Decisão Arbitral
I. Relatório
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A..., contribuinte n.º..., residente na ..., n.º ..., ..., ...-... ..., veio nos termos do disposto no artigo 2.º n.º 1 alínea a), 5.º n.º 2 alínea a), 6.º n.º 1, 10.º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral com vista, à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que tinha por objeto a demonstração de liquidação de Imposto do Selo n.º ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no valor de 21.878,50 €.
1.1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 3 de setembro de 2021.
1.2. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como o signatário como árbitro, nomeação aceite dentro do prazo legal.
1.3. Notificadas as partes dessa designação, não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
1.4. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído no dia 15 de novembro de 2021.
1.5. A Requerida apresentou a sua resposta no dia 28 de dezembro de 2021, juntando posteriormente o Processo Administrativo.
1.6. Em 4 de janeiro de 2022, foi notificada a Requerente para se pronunciar sobre a matéria da exceção, face ao invocado pela Requerida na sua resposta.
1.8. Posteriormente, foram prolatados despachos de prorrogação do prazo de prolação da decisão arbitral e, no dia 25 de setembro, foi proferido despacho arbitral dispensando a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, considerando-se o Tribunal habilitado a decidir a matéria de facto com os elementos já constantes dos autos e, consequentemente, sem a necessidade de prova testemunhal.
1.9. As Partes apresentaram alegações escritas no prazo fixado para o efeito.
2. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, ex vi o disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, como determinado pelos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não enfermando o processo de quaisquer nulidades.
II. Fundamentação
4. Matéria de facto
4.1. Factos Provados
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
4.1.1. O Requerente é trabalhador na sociedade B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ... ..., n.º ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães.
4.1.2. No dia 1 de fevereiro de 2019, o Requerente e C..., sócia e administradora daquela sociedade, celebraram um contrato com o seguinte teor:
“(...)
A: Declara a primeira outorgante:
1. Que pelo presente contrato, doa ao segundo outorgante, A..., 1750 (mil setecentos e cinquenta) ações do capital social da sociedade denominada B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., matriculada sob este número na Conservatória do Registo Comercial, com sede na ... ..., n.º ..., freguesia de ... do concelho de Guimarães, com o capital social de 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), representado por 35.000 ações nominativas, do valor nominal de 5,00 (cinco euros) cada uma.
2. Que as ações objeto da presente doação têm os números seguintes:
a) números 2001 a 3000 (representadas por um título de mil ações);
b) números 01 a 50 (representadas por cinco títulos de dez ações cada um);
c) números 1301 a 2000 (representadas por sete títulos de 100 ações cada um)
3. Que a presente doação é feita com a cláusula de reversão prevista no artigo 960.º do Código Civil, pelo que na hipótese de a doadora, ora primeira outorgante, sobreviver ao donatário, ora segundo outorgante, ou a este e a todos os seus descendentes, as ações objeto do presente contrato regressam ao património da doadora, livres de ónus ou encargos.
4. Sem prejuízo do disposto no ponto anterior, na hipótese de cessar o contrato de trabalho entre o ora segundo outorgante e a sociedade B..., S.A. por qualquer uma das formas previstas no Código de Trabalho, serão restituídas, à ora primeira outorgante, as ações objeto do presente contrato, livres de ónus ou encargos.
B: Declara o segundo outorgante:
5. Que aceita o presente contrato de doação e recebeu, neste acto, os títulos representativos das ações que dele são objeto.
6. Mais declara que se obriga a restituir, à primeira outorgante, as ações ora recebidas, se cessar por qualquer uma das formas previstas no Código do Trabalho, o contrato de trabalho que celebrou com a sociedade B..., S.A.”.
4.1.3. Na sequência da apresentação da Declaração Modelo 1 ISTG, com o registo n.º..., foi efetuada a avaliação das ações, notificada ao Requerente e, na sequência, procedeu-se à liquidação de Imposto do Selo – verba 1.2., com o número ..., no valor de 21.878,50€, datada de 5 de agosto de 2019 e notificada ao Requerente em 19 de agosto de 2019.
4.1.4. O prazo para pagamento voluntário do imposto, de acordo com a “Demonstração de acerto de contas” terminava a 31 de outubro de 2019, podendo o sujeito passivo beneficiar do desconto previsto no artigo 45.º do CIS, ou efetuar o pagamento em prestações, prestando garantia nos termos do mesmo artigo.
4.1.5. Em 31 de outubro de 2019, foi assinado pelo Requerente e pela Senhora C... um documento intitulado “Retificação do Contrato de Doação”, no qual constam as seguintes cláusulas:
“(...)
Cláusula Primeira:
A Primeira Outorgante assinou, em 01-02-2019, um contrato de doação de ações da sociedade anónima B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.º ..., freguesia de..., concelho de Guimarães, a favor do Segundo Outorgante.
Cláusula Segunda:
O referido contrato enfermava de erro na configuração da vontade das partes, uma vez que o que estas pretendiam era, não a doação com cláusula de reversão, mas antes a constituição de usufruto, pelo período de cinco anos, das ações a favor do trabalhador A..., Segundo Outorgante, de forma a que este possa beneficiar quer do direito aos lucros, quer do direito de voto na sociedade, durante aquele período, objetivo que sempre esteve na mente das partes mas, por erro, foi incorretamente vertido na redação originária do contrato originário.
Cláusula Terceira:
Verificado o erro, procedem ao presente aditamento que retifica o contrato originário e retroage os seus efeitos à data da doação.
Cláusula Quarta:
As partes comprometem-se a notificar a sociedade de forma a que sejam feitas as correspondentes alterações nos registos contabilísticos.
(...)”.
4.1.6. Por documento com carimbo de entrada de 31 de outubro de 2019, o Requerente apresentou pedido de substituição da “declaração Modelo 1 – Imposto do Selo – Participação n.º ...”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (Documento n.º 5, junto com o pedido de reclamação graciosa).
4.1.7. No dia 23 de dezembro de 2019 deu entrada na Direção de Finanças de Braga o requerimento de reclamação graciosa, no qual se peticiona a anulação da liquidação de Imposto do Selo n.º ..., no valor de 21.878,50€.
4.1.8. No dia 19 de março de 2020, o Requerente foi notificado de despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Guimarães ..., através de documento com o seguinte teor:
“(...)
Na sequência da entrega de uma petição, no SF de Famalicão ... a requerer a substituição da declaração modelo 1 do IS com o registo ..., entregue por força do estipulado no art.º 26.º do CIS, vimos informar que, em cumprimento do despacho do Chefe de Finanças, de 18 de março de 2020 e que junto cópia, se indefere a V.ª pretensão, por inexistência dos pressupostos previstos no art.º 249.º do Código Civil.
Poderá, caso entenda, exercer o direito de audição, por escrito e no prazo de 15 dias, nos termos a que alude a alínea b) do n.º 1 do art.º 60.º da Lei Geral Tributária, a contar da presente notificação”.
4.1.9. O despacho referido no número anterior tem o seguinte teor:
“Despacho
Resulta, pois, face à factualidade informada, bem como ao parecer emitido, que a figura da retificação depende de erro ostensivo ou patente na expressão de vontade das partes na declaração de vontade que se pretende retificar, sendo ineficaz perante a AT a retificação de documento de cujo contexto ou das circunstâncias em que foi celebrado não resulte erro ostensivo ou patente das partes.
Conforme informado, com a retificação pretende-se a anulação da liquidação efetuada, com fundamento no documento translativo originário, sendo manifesto, face aos elementos que sustentam o documento retificado de vontade das partes, que é propósito a mera evasão fiscal, com a redução do imposto devido.
E assim sendo, a referida retificação não é suscetível [de] configurar uma nova orientação interpretativa do negócio originário, que altere a correta designação do negócio para efeitos tributários.
Deste modo, projeta-se o indeferimento da peticionada substituição declarativa, mantendo-se a liquidação efetuada.
Notifique-se o requerente do presente despacho, com a indicação de que poderá exercer o direito de audição legalmente previsto”.
4.1.10. O Requerente foi notificado do ofício, datado de 24 de fevereiro de 2021, para exercer direito de audição relativamente ao indeferimento da reclamação graciosa, constando dessa notificação a seguinte informação:
“(...)
O Sujeito Passivo vem reclamar da liquidação de Imposto do Selo – verba 1.2 com o n.º ..., levada a efeito em 5 de agosto de 2019, com referência à doação de C..., ocorrida em 1 de fevereiro de 2019, com imposto a pagar no montante de 21.878,50 €, até 31-10-2019, o que ainda não foi feito.
Alega o ora reclamante na sua petição que, o contrato originário foi retificado, por documento lavrado em 31 de outubro de 2019, em virtude de aquele não traduzir a vontade das partes, pelo que solicita a correção da liquidação em crise.
Em 31 de outubro de 2019, o ora reclamante apresentou petição a solicitar a substituição da declaração modelo 1 do Imposto do Selo, com os mesmos fundamentos da presente reclamação.
Em resposta a esta solicitação, foi proferido despacho de indeferimento, com base na informação que a seguir se transcreve:
“Na sequência da feitura do documento retificativo da liberalidade – doação de ações, pretenderá o contribuinte que faça constar da declaração de imposto de selo – transmissões gratuitas, essa mesma rectificação, presumivelmente, com efeitos a retroagir à data da liberalidade.
Assim seria se, efectivamente, a dita rectificação preenchesse os requisitos previstos no art.º 249.º do Código Civil (C.C.), que estabelece um verdadeiro princípio geral com aplicação a todos os actos judiciais e extra-judiciais.
Nos termos desta norma, somente o simples erro de cálculo ou de escrita, relevado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração tiver sido feita, dá direito à rectificação da declaração negocial.
Atento à redacção da norma supra indicada, pois, tal possibilidade de rectificação aplica-se apenas a casos em que o erro é patente ou ostensivo (Vd. Acórdão do TRCoimbra, de 21/07/71, in Boletim do Min. Justiça, n.º 129, pág. 207).
Ora, da leitura atenta à redação da liberalidade e ao seu contexto e sua rectificação, não nos parece ou nos se afigura qualquer erro patente ou ostensivo, parecendo-nos claro o contexto em que aquela doação é feita.
Da mesma forma e, atento ao disposto no n.º 4.º do art.º 36.º da Lei Geral Tributária, esta retificação, não se enquadrando nos pressupostos do art.º 249.º do C.C., não vincula a Autoridade Tributária, doravante designada por A.T.
Destarte, a presente rectificação apenas produz efeitos inter-partes, mas não perante a A.T.
Assim, parece-me ser de qualificar como ineficaz, perante a A.T., a rectificação do escrito e a consequente manutenção das declarações do Imposto de Selo”.
Destarte, face ao exposto, nos termos e fundamentos da citada Informação, aderindo integralmente às conclusões nela expressas, e que se dão, aqui, como suporte desta informação, deve a presente reclamação ser indeferida, mantendo-se a liquidação em crise.
MÉRITO DO PEDIDO: Somos do parecer de que o pedido é feito em tempo, em virtude do disposto no n.º 1 do artigo 70.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, e com legitimidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 15.º, 18.º n.º 3 e 65.º da Lei Geral Tributária. O reclamante não tem razão na sua petição, pelo que julgo ser de indeferir a presente reclamação, mantendo-se a liquidação”.
4.1.11. O Requerente exerceu direito de audição por requerimento datado de 15 de março de 2021, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
4.1.12. No dia 20 de abril de 2021, foi proferido pelo Serviço de Finanças Guimarães I, o seguinte despacho: “Face ao informado e parecer, converto em definitivo o projeto de despacho, indefiro a presente reclamação”.
4.1.13. Tal despacho é antecedido de “Informação” onde consta, entre o mais, a seguinte exposição:
“(...)
Em 16 de fevereiro último foi elaborado um ‘Projeto de decisão’ de indeferimento do pedido de reclamação aqui em análise, o que se dá para todos os efeitos legais aqui como integralmente reproduzido;
O Sujeito Passivo foi notificado, por carta registada, em 24 de fevereiro último, para, querendo, exercer o seu direito de participação na decisão que a final viesse a recair sobre a sua petição, como lhe permite a alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 (quinze) dias;
Em 12 de março de 2021, veio a mandatária do reclamante apresentar uma petição, na qual reitera as alegações da petição inicial.
Pelo exposto, não existindo qualquer alteração relevante das circunstâncias que promoveram o projeto de despacho notificado, deve o mesmo ser mantido.
(...)”.
4.1.14. A decisão de indeferimento foi notificada no dia 29 de abril de 2021.
4.1.15. O Requerente não praticou qualquer ato na esfera da sociedade correspondente à qualidade de proprietário das ações.
4.1.16. Encontra-se averbada nos títulos representativos das ações a seguinte menção: “Usufruto temporário, pelo período de cinco anos, a favor de A..., cujos direitos, sem prejuízo de outros que lhe sejam conferidos por lei, se encontram definidos no contrato de um de fevereiro de dois mil e dezanove, com retificação de trinta e um de outubro de dois mil e dezanove”.
4.1.17. No livro de registo de ações da sociedade, o Requerente figura como usufrutuário dos títulos, constando do mesmo, como data de apresentação da declaração, o dia 1 de fevereiro de 2019.
4.1.18. Na declaração submetida em 20 de novembro de 2019 no Registo Central do Beneficiário Efetivo, o Requerente não figura como sócio da sociedade.
4.1.19. O pedido de pronúncia arbitral deu entrada no dia 1 de setembro de 2021.
4.2. Factos não provados
4.2.1. Não se provou que o Requerente não tivesse praticado atos perante terceiros na qualidade de proprietário das ações.
4.2.2. Não se provou que o Requerente não recebera os títulos representativos das 1750 ações objeto do contrato referido em 4.1.2..
Com efeito, relativamente a tais pontos, resulta inclusivamente demonstrada factualidade inversa, porquanto o Requerente apresentou-se perante a AT, na declaração que apresentou, como proprietário dos títulos e, no contrato que celebrou no dia 1 de fevereiro de 2019, declarou expressis verbis ter recebido os títulos “neste ato”, assumindo, também dessa forma, a obrigação de “restituir, à primeira outorgante, as ações ora recebidas, se cessar por qualquer uma das formas previstas no Código do Trabalho, o contrato de trabalho que celebrou com a sociedade B..., S.A.”.
4.3. Motivação da decisão relativa à matéria de facto
Considerando o disposto nos artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.os 2 a 4, ambos do Código de Processo Civil (por remissão do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT), incumbe ao Tribunal o dever de selecionar a matéria de facto relevante para a decisão tomando em consideração a pretensão formulada e as diversas soluções plausíveis de direito.
No caso sub judice, a decisão sobre os factos provados e não provados radicou, segundo o princípio da livre apreciação da prova, no acervo documental presente nos autos, tanto com o requerimento de pronúncia arbitral, como, posteriormente, com o Processo Administrativo, organizado nos termos do artigo 111.º do CPPT, e junto pela Requerida, e nos factos que não foram questionados pelas partes.
O Tribunal dispensou a produção de prova testemunhal na medida em que não foram alegados factos que possam ter sido causa justificativa do erro da doadora na elaboração e expressão da sua vontade, no momento em que formou a sua vontade de celebrar o “Contrato de doação das ações” (v.g. estava doente, incapaz temporariamente de aprender o sentido das suas declarações e tomar decisões conscientes, ou outros), sendo irrelevante a realização da prova relativa aos factos posteriores, tendo-se dado por assente o que fora declarado pela partes em ambos os contratos.
Por outro lado, a análise dos elementos documentais presentes nos autos permite com suficiente certeza probatória, e de acordo com as regras da experiência comum, determinar a qualidade com que o Requerente recebera as ações, sendo que, estando em causa nos autos a questão relativa à retroação dos efeitos do documento retificativo, os elementos documentais já presentes nos autos permitem-lhe dar resposta.
5. Matéria de direito
5.1. Matéria de exceção
A Recorrida invoca a exceção relativa à tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, sustentando que, tendo o prazo de 90 dias terminado em 28 de julho de 2021 e não se transferindo o mesmo para o primeiro dia útil seguinte ao termo das férias judiciais, tal pedido é intempestivo.
De acordo com o que dispõe o nº 1 alínea a) do artigo 10º do RJAT, conjugado com o n.º 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o pedido de pronúncia arbitral deve ser apresentado no prazo de noventa dias contados da notificação do indeferimento da reclamação graciosa. Tal notificação ocorreu através de ofício enviado em 26 de abril de 2021, cuja receção se presume em 29 de abril (ex vi o artigo 39º nº 1 do CPPT) e o pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado em 1 de setembro de 2021.
Atento o disposto no artigo 20.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, os prazos do procedimento tributário e da impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. Nos termos desta norma, se o prazo para apresentar pedido de constituição do Tribunal Arbitral terminar em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil subsequente, o mesmo sucedendo mutatis mutandis no caso de o prazo terminar no período de férias judiciais, como aqui sucede, transferindo-se o termo do prazo para o primeiro dia útil seguinte ao termo dessas férias.
E não se diga que a tal obsta o facto de nos tribunais arbitrais não existirem férias judiciais, pois como se deixou argumentado na decisão proferida no Processo n.º 432/2016-T:
“É verdade que nos tribunais arbitrais não há férias judiciais, mas verdade é, também, que o mesmo acontece nos serviços periféricos locais em que as petições dirigidas aos tribunais estaduais podem ser entregues, por permissão do artigo 103º nº 1 do CPPT. E, não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, desde há muito, e uniformemente, que o artigo 279º alínea e) do Código Civil se aplica aos casos em que a petição seja apresentada à autoridade administrativa, isto é, que o prazo cujo dies a quo caia em férias judiciais se transfere para o primeiro dia útil seguinte.
A razão fundamental reside em nas férias judiciais se não praticarem atos processuais, excetuados os urgentes. Na verdade, as secretarias judiciais não encerram em férias, por isso nada impede a apresentação de um pedido nesse período (maxime, hoje, com os meios digitais disponíveis), mas não faria sentido impor à parte que apresentasse a petição numa altura em que lhe não seria dado seguimento.
Ora, este entendimento jurisprudencial deve aplicar-se, também, aos tribunais arbitrais, valendo, quanto a estes, uma razão adicional: não há motivo para discriminar os contribuintes que se decidam pela jurisdição arbitral, o que aconteceria se os pedidos de constituição do tribunal tivessem que ser apresentados em férias judiciais, ou seja, antes do que correspondente pedido o poderia ser nos tribunais estaduais”.
Este entendimento conflui com a justificação legal que apresentámos, pelo que, tendo as férias judiciais tido o seu início no dia 16 de julho (sexta-feira) e o seu termo no dia 31 de agosto de 2021 (terça-feira), o termo do prazo para a apresentação do pedido de pronuncia arbitral transfere-se para o dia 1 de setembro, data em que o mesmo foi apresentado.
Improcede, assim, a matéria da exceção, podendo conhecer-se do pedido.
5.2. Questão Decidenda
A questão a decidir é a de saber se a liquidação de imposto do selo perante um contrato de doação de participações sociais, retificado em momento posterior ao da referida liquidação como constituição de usufruto sobre as mesmas participações, com fundamento em erro das partes e em que as partes fizeram retroagir os efeitos à data da celebração do contrato inicial, padece de ilegalidade, por erro de qualificação, e, bem assim, se viola o princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, o princípio da verdade material e o alegado direito à retificação dos contratos. O Requerente aponta também à decisão impugnada o vício de falta de fundamentação.
5.3. Fundamentos de direito
O Requerente sustenta o pedido de anulação da autoliquidação num conjunto de diferentes vícios. Quando tal ocorre, o disposto no artigo 124.º do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, determina que o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, uma mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos e não exista uma relação de subsidiariedade entre os vícios invocados. Apesar de a tutela mais estável e eficaz dos interesses da Requerente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (que não impede a renovação do ato), deve considerar-se que a falta ou vício de fundamentação pode acarretar um equívoco enquadramento factual e jurídico, afetando a correção da análise dos vícios substanciais, razão pela qual se considera primeiramente o vício de apontado à fundamentação.
5.3.1. O Requerente considera que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa “é claramente insuficiente quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pois não permite conhecer o itinerário cognoscitivo, de facto e de direito, que lhe subjaz” e que para conhecer as razões do indeferimento teve de socorrer-se do projeto de indeferimento que lhe foi notificado e que o mesmo “apenas transcreve a decisão que recaiu sobre o requerimento apresentado pelo Requerente em 21-10-2019, que solicitava a substituição da modelo 1 do Imposto de Selo”.
Vejamos.
As exigências de fundamentação dos atos e decisões tributárias constam do artigo 77.º da LGT, que corresponde a uma densificação normativa da injunção constitucional proclamada no art.º 268.º, n.º 3 da CRP, sendo de acentuar que a fundamentação, na sua expressão nuclear, tem de ser “expressa e acessível quando afete(m) direitos e interesses legalmente protegidos”. É pela função que cumpre, ou pelos objetivos que deve satisfazer, que se afere, em cada tipo de situação jurídico-factual, a exigência e grau de densidade da “enunciação contextual, expressa, dos motivos de facto e de direito com base nos quais a administração se decidiu praticar o concreto ato administrativo nos precisos termos em que o fez” e a sua apreensibilidade cognitiva por parte do titular dos direitos afetados (Cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 594/2008, disponível no respetivo website).
A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspetiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas todas aquelas que, ainda que porventura, com um propósito integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente. Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, pode repetir-se que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do ato as razões “justificantes” e “justificativas” - sob o ponto de vista formal - da concreta decisão administrativa. Consequentemente, para estarmos em face de um discurso normativo-racionalmente justificativo, este não poderá deixar de expressar, no mínimo exigível, os factos apreendidos, o modo como foi efetuada essa prognose, os critérios adotados e as valorações efetuadas, devendo ser apenas tido como suficiente naqueles casos onde se revele uma sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade para revelar inteiramente o juízo do autor do ato administrativo, de modo que possa permitir ao seu destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial, aceitando-o, reclamando, recorrendo hierarquicamente ou sindicando-o contenciosamente.
A lei admite expressamente que a fundamentação possa ser efetuada por remissão, podendo “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas”, conquanto a(s) peça(s) para onde se remeta cumpram as exigências de uma fundamentação válida, ou seja, que revelem as razões do decidir administrativo nos termos que supra concretizámos.
Tal é o que sucede no caso dos autos, em que a decisão assume os fundamentos vertidos na informação administrativa que a acompanha, sendo que esta, por seu turno, remete para o projeto de indeferimento da reclamação, de onde consta os elementos de facto e de direito pelos quais se entendia ser de indeferir a pretensão do ora Requerente. É certo que aí se assume uma fundamentação já produzida anteriormente, transcrevendo-se a mesma nesse projeto, dessa realidade não resulta tout court a idoneidade do discurso fundamentador. Pelo contrário, nele se explicita, entre o mais, que: “atenta à redação da liberalidade e ao seu contexto e sua rectificação, não nos parece ou nos se afigura qualquer erro patente ou ostensivo, parecendo-nos claro o contexto em que aquela doação é feita. [§] Da mesma forma e, atento ao disposto no n.º 4.º do art.º 36.º da Lei Geral Tributária, esta retificação, não se enquadrando nos pressupostos do art.º 249.º do C.C., não vincula a Autoridade Tributária, doravante designada por A.T. [§] Destarte, a presente rectificação apenas produz efeitos inter-partes, mas não perante a A.T.”. Trata-se de um discurso suficientemente explicativo para permitir ao Requerente, como efetivamente permitiu, compreender as razões do indeferimento e controvertê-las no presente processo.
5.3.2. Importa, agora, conhecer do vício de inexistência dos factos tributários alegado pelo requerente, a que se reconduz a imputada alegada qualificação do facto tributário, pois a tanto se reconduz a sua alegação de que a aquisição de bens realizada a título gratuito de doação, que lhe foi efetuada pela Senhora C..., teve por objeto não o direito de propriedade das 1750 ações, conforme resultaria do contrato firmado pelo documento particular de 01-02-2019, denominado de Doação de Ações, mas antes o direito de usufruto, e apenas por cinco anos, das mesmas ações, por mor do estipulado, igualmente por documento particular, no contrato outorgado em 31-1-2019, denominado Retificação do Contrato de Doação, contrato este ao qual foram atribuídos efeitos retroativos com referência ao primeiro, sendo que o segundo contrato foi celebrado por virtude de a doadora e donatário haverem constatado que o contrato originário enfermava de um erro na configuração da vontade.
Examinados os dois contratos, acima descritos no probatório, constata-se que os mesmos apenas têm de comum a causa e a forma de transmissão gratuita do direito, qual seja o modo de aquisição do direito (doação), e, no que tange à forma, a utilização do documento particular.
Os dois contratos têm por objeto direitos e efeitos jurídicos distintos. Na verdade, verifica-se que do primeiro resulta, por efeito do contrato e da entrega coetânea das ações (o seu objeto), a transmissão do direito de propriedade das ações (efeito jurídico), embora passível da cláusula de reversão prevista no art.º 960.º do Código Civil.
No segundo, o que se verifica é tão a transmissão, por cinco anos, do direito do usufruto das mesmas ações.
De notar é ainda que, conquanto a existência da cláusula de reversão, não está excluído que a transmissão do direito de propriedade não pudesse ser definitiva ou perene, não obstante a morte do donatário e dos seus descendentes. Bastava que a doadora falecesse antes do donatário.
No segundo contrato, de Retificação do Contrato de Doação, o direito (usufruto) é apenas transmitido por tempo limitado (cinco anos), extinguindo-se logo que decorrido esse prazo, e passando o direito de propriedade plena a pertencer à doadora ou aos seus herdeiros ou legatários, no caso desta ter falecido e conforme haja ou não disposição testamentária.
Desta diferença de objetos e de efeitos jurídicos dos contratos em confronto resulta, com insofismável clareza, que estamos perante contratos, absoluta e substancialmente, diversos, que visam a satisfação de interesses completamente diferentes e, decorrentemente, fundados, em motivos e vontades de contratar totalmente autónomas. Estamos assim perante contratos absolutamente autónomos que se sucedem, não se vendo como fundir o primeiro contrato na mesma categoria negocial do segundo, como aconteceria se fosse situação que coubesse na previsão do art.º 249.º do Código Civil. Os dois contratos não divergem entre si com base em qualquer “erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”, mas com base na existência de objetos do negócio jurídico e de efeitos jurídicos completamente diferentes.
É claro que as partes contratantes, gozando de autonomia e capacidade jurídicas e não sendo os direitos constituídos pelo contrato direitos indisponíveis, podiam, como fizeram, estipular um novo contrato que regesse os seus interesses de uma nova forma antes não prevista no primeiro contrato. Só que esse novo contrato apenas poderia regular os seus interesses nas relações entre os dois contratantes e não também as relações constituídas com terceiros não contratantes, situação essa em que se inclui a Administração Fiscal.
Assim, uma vez celebrado o primeiro contrato e dado que os seus objeto e efeitos jurídicos preenchem a situação hipotizada na norma de incidência objetiva constante do art.º 1.º, n.º 1 do Código de Imposto de Selo e verba 1.2 da Tabela geral do Imposto de Selo, constituiu-se a obrigação ex lege de pagamento do respetivo imposto, por banda da pessoa sujeita a tal encargo (o donatário), ex vi do artigo 3.º, n.º 1 do CIS.
Admitir a anulação da liquidação do imposto efetuado em tais circunstâncias, por força da eficácia do segundo contrato, também em relação à terceira AT, só poderia sustentado se existisse uma norma legal que admitisse a sua eficácia também relativamente à relação jurídico-tributária já constituída com a terceira AT, como sucede no âmbito do IMT, mas não no Imposto do Selo.
É certo que poderá questionar-se se o primeiro contrato não estará inquinado de falta de vontade ou de erro vício de vontade, a que se refere o art.º 247.º do Código Civil que assim dispõe: “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Constata-se, todavia, que o Requerente não alega quaisquer razões de facto que terão sido causa justificativa do erro da doadora na elaboração da sua vontade, no momento em que formou a sua vontade de celebrar o Contrato de doação das ações” (estava doente, incapaz temporariamente de aprender o sentido das suas declarações e tomar decisões conscientes, etc.) sendo irrelevante a realização da prova relativa aos factos posteriores.
Mas ainda que tal se admitisse, o contrato sofreria tão só de anulabilidade e esta apenas poderia ser alegada nas relações entre as partes contratantes e não se oporia aos terceiros, entre os quais a AT, tendo em conta o disposto nos artigos 247.º e 287.º do Código Civil e 36.º, n.º 4 e 38.º, n.º 1, estes da LGT. A anulabilidade seria, portanto, ineficaz em relação a terceiros e, consequentemente, a AT, como, aliás, decorre, mutatis mutandis, do Acórdão do STA, de 27 de outubro de 2021, tirado no Processo n.º 0640/13.8BEBRG, onde se refere que “no que respeita aos actos de direito privado, o Estado é, em regra, um terceiro, embora interessado na produção de certos efeitos, quando a incidência dos impostos (ou até a sua garantia) tenha esses efeitos como base ou como objecto. Assim, relativamente à AT, a declaração de nulidade do negócio jurídico não tem – nem se justificaria que tivesse, por óbvias razões de segurança (Não podemos perder de vista que os impostos visam a obtenção de receitas para financiamento do Estado e, em tese, a angariação de meios financeiros destinados a satisfazer necessidades públicas. Assim, dificilmente se conceberia a possibilidade de, a todo o tempo, a AT poder ser obrigada a restituir o que houvesse legalmente recebido a título de imposto quando o negócio jurídico que esteve na origem da liquidação se revelasse nulo.) – a virtualidade de impor à AT a devolução do montante de imposto que foi regularmente liquidado e cobrado”.
A título complementar note-se que a jurisprudência já se pronunciou relativamente a casos com traços de semelhança. Numa situação em que foi feita uma escritura de retificação a uma escritura de doação de um imóvel a um casal, deixando-se naquela consignado que “(...) a intenção dos primeiros outorgantes era doar o referido prédio apenas ao segundo outorgante marido, seu filho, pelo que pela presente escritura rectificam aquela escritura de doação, no sentido de que a mesma é efectuada unicamente ao segundo outorgante M.”, entendeu o Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 15 de abril de 2021, tirado no Processo n.º 00606/09.2BEBRG, que:
“A 2.ª escritura sob epígrafe retificação claramente não identifica, de acordo com o art. 249.º do Código Civil, o erro de escrita ou lapso cometido no seu texto, antes se apresenta como uma nova declaração de vontade dos donatários, direcionada para que seja apenas beneficiário da doação o filho, com renúncia da donatária à metade indivisa de que tinha beneficiado com a 1.ª escritura de doação.
Na verdade, o tratamento muito especial que a norma do art. 249.º prevê explica-se pelo facto de o lapso cometido ser manifesto. Na realidade, não deve haver qualquer fundada dúvida sobre o que se quis declarar. Os erros ou lapsos de escrita estão claramente definidos na lei processual, no art. 667.º (atual 614.º), em que os erros apenas são os que têm expressão material da vontade dos contraentes, erros de escrita ou cálculo ou inexatidões e não já os erros que possam ter influído na formação da vontade declarada. Notas ao Código Civil, Vol. I, Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Lisboa 1987.
Quer isto dizer que os erros terão de ser perfeitamente percetíveis no contexto da escritura.
Como se intui, não é claramente a situação espelhada nos autos na medida em que após a escritura de doação ambos os donatários praticaram atos que apontam para a completude do que haviam declarado, tal como os doadores, pois, entre a 1.ª escritura e a segunda medeia mais de um ano, apenas o procedimento de liquidação veio pôr o enfoque das consequências fiscais de tal doação.
A escritura pública de doação ocorrida em fevereiro de 2005 produziu os seus efeitos civis e fiscais.
O facto translativo concretizou-se de tal sorte que se registou a propriedade em nome dos donatários.
Por sua vez a obrigação do imposto surgiu no momento em que ocorreu a transmissão, quer na 1.ª escritura quer na 2.ª, nesta a propriedade transmitida consolidou-se na totalidade na esfera jurídica do filho dos doadores, com a exclusão da inicial donatária na metade indivisa do prédio. Embora aflorando outra questão, veja-se, a propósito da doação e al. g) do n. º3 do art.1.º CIS, o acórdão do STA de 19-04-2012, no processo 01189/11, disponível em www.dgsi.pt” [disponível em www.dgsi.pt].
Também no caso sub iuditio, até à retificação também o contrato de doação produziu os seus efeitos, vigorando como tal na ordem jurídica na data em que é concretizada a liquidação do imposto. E também tal como na situação do aresto, também aqui se conclui, pelos fundamentos atrás referidos, que a retificação do contrato não tem cabimento na disposição do artigo 249.º do Código Civil, traduzindo uma nova declaração de vontade, cujos efeitos as partes, no exercício da sua autonomia da vontade, quiseram fazer sobrepor aos do contrato primitivo, que, não obstante, prevalecia na ordem jurídica na data da liquidação, sendo que a retroação dos efeitos não é, em tais circunstâncias, oponível à AT, na falta de norma legal que o autorize.
Improcede, decorrentemente, a ilegalidade alegada relativamente a esta causa de pedir.
5.3.3. Por fim, importa considerar a argumentação do Requerente no que se refere à violação do princípio da verdade material e do princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real.
Começando por estes princípios fundamentais do Estado Fiscal, importa começar por referir que não nos encontramos perante a tributação do rendimento do Requerente, sendo por isso indiferente à tributação em sede de Imposto do Selo a capacidade económica revelada pelo rendimento encontre-se a mesma montante ou a jusante dos factos tributários relativamente aos quais se recorta a norma de incidência e se procede à quantificação do imposto em sede de Imposto do Selo. Não se ignorando que o Requerente levou a sua argumentação mais adiante, invocando uma dissonância entre o status de proprietário – relativamente ao qual, diz, “não se oporia ao pagamento do imposto” – e a sua situação como atual usufrutuário, há que tomar em consideração que o princípio da capacidade contributiva expressa a necessidade de uma conexão real e efetiva entre os factos tributários e a realidade existente no momento em que a tributação ocorre, isto é, a liquidação do imposto tem na sua base uma capacidade contributiva atual, no sentido de que existe no momento da verificação do facto, e não uma capacidade futura ou meramente eventual. Nesses termos, no momento em que a liquidação ocorre, figurando o Requerente como proprietário, foi essa a capacidade contributiva que foi atingida pelo tatbestand normativo. Ademais, a título de obter dictum, sempre poderá acrescentar-se que não nos encontramos, no caso concreto, perante o procedimento de revisão fundado em injustiça grave ou notória (cf. artigo 78.º, n.º 4, da LGT), pelo que, não existindo violação do princípio da capacidade contributiva, a análise desses pressupostos exorbita do âmbito deste processo.
Uma vez que o Requerente, não formula nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa que este Tribunal Arbitral pudesse conhecer, tanto basta para que se considere satisfeita a injunção constitucional que impõe ao Tribunal o dever de não aplicação de normas feridas de inconstitucionalidade, não se vislumbrando razões para que tal dever se tenha por incumprido.
Da mesma sorte, improcede a argumentação referente ao direito à retificação dos contratos jurídicos, que não foi posta em causa no juízo expresso no ponto anterior que não afeta o reconhecimento da autonomia da vontade para a modelação e a retificação dos contratos, como também improcede aquilo que o Requerente designa de “verdade material”, face ao que se deixou consignado no ponto anterior.
III. Decisão
6. Decisão
Destarte, atento o exposto, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar improcedente o pedido, mantendo na ordem jurídica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa objeto da pronúncia arbitral; e consequentemente,
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Condenar o Requerente nas custas processuais infra determinadas.
7. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, atribui-se ao processo o valor de € 21 878,50.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00, em consonância com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Coimbra, 31 de outubro de 2022,
João Pedro Rodrigues
Notifique-se.