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Sumário:
I - O dever de fundamentação tem, necessariamente, de fazer parte de qualquer ato ou decisão proferidos pela Autoridade Tributária e, salvo melhor opinião, não cumpre esta obrigação legal a simples menção constante da notificação de que se pode consultar outra informação detalhada no Portal das Finanças.
II - Por outro lado, ainda, a presunção pelo contribuinte, dos possíveis fundamentos do ato tributário ou os diálogos com agentes da AT não correspondem ao cumprimento da obrigação de fundamentação que a lei prescreve, que, além do mais, também deve ser contemporânea dos atos e constar do ato de notificação.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A…, doravante “Requerente”, contribuinte fiscal número …, e B…, contribuinte fiscal número …, ambos com residência fiscal na Avenida …, Lisboa, vêm requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), no valor de € 298.028,58, referente ao ano de 2016, identificada com o n.º 2020 …, e da demonstração de acerto de contas, também referente ao ano de 2016, com o n.º 2020 …, da qual resultava um valor a pagar de €159.972,25, bem como do despacho de indeferimento tácito proferido pela Direção de Finanças de Lisboa, em sede de processo de reclamação graciosa apresentada em 2021/03/05 sobre os anteditos atos de liquidação.
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É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
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Em 30 de novembro de 2021, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT no dia 30 de novembro de 2021.
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Em conformidade com os artigos 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo o Exmo. Sr. Dr. Juiz José Poças Falcão (Árbitro Presidente), a Sra. Dra. Susana Constantino (relatora) e o Sr. Dr. José Ramos Alexandre, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 14 de janeiro de 2022, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 1 de fevereiro de 2022.
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A Requerida foi notificada, através de despacho arbitral de 3 de fevereiro de 2022, para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT, tendo a Resposta sido apresentada no dia 9 de março de 2022.
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No dia 2 de maio de 2022, deliberou o Tribunal agendar a reunião com as partes nos termos e para os fins previstos no artigo 18º do RJAT e proceder, imediatamente após a conclusão dessa reunião, à inquirição das testemunhas indicadas e a apresentar pela Requerente nesse ato.
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No dia 8 de junho de 2022, foi reunido o tribunal arbitral nos termos do RJAT tendo presidido a esta reunião os Árbitros nomeados, a Exma. Dra. …, na qualidade de mandatária dos Requerentes e o Exmo. Dr. …, jurista, em representação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo a legitimidade de ambos sido validade conforme procuração e despacho juntos aos autos.
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No âmbito da acima referida reunião, foram inquiridas pelo Tribunal Arbitral as seguintes testemunhas arroladas pelos Requerentes: C…, D…, E…, F…, G… e H….
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As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas em simultâneo e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral. O Tribunal Arbitral advertiu ainda a Requerente de que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar esse pagamento ao CAAD nos termos regulamentares.
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As alegações foram apresentadas a 24 de junho de 2022 quer pelo Requerente quer pela Requerida.
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A posição dos Requerentes é, em resumo, a seguinte:
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Os Requerentes invocam que foram notificados da liquidação de IRS e de juros compensatórios n.º 2020 …, no valor de €298.028,58, e da demonstração de acerto de contas n.º 2020 …, da qual resultava um valor a pagar de €159.972,25,
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Tendo procedido ao respetivo pagamento no dia 27.11.2021.
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Não obstante, consideram os Requerentes que a antedita nota de liquidação adicional (bem como a referida demonstração de acerto de contas) carecem de fundamentação, na medida em que foram confrontados com as mesmas sem conhecer exatamente os motivos que levaram à sua emissão, pois não havia qualquer decisão ou fundamentação em anexo.
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Por não se conformarem com o imposto adicional cobrado pela AT apresentaram reclamação graciosa no dia 30 de abril de 2021.
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Consideram os Requerentes que estará em causa, nos presentes autos, a tributação da mais-valia imobiliária realizada pelos mesmos em 2016, com a venda do imóvel que correspondeu à sua habitação própria e permanente durante vários anos, sito na Rua …, em Lisboa.
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Tendo este imóvel sido objeto de um contrato de promessa de compra e venda, celebrado pelos Requerentes no dia 14 de maio de 2002 onde prometeram comprar a fração autónoma designada pela letra F, correspondente ao 3.º esquerdo, do prédio urbano sito na Rua …, pelo preço de 175.000 (cento e setenta e cinco mil euros).
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Alegam os Requerentes que, à data da promessa de compra e venda a fração encontrava-se em ruínas, na sequência de um incêndio, e que foi adquirida com o objetivo de, depois da realização de obras de demolição e reconstrução integral do telhado, da fração e do seu sótão, incluindo a parede exterior de tardoz, os tetos, as janelas, o soalho e as paredes interiores da fração autónoma, assim como o sistema elétrico, os esgotos e a rede de águas, para aí ser instalada a sua habitação própria e permanente .
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Tendo sido celebrada, a 11 de julho de 2002, a escritura pública de aquisição da referida fração pelo preço de €175.000, com a obrigação assumida no contrato de promessa de compra e venda dos Requerentes realizarem e pagarem as obras de demolição e reconstrução do prédio e da fração.
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Referem os Requerentes que realizaram e pagaram as obras de demolição e reconstrução integral da fração F e de parte do prédio com a empresa I… Lda., com modificação e ampliação da construção, tendo contratado um arquiteto e um engenheiro responsável pela obra no âmbito da qual demoliram as partes em ruína até ao chão da fração A (terceiro andar), deixando apenas as empenas e a parede da frente do prédio, mas mantendo o que estava construído nos pisos inferiores;
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Mais ainda, construíram uma fração nova, com telhado novo, a estrutura do mesmo, a parede exterior de tardoz até ao nível do chão da fração (terceiro andar), o sótão, a estrutura do mesmo, os tetos, as janelas, o soalho, as paredes interiores, as portas, assim como as redes elétricas, de águas, de esgotos, de gás, de aquecimento e de comunicações.
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Sendo as obras de construção da cobertura, da estrutura da mesma, das paredes exteriores do prédio, das escadas comuns e do hall de entrada do edifício pagas pelos Requerentes e por dois outros condóminos.
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Referem também que entre 2.7.2007 e 6.5.2010 o Condomínio do prédio contratou e realizou com a empresa J…, Lda. a realização de obras de demolição e construção/alteração das escadas comum do prédio de forma a incluir a instalação de um elevador que em muito valorizou a fração F situada no 3.º andar.
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E para pagar a sua parte destas obras comuns os Requerentes gastaram o valor de € 29.565,00
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Acrescidos de € 19.478,41 associados ao gasto com as obras de construção do elevador.
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Infelizmente, parte das faturas e recibos respeitantes à demolição e reconstrução da fração F extraviaram-se tendo, contudo, sido possível recolher nas pastas dos arquivos alguma documentação de suporte relacionada com pagamentos efetuados à I… Lda. que foram emitidas e assinadas pelo seu gerente à data dos factos, assim como uma fatura do arquiteto e uma declaração de quitação do engenheiro responsável pela supracitada obra.
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Alegam os Requerentes que, com esta documentação, acrescida de faturas, recibos e declarações do administrador do condomínio referentes às obras realizadas pela J… Lda. e pela K… Lda. que não se extraviaram, comprovam que, pelo menos, pelas obras de demolição, reconstrução, alteração e ampliação da fração realizadas pela I… Lda. pagaram o valor de €308.024,70 entre a data da aquisição e o dia 05.04.2004 e o valor de €55.850,00 no período que decorreu entre o dia 28.01/2005 e o dia 28.04.2005 (um valor total de €363.874,70).
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E que, com as obras nas partes comuns do edifício realizadas pela J… Lda. e pela K… Lda. nos anos de 2007 a 2010 os Requerentes gastaram o valor global de €49.043,41, concluindo assim que, o valor de aquisição da fração não foi apenas o valor de € €363.874,70, mas a soma deste valor com a soma dos custos das obras de demolição e reconstrução da fração, de forma a torná-la habitável (€363.874,70 + € 175.000,00 = € 538.874,70).
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Após a conclusão das obras, os Requerentes mudaram-se para a fração F no dia 6 de maio de 2005 passando a mesma a constituir a sua habitação própria e permanente até à data da venda.
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De notar que antes da realização da escritura pública de compra e venda, os Requerentes celebraram um contrato promessa de compra e venda onde se obrigaram a vender a fração F pelo preço de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros) e a entregar o imóvel no dia de celebração da escritura, já desocupado de pessoas e bens.
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Considerando que a escritura de venda deveria realizar-se no prazo de 90 dias e que, nesse momento, a fração já tinha de estar desocupada, os Requerentes celebraram, em 15 de março de 2016, um contrato de arrendamento para habitação, no qual indicaram como sua residência a fração prometida vender.
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Mais ainda, para poder obter um dístico de residente na área da casa arrendada e iniciar o processo de mudança dos seus bens para a casa arrendada, sem as dificuldades e custos de estacionamento, no dia 21 de março de 2016 os Requerentes requereram a alteração de residência para a casa arrendada, solicitando à EMEL dístico de residente – sem deixar de residir com a família na fração que prometeram vender.
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A fração F foi vendida pelo preço de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros), por escritura outorgada no dia 19 de abril de 2016. Na escritura, e por lapso, os Requerentes indicaram como residência a casa arrendada e não a casa que estavam a vender.
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Não obstante, alegam os Requerentes que residiram (bem como o seu agregado familiar (que, na altura, já incluía a neta e o seu Pai), até à data da escritura (19 de abril de 2016), na casa sita na Rua … (fração F).
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Para esse efeito, apresentam na petição inicial vários documentos relativos ao fornecimento de eletricidade e gás e comprovativo de alteração de morada junto dos serviços do Cartão do Cidadão.
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Referem, ainda os Requerentes que, aquando da entrega da Declaração de IRS Modelo 3, relativa a 2016, identificaram no Anexo G da mesma o imóvel objeto de alienação (fração F), apresentando, por mero desconhecimento, despesas e encargos no valor de € 579.778,46, correspondentes aos € 17.500,00 gastos com a SISA, os € 1.425,00 pagos a título de Imposto de Selo, os € 110.700,00 pagos pela Comissão da Imobiliária, os €153,45 suportados com os Registos e €450.000 relacionados com gastos com parte das obras, declarando intenção de reinvestimento do valor de €808.000 numa habitação própria e permanente.
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Do processamento da referida declaração de IRS resultou a emissão de uma liquidação de IRS no valor de €9.578,52 (valor pago pelos Requerentes). No entanto, a declaração de IRS gerou uma divergência identificada com o lote J…/4, tendo os Requerentes, juntamente com o seu contabilista, apresentado presencialmente no serviço de Finanças de Lisboa … os documentos solicitados pelos Serviços.
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Todavia, foram informados de que parte das despesas apresentadas (nomeadamente as despesas de reconstrução acima descritas) não seriam aceites, na medida em que haviam sido suportadas há mais de 12 anos, que o valor pago pelos empréstimos não podia ser considerado e que parte dos documentos de suporte das obras não eram admissíveis, por não ser possível provar a realização das mesmas com a prova dos empréstimos e com as declarações emitidas e assinadas pelo gerente da I… Lda., por não constituírem faturas emitidas de acordo com os critérios e as exigências do Código do CIVA.
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No âmbito desta divergência, suscitaram os Serviços a substituição da Declaração de IRS – Modelo 3 inicialmente entregue, procedimento este assegurado pelos Requerentes, tendo procedido à redução das despesas e encargos do valor de € 579.778,46 para o valor de € 178.821,86.
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Do processamento desta declaração resultou uma liquidação com o valor a pagar de € 138.056,33 (valor pago pelos Requerentes deduzidos dos € 9.578,52 já pagos a título da 1.ª nota de liquidação emitida). Todavia, foi identificada uma segunda divergência por parte da AT tendo a mesma sido sanada.
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Logo após a venda da fração e ainda no ano de 2016 alegam os Requerentes que reinvestiram o valor realizado com a venda da fração F, deduzido dos custos contraídos para a sua aquisição, demolição, reconstrução e beneficiação uma vez que, no dia 29.07.2016, os Requerentes prometeram comprar, pelo preço de € 804.000,00, a fração autónoma designada pela letra "A", piso um, letra A, Bloco A, do prédio urbano sito na Rua …, tornejando para a Travessa …, números … e ….e Rua …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da dita freguesia, inscrito na matriz da freguesia da Estrela sob o artigo … (doravante a “fração A”).
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Tendo a aquisição desta fração ocorrido mediante escritura pública realizada a 26 de janeiro de 2017 pelo valor de € 804.000,00 tendo sido declarado expressamente na escritura de compra e venda que o imóvel adquirido se destinava a ser a sua habitação própria e permanente.
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Tendo o domicílio fiscal dos Requerentes sido alterado – para a Rua …- a 8 de fevereiro de 2017.
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Os Requerentes realizaram algumas obras de beneficiação da referida fração A (pinturas e afagamento do chão), no valor de €7.811,34. Mais ainda, foi feito o registo da aquisição da fração A e esta aquisição foi comunicada à AT, tendo sido indicado que se tratava de um reinvestimento.
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Conforme planeado, os filhos dos Requerentes já maiores, bem como a sua neta L…, continuaram a residir na fração arrendada sita na Avenida …, … Lisboa.
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A pedido dos Requerentes e com efeitos a 28.02.2017, o Senhorio alterou no portal das finanças o registo do contrato de arrendamento da casa destinada aos filhos e neta dos Requerentes, passando este a estar registado como destinado a habitação secundária dos Requerentes.
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Por dificuldades económicas, os Requerentes decidiram vender a fração A adquirida em 26 de janeiro de 2017 tendo a escritura de venda ocorrido no dia 20 de novembro de 2017, tendo os Requerentes declarado que residiam no imóvel vendido (como de facto ocorria), recebido o preço e entregue a fração.
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Após a venda da fração A, os Requerentes solicitaram a renovação de Cartão de Cidadão, declarando residir Avenida …, … Lisboa.
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No dia 12.06.2018 os Requerentes entregaram a declaração de IRS modelo 3, optando pela tributação conjunta, na qual declararam (Anexo G) que, em 2017, compraram conjuntamente a fração A (artigo …), pelo preço de €804.000, tendo vendido a mesma, no mesmo ano e nove meses depois, por €1.400.000, tendo suportado despesas e encargos no valor de €149.189,52, que correspondiam aos custos com IMT, Imposto de Selo, registos e atos notariais inerentes à aquisição, assim como às obras de beneficiação realizadas no imóvel e ao custo da comissão paga à Mediadora Imobiliária.
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Os Requerentes declararam ainda pretender reinvestir o valor de €1.400.000 numa nova habitação própria e permanente.
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Em resultado, foi emitida a liquidação 2018.5…, no valor de €3.199,73.
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Sucede que, no momento da entrega da declaração, o Contabilista não conseguiu enviar a referida declaração de IRS por erro ("Anexo G - Quadro 5 - Erro 366G" após validação), tendo pedido esclarecimentos à AT, tendo sido informado de que o referido erro se devia ao facto de, no mesmo ano, ter sido adquirido (como reinvestimento) e vendido (com intenção de reinvestimento), o mesmo imóvel destinado a habitação própria e permanente.
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E, após esclarecimento e indicação por parte do Atendimento Presencial da AT (sito na Av. João XXI), anexou e enviou o ficheiro XML da referida declaração, para que a AT procedesse à submissão dentro do prazo legal o que não sucedeu, tendo o Contabilista sido informado de que tal obrigação pertencia aos contribuintes (ora requerentes).
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A entrega da declaração acabou por gerar uma divergência a qual foi esclarecida pelos Requerentes em junho de 2018, tendo sido juntos diversos documentos.
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No verão de 2018, os Requerentes foram notificados para pagar o IRS do ano de 2017, no valor de €3.199,73, e da liquidação n.º 2018…. – tendo pago aquele valor em 29 de agosto de 2018.
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Não obstante, a AT notificou os Requerentes para o exercício de Direito de Audição tendo, no âmbito da notificação emitida, os Serviços solicitado a substituição da Declaração de IRS entregue por não ser aceite a despesa com o mútuo no valor de €128,01 nem a despesa com o mútuo no valor de €128,01.
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Solicitando, de igual modo, a correção do valor de reinvestimento para € 354.000,00 que seria o valor de reinvestimento sem recurso ao crédito.
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No dia 04.12.2018 foi entregue a declaração de IRS de substituição na qual se corrigiram as despesas relativas ao mútuo, mas onde se manteve tudo o resto, incluindo o valor do reinvestimento.
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Esta declaração gerou a liquidação n.º 2018…. no valor de €3.199,73 a qual gerou nova divergência despoletada pela AT tendo os Requerentes exercido, no âmbito da mesma, direito de audição prévia, que foi junto à segunda divergência da declaração de rendimentos de 2017.
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De acordo com a informação constante do Portal das Finanças, ambas as divergências foram consideradas sanadas. Todavia, os Requerentes foram notificados de uma nota de liquidação adicional referente ao IRS de 2016, no qual foi considerado um rendimento global de €603.544,93, um valor de juros compensatórios de €1.118,28 e um valor a pagar de €298.028,58, incluindo juros compensatórios.
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Mais ainda, os Requerentes receberam uma demonstração de acerto de contas que estornava o valor pago de €138.056,33 e cobrava €296.910,30, acrescidos de juros compensatórios de €1.102,08 e €16,20.
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Alegam os Requerentes que esta nota de liquidação não tem qualquer indicação no que se refere aos fundamentos de facto e de direito que subjazem à mesma não conseguindo os Requerentes compreender qual o motivo de se considerar o seu rendimento mais elevado do que o declarado, desconsiderando aparentemente o reinvestimento do valor de realização do imóvel que foi a sua habitação própria e permanente.
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Mais ainda, alegam os Requerentes que resulta do disposto na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS que o valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel deve ser deduzido ao preço de venda, para efeitos de cálculo do valor a reinvestir. Não obstante, na situação em análise e por erro de informação dos serviços a quem foram exibidos os documentos, o direito à redução do valor da amortização do empréstimo para a aquisição não foi exercido e, de certa forma, foi negado.
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Devendo o valor da amortização do capital (173.000€) ser deduzido, para efeitos de cálculo do montante a reinvestir e considerado para efeitos de apuramento da mais-valia tributável.
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Invocam, ainda, os Requerentes que contraíram mais quatro empréstimos para realizar as obras de demolição, reconstrução, alteração, ampliação e beneficiação da fração F para poderem habitar o imóvel e vendê-lo por €1.500.000. ainda que os referidos empréstimos possam ter sido reembolsados antes da realização da escritura de compra e venda, a amortização dos mútuos não pode deixar de ser considerado para efeitos de determinação da mais-valia e do valor a reinvestir, sob pena de pagar tributo por valores que não foram realizados.
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Contestam, também, os Requerentes que não foram consideradas, na totalidade, as despesas necessárias à aquisição e alienação do imóvel nomeadamente as relacionadas com a demolição, reconstrução, alteração e ampliação da fração F.
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E que o facto de os Requerentes terem adquirido um imóvel para sua habitação própria e permanente (reinvestindo o valor de venda da anterior habitação própria e permanente) e o terem vendido no mesmo ano (mais de oito meses depois da aquisição) não pode invalidar o reinvestimento realizado.
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Por seu turno, a posição da Requerida é, em síntese, a seguinte:
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Salienta que o que está em causa respeita à tributação da mais-valia imobiliária obtida pelos Requerentes em 2016 devido à alienação da fração F do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º … da freguesia da …, concelho de Lisboa.
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Que, aquando da alienação do imóvel mencionado supra por parte dos Requerentes, foi apresentada uma declaração de IRS - Modelo 3 referente ao ano fiscal de 2016 tendo sido reportado, por parte dos Requerentes, no campo 4001 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de € 750.000,00, de aquisição de € 87.500,00 e despesas e encargos de € 289.889,23 € (50% do sujeito passivo A).
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No campo 4002 do mesmo quadro e anexo foram reportados os mesmos montantes do quadro 4001, respeitantes aos 50% do sujeito passivo B.
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Foi, ainda, declarado no campo 5006 (valor a reinvestir) do quadro 5 do anexo G a quantia de € 808.000,00 tendo essa declaração dado origem à liquidação n.º 2017… com valor a pagar de 9.578,52 €.
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A mencionada declaração de IRS - Modelo 3 foi objeto dum procedimento de gestão e análise de divergências com o código D39: “Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional.”.
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Analisados os documentos entregues pelos sujeitos passivos e os elementos disponíveis nas bases de dados da Autoridade Tributária, e face às conclusões a que se chegou no mencionado procedimento, foi entregue pelos Requerentes uma declaração de IRS - Modelo 3 de substituição, relativa ao IRS de 2016, a 5 de julho de 2017, tendo sido alterados os valores de despesas e encargos dos campos 4001 e 4002 do quando 4 do anexo G para 89.410,93 € (em ambos), mantendo todas as restantes inscrições.
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Essa declaração deu origem à liquidação n.º 2017…, com valor a pagar de € 138.056,33.
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A 12 de junho de 2018 entregaram os Requerentes a declaração de IRS - Modelo 3 do ano fiscal de 2017, tendo inscrito no campo 4001 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de € 700.000,00, de aquisição de € 402.000,00 e despesas e encargos de € 74.594,76 (50% do sujeito passivo A).
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No campo 4002 do mesmo quadro e anexo inscreveu os mesmos montantes do quadro 4001, respeitantes aos 50% do sujeito passivo B.
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Foi, ainda, indicado no campo 5006 (valor a reinvestir) do quadro 5 do anexo G da antedita declaração de IRS - Modelo 3 a quantia de € 1.400.000,00.
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Essa declaração deu origem à liquidação n.º 2018…com valor a pagar de € 3.199,73.
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À semelhança do sucedido em relação a 2016, também esta declaração de IRS – Modelo 3, referente a 2017, originou um procedimento de gestão e análise de divergências, com o código D25: “Residência do titular diferente do imóvel objeto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados.”.
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De acordo com o que foi apurado nesse procedimento, os Requerentes apresentaram uma declaração de IRS – Modelo 3 de substituição tendo essa declaração dado origem à liquidação n.º 2018… com valor a pagar de € 3.199,73 (o mesmo montante da liquidação anterior).
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No entanto, em outubro de 2020, foi reavaliada a declaração de IRS de substituição do ano fiscal de 2016, que deu origem à liquidação n.º 2020…, com valor a pagar de € 298.028,58.
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Por sua vez, a declaração de IRS – Modelo 3 de substituição do ano fiscal de 2017 foi também reavaliada tendo dado origem à liquidação n.º 2021… com valor a pagar de €118.788,03.
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Face ao exposto, apresentaram, em maio de 2021, os Requerentes reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 2016 alegando falta de fundamentação no que se refere à emissão da nota de liquidação n.º 2020…, com valor a pagar de € 298.028,58.
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Ora, quanto a esta questão, entende a Requerida que a referida nota liquidação adicional (em virtude de um processo de reavaliação da declaração de IRS – Modelo 3 de 2016), que foi efetuada por não ter sido considerado o reinvestimento do valor de realização que foi inscrito como pretendido reinvestir na declaração do ano fiscal de 2016. E, esse ato tributário foi devidamente fundamentado, de facto e de direito.
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Mais ainda, entende a Requerida que, previamente à liquidação, existiram procedimentos de gestão e análise de divergências (relativos aos anos fiscais de 2016 e 2017 – este último com implicações no reinvestimento do valor de realização obtido em 2016) e que os Requerentes estiveram sempre a par do que ocorreu nesses procedimentos de análise de divergências, tendo participado (através do exercício do direito de audição) sempre que para tal solicitado, nomeadamente, com a junção de documentos.
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Salienta que foram os Requerentes que declararam que pretendiam reinvestir (parcialmente) o valor de realização, mas que, nem na declaração de 2016 nem nas dos anos seguintes esse reinvestimento foi considerado.
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Isto é, apesar de ter inscrito o reinvestimento de € 804.000,00 na declaração de IRS – Modelo 3, do ano fiscal de 2017, tal reinvestimento não foi reconhecido, pelas razões e com os fundamentos explanados nesses procedimentos de análise de divergências.
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E foi tal realidade que levou a que a declaração de IRS – Modelo3 entregue pelos Requerentes, em julho de 2017, referente ao ano fiscal de 2016, fosse reliquidada.
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Ora, estabelece o n.º 1 do artigo 77º da LGT que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
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Também o n.º 2 do mencionado artigo prescreve que a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
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Entende, assim, a Requerida, que nada haverá, pois, a apontar à fundamentação da liquidação.
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Aliás, consultada a petição de pronúncia arbitral apresentada, verifica-se que foi perfeitamente entendido o fundamento para a elaboração da liquidação adicional.
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Isto porque aí são descritos os factos com relevância para a reliquidação da declaração de IRS – Modelo 3, como sejam as questões relacionadas com a declaração de IRS – Modelo 3 de 2017 (que têm reflexo no ano fiscal de 2016).
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Alega a Requerida que questão diversa (embora com ela relacionada) é a de saber se a notificação da liquidação foi acompanhada da devida fundamentação, ou seja, se existiu falta de notificação da fundamentação (obscura, impercetível, insuficiente).
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Ora, vieram os Requerentes alegar que a amortização do empréstimo para a compra do primeiro imóvel deveria ter sido aceite. Ora, no entendimento da Requerida, tal alegação não pode proceder, desde logo porque em nenhuma das declarações de IRS – Modelo 3 por si entregues (nem na primeira declaração nem na declaração de substituição) inscreveram qualquer montante no campo 5005 do quadro 5 do anexo G.
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Salienta a Requerida que houve lugar à liquidação adicional porque, na sequência dos procedimentos de análise de divergências, foi verificado que o reinvestimento não poderia proceder.
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Assim sendo, não estando preenchido esse pressuposto (reinvestimento do valor de realização), também não é possível deduzir o valor de amortização do primeiro empréstimo.
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Esta conclusão é retirada da alínea a) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS e tem aplicação prática no anexo G, uma vez que é no quadro 5 (que é denominado “Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente”) do referido anexo que se inscreve o valor em dívida do empréstimo à data da alienação.
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Realça a Requerida que o mencionado empréstimo foi amortizado antes da alienação do primeiro imóvel e que, da leitura da alínea a) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS fica claro que o empréstimo ainda tem de estar em vigor para que se possa proceder à amortização do mesmo (para efeitos de dedução ao valor de realização).
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Ora, refere a Requerida que, no caso presente não é isso que acontece, tendo em conta que o empréstimo já tinha sido pago. Aliás, reconhece a Requerida que os Requerentes vêm referir cinco empréstimos que, segundo alegam, foram contraídos para proceder a obras no imóvel. No entanto, a todos esses empréstimos é aplicável o explanado supra.
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Ou seja, não é possível considerar a amortização dos empréstimos sem que haja reinvestimento.
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E também não é possível considerar as amortizações de empréstimos ocorridas antes da venda do imóvel. E conforme os Requerentes alegam na sua petição, todos os empréstimos (os cinco) foram amortizados antes da alienação.
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Além disso, sustenta a Requerida que, conforme se retira da letra da lei, apenas os empréstimos concedidos para a aquisição poderiam ser considerados para este efeito. No entanto, nenhum dos restantes quatro empréstimos foram concedidos para a aquisição do imóvel, tendo em conta que têm data posterior a essa aquisição.
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Também não fará sentido que a amortização dos empréstimos, ao invés de serem inscritas no quadro 5 do anexo G o sejam no quadro 4 (a título de despesas e encargos) do citado anexo. É que, estando a amortização de empréstimo referida expressamente no n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, não tem cabimento no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do Código do IRS (ao contrário do pretendido pelos Requerentes).
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Acrescenta-se ainda a Requerida que os empréstimos (mais concretamente os contratos de mútuo a eles associados) não especificam que a finalidade dos mesmos é a realização de obras, quer naquele imóvel, quer noutro qualquer.
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Ficando, pois, por demonstrar a comprovação das despesas para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do Código do IRS.
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Nesta medida, entende a Requerida que, face aos elementos constantes dos autos e tendo em conta o que foi explanado supra, não se reconhece a existência de qualquer das ilegalidades apontadas pelo requerente à liquidação controvertida.
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Mais ainda, no que diz respeito à prova testemunhal, arrolam os Requerentes cerca de 9 testemunhas. Ora, no entendimento da requerida, a prova respeitante aos encargos e eventual revestimento terá que ser documental.
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Notificados para o efeito, Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram e reiteraram essencialmente as suas posições.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRS, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo legalmente previsto.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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Os Requerentes celebraram, no dia 14 de maio de 2002, um contrato de promessa de compra e venda onde prometeram comprar a fração autónoma designada pela letra F, correspondente ao 3.º esquerdo, do prédio urbano sito na Rua … pelo preço de 175.000 (cento e setenta e cinco mil euros); (doc. 2)
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Tendo sido celebrada, a 11 de julho de 2002, a escritura pública de aquisição da referida fração pelo preço de €175.000, com a obrigação assumida no contrato de promessa de compra e venda dos Requerentes realizarem e pagarem as obras de demolição e reconstrução do prédio e da fração (Doc.9);
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Tendo sido pago, nessa data, SISA, no valor de €17.500, e Imposto do Selo, no valor de €1.425;
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Tendo a referida aquisição sido financiada pelo Banco M…, no montante de € 173.000,00 mediante um contrato de mútuo com hipoteca celebrado no dia da escritura (Doc.9);
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Este empréstimo foi amortizado (e cancelada a hipoteca) em 2004;
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No dia 10 de Outubro de 2002 foi requerido o averbamento da aquisição do imóvel na matriz e, no dia 6 de Janeiro de 2003, foi requerida a isenção da Contribuição Autárquica, tendo sido declarado à AT que o imóvel se destinava a habitação própria permanente (Doc.10)
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No dia 01 de abril de 2004 os Requerentes contrataram um segundo empréstimo no valor de €296.000 com hipoteca sobre a referida fração; (Doc 12 e 13)
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No dia 14 de abril de 2005 contrataram um terceiro empréstimo hipotecário, no montante de 450.000,00;(Doc 14 e 15);
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No dia 25 de maio de 2003 celebraram um quarto empréstimo hipotecário, no montante de 100.000,00€ com a finalidade de Investimento Imobiliário Não Especificado; (Doc 14 e 15);
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E no dia 27 de janeiro de 2009 contrataram um quinto empréstimo hipotecário, no montante de 125.000,00 com a finalidade de Investimento Imobiliário Não Especificado (Doc 14 e 15);
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No dia 16 de janeiro de 2016, os Requerentes celebraram um contrato promessa de compra e venda com intervenção da Mediadora Imobiliária N…, Lda., onde se obrigaram a vender a fração F pelo preço de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros) e a entregar o imóvel no dia de celebração da escritura, já desocupado de pessoas e bens, devendo esta realizar-se no prazo de 90 dias após a assinatura deste contrato (Doc.71);
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A fração F foi vendida pelo preço de €1.500.000 (um milhão e quinhentos mil euros), por escritura outorgada no dia 19 de abril de 2016 (Doc 74).
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Na venda da referida fração, os Requerentes pagaram €110.700 pela Comissão da Agência Imobiliária e €153,45 de Registos (Doc. 75);
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Entre 2004 e 2005 foram realizadas obras de reconstrução na referida fração F;
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Entre 2 de julho de 2007 a 6 de maio de 2010 o Condomínio do prédio contratou e realizou com a empresa J… Lda. a realização de obras de demolição e construção/alteração das escadas comum do prédio de forma a incluir a instalação de um elevador e para pagar a sua parte destas obras comuns os Requerentes gastaram o valor de € 29.565,00 (Doc. 31 a 39);
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Os Requerentes suportaram ainda, à sua parte, € 19.478,41 associados ao gasto com as obras de construção do elevador (Doc. 40 a 50);
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Entre a data da conclusão das obras, em 2006, e 14/09/2016, data da escritura de venda da acima referida fração autónoma designada pela letra F, os Requerentes tinham localizada a sua habitação própria e permanente no imóvel aqui em causa;
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Em 31 maio de 2017 foi apresentada pelos Requerentes, uma declaração de IRS – Modelo 3 (Doc.71) , referente ao ano de 2016, tendo sido inscritos no campo 4001 do quadro 4 do anexo G os valores de realização de € 750.000,00, de aquisição de € 87.500,00 e despesas e encargos de € 289.889,23 € (50% do sujeito passivo A). No campo 4002 do mesmo quadro e anexo foram reportados os mesmos montantes do quadro 4001, respeitantes aos 50% do sujeito passivo B;
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Foi, ainda, declarado no campo 5006 (valor a reinvestir) do quadro 5 do anexo G da mesma declaração a quantia de € 808.000,00 tendo essa declaração dado origem à liquidação n.º 2017… com valor a pagar de 9.578,52 €;
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Contudo, a antedita declaração de IRS gerou uma divergência identificada com o lote J…/4 (doc 83), na qual os serviços da AT notificaram os Requerentes, da não aceitação parte das despesas apresentadas, tendo suscitado a substituição da Declaração de IRS – Modelo 3 inicialmente entregue, procedimento este assegurado pelos Requerentes;
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Em face disto, a AT procedeu à redução das despesas e encargos do valor de € 579.778,46, para o valor de € 178.821,86, sendo que, do processamento desta declaração resultou uma liquidação com o valor a pagar de € 138.056,33 (valor pago pelos Requerentes deduzidos dos € 9.578,52 já pagos a título da 1.ª nota de liquidação emitida);
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Os Requerentes apresentaram, como exigiu a AT, uma declaração de substituição com o nº …-2016-…-… (Doc. 85), declarando cada um deles €750 000,00 como valor de realização e €89 410,93 a título de despesas e encargo no Quadro 4, campo 4001 e 4002, mantendo no Campo 6006 a intenção de reinvestir €808 000,00;
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Do processamento desta declaração resultou uma liquidação com o valor a pagar de €138.056,33(doc. 86), cujo valor foi pago em 17/08/2017 (doc. 91);
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As duas divergências relativas ao ano de 2016 foram consideradas sanadas pela Autoridade Tributária (Doc.88).
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A 26 de janeiro de 2017, mediante escritura pública, adquiriram os Requerentes, pelo valor de € 804.000,00 (doc. 94), a fração autónoma designada pela letra "A" do prédio urbano sito na Rua …, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da dita freguesia, inscrito na matriz da freguesia da … sob o artigo …, tendo sido declarando expressamente na escritura de compra e venda que o imóvel adquirido se destinava a ser a sua habitação própria e permanente.
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Por conta desta compra os Requerentes pagaram IMT o Imposto do Selo devidos (correspondentes a €24.120 + €24.120 + €3.216 + €3.216, num total de €54.672,00).
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No mesmo dia (26 de janeiro de 2017) e após a compra da fração A e depois de pagar a totalidade do preço com o valor que tinha sido obtido com a venda da fração, os Requerentes celebraram um contrato de mútuo hipotecário (Doc. 95) com a O…, S.A., no valor de €450.000, dando como garantia uma hipoteca sobre a fração adquirida como reinvestimento (fração A).
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Os Requerentes realizaram obras de beneficiação da fração A no valor de € 7.811,34 tendo aí localizado a sua habitação permanente até à data da venda.
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Os Requerentes realizaram a escritura de venda, por €1.400.000, da fração A a 20 de novembro de 2017, tendo os Requerentes declarado que residiam no imóvel vendido.
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No dia 12 de junho de 2018 os Requerentes entregaram a declaração de IRS - modelo 3 com referência ao ano de 2017, na qual declararam a aquisição da fração A (artigo …), pelo preço de €804.000,00, e vendido a mesma, no mesmo ano e nove meses depois, por €1.400.000,00, tendo suportado despesas e encargos no valor de €149.189,52, que correspondiam i) aos custos com IMT, Imposto de Selo, registos e atos notariais inerentes à aquisição assim como ii) às obras de beneficiação realizadas no imóvel e iii) ao custo da comissão paga à Mediadora Imobiliária. Mais ainda, declararam ainda pretender reinvestir o valor de €1.400.000 numa nova habitação própria e permanente;
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A Declaração de IRS – Modelo 3 do exercício de 2017 apresentada pelos Requerentes gerou a liquidação 2018…, no valor de €3.199,73 (doc. 106);
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Não obstante, a AT notificou os Requerentes para o exercício de Direito de Audição no âmbito do procedimento de resolução das divergências constantes da declaração do ano de 2017, tendo os Serviços solicitado i) a substituição da declaração entregue por não ser aceite a despesa com o mútuo no valor de €128,01 nem a despesa com o mútuo no valor de €128,01, ii) devendo efetuar-se a correção do valor de reinvestimento para € 354.000,00 (que seria o valor de reinvestimento declarado sem recurso ao crédito) (Doc. 110);
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No dia 04 de dezembro de 2018 foi entregue a declaração de IRS de substituição na qual se corrigiram as despesas relativas ao mútuo, mas onde se manteve tudo o resto, incluindo o valor do reinvestimento;
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Esta declaração gerou a liquidação n.º 2018… no valor de €3.199,73 a qual gerou nova divergência despoletada pela AT tendo os Requerentes exercido, no âmbito da mesma, no exercício do direito de audição prévia, que foi junto à segunda divergência da declaração de rendimentos de 2017.
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Os Requerentes foram notificados do ato de liquidação adicional nº 2020 … referente ao IRS de 2016, no qual foi apurado um valor de imposto a pagar de €298.028,58, incluindo juros compensatórios, acompanhado apenas de demonstração de acerto de contas nº 2020 …, de que resultava o valor a pagar de € 159.972,25 (Doc 1), com a menção de que [“(...) fica notificado da liquidação de IRS relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta. Poderá consultar a informação detalhada da liquidação no Portal das Finanças ou nos Serviços de Finanças. Poderá reclamar ou impugnar (...)”]
2. Factos não Provados
Com relevo para a decisão da causa não ficou provado que os Requerentes tenham sido notificados das razões, motivos ou fundamentos concretos justificativos da liquidação mencionada em II) do elenco de factos provados.
3. Motivação da Decisão da Matéria de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Assim, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental apresentada - junta aos autos, em articulação com os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos Requerentes conforme ata da respetiva inquirição e com a documentação que integra o processo administrativo junto pela Requerida consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados e, designadamente, não provado que os Requerentes tivessem tido concreto conhecimento das razões ou fundamentos da liquidação ora sob impugnação, sem prejuízo da especulação sobre as hipotéticas causas da mesma, como adiante, na apreciação do direito, melhor se desenvolverá, no que respeita à liquidação impugnada referente ao ano de 2016.
IV. Fundamentação Jurídica
O ato tributário objeto de análise pelo presente Tribunal Arbitral resulta das correções efetuadas à declaração de IRS Modelo 3, de 2016, em virtude de processo de divergência iniciada pela Requerida. Concretamente, estão em causa as correções efetuadas às despesas dedutíveis em sede de IRS no caso de rendimentos resultantes de mais-valias imobiliárias bem como a isenção de tributação em sede de IRS relativa ao reinvestimento da mais-valia imobiliária auferida pelos Requerentes.
No entanto, importa, antes de mais, aferir se a liquidação adicional de IRS 2016 emitida pelos Serviços (Liquidação nº 2020 … – Doc 1, com o PPA) está ou não devidamente fundamentada e, em caso afirmativo, se tal invalida (ou não), por si só, a referida nota de liquidação prejudicando, por conseguinte, por desnecessário, o conhecimento das acima referidas questões de causa (desconsideração de i) parte das despesas dedutíveis em sede da mais-valia imobiliária auferida e ii) da isenção da mais-valia imobiliária por reinvestimento).
Ora, citando alguma jurisprudência do STA, nomeadamente em sede do acórdão proferido em 17.11.2010, sufragado pela decisão proferida em sede de CAAD no âmbito do processo 336/2016-T, foi entendido que: “(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação). “
Efetivamente, e na senda do já invocado no âmbito do Processo 336/2016-T, “invocado o vício de falta de fundamentação, no caso deste se verificar, pode o Tribunal não estar em condições de prosseguir com o conhecimento dos vícios de fundo, por não ter todos os elementos disponíveis e essenciais para o fazer. Pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do ato se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de fundo (substanciais) do ato”.
Nesta medida, e partilhando o Tribunal tal entendimento, no caso dos presentes autos importa, antes de mais, aferir se a liquidação impugnada obedeceu ou não às exigências legais e constitucionais de fundamentação, pautados pelos princípios da suficiência, da clareza e da congruência.
Importa referir que, e acompanhando o entendimento proferido pelo Tribunal Arbitral em sede do Processo 851/2019-T, que “releva apenas a fundamentação contida na referida liquidação, devidamente contextualizada, constante no respetivo processo administrativo, resultante do procedimento de fiscalização instaurado e concluído. Qualquer tentativa de fundamentação posterior é irrelevante, pois que, como é sabido, é entendimento da doutrina e da jurisprudência dos nossos tribunais superiores que não pode haver fundamentação do ato tributário (ou administrativo) a posteriori. Assim, acompanhando o nosso Supremo Tribunal Administrativo, entende-se que “embora a fundamentação do acto administrativo seja um conceito relativo, o mesmo deve ter-se como fundamentado desde que um destinatário normal, colocado na situação concreta do real destinatário, se aperceba, sem equívoco, dos motivos por que assim foi decidido. (…) A fundamentação a posteriori, que não é legalmente admissível, pois que só é permitida a fundamentação contextual. Assim a fundamentação adicionada por um aditamento à acta, na qual já tinham sido classificados e graduados os concorrentes, dizendo quais foram os critérios utilizados em tal classificação e graduação, não pode ter-se como integrando a fundamentação.”
Ora, o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. Mais ainda, o artigo 77.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) prevê que a “(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Em anotação ao artigo 77.º, da LGT, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa entendem que: “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).
Ora o citado artigo 77.º, da LGT concretiza o conteúdo da fundamentação dos atos tributários estabelecendo, além do mais, que “a fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
A fundamentação deve consistir, por isso, numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão. Mais ainda, as razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis e claro para o sujeito passivo.
Efetivamente, e conforme várias decisões em sede de Tribunal Arbitral (nomeadamente no âmbito dos Processos 97/2020-T e 254/2018-T, “é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:
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Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
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Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
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Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;
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Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Com efeito, o dever de fundamentação tem, necessariamente, de fazer parte de qualquer acto ou decisão proferidos pela Autoridade Tributária sob pena de “perante um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade, como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os motivos de facto e/ou de direito em que assenta (...)” (Processo 97/2020-T).
Tal como mencionado no acórdão do STA., de 10 de fevereiro de 2010, processo nº 01122/09, “a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação”.
Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” .
Ora, em conformidade com o que vem exposto e face à matéria de facto considerada provada e não provada, constata-se que resulta da emissão da nota de liquidação adicional e demonstração de acerto de contas (doc. 1) que as correções subjacentes às mesmas não foram acompanhadas de qualquer fundamentação, concreta, especifica, suficientemente clara e congruente no que se refere ao IRS de 2016.
As simples menções de que se trata de acerto de contas por alteração da matéria coletável do exercício de 2016 inscrita na notificação da liquidação adicional e acerto de contas não fornecem ao interessado forma de conhecimento das causas ou razões pelas quais se efetuou essa liquidação.
O curial seria que a AT, tendo em conta o processo de divergências no âmbito da Declaração Modo. 3 do ano de 2016, que ela própria considerou sanado, e caso entendesse existir fundamento legal ou factual para efetivar uma liquidação adicional em relação ao mesmo ano, remetesse uma notificação com a indicação precisa e expressa de quais as razões pelas quais em 2020-10-22 estava a levar a cabo nova liquidação adicional do exercício de 2016 (já tinha sido efetuadas anteriormente duas liquidações desse ano).
Na verdade, a AT limitou-se a informar o contribuinte de que tinha efetuado uma liquidação adicional de IRS de 2016 com o simples texto de que:
Efetivamente, o dever de fundamentação tem, necessariamente, de fazer parte de qualquer ato ou decisão proferidos pela Autoridade Tributária e, salvo melhor opinião, não cumpre esta obrigação legal a menção de que se pode consultar outra informação detalhada no Portal das Finanças.
Por outro lado, ainda, a presunção pelo contribuinte, dos possíveis fundamentos do ato tributário ou os diálogos com agentes da AT, não correspondem ao cumprimento da obrigação de fundamentação
Nesta medida, por não se poder considerar que a AT tenha fundamentado devidamente o ato de liquidação adicional emitido, entende o presente Tribunal Arbitral que é procedente o vício de falta de fundamentação imputado à liquidação impugnada, com referência ao exercício de 2016, pelo que deve, consequentemente, ser anulada.
Em resultado desta decisão fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC) a sua apreciação.
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V – Reembolso e juros indemnizatórios
Complementarmente, os Requerentes cumulam o pedido de decisão anulatória do imposto e respetivos juros compensatórios conjuntamente liquidados com o pedido de condenação da AT no reembolso das importâncias pagas, acrescidas dos juros indemnizatórios devidos desde a data do pagamento da coleta até à data da respetiva restituição.
Dispõe a alínea b) do art. 24.º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito».
É isto que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT, quando prevê que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Mesmo que o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, é pacífico na doutrina e jurisprudência que deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários.
Aliás, é essa a interpretação que coincide com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, quando diz que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
Portanto, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.
Ora, sobre esta matéria a jurisprudência tem sido pacífica, tendo em conta o artº 43.º da LGT, que prevê que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Considera-se o erro é imputável à administração quando o mesmo não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto ou de direito que não sejam da responsabilidade do contribuinte.
Como é bom de ver, resultou dos atos tributários impugnados o pagamento de um valor de imposto superior ao que seria devido sem o cometimento das ilegalidades apontadas.
Nesta conformidade, enfermando a liquidação impugnada de vício de falta de fundamentação do ato, e tendo o imposto sido indevidamente pago, têm os Requerentes direito ao à restituição dessas quantias e a juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante, por se encontrarem verificados os requisitos do artº 43º da LGT, liquidados sobre o valor do imposto anulado.
VI - Decisão
De harmonia com o supra exposto, decidem os árbitros deste Tribunal Arbitral Coletivo julgar totalmente procedente o pedido arbitral, conforme se refere e:
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Anular o ato de liquidação de IRS n.º 2020 …, referente ao ano de 2016, no valor de € 298.028,58;
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Anular o ato de demonstração de acerto de contas, também referente ao ano de 2016, com o n.º 2020 …, da qual resultava um valor a pagar de €159.972,25;
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Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no reembolso das importâncias pagas e excesso, acrescidas dos juros indemnizatórios contados nos termos legais.
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Condenar a Requerida nas custas arbitrais.
VII - Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 298.028,58, por corresponder ao valor do ato de liquidação contestado, e cuja anulação se pretende – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VIII - Custas
O montante das custas é fixado em €5.202,00 (cinco mil duzentos e dois euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Lisboa, 25 de outubro de 2022
Os Árbitros
José Poças Falcão (Árbitro Presidente)
Susana Constantino
José Ramos Alexandre
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