SUMÁRIO:
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As liquidações oficiosas de IVA, emitidas ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 88 do Código do IVA e assentes em rendimento presumido, não podem subsistir quando o sujeito passivo ilide a presunção em que se fundaram, demonstrando a inexistência de factos tributários no período em causa.
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A condição de impugnabilidade dos atos tributários prevista na parte final do n.º 2 do art.º 97 do Código do IVA não é aplicável quando o sujeito passivo demonstre a inexistência de factos tributários, da qual resulta a inexigibilidade do IVA.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra do Tribunal Singular, Dra. Raquel Montes Fernandes, designada pelo Conselho Deontológico do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 31.05.2022, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
A A..., LDA., doravante designada por “Requerente”, com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua Dr. ..., n.º ..., ... (...), ...-... ..., tendo sido notificada do deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021..., proferido pela Direção de Finanças de Braga, apresentou, em 21.03.2022, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea e) e art.º 10, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugado com o art.º 99, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
A supra referida reclamação graciosa tinha por objeto as liquidações oficiosas de IVA, juros compensatórios e juros de mora infra identificadas:
Tendo as liquidações oficiosas de 2016 sido anuladas em sede de reclamação graciosa, por caducidade, subsistem na ordem jurídica as liquidações oficiosas de 2017 e 2018, no total de € 3.546,04, as quais constituem o objeto mediato deste pedido de pronúncia arbitral.
Como tal, a Requerente peticiona (i) a declaração de ilegalidade da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021..., (ii) a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios e moratórios acima identificadas, referentes a 2017 e 2018, e (iii) a condenação da AT à restituição à Requerente da quantia por esta paga por conta das mesmas, acrescida de (iv) juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, de acordo com os art.ºs 5, n.º 2, alíneas a) e b) e 6, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitra singular deste Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 13.05.2022 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, em 31.05.2022, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou Resposta em 01.07.2022, defendendo por impugnação que o pedido de pronúncia arbitral sub judice devia ser julgado improcedente. Em 04.07.2022 foi junto o respetivo processo administrativo.
Em 28.07.2022 foi proferido despacho arbitral a dispensar a reunião do art.º 18 do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão nos autos é apenas de direito, não tendo sido invocada ou identificada matéria de exceção. Pela mesma razão foi igualmente dispensada a produção de alegações escritas.
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SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
As Partes estão devidamente representadas, têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
Face ao exposto, importa delimitar a questão a decidir, a qual consiste em determinar se liquidações oficiosas emitidas ao abrigo do n.º 1 do art.º 88 do Código do IVA são impugnáveis, pese embora o disposto no n.º 2 do art.º 97 do CIVA, quando o sujeito passivo não tenha apresentado as declarações periódicas de IVA em falta, mas comprove a inexistência de operações tributáveis no período em causa.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
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A Requerente é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objeto a indústria e comercialização de têxteis.
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A Requerente foi constituída em 08.04.2013, mas apenas declarou o início de atividade em 26.02.2019 (cfr. doc. n.º 30 junto com o pedido de pronúncia arbitral), não tendo, entre 2013 e 2019, submetido declarações periódicas de IVA.
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Em 2017 e 2018 a Requerente não realizou operações tributáveis nem desenvolveu qualquer atividade (conforme cópia de balancetes juntos aos autos em anexo ao pedido de pronúncia arbitral).
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Em dezembro de 2020 a Requerente foi notificada, por ViaCTT, para apresentar, no prazo de 15 dias, as declarações periódicas em falta para os anos de 2016 a 2018 ou esclarecer o motivo da sua não entrega. Findo esse prazo, na ausência de resposta, a Requerida procedeu à emissão das respetivas liquidações oficiosas de imposto, nos termos do n.º 1 do art.º 88 do Código do IVA.
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A Requerente apresentou, em 31.08.2021, reclamação graciosa das liquidações oficiosas de IVA (processo n.º ...2021...), a qual foi objeto de deferimento parcial, nos seguintes termos:
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As liquidações oficiosas de IVA referentes a 2016 não foram validamente notificadas à Requerente, tendo o direito a liquidar o respetivo imposto entretanto caducado, pelo que se decidiu pela anulação das mesmas;
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As liquidações oficiosas de IVA respeitantes aos anos de 2017 e 2018 foram validamente emitidas e notificadas, devendo ser mantidas na ordem jurídica.
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A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações oficiosas controvertidas em 30.09.2021.
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Em 21.03.2021 a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem a este processo, o qual tem por objeto as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios e moratórios respeitantes a 2017 e 2018.
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Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
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Fundamentação da decisão da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, ao invés, o dever de (i) selecionar os factos que importam para a decisão e (ii) discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
Os factos foram dados como provados ou não provados com base nos documentos juntos aos autos.
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MATÉRIA DE DIREITO
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Questão decidenda
A Requerente imputa às liquidações oficiosas controvertidas os seguintes vícios:
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Erro nos pressupostos de facto, por inexistência de facto tributário, e de direito, pela alegada inimpugnabilidade dos referidos atos tributários;
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Falta de fundamentação.
Conforme referido supra, estão em causa liquidações oficiosas de IVA e de juros emitidas ao abrigo do n.º 1 do art.º 88 do Código do IVA, pela não apresentação das declarações periódicas de imposto previstas no art.º 41 do mesmo diploma, para os anos de 2017 e 2018.
De acordo com a Requerida, os atos tributários controvertidos converteram-se em definitivos após o decurso do respetivo prazo de pagamento, não sendo os mesmos, a posteriori, impugnáveis por via de reclamação graciosa ou impugnação judicial. Ou seja, segundo a Requerida, o direito de contestação destes atos estava dependente da apresentação prévia, e atempada, das respetivas declarações periódicas de imposto, o que não se verificou.
Por sua vez, a Requerente rejeita tal argumento, alegando que, na ausência de atividade ou operações tributáveis nesse período, não pode haver lugar à liquidação de IVA, não estando o seu direito à impugnação de tais atos tributários condicionado pelo facto de não terem sido previamente apresentadas declarações periódicas de IVA, a zero, para os anos de 2017 e 2018.
Não é facto controvertido nos autos a inexistência de operações tributáveis da Requerente em 2017 e 2018. A este Tribunal compete, apenas, determinar se, após a conversão em definitivo das liquidações oficiosas de imposto e juros emitidas ao abrigo do n.º 1 do art.º 88 do Código do IVA – pela não apresentação das respetivas declarações periódicas de imposto dentro do prazo de pagamento – o sujeito passivo pode, não obstante o disposto no n.º 2 do art.º 97 do Código do IVA, requerer a anulação de tais atos tributários, mediante prova da inexistência de atividade no período em causa.
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Posição do Tribunal
Com relevância direta para a causa, dispõe o seguinte o art.º 88 do Código do IVA:
1 - Se a declaração periódica prevista no artigo 41.º não for apresentada, a Direcção-Geral dos Impostos, com base nos elementos de que disponha, relativos ao sujeito passivo ou ao respectivo sector de actividade, procede à liquidação oficiosa do imposto, a qual tem por limite mínimo um valor anual igual a seis ou três vezes a retribuição mínima mensal garantida, respectivamente, para os sujeitos passivos a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 daquele artigo.
2 - O imposto liquidado nos termos do número anterior deve ser pago nos locais de cobrança legalmente autorizados, no prazo mencionado na notificação, efectuada nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o qual não pode ser inferior a 90 dias contados a partir da data da notificação.
(…)
4 - A liquidação referida no n.º 1 fica sem efeito nos seguintes casos:
a) Se o sujeito passivo, dentro do prazo referido no n.º 2, apresentar a declaração em falta, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber;
Por sua vez, o n.º 2 do art.º 97 do Código do IVA prevê:
2 - Os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não são admitidos se as liquidações forem ainda susceptíveis de correcção nos termos do artigo 78.º ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no artigo 88.º
Os tribunais nacionais já tiveram oportunidade de se pronunciar sobre a temática em discussão nestes autos, no sentido propugnado pela Requerente.
Tanto a Requerente como a Requerida citam o acórdão de 02.07.2014 do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), proferido no processo n.º 1074/13, que se debruçou sobre uma situação factual similar, mas cujo único vício sindicado às liquidações oficiosas em causa era o vício da fundamentação. Estava, portanto, (unicamente) em causa determinar se tal vício era sindicável pelo tribunal em sede de impugnação judicial, não obstante o disposto o n.º 2 do art.º 97 do Código do IVA, tendo o STA respondido afirmativamente, nos seguintes termos:
“Significa isto, em suma, que nos termos do art. 88º do CIVA, ante a notificação da liquidação oficiosa, o sujeito passivo dispõe de um prazo de 90 dias para expressar a sua discordância quanto ao teor da liquidação oficiosa efectuada pela Administração Tributária e para a eliminar pura e simplesmente da ordem jurídica mediante a entrega das declarações que omitira com referência aos períodos ali considerados.
Prevendo a lei este instrumento administrativo expedito, eficaz e eficiente para o sujeito passivo destruir a liquidação levada a cabo pela Administração Tributária, compreende-se que lhe denegue a possibilidade de prosseguir o mesmo objectivo através de outros meios ou instrumentos impugnatórios, como a reclamação graciosa ou a impugnação judicial. Como se compreende igualmente que, ante a inércia do sujeito passivo, a liquidação oficiosa se converta em definitiva decorrido que seja o prazo para apresentação da declaração em falta.
Nesse contexto, o art. 97º, nº 2, do CIVA não padecerá da inconstitucionalidade material que a impugnante lhe assaca, na medida em que a lei viabiliza, sem tornar oneroso, o exercício do direito de contrariar e derrubar o acto de liquidação oficioso no que se refere ao seu quantum.
Todavia, no caso em apreço, não é a liquidação propriamente dita (enquanto acto de apuramento do imposto devido por aplicação de uma taxa pré-definida na lei à matéria tributável) que vem posta em causa na impugnação. A questão que a impugnante suscita é somente a da falta de fundamentação do acto tributário, por alegadamente ser ininteligível a ratio decidendi da Administração Tributária. Isto é, trata-se de um vício que contende, não com o apuramento ou quantificação do tributo e que o sujeito passivo poderia ter ultrapassado pela via da entrega da declaração omitida, mas com o direito que lhe assiste de compreender razões pelas quais foram alcançados os valores atribuídos e os factores tidos em conta para o apuramento do valor fixado na liquidação oficiosa efectuada, de modo a que possa aceitá-lo ou rebatê-lo através do preenchimento e entrega da declaração omitida.
(…)
Pelo que esse vício não pode deixar de ser sindicado pelo tribunal em sede de impugnação judicial, situando-se fora da esfera de aplicação do referido art. 97º, nº 2, do CIVA, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva densificado nos arts. 20º e 268º, n4, da CRP.
E, sendo assim, torna-se claro que a impugnação não pode deixar de ser admissível, improcedendo as conclusões da alegação do recurso quanto a esta questão.”
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão de 14.01.2021, proferido no processo n.º 1565/07.1BELSB:
“Comecemos pela “consolidação” das liquidações oficiosas na esfera jurídica do contribuinte.
Na tese da Recorrente, uma vez que a devedora originária, tendo sido notificada, não apresentou as DPs de substituição, nem procedeu à cessação da atividade da Impugnante, então operou-se a consolidação na sua esfera jurídica das liquidações oficiosas e a sua impugnação estaria votada ao insucesso.
Convém referir que, de facto, o n.º 2 do art. 90º do CIVA (numeração e redação aplicáveis) referia expressamente os recursos hierárquicos, as reclamações e as impugnações não serão admitidas se as liquidações forem ainda suscetíveis de correção nos termos do art.º 71º, ou se não tiver sido entregue a declaração periódica cuja falta originou a liquidação prevista no art. 83º.
No entanto, a interpretação deste preceito não tem o alcance que a Recorrente lhe confere. O STA já se pronunciou sobre a questão, no acórdão de 2 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1074/13 disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8bb2cc6b780a52a080257d190050393f?OpenDocument.), debruçando-se sobre o art. 97º/2 do CIVA, que no essencial corresponde ao n.º 2 do art.º 90º acima transcrito.
(…)
Ora, como resulta do que ficou já dito, a apresentação da declaração de substituição pelo sujeito passivo constitui um modo de intervenção do mesmo para evitar que a liquidação oficiosa feita pela AT se consolide quanto ao seu montante e venha precludir o direito do contribuinte o impugnar contenciosamente. Ou seja, a condição de impugnabilidade prevista no n.º 2 do art. 97.º do CIVA apenas faz sentido quando a discordância do sujeito passivo com a liquidação oficiosa se refira ao quantum da obrigação tributária, uma vez que o art. 88.º do CIVA lhe concede um meio administrativo simples e expedito de eliminar essa liquidação oficiosa da ordem jurídica, procedendo à entrega da declaração (denominada, expressivamente, de substituição), mas já não quando o fundamento da impugnação se refira ao próprio an da obrigação tributária. Não teria sentido impor ao contribuinte que pretende impugnar a liquidação oficiosa efectuada ao abrigo do art. 88.º do CIVA por considerar que a mesma não deveria ter lugar (designadamente por entender que inexistem factos tributários e que, em consequência da sua inactividade, deixou de ser sujeito passivo e de estar obrigado à apresentação de declarações periódicas) a necessidade de apresentar declaração de substituição, ainda que “a zeros”. (…)
A exigência de apresentação das declarações de substituição como condição de abertura da via contenciosa prevista no n.º 2 do art. 97.º do CIVA deve ser interpretada restritivamente, reconduzindo o alcance da norma aos limites que decorrem da sua razão de ser ( Às vezes, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)» (BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 186).), o que conduz ao afastamento dessa exigência em casos, como o dos autos, em que a discordância do Impugnante com a liquidação oficiosa não se manifesta em relação ao montante da liquidação, mas à prática do acto de liquidação em si. Aliás, aconselha-se a maior prudência na interpretação das regras, como a do n.º 2 do art. 97.º do CIVA, que estabelecem restrições no acesso dos contribuintes aos meios de controlo contenciosos, garantido pelo art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa («É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas».).
A sentença recorrida, que interpretou a referida norma com um sentido mais abrangente, eventualmente mais chegado à letra da lei, não pode manter-se, antes devendo o Tribunal de 1.ª instância prosseguir com a apreciação das questões suscitadas pelo Impugnante, se a tal nada mais obstar”.
Ora, no caso dos autos, os Impugnantes não questionam a quantificação mas sim a própria liquidação que consideram sem fundamento. Por isso, não tem aplicação a condição de impugnabilidade prevista no n.º 2 do art. 90º CIVA acima transcrito.
(…)
Contudo, estas liquidações oficiosas, assentes em rendimento presumido, não podem persistir quando o contribuinte ilide a presunção em que se fundaram, demonstrando a inexistência de factos, ou actos tributários relevantes. Não havendo actividade nem operações tributáveis, não há qualquer IVA a liquidar e a entregar ao Estado.
(…)
No caso, provou-se que não existiu qualquer atividade nos anos em causa (alínea H) pelo que se deve considerar ilidida a presunção de existência de operações sujeitas a IVA não podendo obstar a tal elisão o facto de não se ter efetuado a cessação da devedora originária.
Ou seja, não havendo factos nem operações tributáveis não há qualquer imposto a liquidar e a exigir ao sujeito passivo”.
O Tribunal Central Administrativo Sul voltou a pronunciar-se sobre o tema no acórdão de 08.07.2021, proferido no processo n.º 476/11.0BELRS:
“In casu, foi justamente uma liquidação oficiosa que foi emitida, face à ausência de apresentação de declaração periódica, como já referimos supra.
No entanto, a circunstância de ser emitida uma liquidação oficiosa de imposto, na sequência da inércia declarativa do administrado, não impede que este demonstre que os valores apurados não correspondem à realidade.
Com efeito, inerente à tributação em sede de IVA está a efetiva realização de operações tributáveis.
Ora, como é referido pelo Tribunal a quo, “o legislador nunca pretendeu criar uma coleta mínima para os casos de falta de apresentação de declaração, pelo contrário, visou pressionar o sujeito passivo à apresentação das declarações em falta, sem demonstrar prescindir do conhecimento da realidade tributária do sujeito passivo a nível de imposto”.
Posto este enquadramento, a liquidação em crise seria sempre sindicável, por inexistência de facto tributário.
(…)
Cabe, nestes casos, ao contribuinte alegar e provar a inexistência de facto tributário.
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Como tal, considera-se que, tal como referido pelo Tribunal a quo, está cabalmente demonstrada a inexistência de atividade da sociedade devedora originária a partir de 2003, abrangendo, pois, o período em análise, o que implica que inexistam operações tributáveis, dado estarmos perante IVA, motivo pelo qual inexiste facto tributário”.
E mais recentemente, este mesmo Tribunal pronunciou-se no mesmo sentido no acórdão de 28.10.2021, no processo n.º 51/13.5BEALM:
“I- Perante a falta de apresentação da declaração de cessação de actividade e na falta de entrega das declarações periódicas, a Administração Tributária está legitimada a emitir as liquidações oficiosas nos termos do art. 83º do CIVA.
II- Contudo sendo feita a prova de que não há actividade, nem operações tributáveis, não há IVA a liquidar e a entregar ao Estado, devendo as liquidações oficiosas ser anuladas.
(…)
Contudo, estas liquidações oficiosas, assentes em rendimento presumido, não podem persistir quando o contribuinte ilide a presunção em que se fundaram, demonstrando a inexistência de factos, ou actos tributários relevantes. Não havendo actividade nem operações tributáveis, não há qualquer IVA a liquidar e a entregar ao Estado. In casu, os Recorridos lograram provar que não existiu qualquer atividade nos anos em causa (cfr. alínea R) do probatório), ou seja, não havendo factos nem operações tributáveis não há qualquer imposto a liquidar e a exigir ao sujeito passivo, devendo as liquidações oficiosas ser anuladas por inexistência do facto tributário”.
Face ao exposto, é de concluir que a condição de impugnabilidade constante do n.º 2 do art.º 97 do Código do IVA não preclude a sindicabilidade de liquidações oficiosas de imposto e de juros emitidas ao abrigo do n.º 1 do art.º 88 do mesmo diploma quando estejam em causa vícios que não contendem com o apuramento ou quantificação do tributo.
In casu, os vícios sindicados pela Requerente são (i) a inexistência de operações tributáveis e (ii) a falta de fundamentação. Em nenhum dos casos está em causa a discussão do apuramento ou quantificação do IVA potencialmente devido pela Requerente mas, sim, o próprio direito da Requerida em liquidar imposto sobre um cenário de inexistência de factos ou operações tributáveis.
Tendo a Requerente provado, por prova documental (mormente pela junção aos autos, sob a designação de documentos 31 e 32 do pedido de pronúncia arbitral, dos balancetes de 2017 e 2018), a inexistência (total) de atividade e de operações tributáveis nos anos de 2017 e 2018, e não tendo tal comprovação sido contestada pela Requerida (qualificando, como tal, como facto incontroverso), a Requerente cumpriu o ónus da prova que lhe competia para ilidir a presunção de existência de rendimento nesse período.
Em conclusão, tendo a Requerente provado inexistir qualquer atividade, factos ou operações tributáveis em 2017 e 2018, inexiste, igualmente, a obrigação de liquidação e entrega de IVA no período em causa, devendo as liquidações oficiosas controvertidas ser anuladas por inexistência de facto tributário.
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Questão de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações oficiosas impugnadas objeto do presente processo, por erro nos pressupostos de facto e de direito, fica prejudicado, por ser mostrar inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil) o conhecimento do vício de fundamentação igualmente imputado pela Requerente.
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Liquidações de juros compensatórios e moratórios
As liquidações de juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, tendo como pressuposto as respetivas liquidações de IVA (conforme dispõe o n.º 8 do art.º 35.º da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afetam estas, justificando-se também a sua anulação nos mesmos termos que as liquidações de imposto. O mesmo deverá valer, no caso em apreço, para as liquidações de juros moratórios, as quais também deverão ser integralmente anuláveis.
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Dos juros indemnizatórios e do reembolso de quantias indevidamente pagas
A Requerente peticiona, ainda, a condenação da AT na restituição das quantias indevidamente pagas por conta das liquidações de imposto e juros moratórios e compensatórios controvertidas, bem como o pagamento de juros indemnizatórios por erro imputável à AT.
O art.º 43 n.º 1 da LGT determina que são devidos juros indemnizatórios quando se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso concreto, verifica-se que a ilegalidade das liquidações adicionais controvertidas, por erro nos pressupostos de facto e consequente errónea aplicação do direito, é imputável à AT. Como tal, encontram-se verificados os requisitos legais para a condenação da AT:
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No pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, calculados à taxa legalmente prevista no n.º 4 do referido art.º 43, até à data da respetiva nota de crédito em que são incluídos;
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Na restituição dos montantes indevidamente pagos pela Requerente por conta das liquidações oficiosas controvertidas.
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DECISÃO
Nestes termos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa n.º ...2021..., na parte em que manteve na ordem jurídica os atos tributários de 2017 e 2018;
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Julgar procedente, por erro nos pressupostos de facto e de direito, o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de IVA, juros compensatórios e moratórios controvertidas de 2017 e 2018, no montante total de € 3.546,04, as quais deverão, em consequência, ser anuladas;
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Julgar procedente o pedido de restituição, pela Requerida, do montante indevidamente pago pela Requerente por conta dos atos tributários controvertidos;
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Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante de IVA indevidamente pago, à taxa legalmente devida, desde a data da entrega das prestações tributárias até à data em que a Requerente for ressarcida desse imposto;
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no art.º 97-A, n.º 1, do CPPT e no art.º 3, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 3.546,04.
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CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de outubro de 2022
(Raquel Montes Fernandes)