SUMÁRIO:
I- A CESE reveste a natureza jurídica de contribuição financeira.
II – Mesmo admitindo estar em causa um tributo sujeito ao regime jurídico dos impostos, a sua criação e manutenção em vigor não ofenderiam os princípios constitucionais da tributação pelo lucro real, da segurança jurídica, da proporcionalidade da lei, nem o princípio orçamental da não-consignação.
DECISÃO ARBITRAL
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi, em 15-12-2021, aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, sendo, nos termos legais, notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular, o signatário, notificando as partes dessa designação. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 22-02-2021.
I – RELATÓRIO
“A..., S.A”., NIF..., com sede social em ..., ..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
-
A Requerente pede, neste processo, seja determinada, a anulação do indeferimento da reclamação graciosa e do tributo autoliquidado, relativo ao ano de 2020, com todas as consequências legais, nomeadamente o reembolso do montante pago e o pagamento de juros indemnizatórios.
1.1 - Pois, nos termos da norma prevista no artigo 11.º, n.º 1, do regime da CESE, conjugado com o artigo 376.º, n.º 1, da LOE 2020, que mantém em vigor a CESE para o ano de 2020 e a previsão da consignação da receita obtida por este tributo ao FSSSE pelo sexto ano consecutivo, viola o artigo 16.º, n.º 3, da LOE (Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro), padecendo assim de uma ilegalidade e inconstitucionalidade indireta, por violação do artigo 112.º, n.º 3 da CRP.
2- Alega...
Atendendo a todas as metamorfoses que a CESE sofreu desde a sua criação até ao momento, é legítimo concluir que a CESE nasceu como uma coisa e acabou por transformar-se noutra, completamente distinta do respetivo desenho inicial. 20
A consideração das sucessivas metamorfoses (e diferentes “versões” da CESE) é essencial para se compreender que os atuais fundamentos (reais ou pretensos), sua natureza, qualificação e as especificidades aplicáveis à “CESE 3” (que não se verificavam na “CESE 1”) invalidam a aplicação da jurisprudência existente sobre a CESE (designadamente o Acórdão do TC em que a AT sustenta a sua argumentação).
Tal comprova-se pelo significado que o TC confere às isenções previstas para a CESE 1, com especial destaque para a produção de energia de fonte renovável que, segundo o TC, permite demonstrar que a CESE deve-se qualificar como contribuição financeira.
Ora, as próprias isenções que fundamentaram a qualificação do TC deixaram de vigorar (como é o caso das energias renováveis, aqui em apreço), pelo que aquela jurisprudência não pode continuar a ser aplicada sem mais.
Deve esta CESE qualificar-se como uma contribuição especial, porquanto, na sua componente mais substancial, apresenta a estrutura de uma contribuição de melhoria, associada ao especial desgaste de um bem público, neste caso o próprio SEN.
Neste sentido, deverá ser-lhe aplicado o regime constitucional dos impostos.
Ainda que assim não se entendesse – o que se equacionou por dever de patrocínio, mas sem conceder – a manifesta ausência de correspondência com o princípio da equivalência, como se viu, sempre imporia a aplicação à CESE, enquanto imposição patrimonial pública, do regime constitucional dos impostos.
Independente da qualificação da CESE, outra circunstância essencial na apreciação dos vícios de constitucionalidade gerais que foram apontados é a reiterada e sucessiva violação do caráter extraordinário da CESE (cujo único elemento “extraordinário” se concluiu ser, hoje, o próprio nome).
Em conformidade, identificam-se os seguintes vícios de natureza constitucional que enfermam o regime que criou a CESE: a. Uma Inconstitucionalidade Material, por violação do Princípio da Tributação pelo Lucro Real, relativamente à existência de uma base de tributação exclusivamente alicerçada em ativos (única dependente da qualificação da CESE como contribuição especial e recondução ao regime constitucional dos impostos); b. Uma Inconstitucionalidade Material, por violação do Princípio da Segurança Jurídica, na sua vertente enquanto Proteção da Confiança, relativamente à reiterada violação da respetiva condição “extraordinária”; c. Uma Inconstitucionalidade Material, por Violação do Princípio da Proporcionalidade, na sua vertente enquanto Necessidade e Proibição do Excesso, dada a ausência de conexão entre os fundamentos fiscais ou creditícios que suportam o regime da CESE e os factos, legalmente consagrados e publicamente conhecidos, quanto ao destino da respetiva receita, em especial tendo por referência a evolução da dívida tarifária do SEN; e d. Uma Inconstitucionalidade Material Indireta, por violação do Princípio da Não Consignação, tal como consagrado na Lei de Enquadramento Orçamental, que é uma Lei de Valor Reforçado.
Com efeito, a norma prevista no artigo 3.º, n.º 1, do regime da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83.º-C/2013, de 31 de dezembro), ao ser interpretada no sentido de prever que este tributo incide sobre os elementos do ativo dos respetivos sujeitos passivos, encerra uma violação do princípio da tributação pelo lucro real, ínsito no artigo 104.º, n.º 2, da CRP, sendo por isso inconstitucional.
Sem prejuízo, mesmo que assim não se considere em relação à qualificação jurídico-tributária da CESE enquanto contribuição especial, existem outros vícios de desconformidade constitucional totalmente independentes daquela qualificação, porquanto se relacionam com a violação de princípios constitucionais gerais.
A norma prevista no artigo 376.º, n.º 1, da LOE 2020, interpretada no sentido de manter em vigor, para 2020, a CESE, violando o seu caráter “extraordinário”, tal como consagrado nos termos do artigo 1.º do regime da CESE, encerra uma patente violação do Princípio da Segurança Jurídica, na sua vertente enquanto Proteção da Confiança, tal como decorre do disposto no artigo 2.º da CRP, sendo por isso inconstitucional.
A norma prevista no artigo 313.º, n.º 2, da LOE 2019, que alterou a alínea a) do n.º 4 do regime da CESE, interpretada no sentido de eliminar a isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis e que estava em vigor há cinco anos, viola o Princípio da Segurança Jurídica, na sua vertente enquanto Proteção da Confiança, tal como decorre do disposto no artigo 2.º da CRP.
A norma prevista no artigo 1.º, n.º 2, do regime da CESE, conjugada com o artigo 2.º, alínea b) do mesmo regime, interpretada no sentido de que os sujeitos passivos, que sejam titulares de centros electroprodutores com recurso a fonte renovável, devem financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, inscrito no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, mormente na sua vertente enquanto necessidade e proibição do excesso.
A norma prevista no artigo 11.º, n.º 1, do regime da CESE, conjugado com o artigo 376.º, n.º 1, da LOE 2020, que mantém em vigor em 2020 a CESE, interpretada no sentido de consignar a receita obtida por este tributo ao FSSSE pelo sexto ano consecutivo, viola o artigo 16.º, n.º 3, da LEO (Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro), padecendo assim de uma ilegalidade e inconstitucionalidade indireta, por violação do artigo 112.º, n.º 3 da CRP. Partindo deste pressuposto, imputa à CESE (considerando o regime vigente após diversas alterações legislativas, nomeadamente as introduzidas pela LOE 2019) os seguintes vícios de inconstitucionalidade (nº 331 do requerimento inicial):
- violação do princípio da tributação pelo lucro real;
- violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente de proteção da confiança;
- violação do princípio da proporcionalidade;
- violação do princípio da não-consignação orçamental.
3- Por seu turno, a AT…
3.1- Apresentou a sua Resposta em 20 de abril de 2022, na qual suscita a exceção de incompetência material do Tribunal.
3.2- Mais, argui, quanto ao mérito…
Sobre questões idênticas às suscitadas nos presentes autos, e sem necessidade de maiores lucubrações, remeta-se para a pronúncia do Tribunal Arbitral, no Acórdão de 07/01/2016, proferido no processo n.º 312/2015-T, solução que acompanhamos, uma vez que tem sido esse o caminho por nós defendido e o apontado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional no que concerne às questões relativas à problemática da qualificação dos tributos.
Não obstante a boa aplicação do direito que, certamente, o tribunal arbitral irá fazer no caso em dissídio, importa ter em atenção a decisão proferida no âmbito dos processos n.º 723/2020T e 555/2020T.
No que concerne ao processo n.º 723/2020T, importa ter em conta que o mesmo foi interposto pela aqui Requerente, tendo por base a mesmíssima questão, divergindo somente no exercício em questão (in casu tratava-se do exercício de 2019). Naqueles autos foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se pela total improcedência do pedido principal e, consequentemente, pela improcedência do pedido relativo ao pagamento de juros indemnizatórios.”
No que concerne ao processo n.º 555/2020T, não obstante estar em causa outro Requerente, a questão em dissídio é a mesma, pelo que releva ter em conta a decisão proferida naqueles autos, a qual se transcreve: “Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em: (…) Julgar improcedente o pedido de anulação do ato tributário de autoliquidação da CESE do ano de 2019, no valor de € 70.516,76, e do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que o confirmou; (…)”
4- O Tribunal foi regularmente constituído (cf. 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT) e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
5- A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.
6- O Tribunal determinou a dispensa de reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se afigurar desnecessária, e as Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas, advertindo-se a Requerente da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente até à data de prolação da decisão arbitral, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
7- Em 19 de Maio 2022, a Requerente exerceu o contraditório sobre a matéria de exceção.
II- PROVA
1 - Factos provados
1.1- A B… – ENERGIAS RENOVÁVEIS SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., aqui Requerente, é uma sociedade de direito português, que tem por atividade principal a produção e comercialização de energia através da exploração de empreendimentos e aproveitamentos de energias renováveis.
1.2- A Requerente é uma sociedade que detém um centro electroprodutor, com recurso a fontes de energia renovável.
1.3- Em 28.10.2020, a Requerente autoliquidou a CESE relativa ao ano de 2020, no montante de €43.269,22.
1.4- No dia 30.10.2020, a Requerente procedeu ao pagamento da totalidade daquele valor.
1.5- A Requerente apresentou, a 07.06.2021, a reclamação graciosa da autoliquidação da CESE.
1.6- Após ter sido notificada para se pronunciar acerca do projeto de decisão da reclamação graciosa, foi a Requerente notificada, da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
2 - Factos não provados
Não existem factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3- Fundamentação da matéria de facto provada:
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III – Competência, (em razão da matéria)
1- É relevante a divergência da jurisprudência emanada neste Tribunal, relativamente á questão em análise. Contudo concordamos, integralmente, com os argumentos e posição proferida no processo 723/2020-T. Na mesma linha, o processo 555/2020-T, (e, outros, aí citados):
É jurisprudência pacífica que a competência em razão da matéria de um tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica apresentada pelo autor na petição inicial, independentemente do mérito ou demérito da pretensão deduzida. É na ponderação do modo como o autor configura a acção, na sua dupla vertente do pedido e da causa de pedir, e tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo tribunal que relevem sobre a exacta configuração da causa, que se deve guiar a tarefa da determinação do tribunal competente para dela conhecer (ac. STJ proc. 3777/08, de 06/05/2010).
A Requerente sustenta que, em razão da evolução legislativa mais recente, a CESE se tornou um tributo essencialmente unilateral, como tal sujeito ao regime jurídico dos impostos; e que, enquanto imposto, algumas das suas normas ofendem vários princípios constitucionais.
Sendo esta causa de pedir e o pedido o de anulação de uma liquidação relativa a um tributo havido, pela Requerente, como sendo imposto, resulta da lei (arts. 2.º e 4.º do RJAT e artº 2 da Portaria de Vinculação) a competência material dos tribunais arbitrais (CAAD) para conhecer do presente litígio.
A natureza jurídica da CESE (se deve continuar ou não a ser qualificada como contribuição financeira) é uma questão de direito com relevo para a apreciação do mérito da causa, implica uma conclusão fundamentadora da decisão arbitral, mas não pode ser assumida como um dado apriorístico que, por si só, obste à prolação de uma decisão de mérito.
2- Improcede, pois, a alegada exceção e não há mais exceções de que cumpra conhecer.
IV- DO DIREITO/MÉRITO
1- A questão controvertida no presente processo, que impõe apreciação, para decisão, prende-se com a alegada inconstitucionalidade do regime da CESE e consequente ilegalidade do ato de autoliquidação relativo ao período de 2020. Atenta a sucessiva prorrogação de vigência do regime, desde 2014, e as alterações introduzidas pelo legislador, está em causa avaliar se deve manter-se o juízo de conformidade constitucional que tem sido reiterado pela jurisprudência dos tribunais superiores (Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo).
2- Como, mais uma vez, bem se refere na decisão 723/2020-T…
(…)
2.1- Em primeiro lugar, há que salientar que, em acórdão relativamente recente (ac. 7/2019, de 8 de janeiro), o Tribunal Constitucional, não sufragando o entendimento da então recorrente de que a CESE reveste a natureza de imposto, concluiu estar em causa uma contribuição financeira.
2.2- Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.
2.3- O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.
2.4- Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.
2.5- E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral.
2.6- As contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma ‘relação causal’ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».
2.7- Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida.
3- Tal como o árbitro signatário do processo referido, não podemos deixar de partilhar esta conclusão do Tribunal Constitucional de que a CESE revestia a natureza de contribuição financeira. Sendo certo que as alterações legislativas posteriores a 2014 não lhe parecem suficientes para alterar esse entendimento.
4- Continuando a seguir o plasmado na referida decisão, no que respeita aos vícios referidos
4.1- Violação do princípio da tributação pelo lucro real
4.1.1-A Requerente sustenta que a incidência real da CESE, tal como prevista no art.º 3º. n.º 1, do respetivo regime, viola o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.
4.1.2- O TC, no seu já citado acórdão 7/2019, em razão da natureza de contribuição financeira que reconheceu a este tributo, considerou precludida a análise dos argumentos da então recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade das normas que criaram e estabeleceram o regime da CESE à luz de princípios constitucionais que regulam os impostos, como a violação do princípio da tributação das empresas pelo lucro real.
Não obstante se partilhar tal conclusão, sempre se acrescentará o seguinte:
4.1.3- Independentemente da natureza jurídica que se atribua à CESE (imposto, contribuição especial, contribuição financeira), a conclusão seria sempre a mesma, ou seja, a de que a existência deste tributo não importa qualquer violação do princípio da tributação pelo lucro real.
4.1.4- Muito embora a quantificação do lucro tributável seja, em última análise o resultado da aplicação das pertinentes normas, contabilísticas e fiscais, o CIRC apresenta um referencial da manifestação de riqueza que pretende tributar, que se tem por suficiente para o ora em causa: o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no exercício do período de tributação (art.º 3º, n.2 do CIRC). Está em causa a noção (económica) de rendimento-acréscimo.
4.1.5- Ora, a incidência real da CESE é o valor de determinados elementos do ativo dos sujeitos passivos, como, aliás, reconhece a Requerente. Assim sendo, certo é que a CESE, independentemente na natureza jurídica que se considere ter, não incide sobre o lucro.
4.1.6- Admitindo por mera hipótese – que não se partilha - estarmos perante um imposto (ou uma contribuição especial), a capacidade contributiva decorreria da propriedade de determinados bens (do valor destes), independentemente do facto de gerarem ou não rendimento. Estaríamos sempre perante um imposto (ou um tributo sujeito ao regime legal dos impostos) incidente sobre o património, pelo que o princípio da tributação pelo rendimento real nunca estaria em causa.
4.1.7- Acresce que as empresas, para além da sua sujeição a IRC, estão sujeitas a impostos sobre o património (caso do IMI) e que esta dualidade de tributos nunca foi tida por inconstitucional, sendo aliás inerente à “lógica” de um sistema fiscal.
4.1.8- É certo que a inexistência de “compabilização” entre a CESE e o IRC pode suscitar reparos, mesmo de índole constitucional. Porém, a Requerente não os invoca, pelo que ao Tribunal está vedado o seu conhecimento oficioso.
Improcede, pois, este vício de inconstitucionalidade.
4.2- Violação do princípio da segurança jurídica
4.2.1- A Requerente alega violação do princípio da segurança jurídica por a CESE ter sido anunciada como sendo um tributo extraordinário e ter, em razão da sua permanência, deixado de revestir tal carácter.
4.2.2- Trata-se de um vício de que o referido acórdão do TC, deliberadamente, não conheceu porquanto a análise que efetuou se situava, temporalmente, no primeiro ano de vigência da CESE.
Apreciando:
4.2.3- Assumimos, como ponto de partida, a jurisprudência consolidada, quer do TC (nomeadamente, o ac. n.º 309/2018, quer do STA, sobre a prevalência do princípio constitucional da segurança jurídica, em termos de afastar a aplicação da lei ordinária.
4.2.4- Tal prevalência pressupõe – com a própria Requerente refere – a verificação cumulativa de quatro requisitos: : (i) que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; (ii) as expectativas criadas devem ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii), devem os contribuintes ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do «comportamento» estadual; (iv) não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.
4.2.5- Começamos por notar que a factualidade subjacente às decisões jurisprudenciais, que nos servem de referência, consiste na existência de medidas fiscais favoráveis aos sujeitos passivos (benefícios fiscais), que, «inopinadamente», foram revogados.
4.2.6- O que não é, manifestamente, o que a Requerente invoca relativamente à CESE. A questão que coloca é, de certo modo, inversa, pois o que questiona é continuidade de um tributo assumido pelo legislador, aquando da sua criação, como sendo extraordinário.
4.2.7- Ora, mesmo admitindo a existência de uma expetativa legítima (que teria que ser juridicamente protegida, o que consideramos não ser o caso) quanto à revogação da CESE, o certo é que a Requerente não alega quaisquer factos capazes de integrar o terceiro dos mencionados pressupostos, ou seja, que o tenha adotado um qualquer seu comportamento ditado pela expetativa da revogação da CESE que tenha resultado frustrado em razão da continuidade deste tributo.
4.2.8- Falta assim a alegação de factos suscetíveis de integrar o terceiro dos requisitos acima enumerados, pelo que improcede a arguição deste vício de inconstitucionalidade.
4.3- Violação do princípio da proporcionalidade, nas respetivas vertentes enquanto necessidade e proibição do excesso.
4.3.1- A Requerente, no nº 363 do requerimento inicial, citando Filipe de Vasconcelos Fernandes, afirma: se, pese embora a criação da CESE, e não obstante a ausência reiterada de transferência de receitas do FSSSE para o SEN, o volume da dívida tarifária tem sofrido uma efetiva redução e consequente inversão da trajetória anterior, encontrando-se atualmente numa fase descendente, será legítimo indagar em que termos o tributo em causa é efetivamente necessário, enquanto solução estrutural, mormente atendendo à «condição de extraordinariedade» sobre a qual radicou a sua criação.
4.3.2- A interrogação é legítima, em contexto doutrinário e de política fiscal, mas – repetimos - não cabe a este tribunal apreciá-la em outros termos que não os da invocada violação do princípio da proporcionalidade.
4.3.3- A Requerente sustenta, em suma, que não existe mais o contexto de excecionalidade que poderia justificar (constitucionalmente) a criação e vigência da CESE e que não surgiu um novo contexto de excecionalidade capaz de justificar a sua continuidade.
4.3.4- Importa começar por salientar que, sendo a CESE, segundo o entendimento do TC no acórdão citado, uma contribuição financeira, a sua legitimidade assenta na existência de um benefício grupal, tal qual ficou expressamente afirmado em tal aresto (ver transcrição acima). O que – ainda que contraditoriamente com a afirmação legislativa da excecionalidade deste tributo – leva a concluir pela legitimidade da manutenção em vigor deste tributo por tal «benefício grupal» não ter, ele próprio, natureza excecional.
4.3.5- Mas, mesmo partindo do entendimento da Requerente – que não sufragamos - de se estar perante um tributo com a natureza de imposto, cuja justificação última seria a necessidade (excecional) de redução do défice tarifário, temos que tal necessidade se mantém bem presente. Apesar de ter conhecido alguma redução, relativamente a 2015 e 2016, o défice tarifário, segundo o noticiado pela imprensa, rondaria em 2020 os 2,7 mil milhões de euros.
4.3.6- Pelo que – mesmo assumindo os pressupostos adotados pela Requerente - continua presente a circunstância que levou á criação deste tributo, pelo que a sua manutenção em vigor nunca resultaria ofensiva de princípio da proporcionalidade, nas vertentes de necessidade e proibição do excesso (legislativo).
4.3.7- Sustenta, ainda, a Requerente que a eliminação da isenção que se encontrava prevista para a produção de eletricidade por intermédio de centros eletroprodutores que utilizem fontes de energia renováveis, em vigor há cinco anos, também viola o princípio da segurança jurídica, na sua vertente enquanto proteção da confiança.
4.3.8- Temos dificuldade em compreender este argumento: uma das caraterísticas próprias dos benefícios fiscais é a sua precariedade (nesse sentido, cfr. o art.º 3 do EBF).
4.3.9- Os benefícios fiscais, nomeadamente os «dinâmicos», são exceções às regras normais de tributação, cuja manutenção depende - deve depender- de uma periódica revisão da atualidade e prevalência das razões extra fiscais que o motivaram a sua criação, bem como da reanálise periódica do seu custo/benefício.
4.3.10- A criação e manutenção de benefícios fiscais são opções do legislador ordinário, de política fiscal, que – respeitados que sejam os princípios constitucionais – não são passível de sindicância judicial.
4.3.11- O certo é que nunca a revogação de um benefício fiscal pode ser havida como violação do princípio da segurança jurídica, na sua vertente de proteção da confiança, pela simples razão que, pelas razões sumariamente apontadas, nunca se poderá falar de um “direito” ou de “uma expetativa juridicamente protegida” à manutenção em vigor de um benefício fiscal, pelo menos dos de carácter não estrutural.
Improcedem, pois, os alegados vícios de inconstitucionalidade.
4.4- Violação do princípio da não-consignação
4.4.1- Esta questão foi apreciada pelo TC, no acórdão já citado, nos seguintes termos: relativamente à consignação de receitas, uma vez encontrada no caráter sinalagmático da relação entre a sujeição ao tributo e a prestação/benefício presumido para o sujeito passivo, a razão para o lançamento daquele e, tendo em conta o que vem de ser dito sobre o equilíbrio da adoção deste tributo, devendo a bilateralidade identificada ser considerada como argumento suficientemente atendível, então, há que concluir que também a opção pela consignação desta receita, que é por lei, em si mesma, excecional, não merece censura, não pondo em causa o princípio da equivalência ou da proporcionalidade.
4.4.1- Embora partilhando tal afirmação, assumindo, mais uma vez, o entendimento da Requerente de ser a CESE um tributo com as caraterísticas de imposto, teríamos que concluir que, sendo um tributo excecional (o que, como vimos, não implica o ter já acontecido a sua revogação), configuraria uma das exceções que, doutrinariamente, se admitem relativamente ao princípio da não consignação (como referido pela própria requerente no seu requerimento inicial).
4.4.2- Acresce que, em nosso entender, a alegada «inconstitucionalidade indireta», resultante da pretensa violação do princípio orçamental da não consignação, nunca seria capaz de ferir a legitimidade constitucional a criação de um imposto (ou de um tributo com a mesma natureza), porquanto a «inscrição orçamental» é uma (outra) questão logicamente situada à jusante da criação do tributo que irá gerar tal receita.
Não se verifica, pois, o(s) alegado(s) vício(s) de inconstitucionalidade.(…)
5- A constitucionalidade da CESE, nos vários regimes, subjacentes, tem sido declarada, de forma constante, pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e acolhida, por idênticas razões, pelo Supremo Tribunal Administrativo. Enumeram-se alguns arestos, (Cfr Proc. 555/2020-T)
5.1- Do Tribunal Constitucional
- Acórdão n.º 7/2019, de 8 de janeiro de 2019 (CESE 2014)
- Acórdão n.º 436/2021, de 22 de junho de 2021 (CESE 2016)
- Acórdão n.º 437/2021, de 22 de junho de 2021 (CESE 2014)
- Acórdão n.º 438/2021, de 22 de junho de 2021 (CESE 2015)
- Acórdão n.º 513/2021, de 9 de julho de 2021 (CESE 2014, 2015, 2016)
- Acórdão n.º 532/2021, de 13 de julho de 2021 (CESE 2016)
- Acórdão n.º 735/2021, de 22 de setembro de 2021 (CESE 2015)
- Acórdão n.º 736/2021, de 22 de setembro de 2021 (CESE 2017)
- Acórdão n.º 756/2021, de 23 de setembro de 2021 (CESE 2016)
5.2- Do Supremo Tribunal Administrativo
- Processo n.º 386/17.8BEMDL, de 8 de janeiro de 2020 (CESE 2016)
- Processo n.º 387/17.6BEMDL, de 16 de setembro de 2020 (CESE 2015)
- Processo n.º 0415/16.2BEVIS, de 16 de dezembro de 2020 (CESE 2015)
- Processo n.º 03037/16.4BELRS, de 13 de julho de 2021 (CESE 2015)
- Processo n.º 01587/18.7BEPRT, de 8 de setembro de 2021 (CESE 2017)
- Processo n.º 545/19.9BEPRT, de 8 de setembro de 2021 (CESE 2014)
6- Cumpre, entretanto, salientar, que, mais uma vez, o Tribunal Constitucional, se pronunciou, muito recentemente, sobre a matéria:
6.1- Ac 214/2022 de 31 Mar 2022. (…) Através da Decisão Sumária n.º 55/2022, ora reclamada, foram julgadas não inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º que modelam o regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pelo n.º 2 do artigo 264.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), consideradas as numerosas decisões anteriormente proferidas por este Tribunal sobre as normas objeto do recurso e nos termos previstos no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
Defende a reclamante, no entanto, que «a jurisprudência aludida na Decisão reclamada não pode servir para dirimir o tema dos autos de forma sumária», já que tal jurisprudência «utiliza, para sustentar a permanência da validade constitucional da CESE, argumentos que, por um lado, não correspondem ao que se passou na realidade (o défice orçamental excessivo em 2017 ou a utilização da CESE para a redução da dívida tarifária do SEN) e que, por outro, deveriam levar à conclusão contrária — a de que o tributo é um imposto inconstitucional (o argumento de que a CESE serviu apenas para a consolidação orçamental necessária para o fim do procedimento por défice excessivo).»
Para sustentar esta posição, alega em suma, e em primeiro lugar, que na Decisão reclamada «o único argumento que o TC avança para justificar a validade da CESE em 2017, o ano aqui em causa, é o facto de que nesse ano Portugal, apesar de já ter cumprido o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre as autoridades portuguesas, a União Europeia e o FMI (vigorou entre 2011 e 2014), ainda estava sob um procedimento por défice excessivo.» (cf. o n.º 18). Deste modo, entende a reclamante que da decisão reclamada se tira «apenas uma justificação para a CESE de 2017 — e essa justificação é a necessidade consolidação orçamental» (cf. o n.º 21), que aliás não era uma necessidade atual, uma vez que a «situação de emergência financeira e de desequilíbrio das contas do Estado (…) pura e simplesmente, não existiu nesse ano.» (cf. o n.º 25). Ademais, a assumir-se que essa é a única justificação para a vigência da CESE em 2017, isso implicaria, segundo a reclamante, reconhecer que «a CESE deve ser considerada naquele ano (pelo menos) como um verdadeiro imposto (isto é, um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos) e apreciada nessa qualidade (…).» (cf. o n.º 22).
Em segundo lugar, afirma que «o TC não considera a circunstância de, até ao final de 2017 (e durante mais algum tempo depois disso), a receita da CESE nunca ter sido transferida para o Fundo de Sustentabilidade do Sector Energético (nos termos da obrigação), ou seja, que nunca serviu para a redução da dívida tarifária do SEN nem para o financiamento de outras políticas de sustentabilidade do sector energético.» (cf. o n.º 50).
Nenhum destes argumentos logra, todavia, afastar a pertinência da jurisprudência citada na decisão reclamada para sustentar o juízo de não inconstitucionalidade das normas que constituem o objeto do presente recurso, como se verá.
6. Quanto ao primeiro argumento, importa antes de mais clarificar que na decisão reclamada, por remissão para as numerosas decisões e acórdãos anteriormente proferidos por este Tribunal, são mobilizados diversos argumentos — não para justificar a validade da CESE em 2017 — mas para fundamentar o juízo de não inconstitucionalidade das normas que constituem o objeto do recurso.
Entre esses argumentos, e a propósito da delimitação da incidência objetiva do tributo (v. o n.º 15 do Acórdão n.º 7/2019), o Tribunal não deixou de reconhecer e atribuir relevância ao carácter extraordinário desta contribuição financeira, sem todavia firmar a posição, que a reclamante agora invoca, segundo a qual «a validade constitucional da CESE mantém-se enquanto ela for considerada uma medida extraordinária.» (a este respeito, cf. os Acórdãos n.os 437/2021 e 438/2021).
Ademais, a respeito da «vocação conjuntural e vigência limitada» do tributo, já houve oportunidade de esclarecer no Acórdão n.º 513/2021:
«(…) [S]endo correta a afirmação de que o Acórdão n.º 7/2019 atribui relevância ao carácter extraordinário da CESE, nomeadamente em virtude da sua vocação conjuntural e vigência limitada, não se deixa de sublinhar – através de um excerto da decisão arbitral então recorrida – o seguinte: «[a]inda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, “provisório”.» Não se vislumbra nestas palavras, ou em quaisquer outras relevantes para a fundamentação do aresto, alguma espécie de identificação da provisoriedade do tributo com o primeiro ano da sua vigência; pelo contrário, afirma-se que a lei não define um limite temporal para o tributo, de modo que a sua natureza extraordinária não é determinada por um critério temporal – o ano de 2014 −, mas conjuntural − a verificação periódica de um certo estado de coisas.»
A reclamante mostra conhecer esta orientação, mas entende que este Tribunal «ao configurar as razões que justificam a continuidade do tributo na ordem jurídica, não pode estar permanentemente a pesquisar razões novas que sustentem, por exemplo, a natureza extraordinária da CESE.» (cf. o n.º 10).
Não é, todavia, isso que está em causa. Partindo da premissa, estabilizada na jurisprudência do Tribunal, de que a manutenção do regime jurídico da CESE em vigor após o primeiro ano de vigência não exclui a natureza extraordinária do tributo, o Tribunal tem-se limitado a assinalar que os fatores conjunturais a considerar «perduraram após o ano de 2014, tal como este Tribunal viria a reconhecer em diversas circunstâncias (v., v.g., os Acórdãos n.º 430/2016, 41/2017 e 395/21).» (v. o Acórdão n.º 532/2021). E como viria novamente a reconhecer, no Acórdão n.º 736/2021 (citado na Decisão reclamada), quando se referiu às contingências que justificaram a adoção, ainda durante o ano de 2017, de medidas especiais (v., também, as Decisões Sumárias n.os 31/2022, 131/2022 e 133/2022).
Neste contexto, não basta alegar que a «situação de emergência financeira e de desequilíbrio das contas do Estado (…) pura e simplesmente, não existiu nesse ano» para demonstrar que, à data em que foram adotadas, medidas como a prorrogação da vigência do regime jurídico da CESE não poderiam, à luz de um critério conjuntural, encontrar justificação. O mesmo é dizer, que tal alegação não é suficiente para demonstrar que a jurisprudência invocada na decisão reclamada não é plenamente transponível para o caso dos autos.
Por último, e como parece evidente, admitir que pode ser justificada, por razões de consolidação orçamental, a adoção de qualquer medida suscetível de gerar receitas — sejam elas provenientes da cobrança de taxas, contribuições financeiras ou impostos — não altera a natureza dos tributos em questão, nem impõe que estes sejam qualificados como impostos, apenas por terem esse efeito. Não merece, pois, refutação o argumento segundo o qual «o TC não pode dar justificações para a CESE que alterem [a] natureza do tributo, a não ser que daí retire [as] devidas consequências, por exemplo e desde logo, considerando que não se trata de uma contribuição financeira, mas sim de um imposto.»
7. O segundo argumento mobilizado pela reclamante para contestar a aplicabilidade da jurisprudência invocada na decisão reclamada ao caso dos autos prende-se com a «utilização efetiva» da receita arrecadada com a CESE e já foi repetidamente apreciado por este Tribunal.
A este respeito, resta salientar que, tal como se afirmou no Acórdão n.º 513/2021 (em juízo reiterado no Acórdão n.o 777/2021), «(…) [N]ão cabe ao Tribunal Constitucional indagar «se, de facto, a receita da CESE tem servido ou não para os fins legalmente previstos», uma vez que a sua função é apreciar a constitucionalidade das leis, não o cumprimento das leis pelos órgãos administrativos, garantida através de meios contenciosos próprios. A circunstância de a reclamante procurar fundamentar a sua posição com afirmações de facto e declarações públicas é revelador de que a matéria extravasa os poderes cognitivos da jurisdição constitucional.(…)» (no mesmo sentido, mas a respeito de outra contribuição financeira, v. o Acórdão n.º 608/2019).
Em face do exposto, e não tendo a reclamante logrado demonstrar que a jurisprudência invocada na decisão sumária reclamada não é aplicável ao recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos, resta indeferir a reclamação, confirmando-se o juízo de não inconstitucionalidade das normas que constituem o objeto do recurso.(…).
6.2- Ac 214/2022 de 31Abril 2022… (…) Em síntese, considera-se que os argumentos agora expendidos não são suficientes para reverter a orientação unânime deste Tribunal, e, por assim ser, não são de molde a pôr em crise a decisão sumária que se impugna e, bem assim, as orientações que constam dos Acórdãos aí citados, todos no mesmo sentido, em particular aqueles relativos ao ano de 2017. Deste modo, e pelos fundamentos agora expostos, há que manter in toto a anterior decisão sumária.
Em face do exposto, decide-se:
…Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária, não julgando inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro; (…).
7- É, pois, inequivoca, a posição da jurisprudência, sobretudo constitucional - que partilhamos, sem razões para dela discordar - no sentido da constitucionalidade das normas que suportam a CESE e regimes que a sustentam, ainda que sucessivamente alterados.
8- Não procedem, assim, os fundamentos da Requerente.
9- Não há lugar á condenação em juros indemnizatórios, face á total improcedência do pedido, nos termos da decisão que segue.
V- DECISÃO
Em face do exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:
a- Julgar improcedente a exceção de incompetência material;
b- Julgar improcedente o pedido de anulação do ato tributário de autoliquidação da CESE do ano de 2020, no valor de €43.269,22 e do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que o confirmou
c- Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios,
d- Condenar a Requerente nas custas do processo.
VI- VALOR DO PROCESSO
Não tendo sido impugnado o valor indicado pela Requerente, em ordem ao disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em €43.269,22.
VII- CUSTAS
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT e Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €2.142,00, que fica a cargo da Requerente.
Lisboa, 04 de Novembro 2022
O Árbitro
______________________________________
(Fernando Miranda Ferreira)