Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 640/2020-T
Data da decisão: 2022-10-03  IRC  
Valor do pedido: € 8.500,00
Tema: IRC – Tributação de dividendos pagos a Organismos de Investimento Coletivo (OIC) não residentes. Artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
Versão em PDF

 

Sumário:

O artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., anteriormente designado B..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de identificação fiscal..., com sede em  ... Main, Alemanha, (doravante designado por Requerente), à data dos factos representado por C... GMBH, na qualidade de sociedade gestora, com sede em ..., Alemanha, e atualmente representado por D... GmbH, na qualidade de sociedade gestora, apresentou junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedido de constituição de Tribunal Arbitral singular, ao abrigo das disposições conjugadas nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), (de ora em diante designada por Requerida).
  2. No pedido de pronúncia arbitral (ppa), apresentado em 16.11.2020, o Requerente peticiona que os atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos ao ano de 2018, no valor de € 8.500,00, sejam anulados com fundamento em ilegalidade, por violação do artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
  3. O Requerente pede a restituição do valor de € 8.500,00 de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, e o inerente pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento indevido e até à data da sua efetiva restituição.
  4. O requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de considerar que Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos em Estados-Membros da UE (in casu a Alemanha), isentando, em simultâneo, de tributação a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia, conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia.
  5. Com vista a obter a anulação dos atos de retenção na fonte, o Requerente apresentou, em 02.02.2020, ao abrigo dos artigos 98.º e 137.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2018, na qual solicitou a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade por violação direta do Direito da União Europeia, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal, processo que correu termos na Direção de Finanças de Lisboa sob o n.º ...2020..., tendo sido, por Despacho de 10.08.2020, a mesma alvo de decisão de Indeferimento com os fundamentos ínsitos na informação n.º ...2020..., da Direção de Finanças de Lisboa.
  6. Em 17.11.2020, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e em 23.11.2020 foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. O Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º do RJAT, em 11.01.2021 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  7. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
  8. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, em 03.05.2021 verificou-se a constituição do Tribunal arbitral.
  9. Na mesma data foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos previstos nas normas do artigo 17.º do RJAT.
  10. Na sequência do despacho arbitral de 03.05.2021, proferido para os efeitos do n.º 2 do artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo.
  11. Considerando que, quer o Requerente, quer a Requerida, nas suas peças processuais, respetivamente, pedido de pronúncia arbitral e Resposta, equacionam a suspensão do processo arbitral até que se verificasse a pronúncia do TJUE em resultado do reenvio prejudicial feito no processo arbitral n.º 93/2019-T, no âmbito do qual estava sob apreciação um pedido idêntico e relativo a matéria da mesma natureza.
  12. Por despacho de 04.08.2021, em ordem à correta apreciação da matéria controvertida e com vista à boa decisão da causa, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 269.º e do n.º 1 do artigo 272 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, o Tribunal arbitral determinou a suspensão da instância até ser conhecida a posição do TJUE em resultado do pedido de reenvio prejudicial feito no processo arbitral n.º 93/2019-T.
  13. Atento este pedido de reenvio prejudicial, em 17 de março de 2022, por Acórdão proferido no processo n.º C-545/19, o TJUE pronunciou-se sobre a conformidade ou não do direito interno português com o direito da União Europeia e concluiu que “[o] artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
  14. Em 18.03.2022, o processo arbitral retomou a sua normal tramitação e, em 06.04.2022, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo e, ainda, dos princípios da celeridade, simplificação e da informalidade processual (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), tendo em conta que não foram suscitadas exceções e considerando a natureza da matéria controvertida, o Tribunal arbitral decidiu: i) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; ii) Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, a apresentar pela Requerida no prazo de 20 dias e, neste mesmo prazo, subsequentemente e não em simultâneo, pela Requerente, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT; iii) Fixar o dia 31.05.2022 como data limite para a prolação da decisão arbitral. No sistema de gestão processual do CAAD, fazendo parte integrante do processo arbitral, estão registados os despachos que justificam a razão da prorrogação da data para prolação da decisão arbitral.
  15. Em 24.05.2022, o Requerente apresentou as suas alegações, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas, sendo que para fundamentar a ilegalidade dos atos de retenção na fonte de IRC, no essencial, reproduziu as razões aduzidas no pedido de pronúncia arbitral.
  16. Por sua vez, a Requerida em 25.05.2022, apresentou as suas alegações fazendo destas constar que “Atenta a decisão prolatada pelo TJUE no processo n.º C-545/19, referente a um pedido de reenvio prejudicial no processo n.º 93/2019-T do CAAD, a AT reitera e remete para os factos e direito constantes da Resposta, a qual dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais”.

 

  1. RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES

II.1 Pelo Requerente

  1. O requerente discorda da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, notificada em 17 de agosto de 2020, por considerar que a AT se destituiu do seu poder de decisão, mas também porque, por consequência dessa inércia e da confirmação da legalidade dos atos tributários reclamados, acabou por emitir uma decisão desfavorável ao contribuinte, que padece de vício de violação de lei, circunstância que motivou apresentação do pedido de pronúncia arbitral.
  2. O Requerente invoca o facto de, em conformidade com o quadro regulatório e fiscal alemão, ser uma entidade jurídica de direito alemão, concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (OIC), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária, comumente designada de fundo de investimento, sendo um sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável no país (juntou ao ppa certificado de residência fiscal relativo ao ano de 2018 – Doc.1).
  3. Que, em virtude de não se tratar de um OIC sob a forma societária (sociedade de investimento), mas antes meramente contratual (fundo de investimento), o Requerente não reveste juridicamente a forma de sociedade comercial, não estando, nos termos da legislação alemã aplicável, sujeito a qualquer obrigação de registo no Registo Comercial alemão e, como tal, não pode ser titular de direitos ou obrigações.
  4. Os ativos do Fundo são dissociados dos demais ativos da entidade gestora, nos termos da lei regulatória aplicável, e, como tal, protegidos contra ações intentadas contra os investidores, a entidade gestora e o banco responsável pela custódia. ao abrigo da lei aplicável na Alemanha, regra geral, não existem restrições quanto ao número de unidades de participação que podem ser emitidas. Os investidores podem adquirir unidades de participação através da entidade gestora, do banco responsável pela custódia ou de terceiro.
  5. Nenhum direito de voto está associado às unidades de participação. Os investidores tornam-se comproprietários dos ativos detidos pelo Requerente na proporção dos seus investimentos, não lhes sendo atribuído o direito de dispor dos ativos do Requerente. Somente a entidade gestora tem o direito de dispor dos ativos pertencentes ao Requerente.
  6. O Requerente está sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas no seu país de residência (Alemanha), tendo-lhe sido concedida uma isenção (nos termos da Secção 11 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impossibilita de recuperar a título de crédito por dupla tributação internacional, ou através de qualquer pedido de reembolso, os impostos suportados ou pagos no estrangeiro.
  7. Em 2018, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, Estado fonte de obtenção dos rendimentos, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal. Os dividendos recebidos no ano de 2018 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista no n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC (CIRC), o que determinou imposto a pagar no valor de € 8.500,00, conforme discriminação a seguir:

 

  1. O Requerente alega que, à data dos factos tributários em análise, ao sujeitar a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos em Estados Membros da UE (in casu a Alemanha), e isentando de tributação, em simultâneo, a distribuição de dividendos a Organismos de Investimento Coletivo estabelecidos e domiciliados em Portugal, está a ser violado, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, conforme tem sido entendimento unânime do Tribunal de Justiça da União Europeia.
  2. O Requerente alega que, importa determinar a conformidade dos normativos internos em vigor à data dos factos tributários ora sindicados, concretamente, os normativos do CIRC (art.ºs 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4) e do EBF (art.º 22.º, n.º 1) relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos por OIC com os princípios estabelecidos no Direito da UE, em particular com o artigo 63.º do TFUE, porquanto, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos.
  3. Acresce que a constituição de um OIC em Portugal depende de autorização prévia da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Regime Geral dos OIC (Lei n.º 16/2015, alterada pelo Decreto-Lei n.º 124/2015, de 7 de julho), e para que um OIC se constitua de acordo com a legislação nacional (tal como definido no n.º 1 do artigo 22.º do EBF) necessita do cumprimento de múltiplos requisitos previstos no Regime Geral dos OIC, cuja verificação é supervisionada pela CMVM, o que não se pode verificar no caso de OIC constituídos ao abrigo de legislação estrangeira.
  4. Em caso de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa e aqui não residentes, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
  5. Resulta, assim, que um OIC constituído ao abrigo do Regime Geral dos OIC, aquando da distribuição de dividendos provenientes de sociedades sediadas em Portugal, estava sujeito, no ano de 2018, a um regime fiscal mais favorável do que o aplicável a um OIC constituído de acordo com a legislação de um qualquer outro Estado Membro da UE, por força do disposto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, o que se traduz num regime de tributação mais favorável para aqueles comparativamente a estes últimos.
  6. Em face do artigo 14.º do Tratado de Roma, tratado que criou a Comunidade Económica Europeia, a União Europeia caracteriza-se por ser um espaço sem fronteiras, consagrando as denominadas quatro liberdades fundamentais: liberdade de circulação de mercadorias, liberdade de circulação de pessoas e bens, liberdade de circulação/prestação de serviços e liberdade de circulação de capitais.
  7. O artigo 18.º do TFUE estabelece uma proibição genérica de discriminações baseadas na nacionalidade, princípio esse concretizado, no que diz respeito à livre circulação de capitais, no artigo 63.º, o qual proíbe todas as formas de discriminação baseadas na nacionalidade ou no local de investimento entre entidades/pessoas residentes em Estados Membros da EU.
  8. O Anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, estabelece uma nomenclatura de movimentos de capitais, a qual conservou o valor indicativo que tinha para a definição do conceito de movimento de capitais, o que equivale a dizer que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
  9. Importa, portanto, concluir que a distribuição de dividendos efetuada ao Requerente no ano de 2018 constitui um movimento de capitais na aceção do artigo 63.º do TFUE, pelo que se impõe determinar se a legislação nacional em vigor à data dos factos se mostra contrária ao artigo 63.º do TFUE, por via da introdução de um tratamento discriminatório entre OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa e OIC constituídos ao abrigo de normas de outros Estados Membros da EU.
  10. O Requerente indica diversa jurisprudência do TJUE e salienta que este tribunal já se pronunciou expressamente sobre regimes nacionais de tributação de dividendos auferidos por OIC residentes e não residentes (de outros Estados Membros), semelhantes ao previsto no ordenamento fiscal português, tendo concluído pela sua desconformidade com o Direito da UE, sendo que também os tribunais sob a égide do CAAD já se pronunciaram noutras decisões no sentido sustentado pelo Requerente no ppa.
  11. Alega o Requerente que caso tivesse sido constituído ao abrigo das normas vigentes em Portugal e aqui estabelecesse a sua residência fiscal, não teria incidido qualquer retenção na fonte em sede de IRC sobre os dividendos por si percecionados no ano de 2018, em virtude da aplicação da isenção de tributação, pelo que é, precisamente, nesta dicotomia discriminatória, centrada no Estado de residência fiscal do beneficiário dos rendimentos, que importa trazer à colação a legislação europeia, bem como a interpretação que tem sido efetuada pelo TJUE.
  12. Coloca-se, portanto, a questão de saber se um OIC constituído ao abrigo da lei portuguesa e um OIC constituído ao abrigo das normas de outro Estado Membro estão em situações comparáveis para efeitos da aferição de um cenário discriminatório em termos fiscais, dúvida que a Direção de Finanças de Lisboa suscita na fundamentação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa.
  13. A verdade é que se ao Requerente fossem aplicadas as mesmas regras que são aplicadas aos OIC residentes, aquele não estaria sujeito a tributação em Portugal pelos dividendos recebidos de entidades nacionais, ao que acresce que a própria legislação nacional impede que o Requerente possa beneficiar da isenção de IRC uma vez que este está legalmente impedido de constituir um fundo em Portugal, já que a respetiva sociedade gestora não é domiciliada em Portugal, aqui residindo mais um aspeto discriminatório do regime nacional – discriminação em função da residência e da nacionalidade.
  14. O Requerente alega não se poder afirmar que não existe uma situação de comparabilidade, porquanto um OIC em Portugal está sujeito a outros e distintos tipos de tributação, tais como o Imposto do Selo e tributações autónomas em sede de IRC, argumento que tem vindo a ser sustentado pela AT noutros processos em que se discute o quadro legislativo aqui em apreciação.
  15. Há que sublinhar que, por estarem em causa impostos de natureza e com objetos diferentes – rendimento, no caso de IRC e IRS, e património, no caso do Imposto do Selo – não é lícito, legítimo ou adequado, que a análise de comparabilidade dos OIC residentes e OIC não residentes no que respeita à tributação de dividendos tenha em consideração outros impostos que não estritamente o incidente sobre rendimento, in casu, o IRC.
  16. O CIRC sujeita a imposto os OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa (ainda que isentos) e os OIC constituídos ao abrigo das normas de outros Estados Membros, não restando qualquer dúvida quanto à comparabilidade de situações em confronto nos presentes autos – OIC residentes e não residentes em Portugal na tributação de dividendos auferidos em Portugal.
  17. Há que salientar que o facto de a legislação interna portuguesa subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, em concreto, a isenção de retenção na fonte incidente sobre os dividendos/lucros, à condição de o OIC ser residente em território nacional, constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 1.º da Diretiva 88/361 e pelo artigo 63.º do TFUE.
  18. E, nesta medida, a norma controvertida do artigo 22.º do EBF mostra-se contrária ao Direito da UE, uma vez que colide com as disposições do Tratado relativas ao princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, bem como com as garantias associadas ao direito de estabelecimento e, ainda, com as disposições relativas à livre circulação de capitais previstas no seu artigo 63.º, tendo o efeito de dissuadir os OIC estabelecidos noutros Estados Membros de investirem os respetivos capitais em sociedades com sede em Portugal, bem como viola o artigo 8.º da CRP.

II.2 Pela Requerida

  1. Na sua resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a Requerida pugna pela manutenção dos atos tributários de retenção na fonte de IRC incidentes sobre dividendos relativos ao ano de 2018, tendo dado por integralmente reproduzida a fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo Requerente.
  2. De entre a fundamentação da reclamação graciosa, a Requerida destacou os aspetos seguintes:

«12. Quanto à entrega do imposto retido nos cofres do Estado pelo substituto tributário, cumpre mencionar que as guias de retenção na fonte indicadas pela reclamante apresentam valores muito superiores ao reclamado. No entanto, é possível descortinar os valores em concreto ora reclamados no que diz respeito às guias, através da consulta do sistema informático da AT, nomeadamente da Declaração Modelo 30 (rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes) da reclamante.

13. Quanto à alegada desconformidade das normas legais internas com o Direito da União Europeia, mais precisamente, a não consideração destes rendimentos para efeitos do apuramento do lucro tributável, prevista no n.º 3 do artigo 22.º do EBF e sua impossibilidade de aplicação aos rendimentos distribuídos aos Organismos de Investimento Coletivo com sede fora de Portugal, cumpre dizer o seguinte:

14. Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (1), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, no que aqui importa ressaltar, a redação do artigo 22.º do EBF, aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (2), conforme resulta do n.º 1 do artigo 22.º do EBF e Circular n.º 6/2015 (3).

15. Com a nova redação, estabeleceu o legislador, para esses sujeitos passivos de IRC, uma exclusão na determinação do lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código de IRS, conforme resulta do n.º 3 do referido artigo 22.º do EBF.

16. Exclusão esta não aplicável à reclamante – pessoa coletiva de direito alemão – por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, o que é por si contestado no presente pedido.

17. A consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos artigos 63.º e seguintes do TFUE, concretização do artigo 18.º do TFUE, aplicável entre Estados-membros que integram a UE.

18. Não obstante, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.

19. Evidenciando-se que, ao contrário do que se verifica com o IVA, não existe no TFUE uma previsão quanto à harmonização de impostos sobre o rendimento ou tributação direta (4), embora, numa tentativa de aproximação de legislações dos Estados-membros, a mesma encontre alguma expressão, nos artigos 114.º e 115.º do referido Tratado.

20. Cumpre referir que não compete à AT avaliar a conformidade das normas internas com as do TFUE, nem tão pouco apreciar da sua constitucionalidade, realçando-se que, na senda do entendimento acolhido pela recente jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Administrativo (5), atendendo ao disposto nos artigos 266.º da CRP e 55.º da LGT, a Administração Tributária deve atuar em conformidade com a lei, não podendo, por regra, deixar de aplicar uma norma tributária constante de diploma legal, por alegada inconstitucionalidade, a não ser quando o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º da CRP.

21. E, por outro lado, não pode a AT aceitar de forma direta e automática as orientações interpretativas do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) quando estas não têm, na sua origem, a apreciação da compatibilidade entre as disposições do direito interno português e o direito europeu.

22. Sendo que a jurisprudência trazida à colação pela reclamante respeita a normas legais de outros ordenamentos jurídicos, não se conhecendo, quaisquer decisões do TJUE que tenham concluído pela desconformidade do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, com o TFUE.

23. Todavia, sempre se dirá que, de acordo com Paula Rosado Pereira (6), “(…) no Caso Schumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes (…)”, considerando a autora que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, que na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação consagradas no TFUE.”

24. Pelo exposto, é de indeferir o presente pedido.

25. Acrescenta-se, ainda que, por não se verificarem in casu os pressupostos do artigo 43.º da LGT, não assiste à reclamante o direito a juros indemnizatórios.»

  1. A Requerida alegou que os Organismos de Investimento Coletivo (OIC) constituídos e a operar em território nacional são sujeitos passivos do IRC (art.º 2.º, n.º 1, al. b) do CIRC), cujas regras de tributação beneficiam de algumas especificidades definidas no artigo 22.º do EBF, sendo de realçar que a legislação nacional sobre a tributação dos OIC é conforme ao princípio da liberdade de circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE, como foi reconhecido pela Advogada-Geral nas suas Conclusões sobre o processo Allianzgi Fonds Aevn C-545/19, em que está em apreciação o mesmo quadro legislativo.
  2. A Requerida considera que o modelo em que se recorta o regime especial de tributação dos OIC em sede de impostos sobre o rendimento, assenta na chamada tributação “à saída”, que consiste, no essencial, em tributar os rendimentos obtidos por estas entidades no momento da atribuição aos investidores (titulares das unidades de participação), seja por distribuição ou por resgate das unidades de participação, sendo afastada a tributação à entrada dos rendimentos na esfera patrimonial dos OIC (cf. n.º 10 do art.º 22.º do EBF).
  3. Acresce que o quase esvaziamento da tributação, em IRC, dos OIC é compensado pela tributação destas entidades em imposto do selo, de acordo com a Verba 29 da TGIS, que prevê a incidência de uma taxa de 0,0025%, por cada trimestre, sobre o valor líquido global do património dos organismos de investimento coletivo que investam, exclusivamente em instrumentos o mercado monetário e depósitos (Verba 29.1) e a incidência da taxa de 0,0125% , por cada trimestre, sobre o valor líquido global dos restantes OIC (verba 29.2 da TGIS).
  4. Nesta medida, os dividendos distribuídos a OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional estão, em geral, quase isentos de IRC, mas estas entidades são tributadas em imposto do selo, a pagar em cada trimestre, sobre o valor contabilístico do ativo líquido, que pode incluir os investimentos realizados, designadamente em partes do capital de sociedades, e bem assim os rendimentos (incluindo os dividendos) acumulados até ao momento da atribuição aos investidores.
  5. A Requeria realçou que os rendimentos obtidos pelo Requerente apenas são tributados na esfera dos investidores ou participantes que estão obrigados a declarar não apenas o rendimento distribuído, mas também o rendimento do Fundo calculado por imputação proporcional e desta forma o IRC retido em Portugal sobre os dividendos pagos ao Requerente podia ser objeto de imputação proporcional aos investidores ou participantes dando direito ao crédito de imposto por dupla tributação internacional.
  6. A Requerida realçou que o TJUE tem entendido que o n.º 12 do artigo 65.º do TFUE, por constituir uma derrogação ao princípio da livre circulação de capitais, deve ser objeto de interpretação estrita, tanto mais que é limitada pelo disposto no n.º 3 desse mesmo artigo, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.° TFUE” (cf., acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C 190/12, e jurisprudência referida).
  7. Havendo, portanto, que distinguir entre as diferenças de tratamento autorizadas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), e as discriminações proibidas pelo n.º 3 do mesmo artigo, resultando da jurisprudência do TJUE que, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento diga respeito a situações que não são comparáveis objetivamente ou que se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral (cf., acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C 338/11 a C 347/11, e jurisprudência referida).
  8. E, nessa medida, em ordem a determinar se ambas as situações são objetivamente comparáveis, importa avaliar da compatibilidade dos normativos da lei nacional sobre o regime de tributação dos dividendos recebidos por OIC residentes e OIC não residentes com a liberdade de circulação de capitais.
  9. E para o efeito há que considerar não apenas a isenção de retenção na fonte do IRC aplicada aos dividendos pagos aos OIC residentes, mas sim a carga fiscal global incidente sobre as entidades abrangidas pelo artigo 22.º do EBF, pois, os rendimentos obtidos através destas entidades quando atribuídos aos investidores ou participantes refletem toda a tributação aplicada na esfera dos OIC, seja por via do imposto sobre o rendimento seja de outros impostos aplicados em substituição, in casu, o imposto do selo, sendo, assim, relevante tomar em consideração todo o contexto fiscal da tributação dos OIC e proceder a uma apreciação global do regime de tributação.
  10. Invocando a posição da Advogada Geral sobre o processo C-545/19, e referenciando as situações analisadas pelo TJUE no processo Fidelity Funds, de que emergiu o Acórdão de 21 de junho de 2018, C-480/16), e no processo Denkavit International und Denkavit France, que deu lugar ao Acórdão de 14 de dezembro de 2006 (C-170/05), a Requerida considera legítimo concluir que um OIC residente em território português e um OIC não residente, geralmente, não se encontram numa situação comparável no plano da tributação e, consequentemente, as diferenças nos regimes de tributação dos dividendos não constituem uma restrição à livre circulação de capitais.
  11. A Requerida considera que os argumentos do Requerente integram uma visão redutora do regime de tributação dos OIC residentes, na medida em que se atém exclusivamente ao artigo 22.º do EBF, desvalorizando a tributação em sede de imposto do selo, que ao incidir sobre o valor do ativo líquido no final de cada trimestre inclui os rendimentos acumulados até ao momento de atribuição aos investidores e labora em erro quando defende que a taxa de Imposto do Selo incide sobre o valor líquido global do OIC português, e não sobre o rendimento auferido, porquanto, esquece que os rendimentos acumulados, isto é, ainda não distribuídos, são parte integrante do ativo líquido global.
  12. A Requerida realça que o regime fiscal aplicável aos OIC constituídos ao abrigo da legislação nacional, embora consagre a isenção dos dividendos distribuídos por sociedades residentes, não afasta a tributação desses rendimentos por outras formas, seja por tributação autónoma, seja em imposto do selo, quando os mesmos rendimentos integram o valor líquido destes organismos, logo, não pode afirmar-se que, em substância, as situações em que se encontram aqueles OIC e os Fundos de Investimentos constituídos e estabelecidos noutros Estados-Membros que auferem dividendos com fonte em Portugal, sejam objetivamente comparáveis.
  13. Nesta medida, a Requerida conclui que o regime fiscal dos OIC não encerra qualquer violação do artigo 63.º do TFUE, devendo os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre dividendos do ano de 2018 ser mantidos na ordem jurídica.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
  2. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  3. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
  4. O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções. Assim, passa-se à apreciação e decisão do mérito da causa.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

III.1. MATÉRIA DE FACTO

III.1.1. Factos provados

 

  1. Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:
    1. O Requerente é um Organismo de Investimento Coletivo constituído sob a forma contratual, de acordo com a legislação alemã, com sede na Alemanha e gerido por uma entidade gestora de fundos de investimento, com sede na Alemanha, sendo também sujeito passivo de IRC, não residente e sem estabelecimento estável em Portugal;
    2. O Requerente não reveste a forma societária, pelo que não se encontra sujeito a qualquer obrigação de inscrição registral no Registo Comercial alemão, não podendo ser titular de direitos ou obrigações;
    3. O Requerente é um fundo aberto autónomo baseado num contrato entre a entidade gestora, os investidores e o banco responsável pela guarda dos valores mobiliários, que tem exclusivamente por objeto a administração, gestão e investimento do seu património;
    4. Em face das regras de direito alemão a que está sujeito, os ativos pertencentes ao Fundo estão num regime de compropriedade com os investidores, sendo o capital investido pela sociedade gestora, em seu próprio nome;
    5. O Requerente é uma entidade fiscalmente residente na Alemanha, ali sujeito a imposto sobre as pessoas coletivas, embora dele isento, nos termos da Secção 1 parágrafo 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Sociedades Alemão – “German Corporate Income Tax Act” – e da secção 11 parágrafo 1,2 do Código Fiscal de Investimento Alemão – “German Investment Tax Act”), o que o impede de recuperar os impostos suportados no estrangeiro, a título de crédito por dupla tributação internacional, ou formular qualquer pedido de reembolso;
    6. Os dividendos recebidos pelo Requerente no decorrer dos anos de 2018 foram sujeitos a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25% prevista na alínea c) do n.º 4 do artigo 87.º do Código do IRC, no valor total de 8.500,00, valor este entregue nos cofres do Estado através das guias n.º ... (maio de 2018) e n.º ... (setembro de 2018);
    7. Em 02 de março de 2020, o Requerente apresentou reclamação graciosa a invocar a ilegalidade dos atos de retenção na fonte de IRC relativos ao ano de 2018, tendo solicitado a anulação dos mesmos por violação direta do Direito Comunitário, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal e o pagamento de juros indemnizatórios;
    8. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 10 de agosto de 2020, proferido pelo Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, no processo n.º ...2020..., decisão que foi notificada ao mandatário do Requerente através de ofício da DF de Lisboa, datado de 12 de agosto de 2020;
    9. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 16 de novembro de 2020.

 

III.1.2. Factos não provados

 

  1. Os factos provados baseiam-se nos documentos apresentados pelas Partes e juntos ao processo arbitral, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Em ordem a decidir sobre a matéria controvertida nos presentes autos de arbitragem tributária, importa elencar e escalpelizar o direito aplicável, sendo que a questão a decidir consiste em determinar a conformidade dos normativos do CIRC e do EBF em vigor à data dos factos tributários relativos ao regime de tributação dos dividendos auferidos pelo OIC em presença com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE.
  2. O que está em causa é saber se a retenção na fonte de IRC sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC estabelecidos noutros Estados-Membros da União Europeia, in casu a Alemanha, e, em simultâneo, isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola ou não o artigo 63.º do TFUE.
  3. Importa, assim, cuidar da compatibilidade entre as normas do ordenamento nacional que isentam de tributação de IRC os dividendos pagos por entidades com sede em Portugal a OIC com sede neste país, constituídos e a operar de acordo com a legislação portuguesa, tributando por retenção na fonte a título definitivo os dividendos distribuídos por entidades residentes a OIC com sede em outro Estado Membro da União Europeia e, consequentemente, não constituídos de acordo com a legislação nacional, com as disposições do TFUE, em concreto, com os seus artigos 56.º e 63.º que, respetivamente, consagram as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
  4. Há que sublinhar que, em conformidade com as posições das partes, e em face do reenvio prejudicial efetuado ao abrigo do artigo 267.º, 2.º parágrafo, do TFUE, o tribunal arbitral, por despacho 04 de agosto de 2021, determinou a suspensão dos presentes autos de arbitragem tributária, a qual decorreu até 17 de março de 2022, data da pronúncia do TJUE através do Acórdão proferido no processo C-545/19, a considerar infra no âmbito dos presentes autos.
  5. Em matéria de Liberdade de circulação de capitais o artigo 63.º do TFUE consagra uma íntima relação com as demais liberdades fundamentais, ou seja, com as liberdades de circulação de pessoas, de estabelecimento e de prestação de serviços. A liberdade de circulação de capitais implica a proibição de discriminação entre capitais do Estado-Membro e capitais provenientes de fora. Sendo certo que os Estados-Membros podem regular em alguma medida a circulação de capitais, mas não podem estabelecer medidas discriminatórias. Quando se trata de densificar conceitualmente o âmbito normativo da liberdade de circulação de capitais observa-se a inexistência de uma definição deste conceito. Por este motivo, o TJUE tem sucessivamente acolhido e sublinhado o valor enumerativo e indicativo, mas não exaustivo, da Diretiva n.º 88/361/CEE, incluindo o respetivo Anexo I, nomeadamente o número IV, onde se subsumem ao conceito uma vasta constelação de operações e transações transfronteiriças sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo. Importa dizer que a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente é passível de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988.
  6. Por sua vez, a alínea a) do artigo 65.º do TFUE prevê a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem disposições pertinentes de direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência ou ao lugar onde o capital é investido. Todavia, essa previsão deve ser atenuada pelo requisito do artigo 65.º, n.º 3, do mesmo Tratado, segundo o qual qualquer exceção não pode constituir um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida pelo artigo 63.º, isto é, as restrições têm como limite a garantia da própria liberdade de circulação de capitais. Importa, pois, para este efeito, saber se a situação dos fundos de investimento residentes e não residentes em Portugal é objetivamente comparável.
  7. Há que sublinhar que, no caso de fundos de investimento residentes na Alemanha, o artigo 10.º da respetiva CDT, permite que o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, seja limitado à taxa de 15%. No entanto, como os fundos de investimento em causa gozam de uma isenção à luz do direito alemão, sendo considerados fiscalmente transparentes, não podem beneficiar do referido artigo. Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que essa impossibilidade resulta do facto de gozarem de uma vantagem fiscal, a isenção, de que os seus congéneres portugueses não usufruem. Estes ao mesmo tempo que beneficiam da isenção de retenção estão sujeitos a dois impostos – IRC (tributação autónoma) e Imposto do Selo – cujo efeito cumulativo pode, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
  8. Acresce que o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera dos investidores individualmente considerados. Num caso e noutro, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelos fundos alemães. Estas diferenças podem ser invocadas para sustentar que não se trata de situações comparáveis.
  9. Assim, está em causa determinar se na comparabilidade da situação dos fundos residentes e não residentes em Portugal deve entrar em linha de conta com a situação fiscal em que se encontram os fundos de investimento não residentes em Portugal no respetivo Estado de residência – tendo em conta o pertinente regime jurídico e as CDT entre Portugal e esses Estados – especialmente no caso dos Estados-Membros da União Europeia ou integrantes do Espaço Económico Europeu, ou ainda levar em conta a situação concreta dos respetivos investidores. Soluções normativas que obrigassem a ter em conta, para efeitos de comparação, a situação concreta dos fundos de investimento dos Estados-Membros, a partir das relevante CDT, se as houver, ou a indagar do impacto fiscal da retenção e das medidas de mitigação da dupla tributação económica na situação fiscal de cada investidor individualmente considerado seriam extremamente complexas, mesmo numa situação em que os acionistas fossem, eles próprios, pessoas coletivas, cada qual residente numa jurisdição diferente.
  10. Assim, o que deve relevar é o impacto direto que as normas tributárias têm na atividade dos fundos e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, já que hoje é extremamente fácil levar a cabo investimentos transfronteiriços, sendo que esse mesmo é um dos objetivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais. O rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
  11. Ainda que não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas.
  12. Na interpretação e aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno prevalece o entendimento, amplamente sufragado pelo TJUE, segundo o qual a liberdade é a regra e as restrições à liberdade são a exceção. Estas últimas compreendem, quer as limitações ao exercício da liberdade, quer as discriminações no exercício da liberdade. Atento o caráter excecional das restrições, devem as mesmas ser devidamente fundamentadas e objeto de interpretação restritiva. A admissibilidade de restrições à liberdade de circulação de capitais por parte dos Estados-Membros encontra-se prevista no artigo 65.º do TFUE, na senda das derrogações à liberdade de circulação de capitais já previstas na Diretiva n.º 88/361/CEE.
  13. Por outro lado, a jurisprudência europeia tem insistido na noção de que um Estado-Membro não pode deixar de cumprir as suas obrigações jurídicas decorrentes das liberdades fundamentais do mercado interno por considerar que outro Estado-Membro se encarregará de compensar de alguma maneira o tratamento desfavorável gerado pela sua própria legislação. Neste domínio vale o princípio geral de que as liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento requerem a igualdade de tratamento fiscal dos dividendos pagos a residentes e não residentes pelo Estado-Membro anfitrião, no caso de ambos estarem sujeitos a tributação de dividendos.
  14. Tendo em consideração a legislação nacional aplicável aos dividendos distribuídos por sociedades nacionais, e em face do pedido de reenvio prejudicial efetuado no âmbito do processo arbitral n.º 93/2019-T, o TJUE apreciou a matéria controvertida, a qual é coincidente com a matéria em análise nos presentes autos, apenas difere o ano a que se referem os dividendos, sendo in casu o ano de 2018, razão pela qual, face à sua relevância, vamos tomar em consideração o Acórdão do TJUE, de 17 de março de 2022, proferido no processo C-545/19, no qual se estabelece que

Direito português

3.  O artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «EBF»), dispunha:

«1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

[...]

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos

referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares], exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas], bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

[...]

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

[...]

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

[...]

14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado-Membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.»

4 O artigo 22.º-A do EBF prevê:

«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, são tributados em IRS ou IRC, nos seguintes termos:

a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:

i) À taxa prevista no n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, quando os titulares sejam sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola;

ii) À taxa prevista no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo;

[...]

c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %, quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10 %, nas restantes situações;

d) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC;

e) Nos restantes casos, nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC.

2 - O disposto na subalínea i) da alínea a) e na alínea b) do número anterior não prejudica a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS.

3 - O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável, sendo os rendimentos tributados nos termos das alíneas a), b) ou e) do mesmo número, quando:

a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;

b) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional.

[...]

13 - Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.»

5 O artigo 3.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tinha a seguinte redação:

«1 - O IRC incide sobre:

[...]

d) Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.»

6 Nos termos do artigo 4.º deste código:

«2 - As pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos.

3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam:

[...]

c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direção efetiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado:

[...]

3) Outros rendimentos de aplicação de capitais;

[...]»

7 O artigo 87.º, n.º 4, do referido código prevê:

«Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25 % […]»

8 Nos termos do artigo 88.º, n.º 11, do mesmo código:

«São tributados autonomamente, à taxa de 23 %, os lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção total ou parcial, abrangendo, neste caso, os rendimentos de capitais, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.»

9 O artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas enuncia:

«1 - O IRC é objeto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português:

[...]

c) Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para efeitos de IRS, quando o seu devedor seja sujeito passivo de IRC ou quando os mesmos constituam encargo relativo à atividade empresarial ou profissional de sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade;

[...]

3 - As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, exceto nos seguintes casos em que têm caráter definitivo:

[...]

b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis.

[...]

5 - Excetuam-se do disposto no número anterior as retenções que, nos termos do n.º 3, tenham caráter definitivo, em que são aplicáveis as correspondentes taxas previstas no artigo 87.º.

6 - A obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC ocorre na data que estiver estabelecida para obrigação idêntica no Código do IRS ou, na sua falta, na data da colocação à disposição dos rendimentos, devendo as importâncias retidas ser entregues ao Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas e essa entrega ser feita nos termos estabelecidos no Código do IRS ou em legislação complementar.»

10 O n.º 29 do quadro geral que figura no [Código do Imposto do Selo], na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispunha:

«29 - Valor líquido global dos organismos de investimento coletivo abrangidos pelo artigo 22.º do EBF:

29.1 - Organismos de investimento coletivo que invistam, exclusivamente, em instrumentos do mercado monetário e depósitos — sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0025 %.

29.2 - Outros organismos de investimento coletivo — sobre o referido valor, por cada trimestre: 0,0125 %.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11 A AllianzGI-Fonds AEVN é um organismo de investimento coletivo (OIC) de tipo aberto, constituído ao abrigo da legislação alemã e com sede na Alemanha. É gerido por uma entidade gestora cuja sede também se situa na Alemanha, não sendo essa entidade residente nem possuindo um estabelecimento estável em Portugal.

12 Uma vez que tem residência fiscal na Alemanha, a AllianzGI-Fonds AEVN está isenta do imposto sobre o rendimento das sociedades nesse Estado-Membro ao abrigo da regulamentação alemã.

Este estatuto fiscal impede-a de recuperar os impostos pagos no estrangeiro sob a forma de crédito fiscal por dupla tributação internacional, ou de formular um pedido de reembolso desses impostos.

13 Nos anos de 2015 e de 2016, a AllianzGI-Fonds AEVN era detentora de participações sociais em diversas sociedades residentes em Portugal. Os dividendos recebidos a este título durante esses dois anos foram sujeitos, em conformidade com o artigo 87.º, n.º 4, alínea c), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, a tributação por retenção na fonte liberatória, à taxa de 25 %, pelo valor total de 39 371,29 euros.

14 Relativamente ao ano de 2015, a AllianzGI-Fonds AEVN obteve o reembolso de 5 065,98 euros ao abrigo da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, na qual se prevê a taxa máxima de 15 % para a tributação dos dividendos.

15 Em 29 de dezembro de 2017, a AllianzGI-Fonds AEVN apresentou, na Autoridade Tributária e Aduaneira, uma reclamação graciosa dos atos através dos quais esta última procedeu à retenção na fonte do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas relativo aos anos de 2015 e 2016.

Pedia a anulação desses atos por violação do direito da União, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal. Essa reclamação foi indeferida por Decisão de 13 de novembro de 2018.

16 Em 12 de fevereiro de 2019, a AllianzGI-Fonds AEVN recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), pedindo a anulação dos atos de retenção na fonte pela quantia remanescente, de 34 305,31 euros.

17 Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a AllianzGI-Fonds AEVN alega que, nos anos de 2015 e 2016, os OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa estavam sujeitos a um regime fiscal mais favorável do que aquele a que foi sujeita em Portugal, na medida em que, relativamente aos dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, esses organismos estavam isentos, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas. A AllianzGI-Fonds AEVN considera que, sendo tributada à taxa de 25 % sobre os dividendos que lhe são pagos por sociedades estabelecidas em Portugal, é objeto de um tratamento discriminatório proibido pelo artigo 18.º TFUE, bem como de uma restrição à liberdade de circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º TFUE.

18 A Autoridade Tributária e Aduaneira afirma, por sua vez, que o regime fiscal português aplicável aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação nacional e o regime aplicável aos OIC constituídos e estabelecidos na Alemanha não são, por natureza, comparáveis, uma vez que o primeiro destes regimes também não exclui a tributação dos dividendos a cargo dos organismos que abrange, seja através do imposto do selo ou do imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Tendo em conta que a tributação dos dividendos é feita segundo modalidades diferentes, nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa seja mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal por um organismo como a AllianzGI-Fonds AEVN. A Autoridade Tributária e Aduaneira acrescenta que também não está demonstrado que a parte do imposto não recuperada pela AllianzGI-Fonds AEVN não possa ser recuperada pelos investidores desta última.

19 O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se, ao isentar do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas os dividendos pagos por sociedades estabelecidas em Portugal a OIC com sede neste Estado-Membro e que foram constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa, ao mesmo tempo que tributa à taxa de 25 % os dividendos pagos por essas sociedades a OIC com sede noutro Estado-Membro da União, não sendo assim constituídos nem operando de acordo com a legislação nacional, o regime fiscal português é contrário ao artigo 56.º TFUE relativo à livre prestação de serviços ou ao artigo 63.o TFUE relativo à livre circulação de capitais.

20 Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O [artigo 63.º TFUE], relativo à livre circulação de capitais, ou o [artigo 56.º TFUE], relativo à livre prestação de serviços, opõem-se a um regime fiscal como o que está em causa no litígio no processo principal, constante do artigo 22.º do EBF, que prevê a retenção na fonte de imposto com caráter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da UE, ao mesmo tempo que os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal podem beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos?

2) Ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

3) O enquadramento fiscal dos detentores de participações dos OIC será relevante para efeitos de apreciação do caráter discriminatório da legislação portuguesa, tendo presente que esta prevê um tratamento fiscal autónomo e distinto (i) para os OIC (residentes) e (ii) para os respetivos detentores de participações dos OIC? Ou, tendo presente que o regime fiscal dos OIC residentes não é, de todo, alterado ou afetado pela circunstância de os respetivos participantes serem residentes ou não residentes em Portugal, a apreciação da comparabilidade das situações para fins de determinar o caráter discriminatório da referida regulamentação deve ser realizada apenas por referência à fiscalidade aplicável ao nível do veículo de investimento?

4) Será admissível a diferença de tratamento entre OIC residentes e [OIC] não residentes em Portugal, tendo em conta que as pessoas singulares ou coletivas residentes em Portugal, que sejam detentoras de participações de OIC (residentes ou não residentes) são, em ambos os casos, igualmente sujeitas (e, em regra, não isentas) a tributação sobre os rendimentos distribuídos pelos OIC, sujeitando os detentores de participações em OIC não residentes a uma fiscalidade mais elevada?

5) Tendo em consideração que a discriminação em análise no presente litígio diz respeito a uma diferença na tributação do rendimento relativamente a dividendos distribuídos pelos OIC residentes aos respetivos detentores de participações nos OIC, é legítimo, para efeitos da análise da comparabilidade da tributação sobre o rendimento considerar outros impostos, taxas ou tributos incorridos no âmbito dos investimentos efetuados pelos OIC? Em particular, é legítimo e admissível, para efeitos da análise de comparabilidade, considerar o impacto associado a impostos sobre o património sobre despesas ou outros, que não estritamente o imposto sobre o rendimento dos OIC, incluindo eventuais tributações autónomas?»

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

21 Na sequência da apresentação das conclusões da advogada-geral, a AllianzGI-Fonds AEVN, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de julho de 2021, pediu que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, ao abrigo do artigo 83.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

22 Em apoio do seu pedido, a AllianzGI-Fonds AEVN alega, em substância, que as conclusões da advogada-geral, na medida em que examinam a questão da aplicabilidade, no processo principal, do artigo 14.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, se baseiam em elementos novos, ainda não debatidos entre as partes. A AllianzGI-Fonds AEVN refere-se, em especial, aos n.ºs 10, 20 e 92 dessas conclusões. Além disso, contesta tanto a interpretação feita pela advogada-geral no que respeita à pretensa necessidade de evitar a não tributação dos dividendos distribuídos por OIC não residentes como a análise efetuada pela mesma no que respeita à técnica de tributação dos dividendos efetuada através do imposto do selo.

23 A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça não preveem a possibilidade de os interessados visados no artigo 23.º deste Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado-geral (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 22 e jurisprudência referida).

24 Por outro lado, por força do artigo 252.º, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado-geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado por essas conclusões nem pela fundamentação no termo da qual o advogado-geral baseia essas conclusões.

Por conseguinte, o facto de uma parte interessada discordar das conclusões do advogado-geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, por si só, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 23 e jurisprudência referida).

25 Não obstante, o Tribunal pode, a qualquer momento, ouvido o advogado-geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.º do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido ou ainda quando o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados (Acórdão de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 24 e jurisprudência referida).

26 No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, no entanto, ouvida a advogada-geral, que dispõe, no termo da fase escrita e tendo em conta, por um lado, as informações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em resposta ao pedido de informações complementares do Tribunal de Justiça e, por outro, as respostas dadas pelas partes às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, de todos os elementos necessários para decidir. Por outro lado, o presente processo não deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes e o pedido de reabertura da fase oral do processo não revela nenhum facto novo que possa influenciar a decisão a proferir.

27 Além disso, à luz da jurisprudência que figura no n.º 24 do presente acórdão, as contestações da AllianzGI-Fonds AEVN relativamente à análise efetuada pelas conclusões da advogada-geral sobre a pretensa necessidade de evitar a não tributação dos dividendos distribuídos por OIC não residentes, bem como sobre a técnica de tributação dos dividendos efetuada através do imposto do selo, não podem justificar a reabertura da fase oral do processo.

28 Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvida a advogada-geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

29 Com as suas cinco questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 56.º e 63.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção. Esse órgão jurisdicional interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se esse tratamento fiscal diferente em função do local de residência da instituição beneficiária pode ser justificado pelo facto de os OIC residentes estarem sujeitos a outra técnica de tributação e, por outro, se a apreciação da comparabilidade das situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes para efeitos de determinar se existe uma diferença objetiva entre estes, de molde a justificar a diferença de tratamento instituída pela legislação desse Estado-Membro, deve ser efetuada apenas ao nível do veículo de investimento ou deve igualmente ter em conta a situação dos detentores de participações sociais.

Quanto à liberdade de circulação aplicável

30 Uma vez que as questões são submetidas à luz tanto do artigo 56.º TFUE como do artigo 63.º TFUE, há que determinar, a título preliminar, se e, sendo caso disso, em que medida uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de afetar o exercício da livre prestação de serviços e/ou a livre circulação de capitais.

31 A este respeito, resulta de jurisprudência assente que, para determinar se uma legislação nacional é abrangida por uma ou outra das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, é necessário ter em conta o objetivo da legislação em causa (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 33 e jurisprudência referida, e de 3 de março de 2020, Tesco-Global Áruházak, C-323/18, EU:C:2020:140, n.º 51 e jurisprudência referida).

32 O litígio no processo principal diz respeito a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável.

33 Uma vez que a legislação nacional em causa no processo principal tem, assim, por objeto o tratamento fiscal de dividendos recebidos pelos OIC, deve considerar-se que a situação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da livre circulação de capitais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 35 e 36).

34 Além disso, admitindo que a legislação em causa no processo principal tem por efeito proibir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades de um OIC estabelecido num Estado-Membro diferente da República Portuguesa, onde presta legalmente serviços análogos, esses efeitos seriam a consequência inevitável do tratamento fiscal de que são objeto os dividendos pagos a esse organismo não residente e não justificam uma análise distinta das questões prejudiciais à luz da livre prestação de serviços. Com efeito, esta liberdade afigura-se, neste caso, secundária relativamente à livre circulação de capitais e pode estar-lhe associada (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 37).

35 Atendendo às considerações precedentes, há que examinar a legislação nacional em causa no processo principal exclusivamente à luz do artigo 63.º TFUE.

Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

36 Resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes de investir noutros Estados (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 27 e jurisprudência referida, e de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 49 e jurisprudência referida).

37 No caso em apreço, é facto assente que a isenção fiscal prevista pela legislação nacional em causa no processo principal é concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção.

38 Ao proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.

39 Esse tratamento desfavorável pode dissuadir, por um lado, os OIC não residentes de investirem em sociedades estabelecidas em Portugal e, por outro, os investidores residentes em Portugal de adquirirem participações sociais em OIC e constitui, por conseguinte, uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.ºs 44, 45 e jurisprudência referida).

40 Não obstante, segundo o artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE, o disposto no artigo 63.º TFUE não prejudica o direito de os Estados-Membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

41 Esta disposição, enquanto derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de capitais, é de interpretação estrita. Por conseguinte, não pode ser interpretada no sentido de que qualquer legislação fiscal que comporte uma distinção entre os contribuintes em função do lugar em que residam ou do Estado-Membro onde invistam os seus capitais é automaticamente compatível com o Tratado FUE. Com efeito, a derrogação prevista no artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE é ela própria limitada pelo disposto no artigo 65.º, n.º 3, TFUE, que prevê que as disposições nacionais a que se refere o n.º 1 desse artigo «não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º [TFUE]» [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 29 e jurisprudência referida].

42 O Tribunal de Justiça declarou igualmente que, por conseguinte, há que distinguir as diferenças de tratamento permitidas pelo artigo 65.º, n.º 1, alínea a), TFUE das discriminações proibidas pelo artigo 65.º, n.º 3, TFUE. Ora, para que uma legislação fiscal nacional possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de capitais, é necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 30 e jurisprudência referida].

Quanto à existência de situações objetivamente comparáveis

43 Para apreciar a comparabilidade das situações em causa, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se a situação dos detentores de participações deve ser tida em conta do mesmo modo que a dos OIC e, por outro, sobre a eventual pertinência da existência, no sistema fiscal português, de certos impostos aos quais apenas estão sujeitos os OIC residentes.

44 O Governo português alega, em substância, que as respetivas situações dos OIC residentes e dos OIC não residentes não são objetivamente comparáveis uma vez que a tributação dos dividendos recebidos por estas duas categorias de organismos de investimento de sociedades residentes em Portugal é regulada por técnicas de tributação diferentes — a saber, por um lado, esses dividendos são objeto de retenção na fonte quando são pagos a um OIC não residente e, por outro, estão sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas quando são pagos a um OIC residente.

45 Este Governo indica igualmente que resulta do artigo 22.º-A do EBF que os dividendos distribuídos por OIC residentes a detentores de participações sociais residentes em território português ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território são tributados à taxa de 28 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares) ou de 25 % (quando os beneficiários estão sujeitos ao imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas), ao passo que os dividendos pagos a detentores de participações sociais que não residem no território português e que não têm estabelecimento estável neste último estão, em princípio, isentos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (com algumas exceções destinadas essencialmente a prevenir abusos).

46 Segundo o referido Governo, há uma estreita coerência entre a tributação dos rendimentos dos OIC e dos detentores de participações sociais nestes organismos. Assim, o modelo português de tributação dos OIC, de natureza «compósita», conjuga estruturalmente os impostos incidentes, por um lado, sobre os OIC residentes, ou seja, o imposto do selo e o imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, bem como, por outro, os incidentes sobre os detentores de participações sociais em tais organismos, conforme referidos no número anterior. Estas diferentes tributações, muito bem integradas entre si, sendo cada uma delas imprescindível à coerência do sistema de tributação instituído, devem ser entendidas como um todo.

47 Além disso, este mesmo Governo acrescenta, em substância, que, no âmbito da apreciação da comparabilidade das situações em causa, não se deve abstrair dos efeitos da transparência fiscal que caracteriza a relação entre a recorrente no processo principal e os detentores de participações sociais na mesma, o que leva a que a retenção na fonte efetuada em Portugal possa ser imediatamente repercutida nos detentores de participações sociais que, não estando isentos de imposto, podem imputar ou, ainda, creditar a sua participação dessa retenção efetuada em Portugal sobre o imposto do qual são devedores na Alemanha.

48 Por último, o Governo português considera que, ao ter livremente optado por não operar em Portugal através de um estabelecimento estável, a recorrente no processo principal autoexcluiu-se de qualquer comparação com os OIC estabelecidos em Portugal, sendo a sua situação, isso sim, comparável a todas as situações das demais entidades não residentes e cujos dividendos auferidos em Portugal são sempre tributados a taxas nunca inferiores a 25 %.

49 Resulta de jurisprudência constante que, a partir do momento em que um Estado, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só os contribuintes residentes mas também os contribuintes não residentes, relativamente aos dividendos que auferem de uma sociedade residente, a situação dos referidos contribuintes não residentes assemelha-se à dos contribuintes residentes (Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 47 e jurisprudência referida).

50 Quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 44 do presente acórdão, há que recordar que, nas circunstâncias que deram origem ao Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center (C-282/07, EU:C:2008:762), o Tribunal de Justiça admitiu a aplicação, aos beneficiários de rendimentos de capitais, de técnicas de tributação diferentes consoante esses beneficiários sejam residentes ou não residentes, uma vez que esta diferença de tratamento diz respeito a situações que não são objetivamente comparáveis (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Truck Center, C-282/07, EU:C:2008:762, n.º 41).

51 Do mesmo modo, no processo que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402), o Tribunal de Justiça declarou que o tratamento diferenciado da tributação dos dividendos pagos a fundos de pensões segundo a qualidade de residente ou de não residente destes últimos, resultante da aplicação, a esses fundos respetivos, de dois métodos de tributação diferentes, era justificado pela diferença de situação entre estas duas categorias de contribuintes à luz do objetivo prosseguido pela regulamentação nacional em causa nesse processo, bem como do seu objeto e do seu conteúdo.

52 No entanto, sob reserva da verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa no processo principal não se limita a prever diferentes modalidades de cobrança de imposto em função do local de residência do OIC beneficiário de dividendos de origem nacional, mas prevê, na realidade, uma tributação sistemática dos referidos dividendos que onera apenas os organismos não residentes (v., por analogia, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 44 e jurisprudência referida).

53 A este propósito, importa salientar, por um lado, no que respeita ao imposto do selo, que resulta tanto das observações escritas apresentadas pelas partes como da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça que, pelo facto de a sua matéria coletável ser constituída pelo valor líquido contabilístico dos OIC, esse imposto do selo é um imposto sobre o património, que não pode ser equiparado a um imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas.

54 Além disso, como salientou a advogada-geral no n.º 47 das suas conclusões, no processo principal, a legislação fiscal portuguesa distingue, no caso dos OIC residentes, entre o rendimento do capital acumulado e o que é imediatamente redistribuído, apenas o primeiro sendo englobado na matéria coletável do referido imposto do selo. Ora, este aspeto basta, por si só, para distinguir este processo do que deu origem ao Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek (C-252/14, EU:C:2016:402).

55 Com efeito, mesmo considerando que esse mesmo imposto do selo possa ser equiparado a um imposto sobre os dividendos, um OIC residente pode escapar a tal tributação dos dividendos procedendo à sua distribuição imediata, ao passo que esta possibilidade não está aberta a um OIC não residente.

56 Por outro lado, no que se refere ao imposto específico previsto no artigo 88.º , n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, resulta das indicações da Autoridade Tributária, contidas na decisão de reenvio, que, por força desta disposição, este imposto só incide sobre os dividendos recebidos por OIC residentes quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período. Assim, o imposto previsto pela referida disposição só incide sobre os dividendos de origem nacional recebidos por um OIC residente em casos limitados, pelo que não pode ser equiparado ao imposto geral de que são objeto os dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC não residentes.

57 Por conseguinte, a circunstância de os OIC não residentes não estarem sujeitos ao imposto do selo e ao imposto específico previsto no artigo 88.º, n.º 11, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não os coloca numa situação objetivamente diferente em relação aos OIC residentes no que se refere à tributação dos dividendos de origem portuguesa.

58 Em seguida, quanto ao argumento do Governo português que figura no n.º 48 do presente acórdão, há que salientar que, como alegou a Comissão em resposta às perguntas escritas do Tribunal de Justiça, no domínio da livre prestação de serviços, ao abrigo do artigo 56.º TFUE, os operadores económicos devem ser livres de escolher os meios adequados para exercer as suas atividades num Estado-Membro diferente do da sua residência, independentemente de se estabelecerem ou não de modo permanente nesse outro Estado-Membro, não devendo esta liberdade ser limitada por disposições fiscais discriminatórias.

59 Além disso, na medida em que o argumento do Governo português se refere à pretensa necessidade de ter em conta a situação dos detentores de participações sociais, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna do Estado-Membro em causa deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais controvertidas (v., designadamente, Acórdão de 30 de abril de 2020, Société Générale, C-565/18, EU:C:2020:318, n.º 26 e jurisprudência referida), bem como o objeto e o conteúdo destas últimas (v., designadamente, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 48 e jurisprudência referida).

60 Por outro lado, apenas os critérios de distinção pertinentes estabelecidos pela legislação em causa devem ser tidos em conta para apreciar se a diferença de tratamento resultante dessa legislação reflete uma diferença de situação objetiva (v., neste sentido, Acórdão de 2 de junho de 2016, Pensioenfonds Metaal en Techniek, C-252/14, EU:C:2016:402, n.º 49 e jurisprudência referida).

61 No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao objeto, ao conteúdo e ao objetivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, resulta tanto da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informação do Tribunal de Justiça como da resposta do Governo português às perguntas escritas que lhe foram dirigidas no âmbito do presente processo que o referido regime foi concebido numa lógica de «tributação à saída», ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando os detentores de participações sociais não residentes dele isentos.

62 Com efeito, o Governo português precisou que o regime nacional em matéria de tributação dos dividendos visava alcançar objetivos como, nomeadamente, evitar a dupla tributação económica internacional e transferir a tributação na esfera dos OIC para a esfera dos respetivos participantes, procurando assim que a tributação incidente sobre estes rendimentos seja aproximadamente equivalente à que ocorreria caso esses rendimentos tivessem sido obtidos diretamente pelos participantes nesses mesmos OIC.

63 Caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que tem competência exclusiva para interpretar o direito nacional, tendo em conta todos os elementos da legislação fiscal em causa no processo principal e o conjunto dos elementos constitutivos desse mesmo regime de tributação, determinar o objetivo principal prosseguido pela legislação nacional em causa no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Köln-Aktienfonds Deka, C-156/17, EU:C:2020:51, n.º 79).

64 Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa evitar a dupla tributação dos dividendos pagos por sociedades residentes, atendendo à qualidade de intermediário dos OIC face aos seus detentores de participações sociais, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, relativamente às medidas previstas por um Estado-Membro para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos por uma sociedade residente, as sociedades beneficiárias residentes não se encontram necessariamente numa situação comparável à das sociedades beneficiárias não residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 53 e jurisprudência referida).

65 Todavia, como resulta do n.º 49 do presente acórdão, a partir do momento em que um Estado-Membro, de modo unilateral ou por via convencional, sujeita ao imposto sobre o rendimento não só as sociedades residentes mas também as sociedades não residentes, relativamente aos rendimentos que auferem de uma sociedade residente, a situação das referidas sociedades não residentes assemelha-se à das sociedades residentes.

66 Com efeito, é unicamente o exercício por esse mesmo Estado da sua competência fiscal que, independentemente de tributação noutro Estado-Membro, cria um risco de tributação em cadeia ou de dupla tributação económica. Em tal caso, para que as sociedades beneficiárias não residentes não sejam confrontadas com uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE, o Estado de residência da sociedade distribuidora deve assegurar que, em relação ao mecanismo previsto no seu direito nacional para evitar ou atenuar a tributação em cadeia ou a dupla tributação económica, as sociedades não residentes sejam submetidas a um tratamento equivalente ao tratamento de que beneficiam as sociedades residentes (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 55 e jurisprudência referida).

67 Tendo a República Portuguesa optado por exercer a sua competência fiscal sobre os rendimentos auferidos pelos OIC não residentes, estes encontram-se, por conseguinte, numa situação comparável à dos OIC residentes em Portugal no que respeita ao risco de dupla tributação económica dos dividendos pagos pelas sociedades residentes em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 56 e jurisprudência referida).

68 Caso o órgão jurisdicional de reenvio chegue à conclusão de que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que, se o objetivo da legislação nacional em causa for deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o acionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos acionistas que devem ser consideradas determinantes e não a técnica de tributação utilizada (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 60).

69 Ora, um OIC não residente pode ter detentores de participações sociais que tenham residência fiscal em Portugal e sobre cujos rendimentos este Estado-Membro exerce o seu poder de tributação. Nesta perspetiva, um OIC não residente encontra-se numa situação objetivamente comparável à de um OIC residente em Portugal (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 61).

70 É certo que a República Portuguesa não pode tributar os detentores de participações sociais não residentes sobre os dividendos distribuídos por OIC não residentes, como aliás o Governo português admitiu tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça. Contudo, essa impossibilidade é coerente com a lógica de deslocação do nível de tributação do veículo para o detentor de participações sociais (v., por analogia, Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 62).

71 No que respeita, em segundo lugar, aos critérios de distinção pertinentes, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.º 60 do presente acórdão, há que observar que o único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional em causa no processo principal se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não residentes a uma retenção na fonte dos dividendos que recebem.

72 Ora, como resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia (v., neste sentido, Acórdão de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 58 e jurisprudência referida).

73 Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa no processo principal, que tem por objeto unicamente o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objetiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.

74 Atendendo a todos os elementos precedentes, há que concluir que, no caso em apreço, a diferença de tratamento entre os OIC residentes e os OIC não residentes diz respeito a situações objetivamente comparáveis.

Quanto à existência de uma razão imperiosa de interesse geral

75 Há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo que prossegue e não for além do que é necessário para alcançar esse objetivo [Acórdão de 29 de abril de 2021, Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö (Rendimentos distribuídos por OICVM), C-480/19, EU:C:2021:334, n.º 56 e jurisprudência referida].

76 No caso em apreço, há que constatar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio não invoque essas razões no pedido de decisão prejudicial, uma vez que este se concentra na eventual comparabilidade das situações em causa no processo principal, o Governo português alega, tanto nas suas observações escritas como em resposta às perguntas que lhe foram submetidas pelo Tribunal de Justiça, que a restrição à livre circulação de capitais efetuada pela legislação nacional em causa no processo principal se justifica à luz de duas razões imperiosas de interesse geral, a saber, por um lado, a necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional e, por outro, a de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os dois Estados-Membros em causa, ou seja, a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha.

77 No que respeita, em primeiro lugar, à necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional, o Governo português considera, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, que o modelo de tributação português dos dividendos constitui um modelo «compósito». Assim, só seria possível garantir a coerência deste modelo se a entidade gestora dos OIC não residentes operasse em Portugal através de um estabelecimento estável, de modo a que essa entidade pudesse concretizar as retenções na fonte necessárias junto dos detentores de participações sociais residentes, bem como, em certos casos excecionais orientados por considerações ligadas ao facto de evitar a planificação fiscal, junto dos detentores de participações sociais não residentes.

78 A este respeito, há que recordar que, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a necessidade de preservar a coerência de um regime fiscal nacional pode justificar uma regulamentação nacional suscetível de restringir as liberdades fundamentais (v., neste sentido, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 50 e jurisprudência referida, e de 13 de março de 2014, Bouanich, C-375/12, EU:C:2014:138, n.º 69 e jurisprudência referida), precisou, contudo, que, para que um argumento baseado nessa justificação possa ser acolhido, é necessário que esteja demonstrada a existência de uma relação direta entre o benefício fiscal em causa e a compensação desse benefício por uma determinada imposição fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2012, Comissão/Finlândia, C-342/10, EU:C:2012:688, n.º 49 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2019, College Pension Plan of British Columbia, C-641/17, EU:C:2019:960, n.º 87).

79 Ora, no presente processo, como resulta do n.º 71 do presente acórdão, a isenção da retenção na fonte dos dividendos em benefício dos OIC residentes não está sujeita à condição de os dividendos recebidos pelos organismos serem redistribuídos por estes e de a sua tributação na esfera dos detentores de participações sociais permitir compensar a isenção da retenção na fonte (v., por analogia, Acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e o., C-338/11 a C-347/11, EU:C:2012:286, n.º 52, e de 10 de abril de 2014, Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, C-190/12, EU:C:2014:249, n.º 93).

80 Consequentemente, não há uma relação direta, na aceção da jurisprudência referida no n.º 78 do presente acórdão, entre a isenção da retenção na fonte dos dividendos de origem nacional auferidos por um OIC residente e a tributação dos referidos dividendos enquanto rendimentos dos detentores de participações sociais nesse organismo.

81 A necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal.

82 No que diz respeito, em segundo lugar, à necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, a justificação baseada na preservação da repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros pode ser admitida quando o regime em causa visa prevenir comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades realizadas no seu território (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Sofina e o., C-575/17, EU:C:2018:943, n.º 57 e jurisprudência referida, e de 20 de janeiro de 2021, Lexel, C-484/19, EU:C:2021:34, n.º 59).

83 No entanto, como o Tribunal de Justiça também já declarou, quando um Estado-Membro tenha optado, como na situação em causa no processo principal, por não tributar os OIC residentes beneficiários de dividendos de origem nacional, não pode invocar a necessidade de garantir uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros para justificar a tributação dos OIC não residentes beneficiários desses rendimentos (Acórdão de 21 de junho de 2018, Fidelity Funds e o., C-480/16, EU:C:2018:480, n.º 71 e jurisprudência referida).

84 Daqui resulta que a justificação baseada na preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributar entre os Estados-Membros também não pode ser acolhida.

85 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um OIC não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção.

(…)”.

  1. Importa sublinhar que o tribunal para além do Acórdão do TJUE, proferido em 17 de março de 2022, no processo C-545/2019, teve em consideração a decisão arbitral elaborada no processo de arbitragem tributária n.º 93/2019 que motivou o referido Acórdão do TJUE, e, outrossim, as decisões arbitrais proferidas nos processos arbitrais n.ºs 90/2019-T, 528/2019, 548/2019, 621/2021-T, 816/2021-T, 115/2022-T e 121/2022-T.
  2. É, portanto, facto assente que, por via da isenção fiscal prevista no artigo 22.º do EBF concedida aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa, ao passo que os dividendos pagos a OIC estabelecidos noutro Estado-Membro não podem beneficiar dessa isenção, se verifica-se uma situação de tributação mais favorável para os OIC residentes comparativamente aos OIC residentes noutros Estados-Membros, o que consubstancia uma violação do artigo 63.º do TFUE, porquanto, tal situação normativa atenta contra o princípio da liberdade de circulação de capitais, sendo, assim, ilegal a norma do artigo 22.º do EBF.
  3. Em face de tudo quanto fica exposto, impõe-se concluir que os supra identificados atos de retenção na fonte de IRC impugnados, e incidentes sobre a distribuição de dividendos referentes ao ano de 2018 de que são beneficiários OIC não residentes, se encontram feridos de ilegalidade por violação do Direito da União Europeia, em concreto, o artigo 63.º do TFUE, devendo ser anulados, o que se determina.

 

  1. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

80. Conjuntamente com a anulação dos atos de retenção de IRC incidentes sobre dividendos distribuídos no ano de 2018, e o consequente reembolso do valor imposto pago indevidamente em Portugal, o Requerente requer, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

81. Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

82. Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

83. O direito a juros indemnizatórios pressupõe que o imposto seja indevido ou haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

84. No caso dos autos, é manifesto que os serviços da AT se limitaram a aplicar a lei vigente, porém, o sistema jurídico é unitário, e nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, o direito comunitário faz parte integrante da ordem jurídica interna, pelo que a não consideração do princípio da liberdade de circulação de capitais consubstanciou uma violação do artigo 63.º do TFUE.

85. Assim, importa concluir que esta violação direta do Direito Comunitário, em concreto, do artigo 63.º do TFUE, consubstanciou um erro de direito imputável aos serviços ou organismos do Estado português, logo, também aos serviços da AT.

86. Por todas as razões supras enunciadas, o Requerente efetuou um pagamento de IRC que se mostra indevido, pelo que, atenta a ilegalidade da norma em que se fundaram os atos de retenção na fonte de IRC impugnados, reconhece-se ao Requerente o direito ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionado, contados à taxa legal sobre o montante indevidamente pago, desde o dia 03 de julho de 2020, dia imediatamente seguinte à conclusão do prazo previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, visto que a reclamação graciosa foi apresentada no dia 02.03.2020, a liquidar até ao momento do processamento da nota de crédito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e do artigo 61.º do CPPT.

 

  1. DECISÃO

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Revogar o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido em 10 de agosto de 2020, pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, no processo n.º ...2020...;

c) Anular os atos de retenção na fonte de IRC incidentes sobre dividendos relativos ao ano de 2018, nos termos peticionados, no valor de € 8.500,00;

d) Julgar procedente o pedido de restituição de IRC, no valor de € 8.500,00 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar ao Requerente juros indemnizatórios, à taxa legal, desde 03 de julho de 2020 e até à emissão a nota de crédito.

e) Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

  1. CUSTAS

O valor das custas é fixado em € 918,00 (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 03 de outubro de 2022

 

O Árbitro

 

 

Jesuíno Alcântara Martins