Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 828/2021-T
Data da decisão: 2022-11-02  IRC  
Valor do pedido: € 385.133,97
Tema: IRC - Gastos de financiamento com mútuos aplicados na realização de prestações acessórias – dedutibilidade em IRC.
Versão em PDF

SUMÁRIO: A dedutibilidade, pela sociedade sócia, de gastos de financiamento suportados em razão de mútuos cujo produto foi utilizado na realização de prestações acessórias não remuneradas a sociedades participadas depende da verificação dos requisitos previstos no nº 1 do art. 23º do CIRC, ou seja, da existência de um genuíno propósito empresarial da sociedade sócia subjacente a tais operações, o que deve ser aferido em função das circunstâncias de cada caso concreto.

 

 

 

A..., SGPS, S.A., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ... ... ..., NIPC..., apresentou, nos termos legais, pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I - RELATÓRIO

 

  1. O pedido

 

 A Requerente pede a anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2019..., interposto contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., apresentada contra a liquidação de IRC do grupo de sociedades n.º 2018 ..., relativa ao período de tributação de 2014, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2018..., a qual determina o pagamento no montante total de € 385.133,97 (€352.197,56 de imposto e €32.936,41 de juros compensatórios).

O objeto mediato do pedido é a anulação, por ilegalidade, das referidas liquidações de imposto e de juros.

 

  1. O litígio

Está em causa a não aceitação fiscal dos gastos suportados pela sociedade B... (integrada no grupo, sujeito ao RETGS, encabeçado pela Requerente) em razão de um mútuo oneroso, na medida em que o mesmo foi utilizado para financiar as suas participadas através de prestações acessórias não remuneradas.

A correção à matéria coletável aparece fundamentada com base nos seguintes argumentos: (i) a sociedade B... não tem por objeto social a gestão de participações sociais e, por isso, não dispõe do estatuto de SGPS; (ii) que o gasto, para que seja considerado fiscalmente, “tem de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte e que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida e não por outras sociedades.”; (iii) tais encargos financeiros deveriam ter sido suportados pelas sociedades participadas e não pela B... “que os deveria ter debitado às participadas, evitando assim, ter onerado as suas contas com passivos e encargos financeiros da responsabilidade de outras sociedades.”; (iv) apesar de o atual o artigo 23.º do CIRC excluir da sua nova redação a expressão “comprovadamente sejam indispensáveis”, isso não significa “uma alteração radical nas regras de dedutibilidade” e por isso “antes como agora, a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas caraterísticas poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial.”

A Requerente conclui pela dedutibilidade fiscal de tais gastos por argumentos que, no momento próprio, será analisado.

B.1) Violação do direito de audição prévia

 

A Requerente alega ainda (nº 64 a 94 do requerimento inicial) “violação do direito de audição prévia”.

 

Da leitura desta parte do articulado inicial, facilmente se constata que não é alegada qualquer preterição de formalidades essenciais. A AT pronunciou-se, no relatório de inspeção, de forma detalhada, sobre a argumentação aduzida pela Requerente em sede de audição prévia[1], o mesmo fazendo, ainda que essencialmente por remissão, nas decisões de indeferimento, quer da reclamação graciosa, quer do recurso hierárquico.

Na realidade, a Requerente não apresentou “factos novos”, mas sim argumentos jurídicos “novos” (nomeadamente o da “irrelevância fiscal”, no contexto de um grupo de sociedades sujeita ao RETGS, dos gastos de financiamento em causa serem suportados pela B... ou pelas suas participadas (as “Rádios”)), argumentos estes que não lograram convencer a Requerida, que, apesar de os ter considerado, decidiu manter fundamentação das conclusões do projeto de RIT, o mesmo sucedendo em sede de apreciação da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

Não há, pois, mais uma causa de pedir, “violação do direito de audição prévia”, que cumpra apreciar autonomamente. O que está e sempre esteve em causa é uma questão de direito, a da aceitação fiscal da dedutibilidade dos gastos em causa. Não sendo a AT obrigada a rebater especificadamente cada um dos argumentos jurídicos apresentados em sede de audição prévia, há que concluir que não houve violação do direito à participação da Requerente na formação das diferentes decisões que integraram o procedimento administrativo.

A Requerente suscitou, ainda, uma “questão prévia”, relativa à emissão de uma Demonstração de Reacerto Financeiro e suas consequências relativamente à manutenção da liquidação ora impugnada. A Requerida afirma, na sua resposta, que a questão foi esclarecida nas informações n.º 289/-AIR2/2019 e 362- AIR2/2019 da UGC, a pág. 358-360 e 377-380 do PA_RG, bem na decisão RG (pág.532) onde se refere que a liquidação ora impugnada se mantém. Por assim ser, consideram-se, assim, ultrapassadas as “dúvidas” suscitadas pela Requerente.

 

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 16/12/2021.

 A Requerente procedeu à nomeação de árbitro, tendo indicado o Sr. Prof. Tomás Cantista Tavares. A AT designou o Sr. Dr. António Lima Guerreiro. Os árbitros indicados pelas partes designaram o Sr. Prof. Rui Duarte Morais para presidir ao coletivo arbitral.

Os árbitros aceitaram tempestivamente as nomeações.

 O tribunal arbitral ficou constituído em 08/03/2022.

A Requerida apresentou resposta.

No dia 30/05/2022 teve lugar a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente, como consta da respetiva ata. Foi, ainda prorrogado, por 2 meses, o prazo para ser proferida a decisão arbitral.

As partes apresentaram alegações, nas quais mantiveram as suas posições iniciais.

 

 

III – PROVA

 

III.1 - Factos provados:

 

  1. A Requerente era, ao tempo, a sociedade dominante de grupo tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”).

 

 

  1. Tal grupo tinha as seguintes constituição e cadeias de participações:

 

  1. Em Fevereiro de 2007, foi celebrado, entre a C... e a B... um contrato de suprimentos, no valor de euros 34.469.646, o qual previa uma taxa de juro de 5,6908%.
  2. A sociedade B... utilizou parte do montante recebido para capitalizar as suas participadas D..., S.A., E..., S.A. e F..., S.A. (a seguir designadas por “Rádios”) através de prestações acessórias não remuneradas, nos termos do regime aplicável às prestações suplementares.
  3. A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva, da qual resultaram correções à matéria coletável da B..., as quais originaram na esfera da Requerente, enquanto sociedade dominante do grupo, as liquidações de imposto e de juros compensatórios ora impugnadas.
  4. Tais correções traduziram-se na não aceitação como gasto fiscal dos custos incorridos pela B... (dos juros pagos à C...) na parte em que o financiamento referido c) foi utilizado para a concessão de prestações acessórias (não remuneradas) às suas subsidiárias (as “Rádios”).
  5. A Requerente reclamou graciosamente das liquidações que ora impugna e, na sequência do indeferimento, apresentou recurso hierárquico, o qual veio a ser também indeferido.
  6. Para lograr a suspensão do processo de execução fiscal, a Requerente apresentou garantia bancária, no montante de € 486.958,54, a qual se mantem.
  7.  A B... não reveste a forma jurídica de Sociedade Gestora de Participações Sociais.
  8.  O financiamento, por esta forma, das sociedades “Rádios” decorreu das exigências do art. 35º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez a contabilidade destas evidenciava a perda de mais de metade dos respetivos capitais sociais.
  9. A B..., além de prestadora de serviços em diversas áreas (como consta do seu objeto social), exercia, de facto, a função acionista relativamente às suas participadas, definindo as linhas gerais da atuação de cada uma delas e a coordenação das suas atividades, incluindo no plano financeiro.
  10.  O montante das prestações acessórias atribuídas a cada uma das sociedades participadas (“Rádios”) foi calculado tendo em conta o necessário para o cumprimento do art. 35º do CIRC, atentos os prejuízos acumulados e os resultados expectáveis do exercício em que tais prestações foram realizadas.
  11. A preocupação com a situação das sociedades “Rádios” e não com igual situação noutras sociedades do grupo, nomeadamente a B..., resultou de estas serem as sociedades operativas, as que diretamente prosseguiam a atividade essencial do grupo, portanto as que se encontravam mais expostas ao mercado.
  12. No excedente, os financiamentos a elas concedidos pela B... a cada uma revestiram a forma de suprimentos remunerados à mesma taxa que aquela que a B... estava obrigada a pagar a entidade que a financiou (C...).
  13. As sociedades “Rádios” recuperaram económica e financeiramente, tendo passado a gerar lucro, o que permitiu terem já devolvido à B... os montantes correspondentes às prestações acessórias por esta prestadas, e têm hoje um valor de mercado muito superior àquele que foi estimado aquando da aquisição da quase totalidade das participações do Grupo G... pela ora Requerente.

Os factos dados como provados de a) a i) resultam de documentação junta aos autos.

Os demais factos dados como provados resultam do depoimento das testemunhas, nomeadamente do de H..., que o tribunal considerou totalmente credíveis. Aliás, esses factos já tinham sido alegados pela Requerente no procedimento administrativo, sendo que a Requerida, inclusive na sua resposta, nunca os impugnou mas apenas negou a sua relevância jurídica.

A divergência entre os montantes das prestações acessórias constantes das atas das assembleias gerais de duas das sociedades participadas e os valores efetivamente realizadas foi devidamente explicada pela diferença temporal entre os momentos em que ocorreram tais deliberações e os da sua concretização e o agravamento da situação financeira das sociedades “Rádios” que, entretanto, ocorreu.

III.2 -Factos não provados

Não existem factos não provados com relevância parra a decisão da causa.

 

 

IV - O DIREITO

 

  1. Da jurisprudência.

Uma vez que a Requerida invoca, a seu favor, precedentes jurisprudenciais, há que começar por os revisitar. Isto porque, se por um lado, este tribunal arbitral não esquece a função uniformizadora do STA e a importância, em termos de segurança jurídica, de decisões uniformes, entende, também, que há que evitar um “seguidismo acrítico”, o pressupõe uma reavaliação da atualidade dos precedentes existentes.

O entendimento tradicional do STA era o de que os gastos a que se referem o artigo 23.º CIRC “tinham têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”. (p. ex., acórdãos de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05; de 20.5.2009, proc. 01077/08; de 30.11.2011, proc. n.º 0107/11; de 30.05.2012, proc. n.º 0171/11) Isto mesmo existindo (como acontecia em vários dos casos apreciados nesses acórdãos) uma situação de domínio total e /ou de “tributação do grupo”

Porém, se bem entendemos, a jurisprudência mais recente do STA deixou de seguir este entendimento.


O acórdão do STA de 21.02.2018, no proc. 0473/13, dá-nos um importante contributo para a compreensão do atual entendimento do STA sobre esta temática. Citamos, do respetivo texto: ao decidir efetuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes.

(…) Sendo certo que a A’……….é um sócio da sociedade participada e a ela pode efetuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, a decisão de efetuar a prestação suplementar é exercício da sua atividade empresarial de gestão de participações sociais.

Relativamente a este acórdão, há que dar o merecido relevo à declaração de voto da Srª Conselheira Dulce Neto, desde logo porquanto, segundo entendemos, dele resulta que a resposta à questão não deve depender forma jurídica da sociedade sócia (ser ou não uma SGPS) : voto a decisão e parte substancial da sua fundamentação, embora considere que o cerne da questão reside apenas em saber se as despesas contraídas pela sociedade SGPS a favor de terceiros (prestações acessórias concedidas pela SGPS para que as sociedades participadas adquirissem participações financeiras noutras sociedades e consequentes encargos financeiros que suportou para o efeito) tiveram um genuíno interesse empresarial, ou seja, se essas despesas passam o teste da indispensabilidade aferida perante o objecto e escopo societário (sublinhado nosso) da empresa e a congruência económica da operação. Teste de indispensabilidade que, no caso, se mostra superado com êxito.

Em resumo, concluímos que a jurisprudência mais atual do STA considera que a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros com mútuos utilizados para financiar sociedades participadas depende das circunstâncias do caso concreto, não existindo uma proibição absoluta a que tal aconteça.

Cai assim por terra, no entendimento mais recente do STA – que é também o nosso – o fundamento da liquidação impugnada de que o gasto, para que seja considerado fiscalmente, “tem de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte e que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida e não por outras sociedades”.

O mesmo é dizer que o teor da atual al. c) do nº 2 do CIRC – (gastos) de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração - nada acrescenta, em termos de requisitos de dedutibilidade fiscal da generalidade dos gastos, ao constante do nº 1 de tal norma.

Como assinala a doutrina, o nº 1 acolhe a delimitação genérica de “gastos dedutíveis”, procedendo o nº 2, em cumprimento do princípio da tipicidade, à concreta enumeração dos (de alguns) dos gastos que preenchem tais requisitos.

 

 

  1. A irrelevância da forma jurídica SGPS

Outro fundamento da liquidação impugnada é o de que a Requerente não reveste a forma jurídica de SGPS.

Para além do que já adiantámos, começaremos por citar outro excerto do já referido ac. do STA nº 473/13: não pode concluir-se que o Supremo Tribunal Administrativo haja afirmado que, para que os empréstimos gratuitos às sociedades participadas pudessem ser aceites como custo fiscal era condição necessária e suficiente que tal empréstimo fosse concedido por uma SGPS a empresas por elas participadas.

Há ainda que ter em conta o seguinte: o regime fiscal especial de que gozavam as SGPS foi revogado pela última reforma do CIRC, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014, pelo que as sociedades cuja atividade é a detenção de participações sociais deixaram de ter vantagem fiscal em adotar esta forma jurídica. Ou seja, a distinção entre sociedades com a forma jurídica de SGPS e sociedades com outras formas jurídicas perdeu relevância.

Mais importante, nunca existiu a obrigação legal de que as sociedades cuja atividade consista na gestão de participações sociais assumam a forma de SGPS. São frequentes as chamadas holdings impróprias, sociedades que, a par de outras atividades, gerem carteiras de participações sociais. È o caso da B..., como dado por provado em k).

É, assim, irrelevante o argumento de que, não sendo a B... uma SGPS, os gastos com financiamento de empréstimos utilizados em prestações de capital ou “quase-capital” (caso das prestações acessórias ora em causa) nunca seriam gasto fiscalmente dedutíveis porquanto a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas, nunca foi exclusivo das sociedades que adotassem a forma de SGPS.

 

  1. A sociedade que deveria suportar os gastos de financiamento

Entendeu a Requerida, como um dos fundamentos da correção à matéria coletável, que tais encargos financeiros deveriam ter sido suportados pelas sociedades participadas e não pela B... “que os deveria ter debitado às participadas, evitando assim, ter onerado as suas contas com passivos e encargos financeiros da responsabilidade de outras sociedades.”

Adiante se analisará a questão de saber se tais encargos financeiros teriam de ser, necessariamente da responsabilidade de outras sociedades (as sociedades “Rádios”).

O que há aqui que relevar é a indiferença fiscal da forma utilizada (mútuo oneroso contraído pela B..., parcialmente utilizado na concessão de prestações acessórias às não remuneradas às suas participadas) e a forma preconizada pela AT (mútuo oneroso contraído pela B..., totalmente utilizado em mútuos onerosos às participadas). Como bem assinala a Requerente – não aduzindo a Requerida factos que levem a concluir diferentemente[2] - nesta última hipótese as sociedades “Rádios” teriam menor lucro (ou maior prejuízo), a B... um lucro mais elevado (ou um menor prejuízo), em igual montante

No sistema RETGS, lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo (art. 70, n.º 1 do CIRC). Ou seja, em regra – não concorrendo outras circunstâncias relevantes, nomeadamente práticas de elisão fiscal- o que não foi alegado ser o caso[3]  – é fiscalmente indiferente, em termos de coleta de imposto, a alocação de ganhos ou gastos a uma ou outra sociedade do grupo.

 

Acresce, por último, a irrelevância do argumentário da Requerida no sentido de que, em razão destas operações, a B... terá ficado em situação de incumprimento do art. 35º do CSC. Além de, como já referido, se compreender que a preocupação do grupo quanto a esta questão se centrasse nas sociedades operativas, a questão do cumprimento do art. 35º CSC apenas releva para o presente processo como facto instrumental, i. e., como um dos dados factuais que rodearam as operações de financiamento em causa, um dos elementos capaz de contribuir para a conclusão sobre a existência de um propósito empresarial da B... .

Questão diferente, que abordaremos a seguir, é a da pertinência (com a consequente aceitação fiscal) da alocação dos gastos em causa.

 

4 - Aceitação fiscal dos gastos de financiamento

 

Fazemos nosso o entendimento, já citado, da Srª Conselheira Dulce Neto, que agora, parafraseamos: o cerne da questão reside em saber se as despesas contraídas pela sociedade B... tiveram um genuíno interesse empresarial, ou seja, se essas despesas cumprem os requisitos do n.º 1 do art. 23, o que deve ser aferida perante escopo societário da empresa e a congruência económica da operação.

Como é jurisprudência pacífica, a natureza empresarial de um gasto é algo que só pode ser aferido pela consideração das circunstâncias do caso concreto.

No mesmo sentido, afirma a AT, na sua resposta, que “a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas caraterísticas poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial.”

Vejamos:

Ficou provado que as sociedades beneficiárias de tais prestações acessórias (as sociedades “Rádios”) haviam perdido mais de metade do seu capital, pelo que, nos termos do art. 35º do CSC, cumpria à sócia única (a B...) tomar as medidas julgadas convenientes.


Compreende-se perfeitamente que a medida adotada tenha sido a prevista na al. c) do nº 2 da referida norma, uma vez que as sociedades “Rádios” estavam em o processo de reestruturação profunda, incluindo financeira, ou seja, com urgente necessidade de reforço dos seus capitais próprios, sendo que, como veio a confirmar-se (:o) dos factos provados) são sociedades muito lucrativas.

Mais importante, a alternativa sugerida pela AT (contratação de um mútuo oneroso pelas participadas – as “Rádios” - junto da sua sócia única, a B...) não poderia sequer ser equacionada, pois então não haveria um reforço dos capitais próprios daquelas sociedades, antes ocorreria um aumento do seu passivo e portanto, maior grau de incumprimento do art. 35º CSC.

Acresce que, como sócia única, a B... tinha um especial interesse, próprio e direto, em capitalizar tais participadas, pelo menos no necessário para dar cumprimento ao art. 35º do CSS. Na realidade, em caso de insolvência das sociedades participadas, com o consequente imediato vencimento de todas as suas dívidas, existia o risco de a própria B... ser chamada a responder pelo passivo de tais sociedades por força das regras do domínio total.

Note-se ainda que, como dado por provado em n), a capitalização das sociedades “Rádios” feita de acordo com o necessário para dar cumprimento ao art. 35. CSC[4], tendo os demais financiamentos revestido a forma de mútuos onerosos.

Por fim, compreende-se também que a forma escolhida tenha sido a da concessão de prestações acessórias (e não, p. ex., um aumento de capital), pois sendo as necessidades de capitalização das sociedades “Rádios” transitórias, tal permitiria uma mais fácil devolução à sócia de tais montantes, como veio a acontecer.

Em resumo, a B... cumpriu, numa das modalidades que a norma societária expressamente prevê, uma obrigação que a própria lei faz recair sobre os sócios nos casos de sociedades que hajam perdido mais de metade do capital necessário e nos limites de tal exigência legal.

Há pois que concluir que a operação em causa obedeceu a um genuíno propósito empresarial, não consubstanciou um qualquer ato anómalo de gestão por parte da B..., dela não resultou qualquer vantagem fiscal para o grupo comparativamente a possíveis alternativas, não constituindo, objetivamente, um ato de favorecimento das participadas em detrimento dos interesses da sócia única.

Assim, e atenta a factualidade presente no caso (que certamente não será a mesma que ocorre em outras situações idênticas), há que concluir pela aceitação da dedutibilidade fiscal dos gastos financeiros suportados pela B... e consequente pela ilegalidade da correção à matéria coletável operada pela Requerida e das liquidações adicionais, ora impugnadas, a que deu origem.

 V- Indemnização por prestação indevida de garantia

A Requerente peticiona a condenação da Requerida pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia, exigida para obstar ao prosseguimento do processo de execução fiscal.

Tendo este tribunal arbitral concluído pela anulação total das liquidações impugnadas, por erro de direito imputável à Requeridas (uma vez que estão em causa liquidações oficiosas), há que conclui que está verificado um dos pressupostos do  art. 53º da LGT para que tal pedido proceda.

Porém, faltou à Requerente a alegação e prova do pressuposto temporal, ou seja, da data em que prestou tal garantia.

O que nada prejudica a Requerente pois, como ela expressamente reconhece, a questão sempre teria que ser relegada para execução de sentença por só no futuro ser possível a quantificação da totalidade dos encargos suportados.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. Anula-se, por ilegalidade, a liquidação impugnada, na sua totalidade e consequentemente a decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
  2. Relega-se para execução de sentença a questão da indemnização por prestação indevida de garantia.

 

 

Valor: € 385.133,97

Custas pela Requerente uma vez que exerceu a opção de nomear árbitro

 

 

2 de  novembro de 2022

 

Os Árbitros

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

 

Tomás Cantista Tavares

 

 

 

António Lima Guerreiro (vencido nos termos da declaração de voto anexa)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

 

 

Segundo  a Decisão Arbitral a que se reporta esta Declaração de Voto ,  da qual  discordo, bastaria  para a aplicação do nº 1 do art. 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas( CIRC), com a consequente dedutibilidade, pela sociedade sócia, dos gastos de financiamento suportados em razão de mútuos cujo produto foi por esta utilizado na realização de prestações acessórias não remuneradas a sociedades participadas,  a existência de um “genuíno propósito empresarial” subjacente  a tais operações que deveria  ser aferido em função das circunstâncias de cada caso concreto.

Essa pronúncia pressupõe, ainda que implicitamente,  as operações que originaram o direito à dedução poderem abranger atos estranhos ao efetivo objeto social, principal ou acessório, da sociedade sócia , desde que, apesar disso,  estiver subjacente a tais operações esse “genuíno propósito empresarial”, que deveria ser averiguado casuisticamente.

O facto, provado no presente processo, de, na data em que os gastos foram suportados, o  objeto social da sociedade sócia não compreender ainda  a gestão de participações sociais,  independentemente  da sociedade sócia ser, ou não sociedade gestora de participações sociais( SGPS),  para efeitos da aplicação do regime do  DL nº 485/88, de 30/12, não obstaria, assim,  à dedução. 

 

Tal posição abrangeria em particular todas as  sociedades abrangidas pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), independentemente de o seu objeto ser ou não a gestão de participações sociais. 

Recorda o  IV , 3) , da Decisão Arbitral que, no Regime Especial da Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS)  nos termos do nº 1 do art. 70º do Código do IRC,  o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, para seguidamente  concluir que,  em regra – não concorrendo outras circunstâncias relevantes, nomeadamente práticas de elisão fiscal,  o que não foi  alegado ser o caso  – ser  fiscalmente indiferente, em termos de coleta de imposto, a alocação de ganhos ou gastos a uma ou outra sociedade do grupo. Nessa medida, o “genuíno interesse empresarial” deveria ser aferido, não sociedade a sociedade, mas em função da  atividade global do grupo societário.

Esse “genuíno interesse empresarial” resultaria também da circunstância referida nessa Decisão Arbitral de ter ficado provado que as sociedades beneficiárias de tais prestações acessórias terem, anteriormente à realização dessas prestações, perdido mais de metade do seu capital, pelo que, nos termos do art. 35º do CSC, cumpriria à sócia única (a B...) tomar as medidas julgadas convenientes.

Como sócia única, a B... deteria assim um especial interesse, próprio e direto em capitalizar tais participadas, pelo menos na medida do necessário para dar cumprimento ao art. 35º do CSC, que a Decisão Arbitral admite consistir nesse “genuíno interesse empresarial”. Na realidade, em caso de insolvência das sociedades participadas, com o consequente imediato vencimento de todas as suas dívidas, existia o risco de a própria B... ser chamada a responder pelo passivo de tais sociedades por força das regras do domínio total

Assim, a B... teria cumprido, numa das modalidades que a norma societária expressamente prevê, uma obrigação que a própria lei faz recair sobre os sócios nos casos de sociedades que hajam perdido mais de metade do capital necessário , dentro  nos limites de tal exigência legal.

Haveria pois que concluir, segundo a Decisão Arbitral, que os financiamentos em causa através de prestações acessórias não são qualquer ato anómalo de gestão por parte da B... . Deles não teriam resultado quaisquer vantagens fiscais para o grupo comparativamente a possíveis alternativas de obtenção desses recursos, não constituindo, objetivamente, atos de favorecimento das participadas em detrimento dos interesses da sócia única

O entendimento tradicional do STA, admite a Decisão Arbitral, era o de que “os gastos a que se referem o artigo 23.º CIRC “têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades”. (p. ex., acórdãos de 7.2.2007, proc. n.º 01046/05; de 20/5/2009, proc. 01077/08; de 30/11/2011, proc. n.º 0107/11; de 30/05/2012, proc. n.º 0171/11) Isto mesmo existindo (como acontecia em vários dos casos apreciados nesses acórdãos) uma situação de domínio total e /ou de “tributação do grupo”. Esse entendimento seria refletido, entre outras, na Decisão Arbitral nº 70/2017-T.

Para a Decisão Arbitral, a jurisprudência mais recente do STA teria de deixado de seguir este entendimento, no qual, concede, assentou a liquidação impugnada.

Essa jurisprudência mais recente do STA é identificada através de um único Acórdão  de  21/02/2018, no proc. 0473/13,que teria revertido a jurisprudência anterior, ainda que , em minha opinião, o seu  carácter isolado possa  prejudique a sua qualificação como consolidada para efeitos do nº 3 do art. 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) .

A jurisprudência do STA anterior ao Acórdão  do proc. 0473/13 fundamenta-se no   art. 70º do CIRC que dispõe  que, relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pelo RETGS o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, corrigido, sendo caso disso, do efeito da aplicação da opção prevista no n.º 5 do art.  67.º.

 

Assim, no RETGS, cada membro do grupo mantém a sua personalidade tributária própria e, por isso, é sujeito passivo  autónomo de IRC.

 

O lucro tributável de cada membro do grupo é, assim, apurado individualmente, não se podendo afirmar, pelo menos com carácter geral. a alocação de ganhos ou gastos a uma ou outra sociedade do grupo ser fiscalmente indiferente, como se tais gastos ou perdas fossem imputáveis à mesma entidade ou comunicáveis entre todos os membros do grupo.

 

Na verdade, a qualificação como ganho ou perda das variações patrimoniais positivas ou negativas auferidas por cada membro do grupo, bem como a quantificação, dependem da concreta situação tributária desse membro, a apurar separadamente, não resultando tal enquadramento automaticamente  da sua integração no universo abrangido pelo  RETGS.

 

Apenas na sequência desse apuramento individual, a sociedade dominante calcula o resultado  do grupo  através da soma algébrica dos lucros tributáveis e prejuízos fiscais apurados na declaração modelo 22 de cada  membro. 

 

Para efeitos da dedutibilidade dos gastos incorridos para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC, releva, assim, a atividade  individual  de cada membro do grupo e consequentemente a sua concreta situação tributária e não do grupo em si, representado perante a administração fiscal pela sociedade dominante.

 

Assim, o gasto, para que ser considerado fiscalmente, tem    de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuidora, no caso a chamada B..., e à atividade  por ela própria desenvolvida e não por outras sociedades, ainda que economicamente relacionadas com a sociedade contribuidora, independentemente de essa  relação ser  de domínio ou grupo ou qualquer outra  especial.

 

A afetação à atividade desenvolvida por terceiros, alheia ao objeto social da sociedade contribuidora prejudicaria, assim, a qualificação como gasto  de exercício da sociedade contribuidora dos gastos realizados. É de referir que, nis termos da alínea d) do nº 1 do art. 9º e do nº 2 do art. 11º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). tal objeto social deve constar obrigatoriamente do contrato de sociedade, através da identificação da concreta atividade a exercer. Idêntico  princípio é acolhido no art. 142º do CIRC no seguintes termos: “As atividades exercidas pelos sujeitos passivos de IRC são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económica— CAE, do Instituto Nacional de Estatística”  O objeto social, enquanto a atividade estatutária concretamente prevista nos estatutos da sociedade, integra, assim, a identificação fiscal do sujeito passivo do IRC, não se confundindo com a mero “genuíno interesse empresarial” da operação, que pode, aliás,  ser apenas mediato ou indireto.. .    

 

Essa situação não tem qualquer relação com o regime dos preços de transferência regulado nos arts. 63º e seguintes do CIRC, o qual, nos termos do nº 1 dessa norma legal, apenas abrange as operações comerciais, no sentido de onerosas, entre sujeitos passivos em  relações especiais, nas quais  , nos termos do nº 1 dessa norma, devem ser  contratados, , aceites ou praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites ou praticados  entre entidades  independentes em situações comparáveis. A inobservância do regime dos preços de transferência justifica a correção quantitativa                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      dos termos e condições das operações entre entidades. relacionadas, mas não a pura e simples recusa da dedução da totalidade dos gastos suportados em virtude dessas operações, que apenas pode ter fundamento  no nº 1 do art. 23º do CIRC.

 

Assim, as sociedades relacionadas, abrangidas ou não pelo RETGS, têm personalidade e capacidade tributárias distintas, não podendo ser imputada a uma sociedade o exercício da atividade de outra apenas pelo simples facto de estar com ela jurídica ou economicamente  relacionada. A aplicação do RETGS não atribui personalidade tributária ao grupo de sociedades, mantendo cada um dos seus membros a sua individualidade de sujeito passivo autónomo, obrigado a apurar individualmente o lucro tributável na declaração de rendimentos modelo 22, que serve igualmente de base para a liquidação da derrama municipal e da derrama estadual.  Caso o universo do grupo de sociedades fosse considerado, para efeitos de IRC, sujeito passivo único, solução que o legislador expressamente recusou , a solução  seria diferente

À luz desse critério, ao contrário do que é pressuposto da Decisão Arbitral, não é inócua, em termos de coleta de imposto, a afetação dos ganhos ou gastos a uma ou outra sociedade do grupo, como se tais ganhos, ainda que auferidos por contribuintes sujeitos e  não isentos de IRC, fossem  necessariamente tributados e, em consequência , os encargos suportados pelo sujeito passivo para a sua obtenção fossem sempre dedutíveis. 

Tal tributação ou dedução são sempre individuais, ou seja, são apuradas membro a membro do grupo.

Assim, segundo  Moura Portugal, in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 116, “a dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas coletivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respetivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indireta ou mediata.” .

No entanto, tal relação justificada com  a atividade produtiva da empresa  não existe , ainda à luz do princípio da especialização invocado por esse autor,  , quando a atividade que originou os gastos seja estranha ao  objeto social da sociedade contribuidora definido no contrato de sociedade , por tal atividade produtiva  ser exercida por terceiros, ainda que economicamente relacionados com a sociedade contribuidora, os quais , aliás , podem  deduzir , sem qualquer limitação especial, em seu nome os gastos incorridos.

O objeto da sociedade compreende com efeito apenas o exercício dos direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do fim social, entendido como o fim estatutário,  nos termos do nº 1º do art. 6º do CSC. excetuados naturalmente   aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.  Fora do  âmbito do objeto  societário, está a atividade desenvolvida, não pela sociedade contribuidora, mas por outra entidade., ainda que jurídica ou economicamente relacionada. Tal atividade integra o objeto social desta e não da sociedade contribuidora.

Objeto social é, deste modo, apenas a atividade exercida pela  sociedade  na realização do seus fins estatutários  definidos no contrato de sociedade.

É certo que, nos termos do nº 3 do art. 6º do CIRC, as  cláusulas contratuais e as deliberações sociais que fixem à sociedade determinado objeto ou proíbam a prática de certos atos não limitam a capacidade da sociedade, mas constituem os órgãos da sociedade no dever de não excederem esse objeto ou de não praticarem esses atos. 

Assim, não vigora em Portugal a chamada doutrina ultra vires”, segundo a qual a capacidade das sociedades abrangia apenas os atos compreendidos no respetivo objeto social desenhado pelos estatutos. Nos termos desta doutrina, designada ultra vires”, os atos praticados pelos administradores da sociedade que extravasem o objeto social, fora, portanto, da sua capacidade jurídica, seriam nulos, o que não é o caso da legislação nacional.

Uma coisa, no entanto, é a validade jurídica dos atos alheios ao objeto social, outra, que não é questionável, outra é a qualificação como gastos das operações alheias ao objeto social, por integrarem o objeto social de uma atividade desenvolvida por terceiros ..

A quando dos factos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, já vigorava a nova redação  do nº 1 do art. 23º do CIRC,  dada pelo art. 2º da Lei nº 2/2014, de 16/1 ,  que , abandonando expressamente  a  referência da redação anterior  à indispensabilidade dos gastos  para a obtenção dos ganhos ou rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, condição do reconhecimento fiscal dos gastos contabilísticos comprovadamente suportados, definiu como gastos os incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Com efeito, nos termos do art. 14º dessa Lei, esta aplicar-se-ia -se aos períodos de tributação que se iniciassem, ou aos factos tributários que ocorressem, em ou após 1/1/ 2014, em que se contam. Ora, todos os encargos cujo enquadramento jurídico- tributário é controvertido foram suportados na vigência da Lei nº 2/201, não se lhes aplicando qualquer norma de direito transitório.

 

 A nova norma, no entanto, não alterou o sentido inicial da norma substituída, já que, como é do conhecimento geral, se limitou a consagrar o entendimento já muito   anteriormente sedimentado sobre o assunto na jurisprudência e doutrina. A Lei nº 2/2014 regularia, assim, o conceito de gasto em sentido essencialmente idêntico aquele em que a jurisprudência e doutrina interpretavam a lei anterior, pelo que a propósito da aplicação da noa redação do art, 23º se coloca, para este efeito, as mesmas questões de direito já suscitadas pela redação anterior.

 

Continua a não bastar para o reconhecimento fiscal do gasto toda e qualquer relação entre a atividade geradora de rendimentos e os gastos suportados pelo sujeito passivo de IRC. Tal apenas aconteceria se a fiscalidade estivesse totalmente sujeita à contabilidade no preenchimento do conceito de gasto: o conceito fiscal de gasto seria necessariamente o contabilístico, no sentido de ser custo toda e qualquer diminuição do património líquido da empresa, solução que não é a da legislação nacional.

 

 O gasto deve ser devidamente justificado pelo objeto social da sociedade, entendido  à luz do princípio da especialização.

 

É    dado adquirido, reconheça-se, essa justificação não depender de uma estrita ligação causal entre gastos e  rendimentos, no sentido de  apenas poderem ser considerados  gastos os encargos que tiverem dado efetivamente origem a rendimentos tributáveis em IRC.

 

Basta à sua relevância fiscal os gastos serem incorridos no interesse da empresa e na prossecução das atividades efetivamente exercida, com a consequente exclusão apenas dos que  não se inscrevam no âmbito das atividades sujeitas a IRC.

 

Continuam a não ser, no entanto, à luz desse critério, gastos fiscais , entre outros,  os incorridos no âmbito da prossecução  de interesses alheios, mormente dos sócios(ver pgs . 128 a 130 do Relatório da Comissão da Reforma do IRC, nesse sentido também as Decisões Arbitrais nºs 264/2016- e181/2018-T), que não cabem no objeto social da sociedade contribuidora.

 

Como  concluiria  Edgar David Costa Ribeiro Porto , 2019,   em “A dedutibilidade do IRC para efeitos do balanço fiscal – o estado  de arte do art. 23º do Código do ITC”, trabalho disponível na INTERNET, pags. 54 e sgs.,

“A grande novidade de 2014 quanto à indispensabilidade, foi o seu desaparecimento do texto da lei. Deste modo, tentamos na presente dissertação verificar se isso implicou verdadeiras alterações resultantes desta mudança legislativa, percebendo então se houve ou não uma razão para que esta palavra ter desaparecido.

Segundo as decisões arbitrais e jurisprudenciais, é notável um completo seguimento das decisões que tem sido proferidas nos últimos anos relativamente a este tema, pelo que, se pode verificar que pouco ou nada vemos mudar com a supressão da palavra indispensabilidade do texto da lei.

Pelo que, com este desaparecimento do termo indispensabilidade resultado da reforma ao CIRC em 2014, deu lugar a uma expressão que indica que são dedutíveis os gastos incorridos para obter rendimentos sujeitos a IRC.

Ora, esta expressão “gastos incorridos para obter rendimentos sujeitos a IRC” veio consagrar na lei o entendimento que já vinha sendo seguido pelos nossos tribunais na resolução de casos concretos. O entendimento de que são gastos dedutíveis aqueles que foram contraídos no âmbito da atividade da empresa, tendo em vista o lucro, sendo que depois poderá ou não vir a gerar qualquer rendimento.

Assim sendo, cabe à Administração Tributária fazer uma análise em que considere a potencialidade daquele gasto gerador de rendimentos sujeitos a IRC e esta análise deve ser feita tendo em consideração o momento em que o contribuinte decidiu contrair esse gasto, considerando as informações que possuía àquela altura.  desenvolver todos os esforços, no âmbito do princípio da colaboração, previsto no artigo 59.º n. º1 da LGT, para garantir que aquele ato tinha potencialidades para ser gerador de lucros, sendo assim indispensável O que leva a que, se fruto dessa análise feita, a AT duvidar da subsunção deste ato no objeto societário da empresa, então cabe ao contribuinte.”.

Para a Decisão Arbitral, a jurisprudência mais recente do STA deixou de seguir este entendimento,  em que, concede, assentou a liquidação impugnada.

Sem que tivesse havido qualquer alteração substancial  do direito aplicável, o  acórdão do STA de 21/02/2018, no proc. 0473/13, teria  contrariado a doutrina , anteriormente estabilizada de acordo com a qual , por o  escopo societário das  empresas que constituem um grupo económico ser distinto do da empresa que cedeu o financiamento, para que os encargos desse financiamento fossem considerados gasto desta sociedade empresa seria necessário que a atividade que os originou  seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades, ainda que em relação de domínio.

Tal princípio da especialidade do fim das sociedades comerciais que restringe o âmbito da  sua ação às atividades com escopo lucrativo que constituem o seu escopo social é  assim francamente posto em causa: segundo a Decisão Arbitral,  a meu ver injustificadamente, é suficiente qualquer  “ genuíno propósito empresarial” ,ainda quando não prosseguido pela sociedade contribuidora mas por terceiros, desde que  em benefício,  ainda que indireto,  da sociedade contribuidora.

Tal Acórdão limitar-se –ia a explicitar- desenvolvendo e não contrariando a jurisprudência anterior- não dedutibilidade das contribuições não abranger as sociedades que exerçam a atividade  de  gestão de participações sociais, relativamente aos custos incorridos no âmbito dessa gestão, incluindo a sociedade dominante de  grupo societário abrangido pelos arts. 69º e 70º do CIRC.

 

Nesse caso, os custos dos financiamentos obtidos são considerados encargos de uma atividade desenvolvida no interesse próprio do socio e não no interesse da sociedade participada.

 

O objeto social de gestão de participações sociais enquanto atividade económica indireta implicaria necessariamente , segundo  essa jurisprudência,  que  uma  empresa que  adquirisse ou alienasse participações sociais de uma outra empresa e exercesse a sua  atividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre a vida da empresa participada que o valor das ações de que é titular lhe possa conferir, desempenha  a sua atividade no interesse próprio e não no interesse da sociedade participada, pelo que os encargos com financiamento bancário contratado para esse fim são custos seus e não custos da sociedade participada, nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC.

 

Objeto da  gestão das participações sociais seriam então  ativos financeiros, capazes de gerar um acrescido potencial de remuneração e mais-valias, motivo pelo qual os gastos incorridos com a sua aquisição e manutenção estariam ,fora evidentemente dos  casos de aplicação do regime de “participation exemption”, abrangidos pelo nº  1 do art. 23º do CIRC.

 

Assim, segundo  o critério exposto, a   realização da prestação suplementar , por definição do sócio para com a sociedade , bem como da prestação acessória sujeita ao regime da prestação suplementar, não é um ato de gestão da empresa participada, que se limita passivamente  a sofrer na sua esfera jurídica as respetivas consequências, mas da sociedade participante, o sócio.

 

Consequência do critério exposto o estatuto de SGPS não é condição necessária nem suficiente para esses encargos serem considerados custos de exercício.

 

É apenas necessário para esse efeito que o objeto social da sociedade contribuidora seja a gestão de participações sociais, independentemente da a gestão das participações ser efetuada ou não por SGPS.

A dedutibilidade dessas contribuições depende, por outro lado, do exercício efetivo dessa atividade de gestão de participações sociais, não bastando a sua mera inscrição nominal nos estatutos  da sociedade[5].

 

Assim, em resposta de 31/5/2018,  a um pedido de reforma desse Acórdão nº  0473/13, deduzido pelo representante da Fazenda Pública , que efetivamente defendeu no processo a dedução dos  encargos ser reservada à gestão de participações  sociais efetuada por SGPS,  esclareceria, respondendo negativamente a tal questão : “Não há restrições na lei comercial ou tributária para que as empresas que não forem SGPS puras possam ter por objeto social a detenção e gestão de participações sociais, como acontece com a Autora. Poderia o legislador ter impedido que outras empresas para além das SGPS puras pudesse deter e gerir participações sociais, mas não o fez e não pode ser este tribunal a criar uma lei para esse efeito. O legislador não efetuou restrições em matéria tributária, muito menos ao nível do art.º 23.º do CIRC que permita dar acolhimento ao desiderato da Fazenda Pública. Não disse que os custos e proveitos a ter em conta para efeitos desse artigo respeitavam apenas ao objeto social diverso da gestão de participações sociais, em sociedades que tivessem mais que um objeto social”.

 

Assim, não seria necessário para os custos com empréstimos bancários incorridos para a aquisição de ações ou a realização de prestações suplementares  ou acessórias de capital, neste caso, quando sujeitas ao  regime das prestações suplementares, serem dedutíveis, a  atividade  de gestão de  participações ser  desenvolvida  através de uma SGPS., podendo sê-lo por outra sociedade que exerça efetivamente a atividade de gestão de participações sociais.

 

Por outro lado, para efeitos da dedução, nenhum obstáculo impede a cumulação da gestão de participações sociais com outro objeto social. 

 

Em consequência,  segundo tal Acórdão, a dedutibilidade dos referidos encargos abrangeria   as  sociedades a  cujo objeto social, consista, por exemplo , na promoção e realização de investimentos e de empreendimentos imobiliários, na gestão de imóveis próprios e na prestação de serviços em tais áreas das suas atividades, bem como a compra, comercialização e revenda de prédios adquiridos para esse fim, desde que a objeto  acresça , ainda  que acessoriamente,  a atividade económica da gestão de participações sociais, sempre entendida como a  atividade de gestão de gestão estratégica e centralizada do conjunto das atividades  desenvolvidas pela participadas nos temos expostos. Os encargos com a gestão estratégica e centralizada do conjunto das atividades desenvolvidas pela participadas seriam, assim, dedutíveis nos termos gerais pela sociedade contribuidora.

 

Essa doutrina é coerente com o nº 6 do art. 11º do CSC, de acordo com o qual a gestão de carteira de títulos pertencente à própria sociedade, pode constituir objeto desta.

 

Assim uma sociedade que não se constitua como SGPS, pode, ainda, assim ter licitamente  como objeto estatutário   a gestão de participações sociais noutra sociedade, ainda que esse objeto seja acessório da sua atividade principal.

Tal conclusão infere-se também  “a contrario” do nº 2 do art. 8º do DL nº 495/88, de 30/12, de acordo com o qual  as  sociedades que, tendo diferente objeto contratual, tenham como único objeto de facto a gestão de participações noutras sociedades, e bem assim as SGPS que exerçam de facto  atividade económica direta, são  dissolvidas pelo tribunal, nos termos do art. 144.º do CSC, sem prejuízo da aplicação da sanção cominada e pelo n.º 1 do art. 13.º deste  Código.  Apenas as sociedades cujo único objeto social seja a gestão de participações sociais devem constituir-se obrigatoriamente em  SGPS, sendo que, nesse caso,  é-lhes vedado o exercício de uma atividade direta

Assim, é lícito a uma não SGPS o exercício cumulativo   de uma atividade de gestão de participações sociais e de uma atividade económica direta.

Não é, no entanto, tal licitude que está em causa mas a dedutibilidade dos encargos por sociedade que não tem como objeto social principal nem acessório a gestão de participações sociais, como é o presente caso.

Deste modo, ao contrário do que pretende a Decisão Arbitral, o Acórdão do STA de 21/2/2018, no Processo n.º 0473/13, não  põe em causa o fundamento da liquidação impugnada de que o gasto, para que seja considerado fiscalmente, tem de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuidora  e que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida e

De nenhuma passagem do Acórdão extrai, com efeito, a  tese de  sociedade contribuidora poder  deduzir custos alheios à atividade exercida, com o fundamento no benefício indireto causado pelas contribuições. . .

Cinge-se a qualificar como atividade própria do sócio e não da sociedade participada a gestão de participações sociais, motivo pelo qual os custos incorridos nessa gestão concorrem para a formação do lucro tributável.

Essa dedutibilidade dos custos alheios à atividade exercida sempre foi recusada pela jurisprudência do STA.

 

Assim de acordo com o Acórdão   nº 0925/16, de 16/4/2017:

 

“1 - Não sendo a recorrente uma SGPS nem estando abrangida pelo regime de tributação de grupos de sociedade os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efetuados a empresas associadas de forma gratuita não podem ser considerados como

custos fiscalmente dedutíveis por não serem indispensáveis para a realização de proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para a sua manutenção como fonte produtora dos mesmos nos termos do artigo 23 do CIRC na redação vigente à data dos factos.

II - Mantendo-se a recorrente autonomamente como sujeito passivo de IRC e as empresas a si associadas igualmente autónomas e igualmente sujeitos passivos em sede de IRC os encargos financeiros por si suportados decorrentes dos suprimentos e prestações suplementares efetuados a favor das empresas a si associadas não podem considerar-se como custo indispensável para efeitos de dedutibilidade em sede de IRC ao abrigo do disposto no artigo 23º do CIRC por serem alheios ao exercício da sua atividade”.”

 

Na continuidade desse jurisprudência mas explicitando que compreende  toda a atividade de gestão de participações sociais, o Acórdão do STA 28/2/2017, proc. 01206/17, diria  que:

 

“Sendo certo que a impugnante é um sócio da sociedade participada e a ela pode efetuar prestações suplementares, caso preencha os requisitos legais, o que aqui se não mostra em discussão, na sua esfera jurídica a decisão de efetuar a prestação suplementar não é exercício da sua atividade empresarial porque ela não tem por objeto, também, a gestão de participações sociais.
 

II - O acordo parassocial que celebrou e em cumprimento do qual veio a realizar as prestações suplementares, não altera/amplia o objeto social da impugnante, e, por não obter enquadramento legal neste, não é desenvolvimento da atividade social da impugnante.
 

III - Não se trata de aferir da bondade dos atos de gestão realizados pela impugnante, mas de verificar que, sejam quais forem as operações financeiras que realize, fora do seu objeto social, não são um ato de gestão da sua atividade empresarial, pelo que não pode aportar a esta os custos que essa operação financeira produza.


IV O reforço do capital da sociedade participada através de prestações suplementares efetuadas pela impugnante não são exercício da atividade empresarial da impugnante, pelo que os custos que incorram com essas ou por causa das realizações de tais prestações não são custos dedutíveis em sede de IRC à luz do art.º 23.º do CIRC”.

 

Segundo a doutrina do Acórdão do STA de 6/10/2021, proc, 03109/15.2BESNT, esta doutrina tem  aplicação às prestações acessórias que sigam  o regime das prestações suplementares de capital, que a doutrina predominante considera poderem abranger , não apenas as sociedades por quotas, nos termos dos arts. 210º a 213º do CSC, mas as sociedades anónimas[6].

 

Esse “genuíno interesse empresarial” não resulta  também , divergindo a esse respeito da posição expressa na Decisão Arbitral, de  um especial interesse, próprio e direto da B... em capitalizar tais participadas, pelo menos no necessário para dar cumprimento ao art. 35º do CSC.[7] Tal interesse direto e próprio de capitalização das sociedades participadas apenas seria  passível de reconhecimento no âmbito de uma atividade de  gestão de participações sociais exercida pelo sujeito passivo de IRC e não a todo e qualquer sócio eventualmente abrangido por essa norma do CIRC.

 

As sociedades cujo objeto seja a gestão de participações sociais, enquanto “holdings”, são apenas as que intervêm  na gestão estratégica e centralizada do conjunto das atividades  desenvolvidas pela participadas.

 

Não são um mero cofre em que tais participações se mantêm depositadas, limitando-se o titular das participações, além de exercer o direito de voto, diretamente ou procuração, a aguardar apenas o recebimento dos respetivos dividendos. O titular das participações, com efeito, atua  direta  ou indiretamente na gestão da sociedade, não sendo mero detentor dessas participações.

 

No caso em que o sócio não exerça efetivamente a atividade de gestão de participações sociais, os encargos com os referidos financiamentos bancários não são dedutíveis (Acórdãos do STA de 28/2/2918, proc. 0126/179, e  de 26/5/2022, proc. 0461/11.2  BEPR).

 

Também para efeitos do sistema comum IVA, a mera aquisição e a mera detenção de participações sociais não constituem, em si, uma atividade económica, na aceção da Sexta Diretiva, que confira ao seu detentor a qualidade de sujeito passivo, uma vez que não se pode considerar que a simples tomada de participações financeiras noutras empresas constitui uma exploração de um bem com o fim de gerar receitas com caráter permanente.

 

Com efeito, a obtenção de um eventual dividendo, fruto dessa participação, resulta da simples propriedade do bem e não do exercício de qualquer atividade económica (Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, TJE, procs. nº s  C- 320/17 e  C-249/17).

 

Para efeitos de IRS, aliás, os rendimentos assim obtidos não se integram na categoria  B, mas na categoria E, enquanto rendimentos passivos, não resultantes diretamente de qualquer atividade económica:  assim , os  custos relacionados com a aquisição dessas participações apenas são dedutíveis a título de menos- valias no exercício da sua alienação e não no exercício em que foram suportados. A alínea c) do nº 1 do art. 23º do CIRC apenas considera dedutíveis os juros de capitais alheios aplicados na exploração, apenas na parte e na medida em que efetivamente correspondam a recursos efetivamente aplicados na atividade estatutária(“exploração”) da empresa, nomeadamente custos  que dão origem  à saída  de fluxos monetários, com salários, matérias primas e energia(Acórdão do TCA Sul de 12/12/2013, proc. 06826/13).

 

A sujeição do sócio, em caso de perda de metade do capital ao mecanismo do art. 35º do CSC não implica, assim, o exercício de qualquer atividade de gestão de participações sociais. 

 

Acórdão do STA de 18/6/2013, proc. 01261/12, recusaria, aliás, a dedutibilidade fiscal como custo do montante correspondente à cobertura de prejuízos efetuada por  SGPS a sociedade por si participada em 99,9%”,  não conferindo, assim, qualquer relevância autónoma  para efeitos da existência de um genuíno interesse empresarial ao referido art. 35º do CSC.

 

Tal Acórdão mantém os custos previstos no referido art.º 23.º terem de respeitar à própria sociedade contribuinte, em si mesma considerada, o que equivale a dizer que a fonte produtora em causa é  SPGS e não  sociedades participadas.

 

Por outro lado,  a cobertura de prejuízos de uma sociedade participada por parte de uma SGPS implicaria, caso fosse aceite. segundo essa jurisprudência,  uma inaceitável   situação de dupla consideração dos mesmos valores em causa, fosse a título de custos na SGPS, fosse por dedução de prejuízos de anos por meio do mecanismo do reporte.
 

Tal Acórdão reconheceu que o conceito de indispensabilidade deve ser interpretado em função do objeto societário, não qualificou a cobertura de prejuízos da participada como ato anormal de gestão ou sequer contestou que as sociedades em domínio total pudessem  ser responsáveis perante os credores sociais da sociedade dominada, nos termos do artigo 501.º do CSC, ou que lhes possa ser exigida responsabilidade por perdas deste.
 

Simplesmente,  segundo esse Acórdão,  os custos a que se refere o art. 23.º do Código do IRC têm de respeitar à própria sociedade contribuinte, em si mesma considerada, à SGPS, pois, e não às suas participadas, e que a aceitar-se a cobertura de prejuízos da participada pela SGPS conduziria a uma situação de dupla consideração dos mesmos valores em causa, fosse a título de custos na SGPS, fosse por dedução dos prejuízos de anos anteriores na esfera da sociedade participada , for a titulo de contribuições da sociedade detentora do capital, Acresceria ainda, a citada jurisprudência  que o facto de a SGPS ter coberto os prejuízos da sua participada traduz-se numa forma de financiamento que, em termos económicos, é substancialmente idêntica a um aumento de capital, devendo, pois, ter o mesmo tratamento fiscal das entradas adicionais de sócios à sociedade, para cobertura  a qualquer título  as quais, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 21º do CIRC, não concorrem para a formação do lucro tributável.

 

A 31/12/2014 , a A... SGPS SA era  a sociedade dominante do Grupo G... já que então detinha 94,09  % do  capital social I... SGPS ; SA,  .  O   Grupo J... SGPS ; SA   detinha , por sua vez , 100 % do capital da  C..., SGPS,  doravante referidas apenas por C...,  que, por sua vez,, detinha a totalidade do capital  da B..., SA, doravante referida apenas por B..., detentora  de 100 % do capital da D... SA, Radio E..., SA. A C... efetuou suprimentos em benefício da B... , sobre os quais cobrou juros tributáveis em IRC, que a B... deduziu como custos de exercício.

 

Tais suprimentos, segundo a cópia do contrato, destinavam-se ao financiamento da atividade estatutária da B... e a eventual aquisição de participações sociais( era. 30º da PI). Uma parte desses financiamentos foi utilizada em empréstimos gratuitos à participada, outra parte para a realização de prestações acessórias que, segundo a Requerente, seguiram o regime das prestações suplementares de capital.

 

Não resta duvida que é  em função da  atividade  concreta   desenvolvida  pela B... e não em função da atividade desenvolvida pela Requerente, quer individualmente, quer como sociedade dominante do grupo em que se integra a B..., que deve ser aferida a  potencialidade dos gastos concretos para a geração de rendimentos , que justificaria eventualmente a sua dedução nos termos do nº 1 do art. 23º do CIRC.

 

As correções que suscitaram o presente pedido de pronúncia arbitral  incidiram, deste modo  , não sobre a declaração individual da sociedade dominante A... SGPS SA, autora do presente pedido de pronúncia arbitral , mas  sobre a declaração individual de uma  outra das sociedades do grupo , a  B..., embora  tais correções viessem   a projetar-se  posteriormente, após segunda ação inspetiva.  no lucro tributável do grupo liderado pela A... SGPS SA  e consequentemente na  coleta de IRC, que devia ter sido  inicialmente  apurada  pela sociedade dominante na respetiva declaração periódica.

 

O objeto social da B..., a quando do exercício de 2014,, era a prestação de serviços nas áreas contabilística e económica, consultadoria nas referidas áreas, criação e desenvolvimento na área da radiodifusão sonora, nos domínios da projeção e difusão  da programas radiofónicos, prospeção de mercados, serviço de promoção, marketing e angariação de publicidade, não envolvendo a gestão de participações sociais, financeiras ou não financeiras. A sua atividade estava abrangida pelo CAE 692000, atividades de contabilidade e auditoria, incluindo auditoria fiscal. (Inscrição 1 Ap.2/2008/1222).

 

Tal objeto, como reflete a Inscrição 15/2018 0212, apenas seria ampliado à supervisão de gestão de outras unidades do grupo (atividades de gestão, planeamento estratégico e de decisão em nome de empresas (CAE  70110).

 

Assim, até ao exercício de 2018, conforme a própria documentação oferecida pela Requerente, esta não exercia qualquer atividade económica de gestão de participações sociais, que não resulta automaticamente da posição de sócia.

 

O fundamento da liquidação impugnada , como se depreende do Relatório de Inspeção Tributária(RIT), III.1.1.pg.15,  sancionado a 8/1/2018, não tem a ver com o facto de a B... não ser uma SGPS, fato que o RIT nem sequer  invoca, mas em   a B... não incluir no seu objeto social, a quando da contabilização dos custos, a gestão de participações sociais, inclusão que apenas se verificaria a partir do exercício de 2018 ( sendo aplicável a doutrina do Acórdão do STA de 7/2/2007, proc 01046/05, que, como se referiu, mantém toda a atualidade) 

 

Essa doutrina foi, pelo menos implicitamente, reafirmada pelo Acórdãos do  STA de 1/10/2021, 10310912.2 BESNT 9/12/2021  proc. 066/14.6.BENSNT  e 6/10/2021  03109/15.2BESNT, que, como se referiu, versam sobre a dedução dos encargos com prestações suplementares de capital   a outras empresas do mesmo grupo económico, admissível quanto a entidade concedente do financiamento,  não  sendo uma SGPS, tenha por objetivo estatutário e desenvolva  de facto a atividade de  gestão de participações sociais. Tal jurisprudência, como esclareceria o Acórdão do STA de 6/10/2022, proc. 03109/15.2BESNT, refere-se, não a todos e quaisquer contratos de mútuo, mas apenas às prestações suplementares de capital e às prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares efetuadas no âmbito da gestão de participações sociais.

Fora do âmbito da dedução ficam por isso  os casos de aplicação  do regime de “participation exemption” previsto no nº 1 do art. 51º do CIRC(acórdão do Pleno do STA  de 20/10/2021, proc. 097/19.0BALSB), já que, nesse regime,  inexistem, por definição , quaisquer gastos suportados com o objetivo de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto.

 

É claramente o caso dos rendimentos de capitais e mais-valias cuja fonte são sociedades participadas.  a 100 % pela Requerente. Os custos incorridos para obtenção desses rendimentos não são, assim, por estes não estarem sujeitos a IRC, dedutíveis para efeitos do nº 1 do art. 23º do CIRC.  

 

 

O ÁRBITRO

 

 

(António de Barros Lima Guerreiro)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] “A Administração tributária, não obstante ter dedicado um capítulo, no relatório definitivo de inspeção tributária, ao exercício do direito de audição da Requerente (…)” afirma-se no requerimento inicial.

[2] A  AT limitou-se a afirmar, que “aqueles cálculos simplistas apresentados pela recorrente enfermam de diversos equívocos”, sem qualquer concretização.

 

[3] A Requerida, no projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa, alude a possíveis “expedientes que visem a fuga à limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento, prevista no artigo 67.º do Código do IRC”, mas sem qualquer concretização.

 

 

[5] A mencionada Declaração de Voto  da conselheira Dulce Neto  a que alude a Decisão Arbitral do presente processo, não é desconforme com este entendimento, mas está de harmonia com ele: A Conselheira Dulce Neto limita-se a ressalvar, nessa Declaração de Voto,  que, a seu ver, “ o cerne da questão(discutida no proc, 047/1 reside apenas em saber se as despesas contraídas pela  SGPS a favor de terceiros (prestações acessórias concedidas pela SGPS para que as  participadas adquirissem participações financeiras noutras sociedades e consequentes encargos financeiros que suportou para o efeito) tiveram um genuíno interesse empresarial, ou seja, se essas despesas passam o teste da indispensabilidade aferida perante o objeto e escopo societário da empresa e a congruência económica da operação. Teste de indispensabilidade que, no caso, se mostra superado com êxito”.

Tal genuíno interesse empresarial tem, assim, de ser  sempre julgado em função do objeto e escopo societário da empresa e a congruência económica da operação relativamente aos fins a atingir, não se confundindo com qualquer benefício  económico indireto que a sociedade contribuidora pretenda alcançar através de atividades alheias ao seu objeto social. São desprovidas de qualquer genuíno interesse empresarial   as operações estranhas  ou   incongruentes com o objeto social ou  o escopo societário.

[6] As prestações acessórias estão sujeitas ao regime das prestações suplementares quando tiverem por objeto dinheiro, não vencerem   juros a favor do credor, a sua devolução depender de deliberação do sócio, nos termos do art. 213º do CSC,  e estiverem sujeitas à intangibilidade do capital social.

[7] Segundo o nº 1 desse art. 35º, resultando das contas de exercício ou de contas intercalares, tal como elaboradas pelo órgão de administração, que metade do capital social se encontra perdido, ou havendo em qualquer momento fundadas razões para admitir que essa perda se verifica, devem os gerentes convocar de imediato a assembleia geral ou os administradores requerer prontamente a convocação da mesma, a fim de nela se informar os sócios da situação e de estes tomarem as medidas julgadas convenientes, em que se incluem segundo o nº 3:.
: a) A dissolução da sociedade;


b) A redução do capital social para montante não inferior ao capital próprio da sociedade, com respeito, se for o caso, do disposto no n.º 1 do art.  96.º;

 
c) A realização pelos sócios de entradas para reforço da cobertura do capital.