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SUMÁRIO:
I - O Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, a comunicabilidade horizontal mitigada.
II – Instituindo-se um regime regra de tributação separada, o CIRS prevê a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo, não se comunicando perdas horizontalmente.
IIII - O resultado negativo apurado em sede de rendimentos resultantes da alienação de valores mobiliários por um dos cônjuges não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório:
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A..., contribuinte fiscal n.º..., com domicílio na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... LISBOA, apresentou, em 6.5.2022, 10:26, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e o art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, de ora em diante apenas designado por RJAT) em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
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No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o árbitro que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 24.6.2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT e dos art.º 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do art.º 11º do RJAT, na redacção que lhe foi introduzida pelo art.º 228.º da lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 30.8.2022 para apreciar e decidir o objecto do processo.
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Em 12.7.2022, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por impugnação, refutando o vício imputado pelo Requerente à liquidação de IRS, de 2019, n.º 2021..., colocada em crise.
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A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste: i) Na declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto contra a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa (Processo n.º ...2021...) apresentada contra a liquidação de IRS n.º 2021..., respeitante ao ano de 2020; bem como na consequente declaração de ilegalidade daquele mesmo acto de liquidação reportado ao período de tributação de 2020 e que totaliza o montante de 409,89 €, por estar enfermados do vício de errónea quantificação e de ausência de fundamentação; ii) Em consequência do eventual decretamento da ilegalidade daquele acto tributário de liquidação, na emissão de novo acto de liquidação que consigne o imposto corrigido na linha 17 da demonstração da liquidação de IRS relativa a tributações autónomas, com a correspondente alteração do valor final a pagar, transmutando-se para valor a receber e ainda no pagamento de juros indemnizatórios.
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Fundamentando o seu pedido, o Requerente alegou, em síntese, o seguinte:
I.A) Alegações do Requerente:
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No Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante PPA), começa o Requerente por aduzir no sentido de que entregou a declaração Modelo 3 de IRS (Identificação da Declaração ...-...-...), tendo sido, posteriormente, notificado da Demonstração de Liquidação de IRS 2020-...-... -..., de 09/06/2021, com o n.º 2021..., da qual resultava um imposto a pagar de 1.616,57€.
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Prossegue o Requerente dizendo que “(...) depois de analisada a demonstração identificada acima, decide submeter nova declaração - Identificação da Declaração ...-...-..., uma vez que da anterior constava um erro no Anexo G, campo 9, Códigos da Operação, (o Requerente inseriu código G10 quando seria G01).”
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Refere mais: “De seguida, o Requerente depara-se, após notificação da Demonstração de Liquidação de IRS 2020-...-... -..., de 30/06/2021, com o n.º 2021..., que de tal demonstração resulta, na linha 17 “Imposto relativo a Tributações Autónomas” a quantia de 2.614,28€.”
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E não entendendo o Requerente a origem daquele valor – 2.614,28 € -, questionou a AT sobre as razões que suportavam aquele montante respeitante a tributações autónomas.
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Alega o Requerente que a AT, na sequência daquele questionamento, somente referiu o seguinte: “O saldo das mais valias é calculado linha a linha e tributadas autonomamente à taxa de 28% prevista no art.º 72.º do CIRS” e que “O saldo é apurado entre as mais e menos valias” e que “O valor das tributações autónomas constantes na liquidação respeitam à liquidação dos valores declarados na correspondente declaração modelo 3 de IRS apresentada, designadamente o valor de mais valias não englobadas 9.336,72 taxa de 28% imposto 2.614,28.”, tal como se pode intuir da leitura do Doc. 7 junto ao PPA.
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Invocando a alínea a) do art.º 99.º do CPPT, sustenta o Requerente que o acto de liquidação sindicado enferma de errónea quantificação, defendendo que o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apurado por diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, isto é, entre o valor de 224.412,80€ e 224.402,13€.
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Visando a desmonstração daqueles valores (respectivamente, resultantes do somatório dos valores de realização e do somatório dos valores de aquisição) e ínsitos no Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 d IRS de 2020, traz o Requerente à colação os Quadros que a seguir se reproduzem. O terceiro Quadro, ínsito a fls. 3 do PPA, é, certamente por erro, a repetição do segundo Quadro ali indicado. Nas alegações finais, o Requerente volta a indicar os três Quadros que estão a fls. 3 do PPA, mas aí corrigindo aquele apontado erro. Infra será levada em consideração a correcção desse erro e será indicado o terceiro Quadro constante das alegações finais e não o terceiro Quadro indicado no PPA:
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E donde se retira, q.e.d., que a soma dos Valores de Realização das partes sociais alienadas se cifrava em 224.412,80€; ao passo que, a soma dos Valores de Aquisição daqueles mesmos valores mobiliários alienados se elevava a 224.402,13€
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E partindo dali, advoga o Requerente que “(...) terá de se calcular o saldo através da diferença entre as mais-valias - 224.412,80€ e a menos-valias([1]) - 224.402,13€ = 10.67€.” E ainda que “[S]erá sobre metade dessa diferença (dos 10,67€) que se deverá aplicar a tributação autónoma dos 28%, conforme previsto no art.º 72.º do Código do IRS - 10,67€/2 = 5,34 + 28% = 1,50€.”
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Aduzindo ainda o Requerente como segue: “(...) não entende os cálculos efetuados pela Requerida de forma a chegar à quantia de 2.614,28€.” E mais: “[N]a realidade, o montante que deveria constar da Linha 17, referente ao "Imposto relativo a Tributações Autónomas", seria então o de 1,50€.”
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E isto dito, conclui o Requerente: “[É] evidente, assim, que o valor a pagar de imposto calculado pela Requerida, foi quantificado erroneamente, padecendo o correspondente ato de liquidação do vício de ilegalidade, nos termos do artigo 99.º, a) do CPPT e do artigo 2.º, 1, a) do RJAT.”
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Partindo de uma segunda linha argumentativa assaca ainda o Requerente à liquidação sindicada o vício da ausência de fundamentação legalmente exigida em conformidade com o disposto nos artigos 99.º, alínea c) do CPPT, 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP.
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Começa o Requerente por dizer não compreender a origem do valor de imposto a pagar constante da demonstração da liquidação que está junta ao PPA como Doc. n.º 1 e que se cifra em 409,89 €.
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E por isso mesmo diz o Requerente que em sede reclamação graciosa e até em sede de recurso hierárquico solicitou à AT que justificasse o valor aqui sindicado, nomeadamente quanto aos cálculos utilizados.
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Aduz o Requerente que a AT se manteve silente.
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Mas, não obstante, sempre vai dizendo que “(...) o valor das tributações autónomas declarado pela Requerida não foi calculado nos termos do art.º 72.º do CIRS.”
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E partindo daqui sustenta o Requerente que “(...) o ónus da fundamentação, previsto constitucionalmente no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante "CRP"), mas igualmente na legislação ordinária, nomeadamente no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (doravante, abreviadamente, “LGT”), impõe uma clara e compreensível fundamentação dos factos, critérios e cálculos que levaram à obtenção do valor previsto no ato de liquidação.”
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Inferindo dali o seguinte: “[N]esta senda, a Requerida viola, com tal comportamento omissivo, os mais basilares princípios orientadores do procedimento tributário e do relacionamento com os contribuintes, nomeadamente o princípio da colaboração previsto no artigo 59.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. d) e o próprio princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º, ambos da Lei Geral Tributária.”
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Defendendo que a AT “(...) não logrou, não obstante as várias tentativas de contacto via e-mail e por intermédio do portal das finanças - e-balcão - fundamentar as razões de facto e direito que deram origem à quantia de imposto a pagar pelo Requerente de 409,89€.”
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Adequado se mostrando (na perspectiva do Requerente) trazer à colação os ensinamentos do Professor Rui Duarte Morais, ínsitos in “Manual de Procedimento e Processo Tributário”, (Almedina, 2014), onde aquele refere «O conteúdo, a profundidade, exigível à fundamentação depende necessariamente do caso concreto (…). O exigível é – utilizando um dizer habitual da nossa jurisprudência – que a fundamentação permita a um destinatário normal entender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato, de modo a que se fique a saber a razão pela qual se decidiu assim e não de outro modo. (…)».
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Aduzindo o Requerente como segue: “Daí a expressa previsão, no n.º 2 do artigo 77.º da LGT, de uma "fundamentação simplificada”, devendo, todavia, a fundamentação ser expressa, clara, suficiente e congruente, por forma que o destinatário do ato (colocado na posição de um destinatário normal) possa ficar esclarecido acerca das razões que estiveram na base desse ato e que o motivaram, o que não se verifica no caso sub judice.”
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E partindo daquele iter interpretativo, repisa o Requerente no sentido de que “(...) permanece na ignorância quanto aos factos e fundamentação de direito que levaram ao cálculo do valor de imposto a pagar em sede de IRS, nomeadamente quanto à origem dos 9.336,72€ que deram lugar à aplicação da taxação autónoma de 28% e da qual resultou imposto relativo a tributações autónomas de 2.614,28€.”
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Trazendo ainda à discussão a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 686/2018-T, de 6 de Maio de 2019, que em parte transcreve: “(…) equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato (artigo 153.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo)”, aduz aquele no sentido de que, in casu, “(...) não temos uma situação de obscuridade ou de contradição, mas sim de insuficiência e escassez de fundamentação por parte da Requerida, recusando-se esta a realizar quaisquer esclarecimentos sobre o ato tributário em apreço.”
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Realçando ainda o Requerente que a AT, “(...) em vez de justificar os motivos que deram lugar à quantia relativa a tributações autónomas de 2.614,28€, simplesmente optou pela inércia de resposta, não obstante ter perfeito discernimento dos princípios de colaboração e de inquisitório a que se encontra adstrita (arts. 59.º, n.ºs 1, 2 e 3 d) e 58.º, ambos da LGT).”
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Depois de aduzir com os ensinamentos do Professor Alberto Xavier que seguem: «(…) a anulação é o acto pelo qual a Administração Tributária revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente (…).», conclui no sentido de que “(...) o ato de liquidação ora impugnado, não cumpre com os requisitos legalmente definidos, nomeadamente, no que concerne à errónea quantificação do mesmo e à falta de fundamentação por parte da Requerida.”
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Finalizando, aduz: “[N]esta senda, dúvidas não restam, pela prova já junta e pela factualidade e fundamentação apresentada, que o ato de liquidação 2021..., e aqui impugnado, é desconforme e infundado, devendo o mesmo ser anulado.”
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Em 18.10.2022, o Requerente apresentou alegações escritas repristinando ali boa parte da hermenêutica já sustentada no PPA.
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De novo aduz o seguinte: “(...) 33. Portanto, a AT, sem concretizar o motivo e sem invocar base legal, vem considerar que o apuramento de mais e menos valias é efetuado isoladamente para cada um dos dois sujeitos passivos (“A” e “B”) e não conjuntamente para ambos. 34. Convém relembrar antecipadamente que um dos fundamentos do apresentação do pedido de pronúncia arbitral foi exatamente a falta de dever de informação, fundamentação e colaboração por porte do AT, ao não indicar e explicar ao Requerente o método e motivo de aplicação do cálculo sobre o saldo dos mais e menos valias. 35. Ora, nos termos do Código do Imposto sobre a Rendimento dos Pessoas Singulares (doravante, abreviadamente “CIRS”), nomeadamente o seu Artigo 13.° (Sujeito passivo): “1 - Ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos. 2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta. 3 - No caso de opção por tributação conjunta, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção (...)” [Sublinhado nosso]. Por sua vez, o Artigo 59.° do mesmo CIRS (Tributação de casados e de unidos de facto) estipula que: “1 - Na tributação separada cada um dos cônjuges ou dos unidos de facto, caso não esteja de tal dispensado, apresenta uma declaração da qual constam os rendimentos de que é titular e 50 % dos rendimentos dos dependentes que integram o agregado. 2 - Na tributação conjunta: a) Os cônjuges ou as unidos de facto apresentam uma declaração da qual consta a totalidade dos rendimentos obtidos por todos os membros que integram o agregado familiar; b) Ambos os cônjuges ou unidos de facto devem exercer a opção na declaração de rendimentos; c) A opção é válida apenas para a ano em questão;” [Sublinhado nosso]. 37. Ademais, é inegável que o Requerente e sua cônjuge optaram pela tributação conjunta dos rendimentos, conforme se poderá verificar no Q.5 do Modelo 3 com a identificação de Declaração ...-... -...:
38. E que o aludido Artigo 13.° do CIRS não descrimina o tipo de rendimentos que devam ser objeto de tributação conjunta, já que explicita de forma clara e objetiva que são “a totalidade dos rendimentos obtidos”. 39. Portanto, o que a AT está a fazer neste caso é - reitere-se - apoiando-se na previsão da Lei, nomeadamente dos supra mencionados Artigos 13.° e 59.° do CIRS, apurar as mais ou menos valias por sujeito passivo e não pela totalidade dos dois sujeitos passivos, sem qualquer tipo de base legal ou fundamentação para tal. 40. Se todos os demais rendimentos são calculados conjuntamente, porque motivo seriam objeto de cálculo isolado os resultantes das operações decorrentes da alienação onerosa de partes sociais (quotas e ações) e outros valores mobiliários, bem como de outras operações a ela equiparadas? 41. Poder-se-ia dizer que por aplicação do Artigo 55.° (Dedução de perdas) do CIRS? “1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: a) (...); b) (...); c) (...); d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.”. 42. Mas tal não faria sentido, porque uma coisa é a possibilidade de usufruir de reporte para os próximos cinco anos fiscais subsequentes em caso de saldo negativo e caso se opte pelo englobamento, outra coisa é apurar as mais ou menos valias isoladamente por sujeito passivo e não pela totalidade dos dois sujeitos passivos. 43. Sucede ainda que esta norma – na qual aparentemente a AT se fundamentou para proceder à emissão do ato de liquidação de IRS em crise – não é uma norma de incidência, nem tão pouco interfere com o apuramento dos saldos e dos ganhos sujeitos a imposto, sendo ao invés uma mera norma de reporte de perdas. 44. Isto é, trata-se de uma norma procedimental, que visa definir os termos do reporte de perdas nos anos posteriores ao do apuramento dessas mesmas perdas. 45. Pelo que nunca poderia ser com base nesta norma que a AT poderia justificar a eventual incomunicabilidade entre os saldos das mais e das menos-valias apuradas pelo Requerente, quando o mesmo optou pela tributação conjunta. 46. A norma constante daquele Artigo 55.° do CIRS consubstancia, tal como acima se constatou e seguindo o entendimento do Tribunal Arbitral de Lisboa na decisão de 2021-04-03, processo 528/2020-T “um mecanismo de reporte de perdas, não podendo servir de base ao apuramento do saldo final apurado num determinado ano: se um saldo positivo ou negativo. Este último é apurado em função das regras e do regime pelo qual os contribuintes optaram, se de tributação conjunta ou separada.”. 47. Tendo a Requerente optado por um regime de tributação agregado, nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a da tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um ou por ambos os membros do agregado familiar. 48. É verdade que o legislador pretendeu, aquando do Reforma do IRS efetuada em 2014, alterar de certa forma a paradigma fiscal, sobretudo no que respeita ao regime regra da tributação das famílias, fazendo com que a tributação separada seja a regra. 49. A partir desse momento, os casados passaram a poder optar pelo tributação conjunta (que deixou de constituir a regime-regra), na tentativa de combater a discriminação negativa de que as pessoas casadas eram alvo, ao não terem essa mesma opção (nota de rodapé n.º 1: Cfr. Decisão Arbitral do Tribunal Singular Arbitral de Lisboa, de 2021.04.03, processo 528/2020-T). 50. Porém, nunca esteve subjacente a esta Reforma a penalização dos contribuintes casados, seja por efeitos da alteração de normas de incidência ou das normas de apuramento do imposto. Pelo contrário, o legislador procurou garantir que os casados poderiam, caso assim pretendessem, optar pela tributação de rendimentos não agregada. 51. Em momento algum, o legislador teve a intenção de privar os contribuintes casados, ou em união de facto, de poderem apurar o ganho sujeito a imposto através da soma da totalidade dos ganhos e da subtração das perdas totais obtidas em conjunto. Esta operação, meramente aritmética, sempre se fez, e continua a fazer, tendo em consideração que os membros do agregado familiar declararam a intenção de ser tributados em conjunto, sendo os ganhos e as perdas considerados como obtidos por ambos. 52. Se assim não se entender, então teremos que concluir que o legislador da Reforma do IRS teve a intenção de prejudicar os contribuintes casados, impossibilitando que os mesmos pudessem usufruir do efetiva tributação conjunta dos seus rendimentos e das decisões de gestão da economia familiar tomadas pelos membros do agregado num determinado ano. O que não é nem pode ser o caso! 53. Pois que, se assim fosse, e ainda acompanhando o entendimento do Decisão Arbitral de 2017.11.21, Processo n° 739/2016-T, do Tribunal Arbitral de Lisboa, estaríamos perante uma clara violação do principio do segurança e do proteção da confiança, corolário do disposto no artigo 2.° do Constituição da República Portuguesa. 54. Isto porque o Requerente tinha a legitima expectativa de que as decisões por si tomadas, no que se refere à gestão de bens e da economia familiar do agregado, pudessem ser relevadas de forma agregada, respeitando a sua opção pela tributação conjunta, o que não pode deixar de ser acolhido em resultado da aplicação do princípio da segurança e da proteção da confiança na vertente de “princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criados a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado (...).”(nota de rodapé n.º 2 – Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13.11.2007, proferido no Processo n.º 0164A/04). 55. A AT vem assim aplicar um método de cálculo que simplesmente não faz sentido. 56. Para além do já exposto, caberá ainda questionar se fosse efetivamente a intenção do legislador que assim fosse, porque motivo é que o Anexo G, Q.9 não diferencia diretamente o sujeito passivo, apresentando-se saldo individualizado para cada um deles, ao invés da apresentação de saldo conjunto? 57. Ou porque motivo é que não obriga à entrega de dois Anexos G, um para cada um dos dais sujeitos passivos, tal como obriga o Anexo B (anexo individual e, em cada um, apenas podem constar os elementos respeitantes a um titular) e o Anexo J (anexo individual e em cada um apenas podem constar os elementos respeitantes o um titular relativamente aos rendimentos obtidos fora do território português)? 58. A resposta é evidente: porque à semelhança de todos os demais rendimentos e conforme manda a Lei, no caso de opção por tributação conjunta, o imposto é devido pelo soma de todos os rendimentos, conjuntamente! 59. Se o entendimento do AT fosse acolhido, seria materializada uma evidente violação dos princípios do segurança e do proteção da confiança, dos princípios da proporcionalidade, tipicidade e capacidade contributiva, da legalidade em matéria fiscal, e, também, da proteção do família. 60. A AT está vinculada aos princípios constitucionais e jurídico-fiscais aplicáveis e já referidos supra, tendo, salvo o devido respeito, violado a lei ao aplicar mecanismo de cálculo incorreto no apuramento dos saldos de mais e menos-valias sujeitos a tributação em IRS, nomeadamente através da indevida desconsideração da opção pela tributação conjunta e do indevido apuramento autónomo dos saldos referentes a valores mobiliários.(...)”
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O Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios legalmente aplicáveis, a apurar à taxa legal.
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A Requerida apresentou Resposta, na qual alega:
I.B) Alegações da Requerida:
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No ponto 4. da Resposta começa a Requerida por aduzir no sentido de que “(...) as operações de alienação, imputadas ao contribuinte A..., NIF..., dispostas nas linhas 9001 a 9018, do quadro 9 do anexo G, da declaração modelo 3 de IRS, totalizaram uma mais-valia de € 9 336,72, tendo-se aplicado a taxa de 28%, do qual resultou a tributação autónoma controvertida de € 2 614,28.
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Já quanto à contribuinte B..., NIF..., que igualmente integra o agregado familiar do Requerente, foi apurada uma menos-valia em resultado dos valores declarados nas linhas 9019 a 9032 do Quadro 9 do Anexo G da Declaração Modelo 3, respeitante ao ano de 2020.
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Frisando a Requerida a impossibilidade de comunicabilidade de perdas apuradas entre cônjuges, mesmo nos casos de tributação autónoma, ancorando essa posição interpretativa na decisão arbitral proferida no processo nº 801/2019-T, de 2020/07/13 que abundantemente transcreve.
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Enfocando ainda que o Requerente indicou, no Quadro 15, do anexo G da Declaração Modelo 3, nº ...-2020-...-..., por aquele submetida, a opção pelo não englobamento das mais e menos valias assinaladas, o que naturalmente determinou a tributação à taxa especial, disposta no artigo 72º, nº 1 do CIRS.
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Inferindo do exposto a “(...) impossibilidade de reporte das perdas determinadas na esfera da contribuinte B..., NIF..., por via do disposto no artigo 55º, nº 1, alínea d) do CIRS (…)."
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Concluindo no sentido de que a liquidação sindicada não padece de qualquer ilegalidade.
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A propósito da alegada pelo Requerente ausência de fundamentação legalmente exigida do acto de liquidação sub judicio , sustenta a Requerida que “(...) é mister refletir sobre o entendimento pugnado no Acórdão do TCAS nº 01788/07, de 2007/06/19, que refere: “V) – A fundamentação é um conceito relativo, variando em função do tipo concreto do ato e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, por isso se impondo a adoção de um critério prático consistente na questão de saber se um destinatário normal, face ao “itinerário cognoscitivo e valorativo” constante do ato em causa, fica em condições de saber o motivo por que se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer, o que aliás se coaduna com o princípio geral que se pode até extrair, nomeadamente, do disposto no artigo 236º, do Código Civil.”
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Retirando dali a Requerida que “(...) é possível segmentar duas premissas associadas ao instituto em causa: que a fundamentação não é um conceito absoluto e que, em virtude dessa natureza, falamos de uma noção ajustável em função das circunstâncias que medeiam o ato em causa, desde que este seja apreensível perante um destinatário normal (cfr. Artigo 487º, nº 2 do Código Civil).”
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E não se detendo e traz a Requerida novamente à colação a decisão jurisprudencial acima identificada, transcrevendo o que segue: “Todavia, o ato tributário, como salienta José Carlos Vieira de Andrade no seu “O Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspetos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos pressupostos do ato.”
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Intuindo dali que “(...) a relatividade dos pressupostos do dever de fundamentação, traduzem-se, quando são perfilados de modo massivo, na forma como são operados determinados atos administrativos, que tornam a respetiva inteligibilidade mais percetível aos respetivos destinatários.”
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Aduzindo que assim são “(...) as liquidações de IR, elaboradas em função da entrega da declaração de rendimentos, por parte do contribuinte."
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E ainda sobre a suficiência justificativa dos elementos contidos nas liquidações de IRS, transcreve a Requerida parte do acórdão do TCAN nº 03081/15.9BEPRT, de 2018/12/13: “No caso concreto e porque estamos perante uma nota de liquidação de IRS, a mesma apresenta, de forma sucinta, os valores que serviram de base ao cálculo de impostos, as normas jurídicas aplicáveis, assim como os meios de defesa e os prazos para reagir contra o ato e a indicação da entidade que praticou o ato. Apesar de não haver uma fundamentação exaustiva, o ora oponente tinha à sua disposição os elementos mínimos que lhe permitiam impugnar o ato, pelo que se considera a mesma fundamentada.”.
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Bem como, no mesmo sentido, a decisão arbitral nº 247/2021-T de 2021.11.11: “I – Atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual de IRS, o dever de fundamentação é cumprido pela AT de forma “padronizada” e “informatizada”, não podendo o declarante alegar o desconhecimento de factos e valores por si declarados.” E ainda: “No caso em concreto, o ato em causa – liquidação de IRS – tem a natureza de “processo em massa”. Nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77º da LGT e que é cumprido pela Administração Fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto (cf. J. L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, “Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão arbitrária”, in Homenagem José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202, Ac. Do STA de 17/06/2009, proc. Nº 0246/09 e decisão proferida pelo CAAD no processo nº 137/2013-T de 02/12/2013). A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato sub judice não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação”.
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Peticionando a improcedência do PPA quanto ao pedido consubstanciado na anulação da liquidação sindicada, devendo manter-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado de IRS de 2020, absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
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Em 14.10.2022, a Requerida apresentou alegações escritas, repristinando ali, basicamente, a hermenêutica sustentada na Resposta.
II. Thema decidendum:
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O thema decidendum reporta-se à questão da impossibilidade de comunicabilidade das perdas apuradas entre cônjuges que integrem o mesmo agregado familiar mesmo nos casos de tributação autónoma, ou seja, à questão de saber se o valor que está na notificação da demonstração da liquidação sindicada, concretamente na linha 17 reportada a “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, na quantia de € 2 614,28, está enfermado de errónea quantificação, na medida em que os montantes apontados no Quadro 9 do Anexo G da declaração modelo 3 do IRS, ascenderam a € 224 412,80 e a € 224 402,13, a título, respectivamente, de valores de realização e aquisição, resultando daí um ganho de mais-valias do agregado familiar não de 9.336,72 € mas de 10,67 € e donde resultará tributação autónoma substancialmente inferior (daí a errónea quantificação) à que está na liquidação junta ao PPA como Doc. n.º 1, de 2.614,28 €, resultando IRS a pagar de 409,89 €; e ainda à questão de saber se aquela liquidação é desprovida de qualquer fundamentação.
Cumpre, então, agora, proferir decisão.
III. SANEAMENTO:
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
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A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico». Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa. Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”. Estando em causa a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial. Não obstante, a impugnação judicial é também o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o acto silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito. A reclamação graciosa foi tempestivamente apresentada em 28.12.2021. A AT tinha um prazo de 4 meses a contar da data de apresentação da reclamação para decidir, o que não fez. O n.º 5 do artigo 57.º da LGT, faz presumir o indeferimento (tácito) da reclamação apresentada. Subsequentemente à verificação do aludido indeferimento tácito, o Requerente interpôs recurso hierárquico que foi recepcionado pela AT em 28.1.2022. Nos termos do n.º 5 do art.º 66.º do CPPT, os recursos hierárquicos são decididos no prazo máximo de 60 dias, mais uma vez, sob pena de indeferimento tácito. As referidas presunções de indeferimento são ficções jurídicas destinadas a possibilitarem ao interessado o acesso aos tribunais, visando a obtenção de tutela para os seus direitos ou interesses legítimos nos casos de inércia da Administração Tributária sobre as pretensões que lhe foram dirigidas. Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT; ou, alternativamente, pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1, alínea a) do art.º 10.º do RJAT, no prazo de 90 dias, “(...) contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico;”. Em face do exposto, o Tribunal julga-se competente para julgar a presente ação.
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A ação é tempestiva, porque apresentada no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”). A 29.3.2022 foi ultrapassado o prazo para decisão a que se reporta o n.º 5 do art.º 66º do CPPT. O prazo para apresentação do PPA deve contar-se da presunção de indeferimento do recurso hierárquico que, com visto, ocorreu em 29.3.2022, data a partir da qual se conta o prazo de 90 dias para a interposição do pedido de pronúncia arbitral nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, pelo que, o mesmo se revelou efectivamente tempestivo, na medida em que se iniciou a sua contagem em 30.3.2022 e o seu dies ad quem ocorreu em 27.6.2022, ou seja, quod erat demonstrandum, tendo sido apresentado em 6.5.2022, considera-se tempestivamente interposto o PPA.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (Cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
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O processo não enferma de nulidades.
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Não existem excepções a apreciar.
IV. DECISÃO:
IV.A) Factos que se consideram provados:
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Antes de entrarmos na apreciação do mérito das questões submetidas a julgamento, cumpre-nos fixar a matéria factual que é relevante para a respectiva decisão:
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O Requerente procedeu à entrega da Declaração Modelo 3 do IRS, respeitante ao ano de 2020 (Cfr. art.º 1.º do PPA);
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Tal acto declarativo tomou o n.º de Identificação ...-...-... (Cfr. art.º 1.º do PPA).
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Tratada a referida declaração anual de rendimentos, o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2021..., de 9.6.2021, da qual resultava IRS a pagar que se cifrava em 1.616,57 € (Cfr. art.º 2.º do PPA);
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Tendo laborado em erro aquando do preenchimento da declaração de rendimentos identificada no ponto B) do probatório, apresentou nova declaração de rendimentos para o ano de 2020, que foi identificada com o seguinte número: ...-...-... (Cfr. art.º 3.º do PPA);
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O Requerente e cônjuge, B..., NIF..., na declaração de rendimento identificada no ponto D) do probatório, mais concretamente no seu Quadro 5, optaram expressamente por se sujeitar à tributação conjunta dos seus rendimentos (Cfr. art.º 37.º das alegações finais).
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Subsequentemente à apresentação da declaração referida no ponto D) do probatório, foi o Requerente notificado da liquidação n.º 2021..., de 5.7.2021, indicando-se ali um valor a pagar de 409,89 €. (Cfr. art.º 4.º do PPA e ainda Doc. n.º 1 ali junto);
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Da liquidação identificada no ponto F) do probatório, mais concretamente da linha 17 da demonstração da liquidação que tem por descrição “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, resulta inscrita a quantia de 2.614,28 € (Cfr. art.º 4.º do PPA e ainda Doc. n.º 1 e n.º 2 juntos ao PPA);
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No ano de 2020, o Requerente e cônjuge declararam rendimentos decorrentes da alienação valores mobiliários (Acordo das partes):
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Os montantes inscritos no Quadro 9, do Anexo G, da Declaração Modelo 3 de IRS, de 2020, ascenderam a 224.412,80 €, a título de valores de realização e a 224.402,13 €, a título de valores de aquisição (Acordo das partes. Cfr. art.º 3º da Resposta e art.º 23.º do PPA e ainda reprodução do Quadro 9 do Anexo G da declaração Modelo 3 do IRS de 2020 constante das alegações finais apresentadas pelo Requerente);
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O saldo positivo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pelo Requerente resulta de diversas operações dispostas nas linhas 9001 a 9018, do Quadro 9, do Anexo G, da declaração Modelo 3 do IRS, de 2020, eleva-se a 9.336,72 €, que traduz a realização de uma mais-valia correspondente àquele valor. (Cfr. art.º 4º da Resposta e ainda reprodução do Quadro 9 do Anexo G da declaração Modelo 3 do IRS de 2020 constante das alegações finais apresentadas pelo Requerente);
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O saldo negativo das mais e menos-valias associado às alienações onerosas de valores mobiliários realizadas pela contribuinte B..., NIF..., resulta de diversas operações dispostas nas linhas 9019 a 9032, do Quadro 9, do Anexo G, da declaração Modelo 3 do IRS, de 2020, eleva-se a 9.326,05 €, que traduz a realização de uma menos-valia correspondente àquele valor. (Cfr. art.º 5º da Resposta e ainda reprodução do Quadro 9 do Anexo G da declaração Modelo 3 do IRS de 2020 constante das alegações finais apresentadas pelo Requerente);
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O resultado apurado na liquidação de IRS sindicada e melhor identificada no ponto F) do probatório e que se cifrava em 409,89 €, decorreu da aplicação da taxa autónoma de 28% ao saldo de mais-valias apurado em relação à alienação de valores mobiliários concretizada pelo Requerente, no montante de 9.336,72 €, do qual resultou a tributação autónoma de 2.614,28 € (9.336,72 € x 28%) (Cfr. art.º 4º da Resposta);
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O Requerente solicitou no e-balcão esclarecimentos sobre a origem do valor relativo ao montante indicado no ponto G) do probatório de 2.614,28 € e inscrito na linha 17 da demonstração da liquidação que tem por descrição “Imposto relativo a Tributações Autónomas” (Cfr. art.º 5.º do PPA e ainda Doc. n.º 7 ali junto);
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A Autoridade Tributária e Aduaneira, no e-balcão, em 15.7.2021, 09:30:36, esclareceu o Requerente dizendo: “(...) O valor das tributações autónomas constantes na liquidação respeitam à liquidação dos valores declarados na correspondente declaração modelo 3 de IRS apresentada, designadamente o valor de mais valias não englobadas 9.336,72 taxa de 28% imposto 2.614,28. (...).” (Cfr. Doc. n.º 7 junto ao PPA);
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O Requerente apresentou reclamação graciosa, em 30.8.2021, no Serviço de Finanças de Lisboa – ..., contra a liquidação sindicada e melhor identificada no ponto F) do probatório (Acordo das partes. Cfr. art.º 5.º do PPA e fls. 7 de 20 do PA; art.º 1º da Resposta; e ainda Doc. n.º 3 junto ao PPA);
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Decorrido o prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do art.º 57.º da LGT a contar da data de apresentação da reclamação graciosa n.º ...2021..., presumiu o Requerente o indeferimento tácito da mesma (Cfr. art.º 7.º do PPA);
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Em 26.1.2022, o Requerente apresentou, por correio registado, recurso hierárquico que foi recepcionado pela AT em 28.1.2022, interposto na sequência do indeferimento tácito do pedido de reclamação graciosa que o antecedeu (Cfr. art.º 8.º do PPA e Doc. n.º 5 e Doc. n.º 6 juntos ao PPA).
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Presumindo o Requerente o indeferimento tácito do recurso hierárquico em 29.3.2022 (Cfr. art.º 10.º do PPA).
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Em 6.5.2022, 10:26 horas, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
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O dies a quo para apresentação do PPA era, nos termos do n.º 1 do art.º 10º do RJAT, o dia 30.3.2022 e o dies ad quem, o dia 27.6.2022.
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O pedido foi aceite em 9.5.2022, 12:55 (Cfr. Sistema de Gestão Processual do CAAD).
IV.B) Factos não provados:
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Não se provaram outros factos com relevância para a decisão das questões submetidas a julgamento.
IV.C) Fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
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Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
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Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art.º 596.º do CPC).
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A convicção sobre os factos assim dados como provados (acima explicitados) fundou-se nas posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados que não foram impugnadas pela parte contrária e nomeadamente na prova documental junta aos autos pelo Requerente e Requerida.
IV.D) Matéria de Direito (fundamentação):
IV.D1) Da Ausência de fundamentação legalmente exigida:
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O Requerente invoca a falta de fundamentação do acto impugnado.
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A liquidação de IRS sub judicio não pode deixar de depender de acto fundamentado da Administração Tributária.
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A notificação que levou ao conhecimento do aqui Requerente tal acto tributário de liquidação, foi, diga-se desde já e como posição de princípio, acompanhada da fundamentação legalmente exigida. Senão vejamos,
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O n.º 3 do art.º 268º da C.R.P., enuncia o seguinte princípio: "Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos."
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O art.º 77º da LGT concretiza aquele princípio constitucional.
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Além de que, face ao estatuído no n.º 1 do art.º 125º do Código de procedimento Administrativo, "A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto." Ademais,
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Dispõe o n.º 2 do mesmo artigo no sentido de equivaler "(...) à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto."
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As disposições vindas de enunciar firmam os requisitos substanciais a que deve obedecer a fundamentação dos actos administrativos em geral, neles se devendo incluir, necessariamente, os actos tributários de liquidação.
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A doutrina tem entendido que a fundamentação é obscura quando os seus termos não permitam conhecer de modo claro o desenvolvimento do processo intelectual e valorativo em que assenta a decisão.
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Tem também entendido que existirá fundamentação contraditória quando a decisão não se conjuga, de modo lógico, com os motivos por ela invocados.
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Finalmente sustenta a melhor doutrina e abundante jurisprudência que a fundamentação é insuficiente nos casos em que não expõe os fundamentos de facto e de direito em que a decisão se deve apoiar.
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A suficiência da fundamentação não é uma noção absoluta, variando em função do tipo de acto e da posição cultural do seu destinatário.
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Face ao disposto no art.º 77º da LGT, "[A] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.” O nº 2 daquela norma refere ainda que "[A] fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo."
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Atenta a efectiva concretização da fundamentação aduzida pelos Serviços da Administração Tributária resulta que foram expressos com suficiência, clareza e congruência os motivos que fundamentaram a decisão de liquidar o IRS de 2020, mais não seja, porquanto, a aludida liquidação adveio na sequência da apresentação de duas declarações anuais de IRS, concretizadas pelo sujeito passivo, tal como se pode inferir dos pontos A) e D) do probatório.
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Entendendo o Tribunal que não obstante a invocada falta de fundamentação, a decisão de liquidação está, portanto, devidamente fundamentada, não enfermando de falta de fundamentação. Vejamos,
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A fundamentação é assim um dos elementos constitutivos do acto administrativo-tributário de liquidação.
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Acarretando a sua falta, obscuridade, contradição ou insuficiência a anulabilidade do acto.
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Ora, como acima se disse, não pode olvidar-se que o dever de fundamentação tem dignidade de assento constitucional.
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Sendo que essa fundamentação tem, reitera-se, “(...) de traduzir-se numa declaração formal, externa ou explícita, ou dito de outro modo, revelada por uma manifestação (declaração) exterior consubstanciada em um discurso de autoria, expresso em um texto, não bastando que resulte implicitamente da actuação administrativa, acessível ou clara, congruente e suficiente, como hoje expressamente aponta o texto constitucional e constava já antes do art.º 1.º do DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho, embora o conteúdo de uma fundamentação suficiente varie de acordo com as circunstâncias concretas, entre as quais avultam as do tipo de acto, as da participação e qual a sua extensão ou a não participação dos interessados no procedimento anterior conducente à decisão”[2].
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Ora, no caso sub judicie e no que concerne à fundamentação do acto tributário de liquidação de IRS, foi enviada a nota demonstrativa da liquidação que está junta ao PPA como Doc. n.º 1 dela se podendo inferir que de “Imposto relativo a tributações autónomas” foi apurado o montante de 2.614,29 (linha 17 da aludida nota). Além de que, tal como se pode intuir do artigo 39.º do PPA (e já antes de retirava do texto que consubstanciou a reclamação graciosa – Cfr. art.º 10.º - e até mesmo do texto que consubstanciou o recurso hierárquico – Cfr. art.º 13.º), o aqui Requerente, mesmo dizendo não compreender a origem dos 9.336,72 € que vieram a dar origem à aplicação da tributação autónoma de 28% e da qual resultou IRS que se cifrou em 2.614,28 € que veio a resultar no imposto a pagar de 409,89 €, não podia deixar de ter percebido, até por concatenação entre a nota demonstrativa da liquidação e as declarações anuais de IRS que apresentou, que o imposto resultante do tratamento daquelas declarações tinha a ver com o encargo impositivo que resultava do apuramento de ganhos com a alienação de valores mobiliários.
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E assim sendo, das duas uma: ou i) a liquidação se teria efectivado amalgamando-se todos os ganhos e perdas dos respectivos titulares do agregado familiar do Requerente (sujeito passivo A e B), ou ii) as menos valias apuradas pelo sujeito passivo B não poderiam ser comunicadas no rendimento apurado em sede de mais-valias na esfera do sujeito passivo A, resultando daí a liquidação que em termos de expressão material o Requerente diz não ter entendido.
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Ainda assim e não obstante, não pode olvidar-se que o Requerente, mesmo sem outros desenvolvimentos em termos de fundamentação, logrou apresentar a reclamação graciosa e o recurso hierárquico a que supra nos reportávamos, enunciando duas linhas argumentativas de ataque à legalidade daquele liquidação: i) a da errónea quantificação do acto tributário ao abrigo da alínea a) do art.º 99.º do CPPT e ii) a da ausência de fundamentação legalmente exigida do acto de liquidação ao abrigo do disposto nos artigos 99.º, al. c) do CPPT, 77.º da LGT e 268.º da CRP, o que dá bem nota de que entendeu perfeitamente o alcance e a motivação do acto de liquidação sindicado, desferindo-lhe até o correspondente ataque.
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Entendendo o Tribunal Arbitral Singular que a fundamentação aduzida, não obstante parca, admita-se, tendo a liquidação sido produzida na sequência do cumprimento da obrigação declarativa anual em sede de IRS, se mostra minimamente suficiente para fundamentar o acto de liquidação controvertido.
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O procedimento que culminou no acto de liquidação impugnado que está materializado no Doc. n.º 1 anexo ao PPA e que descreve (desenvolvidamente) o apuramento do imposto a pagar, mas, admita-se, fazendo-o de forma “padronizada”, não deixa de cumprir, dessa forma, os requisitos de fundamentação impostos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT.
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Ancorando a posição deste Tribunal Arbitral Singular, adequado se mostra transcrever parte da decisão prolatada no Processo Arbitral n.º 247/2021-T (igualmente referida pela Requerida na sua Resposta) que a dado passo dizia: “Os Requerente começam por invocar a falta de fundamentação do ato impugnado. O direito à fundamentação, relativamente aos atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos tem consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias - Título II da parte 1ª da CRP - art.º 268.º, n.º 3. - tendo o respetivo princípio constitucional sido densificado no art.º 77.º nºs. 1 e 2 da LGT. A fundamentação tem a função de dar conhecimento ao administrado das razoes da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do ato ou pela sua impugnação. A fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio ato (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do ato um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação). A falta ou insuficiência de fundamentação do ato, vício de natureza formal (e não substancial), verifica-se, pois, quando o respetivo ato não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório: o ato só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto ato administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do ato. A fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo concreto de cada ato (Cf. Ac. do STA, proc. n.o0787/08 de 05-03-2009 e Ac. do STA proc. n.º 0399/13.9 BEAVR de 24.04.2019). Cabe-nos verificar se neste ato em concreto, um destinatário normal, perante o teor do ato e das suas circunstâncias, ficou em condições de perceber o motivo pelo qual se decidiu num sentido, de forma a conformar-se com o decidido ou a reagir-lhe pelos meios legais. No caso em concreto, o ato em causa – liquidação de IRS - tem a natureza de “processo em massa”. Nestes casos a lei não exige senão a observância dos requisitos gerais de fundamentação constantes dos citados números 1 e 2 do artigo 77.º da LGT e que é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, atenta a natureza de “processo de massa” da liquidação anual deste imposto (cf. J.L. Saldanha Sanches/João Taborda da Gama, «Audição-Participação-Fundamentação: a co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária», in Homenagem José́ Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, pp. 290/297 e J.L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributaria: Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, Lisboa, 1995, pp. 189/202, Ac. Do STA de 17/06/2009, Proc. n.º 0246/09 e decisão proferida pelo CAAD no Processo n.º 137/2013-T de 02.12.2013). A fundamentação padronizada e informatizada constante do ato sub judice não é por si só reveladora da eventual falta de fundamentação. No caso em concreto a liquidação resulta dos factos e valores declarados pelos contribuintes. Deste modo, os factos e valores que constam da liquidação são do conhecimento dos declarantes, não podendo eles alegar o seu desconhecimento e por isso não se nos afigura que o ato padeça de falta de fundamentação. Citando o Ac. do TCA do Sul de 24.01.2020, proc. n.º 267/07.3 BEALM: “I – Porque a liquidação se baseou nos elementos declarados pelos contribuintes resulta dos autos que o acto em crise se encontra devidamente fundamentado, não se verifica qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos critérios utilizados, pois nele se expressam as razões, do conhecimento dos contribuintes a partir das suas próprias declarações, por que se tributou, sendo claros os motivos e os factos concretos ou de direito em que se fundou para decidir no sentido em que o fez, e ali se especificam os elementos determinantes dos critérios utilizados na quantificação do resultado fiscal relativo á liquidação adicional impugnada.” Mais, quanto a este vício alegado pelos contribuintes, cumpre-nos referir que é patente na reclamação graciosa e no seu pedido de pronúncia arbitral que os mesmos compreenderam os diversos motivos fácticos e jurídicos que determinaram a liquidação. Na verdade, as divergências existentes entre a AT e os contribuintes são, como resulta do processo, questões de Direito que os contribuintes no seu articulado alegam e esgrimem sem qualquer limitação (tributação dos rendimentos provenientes de instrumentos financeiros derivados). Desta feita, não nos parece, por esta via, que ocorra aqui qualquer vício de falta de fundamentação. Neste sentido veja-se o Ac. do STA de17.06.2009, Proc. n.º 246/09: “III - Nos actos de liquidação de IRS, atenta sua natureza de “processo de massa”, o dever de fundamentação é cumprido pela Administração fiscal de forma “padronizada” e “informatizada”, mas sem que possa deixar de observar o disposto no n.º 2 do artigo 77.o da LGT ou de pôr em causa as finalidades do direito à fundamentação; IV - Estando o conteúdo do acto tributário em sintonia com o resultado do procedimento administrativo de que aos contribuintes foi sendo dado conhecimento pela via adequada e tendo estes reagido contra o acto de indeferimento de reclamação que está na origem do resultado espelhado na liquidação, não se verifica motivo determinante da anulação do acto tributário por falta de fundamentação. Face ao exposto, improcede o vício de falta de fundamentação.”
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Posto isto se infere que a AT, embora fundamentando parcamente a liquidação ora impugnada, acabou por fundamentar de forma suficiente o acto de liquidação, na medida em que com a fundamentação que efectivou não impediu que o aqui Requerente ficasse a conhecer o motivo daquela liquidação, não o impedindo da opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação (graciosa ou contenciosa), o que logrou, aliás, fazer.
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Não pode, pois, dizer-se que da fundamentação da liquidação impugnada tenha resultado prejuízo para a sua defesa, cumprindo-se assim uma das finalidades primaciais do dever de fundamentação.
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É que, como vem sendo entendimento unânime dos Tribunais Administrativos e Fiscais e até dos respectivos tribunais superiores, também no que concerne à liquidação do IRS que advém na sequência do tratamento de obrigações declarativas do sujeito passivo, não obstante estarmos perante actos tributários de liquidação de massa e impondo-se a exigibilidade de um mínimo de fundamentação tendente a que se aquilate da respectiva legalidade do acto[3], louvando-se o Tribunal Arbitral Singular nesses pronunciamentos para sustentar a sua posição de que aqui não há falta de fundamentação que possa levar à anulabilidade do acto de liquidação sindicado.
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Estando esse mínimo cumprido, como está, o acto de liquidação não pode deixar de ser considerado devidamente fundamentado, sendo que, sustenta-se, a preterição desse mínimo de fundamentação não ocorreu in casu, pelo que, não considera o Tribunal que o acto de liquidação de IRS de 2020 enferme de ilegalidade com fundamento na falta ou insuficiência de fundamentação.
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Diga-se finalmente que, se a fundamentação do acto que foi facultada ao Requerente não lhe permitia ultrapassar dúvidas que tivesse quanto às razões que fundamentavam a liquidação, pois que o conteúdo do acto não lhe era acessível, poderia aquele procurar esclarecê-las utilizando a faculdade que lhe era conferida pelo n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, solicitando à Administração Tributária fundamentação menos sintetizada do que aquela que lhe havia sido comunicada com a liquidação.
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É bem verdade que em face do que está no Doc. n.º 7 junto ao PPA (Cfr. ponto N) do probatório) o Requerente encetou tentativas de contacto através do e-balcão visando mais desenvolvimentos quanto à referida fundamentação, ou seja, quanto às razões de facto e de direito que deram origem à quantia de IRS a pagar pelo Requerente de 409,89 €, que, segundo dizia, não eram perfeitamente percepcionados por aquele.
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Não tendo o Requerente usado daquela faculdade conferida pela lei, poder-se-ia concluir, em princípio, que o acto sub judicio continha todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o aventado vício de que pudesse enfermar teria ficado sanado com a ausência de uso de tal faculdade possibilitada pelo art.º 37.º do CPPT.
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Contudo e não obstante, considera o Tribunal Arbitral Singular que a não solicitação da referida certidão não pode obstar à invocação do vício de falta de fundamentação em sede contenciosa.
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Neste sentido veja-se o Acórdão do TCAS de 12.11.2002 (Proc. 7002/02), que a dado passo refere: "(...) a possibilidade concedida pelo art.º 22.º do CPT [actualmente prevista no art.º 37.º do CPPT] visa, exclusivamente, obter a sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação, não constituindo condição para o acesso a esses meios. Assim, nunca a falta de uso daquela faculdade terá como consequência a impossibilidade de invocar o vício de forma por falta de fundamentação como causa de pedir da impugnação judicial deduzida contra o acto cuja fundamentação não tenha sido comunicada ao contribuinte. [...]. Na verdade, no CPT, em vigor à data, como actualmente no Código de Procedimento e Processo Tributário, não conhecemos disposição legal que imponha condição alguma para a reclamação ou para a impugnação judicial deduzidas com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação. Assim, o facto de a Recorrida não ter usado da faculdade prevista no art.º 22.º do CPT, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não a impede de impugnar a liquidação do acto tributário em causa com fundamento em falta de fundamentação. A Recorrida corre é o risco de que a fundamentação exista, pese embora não lhe tenha sido comunicada, e, consequentemente, de ver fracassar a impugnação deduzida com aquele fundamento, risco que não correria se previamente se tivesse certificado, através da referida faculdade, da existência da fundamentação do acto impugnado."
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Não obstante dever improceder o argumento respeitante à alegada sanação "automática" do vício invocado pelo Requerente por ausência de uso da faculdade possibilitada pelo art.º 37.º do CPPT, considera o tribunal, fundado em tudo quanto acima se explicitou, que improcede o aventado vício da ausência ou insuficiência de fundamentação legalmente exigida do acto de liquidação do IRS de 2020 ao abrigo do disposto nos artigos 99.º, alínea c) do CPPT, 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP.
IV.D2) Da (I)legalidade dos actos tributários sindicados:
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A questão fundamental a decidir reporta-se, como dito, à questão da impossibilidade de comunicabilidade das perdas apuradas entre cônjuges que integrem o mesmo agregado familiar mesmo nos casos de tributação autónoma, ou seja, à questão de saber se o valor que está na notificação da demonstração da liquidação sindicada, concretamente na linha 17 reportada a “Imposto relativo a Tributações Autónomas”, na quantia de € 2 614,28, está enfermado de errónea quantificação, na medida em que os montantes apontados no Quadro 9 do Anexo G da declaração modelo 3 do IRS, ascenderam a € 224 412,80 e a € 224 402,13, a título, respectivamente, de valores de realização e aquisição, resultando daí um ganho de mais-valias do agregado familiar não de 9.336,72 €, mas de 10,67 € e donde resultará tributação autónoma substancialmente inferior (daí a errónea quantificação) à que está na liquidação junta ao PPA como Doc. n.º 1, de 2.614,28 €, resultando IRS a pagar de 409,89 €.
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Ora, os Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD já se pronunciaram por diversas vezes sobre esta questão. Faz-se notar que as correspondentes decisões arbitrais não advêm sempre no mesmo sentido. Nos processos infra identificados foram proferidas decisões de improcedência dos respectivos pedidos de pronúncia arbitral; no Processo n.º 739/2016-T e no Processo n.º 528/2020-T, foram, ao invés, tiradas decisões de procedência.
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Fizeram-no, v.g., na decisão arbitral prolatada no Processo n.º 801/2019-T, de 13.7.2020, que aqui se mostra adequado trazer à colação.
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Na fundamentação daquela decisão arbitral, foi consignado o seguinte: “[A] questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentam a declaração de rendimentos IRS conjunta, optando pela tributação conjunta, tem hoje, também, um entendimento pacífico, na jurisprudência. Conforme resulta da decisão arbitral proferida no Processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019, “(...)Como já se disse estamos em presença de um imposto sobre o rendimento de pessoas singulares e não de um imposto sobre sociedades conjugais, daí resulta que o saldo a que alude: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes”, respeita ao saldo apurado a cada sujeito passivo. Repare-se que no caso concreto os sujeitos passivos cumpriram toda a mecânica do IRS, preenchendo, o quadro 9 do anexo G, com os valores respeitantes a cada um, não tendo havido qualquer correcção técnica operada pela ATA, sendo a liquidação aqui posta em crise suportada por todos os elementos declarados pelos sujeitos passivos e respeitado o apuramento levado a efeito em cada categoria de rendimentos e a cada cônjuge.” [sublinhado nosso]. Também a decisão arbitral proferida no Processo n.º 268/2018-T, de 31 de Outubro de 2018, analisou esta problemática, concluindo que: “(...) Esta redação do artigo 55.º do Código do IRS, em vigor desde 1 de Janeiro de 2015, foi dada pela Lei no 82-E/2014, de 31 de Dezembro (Lei da Reforma do IRS), que teve, na sua génese, as propostas consagradas no “Anteprojecto da Reforma do IRS” (Julho de 2014) e no “Projecto de Reforma do IRS” (Setembro de 2014), depois da discussão pública a que aquele documento foi sujeito, em cujos relatórios se pode ler, respectivamente, nos pontos 4.3.4. e 5.3.4. (“Regime de comunicabilidade de perdas entre cônjuges” que “o Código do IRS acolhe um modelo de limitação de dedução de perdas entre as várias categorias de rendimentos, ou seja, comunicabilidade horizontal mitigada. A Comissão propõe (...) de modo a viabilizar um regime regra de tributação separada, se estabeleça a dedução de perdas vertical, isto é, relativamente a cada sujeito passivo; não se comuniquem perdas horizontalmente. Assim, o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”. “(...) Quanto a este ponto, citam os Requerentes (para reforço da sua posição), o teor da Decisão Arbitral n.º 739/2016-T, de 30 de Novembro de 2017, nos termos da qual, por referência ao ponto da Reforma do IRS transcrito no no anterior, é entendido que o que “(...) o legislador pretendeu (...) foi alterar de certa forma o paradigma fiscal, sobretudo no que respeita ao regime regra da tributação das famílias, fazendo com que a tributação separada seja a regra (...), na tentativa de combater a discriminação negativa de que as pessoas casadas eram alvo, ao não terem essa (...) opção”, aí se defendendo que “nunca esteve subjacente a esta Reforma a penalização dos contribuintes casados, seja por efeitos da alteração de normas de incidência ou das normas de apuramento do imposto”. “(...) Entendem os Requerentes que “a alteração do regime-regra para a tributação separada não teve (...)nem podia ter como consequência a penalização da instituição família” porquanto “o que se pretendeu alcançar foi a igualdade entre os contribuintes casados e os restantes, e nunca penalizar aqueles”. “(...) Contudo, não segue este Tribunal Arbitral a posição defendida na já citada decisão arbitral de que “tendo os contribuintes optado por um regime de tributação agregada (...), nenhuma outra hipótese se coloca, que não seja a da tributação conjunta dos rendimentos apurados pelo casal e isso pressupõe a comunicação dos saldos, negativos e positivos, apurados num determinado ano por qualquer um ou por ambos os membros do agregado familiar”, pelos motivos que a seguir se apresentam.” “(...) Com efeito, face à legislação à data aplicável, concorda-se com a posição defendida pela Requerida de que “(...) o apuramento é feito por titular e que no caso de haver resultados líquidos negativos, estes apenas serão dedutíveis nos resultados líquidos positivos da mesma categoria e titular”, aliás de acordo com o que é referido, expressamente, no texto da própria lei. “(...) Na verdade, no ano de 2014, houve intenção de proceder a alterações em sede de IRS, tendo esta intenção sido concretizada, desde logo com a publicação, a 19 de Março de 2014, do Despacho no 4168- A/2014, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ao nomear “a Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – 2014”, no qual se assumia como objetivos primordiais “(...) promover a simplificação do imposto, a mobilidade social e a proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade”. “(...) De acordo com as notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma”, o contexto da nomeação é extraordinariamente exigente tendo em atenção a necessidade de concretizar as propostas de alteração do regime do imposto num contexto único de “(...) consolidação orçamental, respeitando os objetivos com que Portugal se comprometeu com os seus parceiros internacionais, nomeadamente, através da redução estrutural da despesa pública e do reforço da nova estratégia de combate à fraude e evasão fiscais, com o correspondente alargamento das bases tributáveis”. “(...) No referido despacho entendia-se ainda que “(...) a Comissão de Reforma deverá proceder a uma avaliação aprofundada do IRS (...) considerando neste exercício o trabalho realizado por grupos de trabalho anteriormente constituídos com o mesmo desiderato, e propondo as alterações legislativas consideradas necessárias, ainda que no âmbito de um calendário faseado: a) Revisão e simplificação do IRS e demais regimes fiscais aplicáveis ao rendimento das pessoas singulares, de forma a simplificar o regime das respetivas obrigações declarativas e a facilitar o cumprimento das obrigações inerentes a este imposto, de acordo com as melhores práticas internacionais; b) Promoção da mobilidade social através, designadamente, da avaliação da tributação que incide sobre os rendimentos do trabalho, com o objetivo de reconhecer e valorizar o mérito e o esforço; c) Proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade, através da avaliação das bases gerais da tributação da família em sede de IRS e do reforço das politicas fiscais familiares, de forma a contribuir para a inversão do atual défice demográfico na sociedade portuguesa”. “(...) Ainda nas notas introdutórias do próprio “Anteprojecto da Reforma” escreve-se que “dentro destes parâmetros, a Comissão produziu um trabalho de natureza eminentemente técnica, que se consubstancia num alargado conjunto de propostas de alterações legislativas e de recomendações” sendo que “(...) o trabalho da Comissão passou apenas por sugerir alterações de natureza técnica que possam servir como guião para o legislador decidir o que entender por conveniente” e, “com este desiderato, fica sugerida a introdução de novas normas, capazes de darem melhor resposta aos grandes problemas que o imposto hoje suscita, tornadas necessárias em razão da desatualização, por força do decurso do tempo, de soluções pensadas na década de oitenta do século passado. O objetivo foi o de produzir um trabalho em que resultem equilibrados a necessária estabilidade, o acompanhamento das novas realidades e a praticabilidade das soluções propostas”. “(...) Assim, neste âmbito, a Comissão de Revisão do IRS propôs diversas alterações a este imposto, orientadas pelos objetivos apresentados, entre elas a enunciada (...) supra, no que diz respeito à “Comunicabilidade de perdas entre cônjuges”, no sentido de “(...) viabilizar um regime regra de tributação separada (...)” também proposto, sendo que para tal era necessário estabelecer que “(...) relativamente a cada sujeito passivo (...)” não se comunicassem “(...) perdas horizontalmente” e, em consequência, “o resultado negativo da categoria de um dos cônjuges, não é absorvido nos rendimentos da mesma categoria do outro, no caso de tributação conjunta”. “(...) E, reitere-se, tendo sido esta a proposta da Comissão de Reforma, a mesma foi acolhida pelo Legislador, no texto da Lei da Reforma Fiscal, diploma que introduziu no Código do IRS as referidas propostas de alteração e de aditamento a este imposto. “(...) Em face do acima exposto, entende este Tribunal Arbitral, que o acto de liquidação de IRS objecto do pedido de pronúncia arbitral não padece de qualquer vício de violação de lei, sendo por isso legal, face à legislação à data aplicável.” [sublinhado nosso].”
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Esta jurisprudência, tal como se pode inferir do trecho acima transcrito, já antes havia sido afirmada noutros pronunciamentos e dos quais referimos, sem pretensões de exaustividade e a título meramente exemplificativo, a decisão arbitral tirada no Processo n.º 268/2018-T, de 31 de Outubro de 2018 e a decisão arbitral prolatada no processo n.º 327/2017-T, de 11 de Janeiro de 2019.
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Mais recentemente foi igualmente proferida decisão arbitral no processo n.º 789/2021-T, de 1 de Agosto de 2022 que ia também no sentido da improcedência do respectivo pedido de pronúncia arbitral apresentado.
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Reitera-se aqui o julgamento prolatado no Processo Arbitral n.º 801/2019-T, de 13.7.2020 e acima sobejamente transcrito e ainda os julgamentos acabados de referir (que julgaram improcedentes os respectivos pedidos de pronúncia arbitral), onde se louva este Tribunal Arbitral Singular para julgar o presente PPA também no sentido da improcedência, pois no caso dos presentes autos igualmente se discute a questão da incomunicabilidade das perdas entre sujeitos passivos que apresentem a declaração anual de rendimentos em sede de IRS, optando pela tributação conjunta.
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Quanto à invocada violação do princípio da segurança e da protecção da confiança, previsto no art.º 2º da CRP e ainda dos princípios da proporcionalidade, tipicidade e capacidade contributiva, da legalidade em matéria fiscal, e, também, da proteção da família, enunciada em sede de alegações finais, reitera-se aqui o que foi dito a tal propósito na decisão arbitral tirada no processo n.º 789/2021-T que a dado passo diz: “Não assiste qualquer razão aos Requerentes, entendendo o presente Tribunal Arbitral que, tendo a AT procedido de forma convergente com o legalmente previsto no Código do IRS, não se mostra fundamentada a violação do princípio da capacidade contributiva, ou de qualquer outro princípio aplicável, contrariamente ao invocado pelos Requerentes. Efetivamente, no âmbito da reforma fiscal de 2014, foram consagrados instrumentos que favorecem a personalização do IRS, respeitando-se a capacidade contributiva através, por exemplo, da possibilidade de opção pela tributação conjunta de casados, do regime do quociente conjugal, das deduções à coleta relacionadas com despesas de natureza pessoal ou familiar. Em conformidade, o impedimento à comunicabilidade de menos-valias entre cônjuges, no âmbito da tributação conjunta do agregado familiar, não constitui violação dos princípios constitucionais e jurídico-fiscais vigentes no ordenamento português.”
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Termos em que entende o Tribunal não proceder a pretensão anulatória do Requerente, no que respeita ao acto de liquidação do IRS de 2020, restando concluir que ele não enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que justifica a sua manutenção na ordem jurídica, sendo que, nessa decorrência, o acto tributário de liquidação aqui em causa não está eivado de qualquer ilegalidade, devendo improceder o presente pedido de pronúncia arbitral e devendo a Requerida ser absolvida de todos os pedidos formulados pelo Requerente.
IV.D3) QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO:
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Julgando-se improcedente o pedido principal, tal como já se deixou antever, fica prejudicada, por inútil, a apreciação da questão do pagamento dos juros indemnizatórios.
V. DECISÃO:
Face ao exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar improcedente o pedido formulado na presente acção arbitral, fundado na inverificada ilegalidade do acto de liquidação de IRS, n.º 2021..., relativo ao período de tributação de 2020, no montante de 409,89 €, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação sindicado, absolvendo-se a Requerida do pedido;
VI. VALOR DO PROCESSO:
Fixo o valor do processo em 409,89 € em conformidade com o disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável por remissão do art.º 3º do regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS:
Fixo o valor das Custas em 306,00 €, calculadas em conformidade com a Tabela I do regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária em função do valor do pedido (sendo que, tal valor foi o indicado pelo Requerente no PPA e não contestado pela Requerida e corresponde ao valor das liquidações sindicadas), a cargo do Requerente, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e ainda art.º 4.º, n.º 5 do RCPAT e art.º 527, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi do art.º 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 26 de Outubro de 2022.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
O Árbitro,
(Fernando Marques Simões)
[1] Laborando o Requerente, diga-se desde já, numa certa confusão entre valores de aquisição (a deduzir aos valores de realização para apuramento de mais ou menos valias) e valores de menos-valias realizadas que se deduzem às mais-valias apuradas, sendo qualificado como rendimento, exactamente, o saldo apurado das mais-valias e das menos-valias realizadas em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 43.º do CIRS.
[2] Cfr. Ac. do STA, de 15/12/1999, Rec. nº 24.143, in Ap. ao Diário da República de 30/9/2002, págs. 4118 a 4127.
[3] Neste sentido veja-se, entre outros, o Acórdão do STA de 8.4.2003, recurso nº 7103/02.
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