderia exceder 15% do montante bruto dos dividendos e foi-lhe retida a quantia correspondente a 20%dos mesmos dividendos, no entanto, o pedido foi formulado para além do prazo de reclamação graciosa e mesmo do procedimento especial previsto no artigo 98° do Código do IRC, já que este era de apenas 2 anos a contar da data em que foi efectuada a retenção na fonte, conforme o determinado no artigo 132° do CPPT, idêntico prazo encontra-se previsto para o pedido de reembolso no caso de ter sido aplicada uma taxa superior à prevista numa convenção celebrada por Portugal para evitar a dupla tributação, conforme consta do n° 7 do artigo 98° do Código do IRC.

 

  1. Assim, sendo, o presente pedido de revisão oficiosa não pode ser aceite com base na primeira parte do n° 1 do artigo 78° da LGT.

 

  1. Relativamente à 2a parte do mesmo preceito legal, constatamos que a revisão oficiosa pode ser efectuada por iniciativa da administração no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, mas desde que se constate que tenha havido erro imputável aos serviços.

 

  1. Ora, no presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pela REQUERENTE, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à disposição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português. É certo que V. Exma. invoca, agora, que poderia beneficiar do disposto no n° 2 do artigo 10° da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 39/95, e publicada no Diário da República, 1 Série A, n.° 236/95, de 12 de Outubro, e cujo Aviso de troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República 1 Série A, n.° 7 de 9 de Janeiro de 1996 (CDT EUA) caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu e continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular n° 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo artigo 17° da CDT EUA conjugado com o n° 3 do Protocolo anexo à mesma convenção, não existindo, por isso, qualquer erro que possa ser imputável aos serviços. Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada por V. Exma.

 

  1. Assim sendo, também não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no n° 1 do artigo 78°.

 

  1. Acresce, ainda referir que o n° 4 do mesmo preceito legal prevê a possibilidade de ser autorizada, pelo dirigente máximo do serviço nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

  1. Acrescenta, no entanto, o referido preceito que essa autorização é excepcional.

 

  1. Só que, no presente caso, levando em linha de conta que foi a REQUERENTE que não apresentou os documentos comprovativos de que estavam reunidos os pressupostos para aplicação do benefício previsto no artigo 10° da CDT EUA, será difícil justificar a ausência de negligência por parte da mesma, uma vez que foi a sua inércia que provocou a retenção na fonte.

 

  1. Razão pela qual também não poderá ser concedida a revisão oficiosa pelo disposto no nº4 do artigo 78º da LGT.»

 

A REQUERENTE arguiu, na presente peça processual, a ilegalidade da retenção na fonte que lhe foi efectuada pelo “Banco …”.

 

Por ser o único acto cuja apreciação poderia ser suscitada a este Tribunal (atendendo ao pressuposto da tempestividade e considerando a data em que o pedido arbitral foi apresentado e considerando também as matérias que são susceptíveis de apreciação por Tribunal Arbitral) – isso sem conceder relativamente ao que a propósito acima referimos, designadamente no que respeita à inadequação de meio processual e às consequências daí decorrentes –, vamos, nesta contestação, pressupor que o acto que a REQUERENTE pretende impugnar nos presentes autos é a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

Essa decisão – contrariamente ao que parece decorrer do requerimento de pronúncia arbitral – não padece de qualquer ilegalidade, devendo, por isso, ser confirmada na ordem jurídica.

 

Nesta situação, não sendo o acto praticado pela Administração mas, antes, pelo substituto, está, por natureza, afastada a possibilidade de existir erro susceptível de ser imputável aos serviços (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e do Processo Tributário, Volume I, 6º Edição, 2011, Áreas Editora, pág. 536).

 

Dessa forma, a susceptibilidade de um (suposto) erro ser imputável à Administração depende de que, posteriormente, no mesmo sentido se tenha pronunciado a Administração, em sede de impugnação administrativa onde se tenha questionado a legalidade da retenção na fonte em causa.

 

Nesta situação, após o eventual indeferimento (indevido) da pretensão apresentada pelo contribuinte, o erro passará a ser imputável à Administração Tributária.

 

Ora na situação sub judice, o pedido revisão oficiosa foi apresentado em 28-04-2011.

 

Dessa apresentação apenas decorre que o contribuinte pretende que, por aplicação de convenção destinada a evitar dupla tributação, lhe seja reconhecido o direito ao reembolso parcial do imposto que lhe foi retido.

 

A primeira vez que o contribuinte, ora REQUERENTE, veio, perante a Administração, “questionar a legalidade da retenção na fonte em causa” foi em 28-04-2011, quando apresentou o pedido de revisão oficiosa nos termos do n.º 1 do artigo 78º da LGT – e não da 2ª parte desse n.º 1, como, certamente por lapso, refere no artigo 17º da p.i. –, solicitando, como vimos, a revisão do «acto de retenção na fonte sobre os dividendos distribuídos em 27 de Abril de 2007 pela sociedade … SA (doravante “…”), com referência às acções detidas à data pelo W…».

 

Deste modo, mesmo que o acto de retenção na fonte padecesse de qualquer ilegalidade (quer, nomeadamente, por erro em matéria de facto ou de direito), tal erro nunca seria susceptível de ser imputável à Administração.

 

Não podia assim o contribuinte requerer à Administração Tributária que procedesse à revisão oficiosa da retenção na fonte “com fundamento em erro imputável aos serviços”, nos termos da segunda parte do nº1 do artigo 78º da LGT.

 

Aliás, sublinhe-se, no requerimento de revisão oficiosa não foi sequer invocado tal fundamento.

 

Ou seja, o REQUERENTE nem sequer solicitou à Administração que procedesse à revisão oficiosa com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

O acto de retenção da fonte foi legal.

 

Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada pela REQUERENTE.

 

No requerimento de revisão oficiosa, alegou que poderia beneficiar do disposto no n.º 2 do artigo 10º da Convenção com base numa documentação que veio juntar com esse requerimento e que, alegadamente, comprovaria que estariam reunidos os pressupostos previstos na mesma.

 

Ou seja, o contribuinte não juntou a prova necessária aquando da retenção quando, nos termos do n.º.2 do artigo 90º-A do CIRC, na redacção então em vigor, competia, nessa altura, aos beneficiários dos rendimentos: “ (…) fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte (…) da verificação dos pressupostos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação (…) através de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes dorespectivo Estado de residência”.

 

Na sua primeira reunião, deliberou o Tribunal convidar a REQUERENTE a esclarecer o pedido em face do estabelecido no artigo 2º-a), da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Apresentado tal esclarecimento (Cf. documento no processo) em que, mantendo o teor do pedido de pronúncia arbitral, defendeu em síntese uma interpretação do artigo 2º-a), da Portaria nº 112-A/2011, alegadamente estribada em Doutrina e Jurisprudência que cita, que, conjugada com os factos alegados, tornaria, no caso, desnecessária, a reclamação graciosa como pressuposto para a admissibilidade deste pedido arbitral.

Notificada para responder, a AT reforçou igualmente a posição assumida na contestação ao pedido de pronúncia arbitral e, em especial, o pedido de procedência da excepção (Cf. documento no processo).

EXCEPÇÃO: (IN)COMPETÊNCIA MATERIAL

Sendo as questões de determinação do âmbito da competência do Tribunal de conhecimento prioritário [art.º 13º, do CPTA, aplicável subsidiariamente à arbitragem tributária ex vi art.º 29º-1/c), do RJAT], importa então e antes de mais, apreciar a esta luz, a pretensão formulada neste processo.

Suscitou a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a excepção de incompetência material dos Tribunais Arbitrais Tributários para apreciar e decidir o pedido formulado.

Fornece o processo os elementos necessários para a apreciação e decisão desta excepção.

Para tal torna-se essencial especificar qual o acto tributário objecto de pronúncia arbitral e qual, concretamente, o pedido formulado.

Ora, analisando o requerimento para constituição do Tribunal e pronúncia arbitral, conclui-se inequivocamente que o acto sindicando é “ (…)o acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que incidiu sobre os dividendos colocados à disposição da ora REQUERENTE, pela …, S.A., em 27 de Abril de 2007 (…) ” e o pedido formulado é a“ (…) declaraçãode ilegalidade do acto de retenção na fonte sub judice, e determinando-se, em consequência, a anulação parcial do acto de retenção na fonte acima identificado, com as demais consequências legais, nomeadamente a restituição à REQUERENTE do montante de € 61.805,80 (sessenta e um mil, oitocentos e cinco euros e oitenta cêntimos) (…) ”.


 

A – OS FACTOS PROVADOS

Para apreciar a suscitada excepção, importa assinalar a seguinte factualidade provada:

a) A REQUERENTE é uma sociedade comercial («corporation») constituída em 1992, em …, …, EUA, actualmente com direcção efectiva em …, Los Angeles…, tendo por objecto social a prossecução da actividade cometida às sociedades de investimento abertas open-end investment company»), nos termos do Investment Company Act de 1940, sendo qualificada, atento o respectivoobjecto social, como sociedade de investimento regulamentada, estando sujeita a imposto nos EUA, e não sendo, por esse motivo, considerada entidade transparente para efeitos fiscais (Docs. 1,4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

b) No ano de 2007 a REQUERENTE era titular de uma participação no capital social ─ em concreto, era titular de 4.414.700 acções ─ da sociedade …, S.A., sujeitam passivo de IRC com sede e direcção efectiva em Portugal (Doc.6).

c) Em 27 de Abril de 2007, o Banco …, S.A., (…) colocou à disposição da REQUERENTE, a título de lucros distribuídos pela sociedade …, S.A., o montante de € 1.236.116,00 (um milhão, duzentos e trinta e seis mil, cento e dezasseis euros) (cf. cit. Doc.6).

d) Sobre os referidos dividendos colocados à disposição da REQUERENTE incidiu IRC à taxa interna de 20% então em vigor que foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte.

e) Concretamente, o …, na qualidade de substituto tributário, procedeu, em 27 de Abril de 2007, à retenção na fonte de IRC no valor € 247.223,20 (duzentos e quarenta e sete mil, duzentos e vinte e três euros e vinte cêntimos.

f) Em 26 de Abril de 2011 e com fundamento na Convenção entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Património, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95, de 12 de Outubro, adiante abreviadamente designada por «Convenção», a REQUERENTE, apresentou à então Direcção-Geral dos Impostos ─ ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária ─ um pedido para promoção da revisão oficiosa do mencionado acto de retenção na fonte, juntando ao pedido os Estatutos da REQUERENTE, do Statement of Additional Information (documento complementar do prospecto da REQUERENTE exigido pela Securities and Exchange Commission), da legislação americana aplicável (subchapter M to Internal Revenue Code), da Declaração referente à constituição do capital social da REQUERENTE e da Declaração relativa às transacções das acções da REQUERENTE efectuadas no NASDAQ (cf. Proc. Administrativo - documentos anexos ao pedido de promoção de revisão oficiosa sob os n.os 1, 2, 3, 4 e 5, e que se encontram, igualmente, juntos ao requerimento de constituição de Tribunal Arbitral – Docs. 1 a 5).

 

g) A REQUERENTE foi notificada, através do Ofício n.º … da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 15 de Dezembro de 2011, do despacho proferido pelo Director de Serviços António Videira, que indeferiu o mencionado pedido para promoção da revisão oficiosa do citado acto de retenção na fonte nos seguintes termos e fundamentos:

(…) 1.Nos termos do disposto no n.º 1 deste preceito a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efectuada desde que seja pedida por este no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, sendo que, no presente caso, de facto V. Ex.ª invoca ilegalidade na retenção de IRC no ano de 2007, uma vez que entende que, por força do disposto na CDT celebrada por Portugal e os Estados Unidos da América, o imposto retido não poderia exceder 15% do montante bruto dos dividendos e foi-lhe retida a quantia correspondente a 20%dos mesmos dividendos, no entanto, o pedido foi formulado para além do prazo de reclamação graciosa e mesmo do procedimento especial previsto no artigo 98° do Código do IRC, já que este era de apenas 2 anos a contar da data em que foi efectuada a retenção na fonte, conforme o determinado no artigo 132° do CPPT, idêntico prazo encontra-se previsto para o pedido de reembolso no caso de ter sido aplicada uma taxa superior à prevista numa convenção celebrada por Portugal para evitar a dupla tributação, conforme consta do n° 7 do artigo 98° do Código do IRC.

 

2. Assim, sendo, o presente pedido de revisão oficiosa não pode ser aceite com base na primeira parte do n° 1 do artigo 78° da LGT.

 

3. Relativamente à 2ª parte do mesmo preceito legal, constatamos que a revisão oficiosa pode ser efectuada por iniciativa da administração no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o imposto ainda não estiver pago, mas desde que se constate que tenha havido erro imputável aos serviços.

 

4. Ora, no presente caso, a retenção na fonte cuja revisão oficiosa é solicitada pela REQUERENTE, resultou da normal aplicação das regras de liquidação de tributação de dividendos distribuídos ou postos à disposição de entidades não residentes por sociedades residentes em território português. É certo que V. Exma. invoca, agora, que poderia beneficiar do disposto no n° 2 do artigo 10° da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 39/95, e publicada no Diário da República, 1 Série A, n.° 236/95, de 12 de Outubro, e cujo Aviso de troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário da República 1 Série A, n.° 7 de 9 de Janeiro de 1996 (CDT EUA) caso tivesse apresentado a documentação comprovativa de que estavam reunidos os pressupostos de aplicação daquela norma convencional, o que não aconteceu e continua a não acontecer, uma vez que continua a não apresentar a documentação necessária para se aferir dessa aplicabilidade ou não, nomeadamente os documentos referidos na Circular n° 6/2009, de 6 de Abril, ou seja, a certificação de residência e a declaração de que reúne os requisitos exigidos pelo artigo 17° da CDT EUA conjugado com o n° 3 do Protocolo anexo à mesma convenção, não existindo, por isso, qualquer erro quepossa ser imputável aos serviços. Se existiu erro no momento em que se processou a retenção na fonte, o mesmo ficou a dever-se à falta de prova apresentada por V. Exma.

 

5. Assim sendo, também não pode ser concedida a revisão oficiosa nos termos da segunda parte do disposto no n° 1 do artigo 78°.

 

6. Acresce, ainda referir que o n° 4 do mesmo preceito legal prevê a possibilidade de ser autorizada, pelo dirigente máximo do serviço nos três anos posteriores ao do acto tributário, a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

7. Acrescenta, no entanto, o referido preceito que essa autorização é excepcional.

 

8. Só que, no presente caso, levando em linha de conta que foi a REQUERENTE que não apresentou os documentos comprovativos de que estavam reunidos os pressupostos para aplicação do benefício previsto no artigo 10° da CDT EUA, será difícil justificar a ausência de negligência por parte da mesma, uma vez que foi a sua inércia que provocou a retenção na fonte.

 

  1. Razão pela qual também não poderá ser concedida a revisão oficiosa pelo disposto no nº4 do artigo 78º da LGT.»

 

 

B – FACTOS NÃO PROVADOS

Não ficou demonstrado que:

a) Que a REQUERENTE tenha apresentado reclamação graciosa relativamente ao acto de retenção na fonte mencionado supra em d) e e), do elenco de factos provados [d) Sobre os referidos dividendos colocados à disposição da REQUERENTE incidiu IRC à taxa interna de 20% então em vigor que foi liquidado e cobrado, a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte. e) Concretamente, o …, na qualidade de substituto tributário, procedeu, em 27 de Abril de 2007, à retenção na fonte de IRC no valor € 247.223,20 (duzentos e quarenta e sete mil, duzentos e vinte e três euros e vinte cêntimos].

b) Que a entidade que procedeu à citada retenção na fonte (Banco …, SA) conhecesse a situação mencionada em a) no elenco dos factos provados [“ (…) a REQUERENTE é uma sociedade comercial («corporation») constituída em 1992, em …, …, EUA, actualmente com direcção efectiva em …, Los Angeles, …, tendo por objecto social a prossecução da actividade cometida às sociedades de investimento abertas («open-end investment company»), nos termos do Investment Company Act de 1940, sendo qualificada, atento o respectivo objecto social, como sociedade de investimento regulamentada, estando sujeita a imposto nos EUA, e não sendo, por esse motivo, considerada entidade transparente para efeitos fiscais].


 

C – MOTIVAÇÃO

Para a convicção do Tribunal foi essencial a análise crítica dos documentos juntos ao processo, designadamente os mencionados supra no elenco da factualidade provada, bem como os que integram o processo administrativo junto e que não foram impugnados.


 

D – O DIREITO

Façamos então o enquadramento jurídico da situação sub juditio.

O pedido é, inequivocamente, a declaração de ilegalidade do acto de retenção na fonte de IRC e sua anulação parcial. Se dúvidas suscitava a p.i., a esse respeito, foram dissipadas pelo esclarecimento apresentado pela REQUERENTE, em resposta ao convite endereçado pelo Tribunal, na reunião de 25-05-2012, para aperfeiçoamento dessa peça processual em face do estabelecido no artigo 2º-a), da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

Com efeito, corolário do princípio do impulso processual das partes, que na jurisdição arbitral administrativa incumbe à parte-contribuinte, é à REQUERENTE que cabe formular a pretensão que quer ver apreciada e decidida pelo tribunal.

Impõe-se, no entanto como condição prévia para a apreciação do mérito dessa pretensão saber, face á factualidade provada, se o Tribunal – em rigor a jurisdição arbitral - é materialmente competente para efectuar essa apreciação, pronunciando-se deste modo sobre essa excepção peremptória invocada pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (ATA).

A leitura do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, publicada conforme o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, exclui (literalmente) do âmbito da vinculação da ATA à jurisdição arbitral, “ (…) as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos (…) de retenção na fonte que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º CPPT.” (nosso sublinhado).

Sendo inquestionável a natureza administrativa do procedimento revisão oficiosa, não se distinguindo este, nesse plano, do procedimento de reclamação graciosa, certo é que o nº 3, aplicável por remissão do nº 4, ambos do artigo 132º CPPT, apenas refere expressamente este último.

Porém, tendo o legislador dotado o procedimento de revisão oficiosa de um regime próprio, previsto no artigo 78ºLGT, com especificidades relativamente aos fundamentos, prazos, entidade competente para a sua apreciação e, sobretudo, efeitos, referentes aos previstos em sede de procedimento de reclamação graciosa do artigo 68º e seguintes, importa determinar qual o alcance da remissão da Portaria n.º 112-A/2011 aos “termos dos artigos 131º e 133º.

Não cuidando, por ora, de apreciar o problema à luz da natureza do processo arbitral, em tese, duas interpretações são admissíveis, a saber:

a) ao remeter para os artigos 131º e 132º CPPT, a AT pretendeu apenas impedir que o contribuinte ficasse habilitado a reagir directamente, junto da jurisdição arbitral, contra actos de retenção na fonte, entre outros, sem necessidade de exame prévio por parte da AT, abrindo assim a porta à equiparação, para efeitos de impugnabilidade, do procedimento de revisão oficiosa ao procedimento de reclamação graciosa.

Será esta a tese propugnada pela REQUERENTE, que legitima a sua interpretação com base na construção doutrinária, designadamente LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, I Volume, 2006, pp. 945-959), e corrente jurisprudencial, nomeadamente seguida pelos Acórdãos citados pela REQUERENTE nos esclarecimentos à p.i. que apresentou), segundo a qual o racional da necessidade de reclamação graciosa prévia não se prende com o regime próprio desta (diverso da revisão oficiosa), mas antes com a oportunidade de a AT se pronunciar sobre a pretensão do contribuinte, evitando assim a submissão aos tribunais de putativos litígios. Dito de outro modo, não se terá querido atribuir competência também aos tribunais arbitrais relativamente a actos subtraídos da competência dos tribunais judiciais, corolário do princípio que aqueles devem funcionar como jurisdição alternativa destes.

Não se descura que esta tese traduz uma visão ampla da vinculação da AT à jurisdição arbitral, que contrasta com a segunda tese, segundo a qual:

b) ao remeter para os artigos 131º e 132º CPPT, a AT pretendeu efectivamente remeter para a regime aí previsto, portanto exigindo como condição da sua vinculação à pronúncia arbitral em sede de impugnação da ilegalidade de actos de retenção na fonte, entre outros, a precedência de procedimento próprio de reclamação graciosa.

Salvo melhor opinião, entende o Tribunal que não assiste razão à tese da REQUERENTE, o que a seguir se demonstrará.

Desde logo, por a segunda tese considerada ser a mais consentânea com a natureza voluntária e convencional da arbitragem.

Pode o pedido de revisão ser alternativo à reclamação, pode ser complementar, pode até no procedimento de revisão ter-se apreciado a pretensão do contribuinte, mas considerando a natureza voluntária da arbitragem, a interpretação adoptada não poderá, em caso algum, traduzir-se numa restrição da esfera de liberdade da AT, enquanto parte, de estabelecer os limites da sua vinculação. Só não seria assim se a sua posição implicasse a frustração total do objectivo pretendido com a instituição da arbitragem tributária, o que não é o caso.

Note-se, sob este ângulo, que o Tribunal não se pronuncia sobre a construção doutrinária em que assenta a equiparação do procedimento de revisão oficiosa, por iniciativa do contribuinte, ao procedimento de reclamação graciosa, para efeitos de impugnação judicial.

Simplesmente, entende que do princípio da consagração do procedimento arbitral enquanto meio de resolução de litígios fiscais alternativo ao processo de impugnação judicial, não decorre automaticamente a extensão da vinculação da AT a todas as situações em que, doutrinaria e/ou jurisprudencialmente for considerada admissível essa impugnação.

Em suma, o âmbito da vinculação da AT circunscreve-se aos termos em que se encontra expressa na Portaria n.º 112-A/2011, que, no caso sub juditio, é o regime previsto no artigo 132º CPPT, que exige reclamação graciosa prévia, ainda que, para efeitos da impugnabilidade do acto, a doutrina prevalente e determinada corrente dos tribunais judiciais tributários possa admitir em alternativa a revisão oficiosa prévia. Com efeito, a equiparação dos tribunais arbitrais tributários àqueles está limitada pela natureza voluntária da adesão da AT à jurisdição arbitral.1

Concretizando o que acaba de se concluir:

Peticionada judicialmente a declaração de ilegalidade de acto tributário (retenção na fonte de IRC)2 não precedido tal pedido de reclamação graciosa para o órgão periférico regional competente da AT no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo de pagamento do respectivo imposto, a falta deste pressuposto acarreta a incompetência material do Tribunal (estadual ou arbitral) para apreciação do pedido.

Tal incompetência material é reforçada no caso da arbitragem tributária porquanto a simples leitura do artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, portaria publicada conforme o disposto no artigo 4.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, impõe expressamente o citado procedimento administrativo prévio como forma de abrir a via arbitral para apreciação do litígio.

Afigura-se deste modo inquestionável a incompetência em razão da matéria (e não do meio processual) do Tribunal Arbitral Tributário.

E esta conclusão não é alterada ainda que o pedido formulado (declaração de ilegalidade do acto tributário de retenção indevida) pudesse ser encarado sob o prisma da impugnação do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do IRC retido na fonte, com a diferença apenas que a incompetência material do TA decorreria, nessa altura, da circunstância de não estar uma tal pronúncia arbitral compreendida no elenco previsto no artigo 2º-1, do RJAT (DL 10/2011).

Assinale-se que, no caso sub juditio, foi apresentado em 5-5-2011 o pedido de revisão oficiosa de IRC/2007 retido na fonte e que, nos termos do artigo 78º-1/1ª parte, da LGT, não foi admitido ou aceite pela AT, sendo que só ulteriormente é que veio a REQUERENTE invocar determinados pressupostos que alegadamente implicariam aplicação de norma convencional [Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento aprovada pela Resolução da AR nº 39/95, publicada no DR I/A nº 236/95, de 12 de Outubro e cujo Aviso de Troca de Instrumentos de ratificação foi publicado no DR Série I Série/A nº 7 de 9 de Janeiro de 1996 (CDT EUA), sendo que tais pressupostos não tinham sido demonstrados (Circular nº 6/2009, de 6 de Abril)], designadamente a certificação de residência e a declaração de que a ora REQUERENTE reunia os requisitos exigidos pelo artigo 17º da CDT EUA, conjugado com o nº 3 do Protocolo anexo à mesma convenção.

Ora se é certo o contribuinte que não tenha apresentado tempestiva reclamação graciosa não estar, ipso facto, impedido de pedir a revisão do acto de retenção ao abrigo do artigo 78º, da LGT, dentro do condicionalismo aí previsto, e impugnar judicialmente a decisão que indefira o pedido de revisão (artigo 95º2/d), da LGT) (JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário – II Volume, Áreas Editora – 6ª Ed./2011, pág. 422), também não parece questionável afirmar que “ (…) a Administração Tributária apenas se vinculou à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de retenção na fonte tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa (…). Por isso, se o sujeito passivo quiser optar pela via arbitral, terá sempre de fazer uso da reclamação graciosa (…) ” (idem, ibidem, pág. 420).

Sendo eventualmente aceitável a interpretação de que o recurso à via administrativa nos termos dos arts.131º a 133, do CPPT, possa ser entendido como reportado aos casos em que tal recurso é obrigatório (Cf. artigo 131º-3, a contrario e 132º-6, do CPPT), a verdade é que, em sede arbitral, a AT definiu os termos da sua vinculação subordinando-a ao preenchimento da condição de prévia reclamação graciosa relativa ao acto tributário sindicando.

Como já foi afirmado pelo STA (Ac. nº 0402/06, de 12-7-2006 – Relator: Jorge de Sousa3) “ (…) A formulação de pedido de revisão oficiosa do acto tributário pode ter lugar relativamente a actos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do art.º 152.º do CPT (ou 132.º do CPPT), pois esta é necessária apenas para efeitos de dedução de impugnação judicial (…) ” (sublinhado nosso).

Concluindo: a arbitrabilidade de litígio relativo às pretensões a que alude o artigo 2º (objecto de vinculação) da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, só é reconhecida se, previamente, tiver sido apresentada reclamação graciosa (e não em qualquer outra sede, designadamente em processo de revisão de acto tributário, que, constituindo garantia disponível dos contribuintes, tem, no entanto, especificidades próprias4).

É certo que a REQUERENTE suscita, como questão prévia, a verificação dos pressupostos da revisão oficiosa e que não foram reconhecidos pela AT (Cf. supra, arts. 22º e ss., do requerimento de constituição do Tribunal Arbitral).

Ora a verdade é que tal apreciação extravasa, por um lado e como se viu, o âmbito da competência material do Tribunal Arbitral e, por outro, revela-se irrelevante ou, noutra perspectiva, prejudicada pelo entendimento de que revisão oficiosa da liquidação ou retenção5 (por iniciativa do contribuinte) e reclamação graciosa, são procedimentos de natureza diversa6 e não equivalentes para efeito de impugnação do acto de retenção na fonte.

Não é, designadamente, indiferente para o contribuinte impugnar ou não os actos de liquidação dentro dos respectivos prazos pois, “ (…) em caso de anulação em processo impugnatório, judicial ou administrativo, pode ser invocada qualquer ilegalidade e há direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à emissão da nota de crédito (arts. 43º-1, da LGT e 61º-3, do CPPT), enquanto nos casos de revisão oficiosa da liquidação (não a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º-3, da LGT e a anulação apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços e duplicação de colecta (arts. 78º-1 e 6 da LGT). (…) Essencialmente, o regime do artigo 78º, da LGT, quando o pedido é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do acto de liquidação e não um meio anulatório, com destruição retroactiva dos efeitos do acto (…).”7

Pode, por outro lado, afirmar-se que, na revisão a apreciação é feita pelo autor do acto, enquanto na reclamação é feita, no seu regime geral, pelo superior hierárquico – e, portanto, com acrescidas garantias por parte da Administração de que a matéria é apreciado devidamente antes de ser submetido ao Tribunal (seja Tribunal Arbitral seja Tribunal Tributário estadual).

É certo que, em ambos os casos, há apreciação prévia pela Administração Fiscal, mas os cuidados que esta tem para uma análise mais “severa”, de modo a poder confirmar ou corrigir o que foi decidido, têm maior possibilidade de suceder – aliás, também para o contribuinte (se ele escolheu a revisão, sibi imputat) – na reclamação do que na revisão. Logo não é indiferente e, portanto, também nesta perspectiva, não é aceitável a equivalência para efeitos de cumprimento do pressuposto previsto nos artigos 131º a 133º, do CPPT e 2º-a), da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

De todo o modo – reafirma-se – não cabe no âmbito de competências dos Tribunais Arbitrais Tributários sindicar actos de indeferimento de pedido de revisão de acto tributário.


 

DECISÃO

Na sequência e em consequência do exposto, os juízes que constituem este Tribunal Arbitral, unanimemente, decidem:

a) Julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido objecto deste litígio, absolvendo da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira [arts. 493º-2 e 494º-a), do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi arts. 29º-1/a) e e), do RJAT]

b) Em face da ora declarada incompetência material, considerar prejudicada não só a apreciação do mérito do pedido como a das demais questões suscitadas no processo.

*

  • Fixa-se à causa o valor de € 61.805,80 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011) e 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  • Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da REQUERENTE – arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

  • Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa e CAAD, 9 de Novembro de 2012


 

Os juízes-árbitros


 

(José Poças Falcão)


 

(Manuel Pires)


 

(Nuno da Cunha Barnabé)

1 Dependendo da natureza do acto impugnado, a submissão voluntária da ATA à arbitragem constitui uma restrição ao princípio da indisponibilidade do crédito tributário consagrado no artigo 30º, nº2, LGT.

2 Ou, eventualmente e noutra perspectiva, de impugnação judicial do acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa de IRC retido na fonte.

4 “ (…) A revisão é sempre efectuada pela entidade que praticou o acto (art.º 78.º, n.º 1, da L.G.T.) (…) Trata-se de um regime diferente do previsto para a reclamação graciosa, regulada nos arts. 68.º a77.º do C.P.P.T., pois nesta o pedido de anulação do acto tributário é, em regra, decidido pelo dirigente do órgão periférico regional da administração tributária ou pelo dirigente máximo do serviço, só o sendo pelo dirigente do órgão periférico local nos casos de manifesta simplicidade (arts. 73.º, n.º 4, e 75.º deste Código), independentemente de estes serem ou não os autores dos actos reclamados (…).constitui um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, que é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses actos, a deduzir nos prazos normais respectivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração (…) ” (Cf. Ac. citado)


 

5 O dever de proceder à revisão oficiosa de actos de liquidação constitui o reconhecimento, no âmbito tributário, do dever de revogar actos ilegais, dever que é um corolário dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, princípios que a Administração Tributária tem de observar na globalidade da sua actividade e que impõem, como regra, que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria legalmente devido (Cf. Acs. do STA de 12-6-2006 (Processo nº 402/06) e de 11-5-2005 (Processo nº 319/05) e arts. 266º-2, da Constituição e 55º, da LGT].

6 Cf. nota 10

7 Cf. Ac. do STA de 11-5-2005, citado na nota anterior.