SUMÁRIO:
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A qualificação como residente para efeitos fiscais em Portugal é determinada pela correta subsunção nos critérios constantes do art.º 16.º do Código do IRS, sendo que, se a qualidade de residente, nos termos da respetiva al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção.
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As noções de “residência fiscal” e de “domicílio fiscal” são diferentes, pois que, enquanto o conceito de residência releva para efeitos de aplicação de normas tributárias materiais e substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projeta-se em consequências processuais.
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O não cumprimento do dever de comunicação previsto no artigo 19.º, n.º 3, da LGT, não tem necessário e definitivo impacto em termos de tributação.
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Não existe qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 23 de maio de 2022, decide no seguinte:
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RELATÓRIO
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Identificação das Partes
Requerentes: A..., com o número de identificação fiscal ..., residente na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... Cascais, casado com B..., com o número de identificação fiscal..., residente, também, em Rua do ..., ... ..., ..., ...-... Cascais, doravante designados por “Requerentes” e individualmente “Requerente A...” e “Requerente B...”.
Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de “Requerida” ou “AT”.
Os Requerentes apresentaram o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 10.03.2022, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, tendo sido notificada nessa data a Autoridade Tributária (AT).
Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
Em 03.05.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 23.05.2022, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Por despacho de 28.06.2022, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi agendada para o dia 20.09.2022, determinando-se a inquirição das testemunhas indicadas.
As partes compareceram no dia agendado, tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, as quais foram regularmente apresentadas.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria
n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
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Pedido
Os Requerentes deduziram pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), peticionando a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de € 57.964,25, sobre a falta de declaração de rendimentos de capitais obtidos em Malta e rendimentos de trabalho dependente obtidos no Qatar.
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Causa de Pedir
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, os Requerentes alegaram, com vista à declaração de anulação do ato de liquidação, o seguinte:
Os Requerentes têm ambos nacionalidade portuguesa.
A Requerente B... foi sempre residente para efeitos fiscais em Portugal.
O Requerente A..., enquanto piloto de aviões, foi residente fiscal em Portugal na maioria da sua vida profissional, logrando aqui demonstrar que foi residente para efeitos fiscais no Qatar, durante o período de abril de 2016 a janeiro de 2018.
Para o efeito, explica o Requerente A... que, em 15 de março de 2016, foi convidado para integrar a empresa C..., baseada no Qatar, como comandante piloto de aviões do tipo A 320, sendo pressuposto da aceitação da proposta de trabalho, a alteração da sua residência para aquela jurisdição, a tempo inteiro.
Justifica a referida alteração alegando que apenas desta forma seria possível beneficiar da remuneração acessória que lhe seria atribuída, porquanto lhe seria disponibilizada habitação, bem como o reembolso das despesas incorridas com a creche /escolas dos filhos, o que implicava não só a residência do Requerente A..., como também de todo o seu agregado familiar.
O Requerente A... foi colaborador da C..., entre 15 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, remetendo a respetiva comprovação para o visto de residência emitido pelas autoridades competentes do Qatar e válido até 16 de abril de 2019, bem como o Certificado de Residência, emitido pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Doha, o qual atesta que o mesmo exerceu a sua atividade conforme indicado na empresa C..., tendo, para o efeito, residido no Qatar entre 16 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018 (em ..., Estado do Qatar).
Não obstante o exposto, o Requerente A... refere que nunca cogitou alterar a sua situação cadastral perante a AT, de residente para não residente fiscal em Portugal, no referido período de 2016 a 2018, por não saber quais as implicações fiscais associadas a tal formalidade. Assume ainda que presumiu erradamente que, uma vez que já não se encontrava fisicamente a residir em Portugal, não tinha quaisquer outras obrigações declarativas a cumprir junto da AT.
Entende assim que se tratou de um lapso formal, reconhecendo o incumprimento da formalidade constante do art.º 19.º da LGT. Salienta que, entre 16 de abril de 2016 até 10 de janeiro de 2018, apenas se deslocou esporadicamente a Portugal, em férias e folgas, nunca ultrapassando ou sequer se aproximando a 183 dias em cada ano, para visitar familiares e amigos, não se tendo, nunca, apercebido da irregularidade da sua situação cadastral em Portugal, pelo que a nunca cuidou de a alterar.
Indica ainda que, a Requerente B... optou por permanecer a residir em Portugal durante o período em que o marido viveu no Qatar (entre 16 de abril de 2016 até 10 de janeiro de 2018).
Os Requerentes manifestaram a sua surpresa relativamente à divergência de IRS apurada pela AT, a qual teve por base a liquidação n.º 2021... no âmbito da autoliquidação deste imposto, pela Requerente B..., enquanto residente para efeitos fiscais, naquele período (2017).
Aquando da apresentação da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS respeitante ao ano de 2017, o Requerente A... entregou uma declaração conjunta com a sua mulher, na qualidade de residentes fiscais em Portugal durante o ano fiscal completo. Não obstante, a referida declaração apenas incluiu os rendimentos por auferidos pela Requerente B... durante o ano de 2017.
Tendo os Requerentes sido notificados pela Direção de Finanças de Lisboa para exercício de direito de audição prévia, por entender a AT que deveriam ser incluídos os rendimentos obtidos pelo Requerente A... no ano de 2017, nomeadamente: (i) o rendimento de trabalho dependente, auferido no Qatar, no montante de € 109.395,20; e (ii) os rendimentos de capitais (juros), auferidos em Malta, no montante de € 7.970,23. 41, o Requerente A... contestou o referido entendimento no sentido de comprovar a sua residência no Qatar, no ano de 2017.
Salienta assim o Requerente que não concorda com o entendimento proposto pela AT, porquanto (i) não deverá o mesmo ser considerado como residente fiscal em Portugal durante o período em que residiu no Qatar, compreendido entre 16 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, e, como tal, (ii) não tinha que incluir os rendimentos obtidos de fonte estrangeira na sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2017.
Alega ainda em seu favor a imposição constante do artigo 19.º, n.º 11 da LGT, nos termos da qual, a "Administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor."
Refere igualmente o teor da Circular n.º 9/2012, de 3 de agosto, relativamente à exigência de elementos adicionais por parte da AT a potenciais beneficiários do regime dos residentes não habituais, bem como o de decisões deste Tribunal, no sentido de defender que o foco reside na situação concreta do sujeito passivo. Entende assim que não existindo uma noção de residência por defeito, o foco reside na demonstração da mesma pelos meios disponíveis. Deste modo, será clara a demonstração de que o centro de interesses económicos do Requerente A... no período indicado (entre 16 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018) será no Qatar.
Nestes termos, entende que não existem dúvidas de que, à luz da legislação interna portuguesa, mais concretamente ao abrigo do artigo 16.º do Código do IRS, não estão reunidos os requisitos legais para que o Requerente A... possa ser qualificado como residente fiscal em Portugal no período em causa (de 2017).
Acrescenta ainda que, apenas o Qatar poderá ser considerado, em 2017, como o Estado que tem o centro de interesses vitais do Requerente A..., atentas as ligações de natureza laboral, familiar e social.
A este propósito recorda o teor dos Comentários ao Modelo da Convenção Fiscal Sobre o Rendimento e o Património da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico («OCDE»), em particular no §12 dos comentários ao n.º 2 do artigo 4.º, “subparágrafo A, mediante o qual se considera que a residência será o lugar onde o indivíduo possui ou detém um lar; o lar deve ser permanente, ou seja, o indivíduo deverá tê-lo arranjado e retido para seu uso permanente, por oposição a 13 permanecer num local específico, em condições tais que tornem evidente que a estadia será de curta duração.” (tradução livre apresentada pelo Requerentes).
Nestes termos, entende o Requerente A... que deve, oficiosamente, ser regularizado o seu cadastro fiscal, sendo corrigido o lapso existente, passando assim a constar como não residente fiscal em território português entre abril de 2016 e janeiro de 2018, e consequentemente, ser anulado o ato de liquidação adicional em causa.
O facto de o Requerente A... permanecer inscrito no cadastro como residente em Portugal durante o período acima referido, não pode constituir elemento constitutivo daquele estatuto.
Neste sentido, refere ainda o disposto no art.º 13.º, n.º 10 a 12 do Código do IRS na redação à data em vigor (2017): “O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário”, a qual pode consistir na prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro local, ou em prova de que não dispõe de habitação própria e permanente, sendo “(…) sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.”
Sobreleva, assim, o princípio geral da substância sob a forma, conforme dispõe o art.º 11.º,
n.º 3 da LGT ("Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários"), nos termos do qual deverá atender-se à verdade material dos factos.
No âmbito da argumentação apresentada, e perante o entendimento da AT de que que, sendo o Qatar um país sujeito a um regime claramente mais favorável pelo que o Requerente A... deverá ser considerado como residente fiscal em Portugal, pelo menos, durante o primeiro ano em que ocorreu a mudança e os quatro anos subsequentes, sendo obrigado a apresentar, no Anexo J da declaração “Modelo 3” de IRS, referente ao ano 2017, os rendimentos obtidos com fonte estrangeira, salientam o disposto no art.º 16.º, n.º6 do Código do IRS.
Nos termos do referido preceito, “[s]ão ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português.”
Deste modo, e sendo certo que o Qatar se encontra identificado como um país sujeito a um regime claramente mais favorável, os Requerentes manifestam a sua discordância quanto à posição da AT pelo facto da mesma ignorar as “razões atendíveis” – de índole substantiva, material – que sempre excecionariam a presunção de residência em Portugal.
Em face do exposto, conclui o Requerente A... que nunca teve qualquer intenção de praticar um ato que levasse à eliminação de tributação, nunca tendo visado qualquer vantagem fiscal como propósito da sua deslocalização de residência para o Qatar, já que a mesma foi realizada com o único fim de ir exercer funções para uma empresa sediada nesse país.
Em face do exposto, solicita o respetivo pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, acrescida de juros à taxa legalmente aplicável e contados até à data em que seja autorizado o levantamento das garantias.
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Da resposta da Requerida
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese, alegou o seguinte:
Começa por sintetizar os principais aspetos em que assenta o pedido dos Requerentes, referindo, em suma, que o Requerente A... pretende que a liquidação em questão seja anulada, porquanto no ano de 2017 era residente no Qatar, pelo que, tanto os rendimentos obtidos nesse país, como em Malta, não estão sujeitos a tributação de Portugal.
Expõe a AT o facto de ter sido solicitada ao Requerente A... a apresentação do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Qatar, com referência ao ano de 2017 e ao abrigo do n.º 4 da Convenção para evitar a dupla tributação (CDT) entre Portugal e Qatar.
Não tendo sido apresentado o solicitado certificado de residência fiscal, foi elaborado pela Divisão de Liquidação do IRS da Direção de Finanças de Lisboa, o documento de correção oficioso (DC), nos termos previstos no artigo 76.º do Código do IRS, com a anexação do anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) preenchido da seguinte forma: Trabalho dependente – Rendimento bruto € 109 395,20, sem imposto pago no estrangeiro; Rendimentos de capitais (juros) - € 7 970,23.
Em 2021.10.29 foi emitida a liquidação ora impugnada.
A obtenção de informação relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro pelo Requerente A..., no ano de 2017, provém de informação enviada pelas autoridades fiscais de Malta, bem como das constantes no procedimento de gestão de divergências, sendo que, no que diz respeito aos rendimentos obtidos em Malta, a informação é proveniente da troca automática de informação, a qual tem origem na Diretiva 2011/16/UE do Conselho de 15/02/2011 (DAC2), relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, a qual foi transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10/05.
Salienta ainda que, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 da LGT, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária é obrigatória, sendo que a sua alteração é ineficaz enquanto não for comunicada, conforme determina o nº 4 daquele preceito legal. Deste modo, caso se considere não residente em Portugal, terá de ser apresentado um certificado de residência fiscal, nos termos do artigo 4.º da CDT celebrada entre Portugal e o Qatar, atestando a sua residência naquele país.
Acresce o facto de se confirmar que, em consulta ao sistema de registo de contribuintes, ter sido verificado que o Requerente A... era residente em território português no ano de 2017, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º 16.º, números 4 e 16 do Código do IRS, deveria ser considerado como residente para efeitos de IRS daquele ano, verificando-se que os documentos apresentados possuem natureza administrativa, sem relevância para determinação do domicílio fiscal.
Nos termos das CDT celebradas por Portugal, apenas são aceites para efeitos de comprovativo de residência fiscal, documentos emitidos pelas autoridades fiscais dos países, comprovando/certificando, o domicílio fiscal naqueles mesmos países, pelo que, nos termos da CDT celebrada entre Portugal e o Qatar, apenas se considera válida a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido ou certificado pela autoridade fiscal daquele país, para comprovar o domicílio fiscal.
Refere ainda que, contrariamente ao alegado, nomeadamente o invocado art.º 16.º, n.º 3 do Código do IRS, o Requerente A... não logrou fazer prova de uma inexistência de ligação entre a maior parte das suas atividades económicas e o território português, pois que não foi apresentada pelo cônjuge uma declaração única, mas uma declaração conjunta, sem rendimentos no estrangeiro, tendo vindo alegar que não residia em Portugal apenas aquando do procedimento de divergências.
Entende assim que a alegada situação de residência fiscal no Qatar carece de ser demonstrada, não se encontrando verificados os pressupostos que permitem recorrer aos critérios de desempate previstos no nº 2 do artigo 4º da CDT Portugal – Qatar, porquanto o Requerente A... não apresentou prova que demonstrasse que o Estado do Qatar o considerou como seu residente fiscal, sendo que, apenas com esse documento seria possível considerar a residência fiscal no Qatar no ano de 2017.
Atendendo à situação em discussão, teremos de recorrer ao disposto no art.º 4.º, n.º 2 da CDT celebrada entre Portugal e o Qatar, uma vez que se trata de uma norma de conflito que define os vários critérios para definição de residência nos termos daquela CDT. Não sendo possível determinar qual das residências se deve considerar com caráter de permanência, haverá de se passar ao critério seguinte, que consiste no centro de interesses vitais, verificando-se que o Requerente A... tinha a sua família (cônjuge e dependentes) a residir em Portugal durante todo o anos, conforme o atestam as despesas constantes na declaração modelo 3 de IRS, considera-se que o centro de interesses vitais daquele, no ano de 2017, se encontravam em Portugal e não no Qatar onde apenas se encontrava ligado por vínculo laboral.
Nos termos do artigo 76.º, n.º 4 da LGT, ficou demonstrado que a informação recebida provinda das autoridades fiscais no âmbito do mecanismo de troca de informações previsto na CDT entre Portugal e Malta, é válido, uma vez que se encontram devidamente identificados, a entidade pagadora dos rendimentos, o ano, o sujeito passivo e os montantes de rendimento.
Discorda do Requerente A... quando este invoca que foram exibidos documentos suficientes para comprovar que foi residente fiscal no Qatar durante o ano de 2017, porquanto para além das autoridades fiscais de Malta terem comunicado que aquele possuía no ano de 2017 a residência fiscal em Portugal, também não foi junto o certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Qatar.
Por último, defende que não se verifica qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, entendendo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser considerado improcedente.
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Por despacho de 28.06.2022 proferido pela Árbitra aqui signatária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2 do RJAT, determinou-se:
O agendamento da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para efeitos de inquirição das testemunhas indicadas, para o dia 20 de setembro de 2022, pelas 10.30h;
A fixação do prazo de 10 dias para o envio da seguinte informação ao Tribunal:
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os mandatários e representantes das partes indicam como irão participar na reunião agendada, se presencialmente nas instalações do CAAD em Lisboa ou por teleconferência, seguindo, oportunamente, as indicações e recomendações emanadas pelo CAAD para o efeito;
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as testemunhas indicam se irão comparecer nas instalações do CAAD no Porto ou em Lisboa.
A fixação do prazo de 15 dias para que a mandatária da Requerente indique os pontos do articulado sobre os quais cada testemunha irá depor.
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As partes compareceram no dia agendado (20 de setembro de 2022), tendo sido ouvidas as testemunhas indicadas. As partes ficaram ainda notificadas para, de modo simultâneo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, as quais foram regularmente apresentadas.
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Em resposta ao despacho de 28.06.2022 proferido pelo CAAD, a Requerida veio apresentar as suas alegações escritas no prazo concedido para o efeito, salientando que:
Mantém na íntegra todo o teor da Resposta oportunamente apresentada, reiterando a inexistência de qualquer ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2021..., referente ao ano de 2017.
Realizada a audiência para inquirição das testemunhas indicadas pelo Requerente A..., a fim de fazer prova dos factos constantes nos autos, conclui a Requerida que, nos termos do artigo 19.º, n.º 3 da LGT, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária é obrigatória. Defende ainda que a sua alteração é ineficaz enquanto não for comunicada, conforme determina o n.º 4 do mesmo preceito legal, pelo que, caso se considere não residente em Portugal, terá de ser apresentado um certificado de residência fiscal, nos termos do artigo 4º da CDT celebrada entre Portugal e o Qatar, atestando a sua residência naquele país.
Ora, pese embora as testemunhas tenham declarado que o Requerente A... no ano de 2017 residia no Qatar, sem a restante família (mulher e filhas), a verdade é que o Requerente A... não juntou nenhum documento que faça prova desse facto como um contrato de arrendamento ou outro tipo de despesas que façam supor que ali mantinha o centro da sua vida. Sendo que, nos termos das convenções celebradas entre Portugal e os diversos Estados, apenas é aceite como comprovativo de residência fiscal, documentos emitidos pelas autoridades fiscais dos países, comprovando/certificando o domicílio fiscal naqueles mesmos países.
Pelo que se conclui que o Requerente A... não apresentou prova documental que demonstrasse que o Estado do Qatar o considerou como seu residente fiscal, sendo que, apenas com o referido certificado de residência fiscal seria possível considerar a residência fiscal no Qatar no ano de 2017.
Existindo dúvidas quanto à residência fiscal, nos termos do artigo 4.º da CDT celebrada entre Portugal e o Qatar, o Requerente A... deverá ser considerado como residente em Portugal, uma vez que é este o país com o qual são mais estreitas as suas relações pessoais e económicas (centro de interesses vitais).
No que diz respeito aos rendimentos obtidos em Malta, as autoridades fiscais respetivas consideraram na sua informação o sujeito passivo fiscal (neste caso, o Requerente A...) residente em Portugal desde o ano de 2017 até 2019, porquanto tal lhes foi fornecido pela entidade bancária, onde se encontram devidamente identificados a entidade pagadora dos rendimentos, o ano, o sujeito passivo e os montantes de rendimento.
Salienta o facto de o Requerente A... não ter junto documentos aptos a fazer essa prova como um recibo de renda, recibos de consumo de água, eletricidade ou outras despesas inerentes à manutenção e vivência diária num imóvel.
Reitera, em suma, que quer os documentos juntos, quer os depoimentos das testemunhas não foram suficientes, nem aptos a provar que o Requerente residia no Qatar, no ano de 2017. A prova da residência fiscal do Requerente A... tem de ser feita documentalmente, através da junção do certificado de residência fiscal bem como a junção da nota de liquidação de imposto ou o pagamento no Qatar do imposto equivalente ao IRS, do ano de 2017, o que não foi feito pelo Requerente.
Deve assim ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado.
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Nas suas alegações, os Requerentes salientam que é inequívoco que o Requerente A... foi colaborador da C..., entre 15 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, tal como resulta da declaração emitida pela empresa, sendo igualmente inequívoco que o Requerente A... residiu, no período em causa, no Qatar e veja-se, em especial, neste sentido: o visto de residência emitido pelas autoridades competentes do Qatar e válido até 16 de abril de 2019, a cópia do certificado de Residência, emitido pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Doha, que atesta que aquele exerceu a sua atividade com a profissão de "Captain A320" na empresa C..., tendo, para o efeito, residido no Qatar entre 16 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, em ..., Estado do Qatar, onde aliás cumpriu todas as suas obrigações fiscais.
Em suma, o Requerente residiu e trabalhou fora de território nacional, de abril de 2016 a janeiro de 2018, designadamente no Qatar, tendo aí estado devidamente registado como residente fiscal, perante as Autoridades Tributárias daquele país, e tendo cumprido todas as suas obrigações fiscais de forma contínua.
Resulta da inquirição realizada, o entendimento das testemunhas de que não é possível trabalhar para a C... e viver em Portugal, não apenas pela tipologia de atividade em causa (não sendo aplicável uma situação de teletrabalho), mas também pelo facto de serem controladas as horas de trabalho e os períodos mínimo de descanso.
Em defesa do entendimento exposto no PPA, vem citar jurisprudência, designadamente o presente Tribunal Arbitral, ao considerar que: " (…) o artigo 16.º do CIRS em lugar nenhum faz referência aos elementos probatórios necessários, nem estabelece qualquer noção de residência por defeito. De facto, o foco é colocado na situação concreta do sujeito passivo - do Requerente - a qual pode ser demonstrada pelos meios disponíveis e que possam suportar, com um elevado grau de certeza, a convicção de que não se encontram preenchidos nenhum dos critérios de residência legalmente previstos" (cfr. Decisão Arbitral n.º 634/2017-T, de 6 de setembro de 2018).
Indica ainda decisões que pugnam pela não essencialidade da emissão de certificado de residência fiscal para suportar uma alteração de morada, uma vez que "[i]ndependentemente, da apresentação, ou não, do referido certificado de residência fiscal [...], o que exclui a residência do Requerente em Portugal e a não verificação dos requisitos e pressupostos previstos no artigo 16.º do Código do IRS, os quais são, naturalmente, suscetíveis de ser provados por qualquer meio de prova ao dispor do sujeito passivo." (cfr. Decisão Arbitral
n.º 662/2015-T, de 28 de abril de 2016).
Neste sentido, refere que "(…) relevante no caso concreto é a pretensão da AT de tributar um cidadão português não residente em território nacional, relativamente a rendimentos obtidos fora do território nacional, apenas com base no Sistema de Registo de Contribuintes. Mas a AT não tem razão. Primeiramente porque o dito certificado é exigido para efeitos de prova de impostos pagos no exterior tendo em vista o afastamento da dupla tributação internacional, e, por outro lado, a prova em contrário possível de ser realizada, dada a omissão da lei fiscal quanto a essa matéria, nomeadamente o art.º 19° do CIRS, pode sê-lo por todos os meios admissíveis em direito (art.º 72° da LGT e art.0 115° do CPPT)." (cfr. Decisão Arbitral n.º 307/2018-T, de 10 de janeiro de 2019, sublinhado dos Requerentes).
Da legislação referida em conjugação com o contexto factual do Requerente A..., consideram os Requerentes que facilmente se compreende que, no presente caso, os referidos critérios de residência fiscal não se encontram verificados, durante o período em causa.
Ainda que assim não se entendesse – o Estado que tem o centro de interesses vitais do Requerente (local onde são mais estreitos os seus laços laborais, familiares, sociais) só pode ser considerado, em 2017, o Qatar, onde manteve as mais estreitas relações laborais e económicas.
O Requerente A... demonstrou que, à luz dos três primeiros testes contidos nas regras
tie-breaker dos Comentários da OCDE, deverá ser considerado residente fiscal no Qatar,
afigurando-se dispensável analisar o último teste, o da nacionalidade.
O registo formal – i.e. a indicação de um endereço postal – apenas poderia servir como presunção para aferir a residência fiscal do Requerente A...; e, esta presunção foi claramente ilidida, demonstrando que a habitação própria e permanente, que tinha intenção de manter e ocupar como tal, se localiza, no referido período, no Qatar.
Em face do exposto, o Requerente considera que deve, oficiosamente, ser regularizado o seu cadastro fiscal, sendo corrigido o lapso existente, passando assim o Requerente a constar como não residente fiscal em território português entre abril de 2016 e janeiro de 2018, e consequentemente, ser anulado o ato de liquidação adicional em causa.
Considera que as provas apresentadas são suficientes e idóneas para clarificar que o mesmo não pode ser considerado residente fiscal em Portugal, neste caso, durante o ano de 2017,
tão-somente por questões formais, porquanto consta do sistema informático da Autoridade Tributária, erradamente, a sua residência fiscal em Portugal.
Deverá assim atender-se à verdade material dos factos, em observância do princípio da prevalência da substância sobre a forma, porquanto determina o artigo 11.º, n.º 3 da LGT.
Mais salienta que, em algum momento, o Requerente A... teve qualquer intenção de praticar um ato que levasse à eliminação de tributação, nunca tendo visado qualquer vantagem fiscal como propósito da sua deslocalização de residência para o Qatar, já que a mesma foi realizada com o único fim de ir exercer funções para uma empresa sediada nesse país.
Da anulação do ato tributário de liquidação objeto do PPA, deverá resultar o reembolso aos Requerentes, acrescidos de indemnização por garantia indevidamente prestada, calculada à taxa legal em vigor.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs. 1 e 3 ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foi suscitada matéria de exceção.
Admite-se a cumulação de pedidos e a coligação de autores, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pelos Requerentes depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
O processo não enferma de nulidades.
Cumpre apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
III. 1. Matéria de facto
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Factos provados
Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos ao presente processo e, por via de prova testemunhal, no que respeita aos pontos a), c), d).
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O Requerente A... tem uma carreira profissional de piloto de aviões, tendo desempenhado funções fora de Portugal;
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A Requerente B... manteve a sua residência para efeitos fiscais em Portugal;
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O Requerente integrou, entre 15 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, a empresa C..., baseada no Qatar, como comandante piloto de aviões do tipo A 320
(cf. documento 3 anexo ao PPA).
A quem possa interessar. Confirmamos que o Comandante A..., nacional português e detentor do passaporte número N... foi nosso empregado nos seguintes termos: “Captain A320” no período entre 16-abril-2016 e
10-janeiro-2018 no Deck Crew Department. Esta carta é emitida ao Comandante A... a seu pedido e a C... não será responsabilizada pelo que possa decorrer da presente certificação.
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Entre outras condições da proposta de trabalho que aceitou, era pressuposto essencial para trabalhar para a C..., a alteração de domicílio para Doha, no Qatar, porquanto o local de prestação de serviços é fixado no Qatar (cf. documento 2 anexo ao PPA).
Local de trabalho: O seu local de trabalho será no Estado do Qatar, mas a Companhia reserva-se no direito de, caso as circunstâncias o justifiquem, e após notificação escrita sujeita ao cumprimento das regras e procedimentos internos da Companhia, de o transferir para outro local de trabalho dentro ou fora do Qatar.
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O Requerente logrou fazer prova da respetiva residência no Qatar, juntando para o feito uma declaração emitida pela Secção Consular da Embaixada de Portugal em Doha
(cf. documento 6), bem como cópia do visto de residência emitido pelas autoridades competentes do Qatar, válido até 16 de abril de 2019 (cf. documento 5 anexo ao PPA);
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O Requerente A... entregou em 24.04.2018 uma declaração conjunta de rendimentos modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2017, com a sua esposa e aqui Requerente B... . (cf. documento 8 anexo ao PPA).
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Constituição de hipoteca voluntária sobre os bens imóveis oportunamente identificados para garante da totalidade da dívida exequenda (€ 57.974,25) nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 169.º e 199.º do CPPT, conforme cópia da escritura datada de 21 de janeiro de 2022 (cf. documento 12 anexo ao PPA).
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O Requerente A... foi notificado para exercício do seu direito de audição prévia à liquidação adicional de IRS (cf. documento 9 anexo ao PPA).
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O Requerente A... exerceu o seu direito de audição prévia à liquidação adicional de IRS (cf. documento 10 anexo ao PPA).
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Foi posteriormente emitida liquidação na sequência de Despacho superior favorável sobre a Informação/elaboração de DCU após exercício (e análise) de audição
(cf. documentos 1 e 10 anexo ao PPA).
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Factos não provados
Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental e testemunhal junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
III. Questões decidendas
Atenta as posições assumidas pelas Partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais a decidir:
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Da declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de
€ 57.964,25;
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Do direito a indemnização por garantia indevidamente prestada.
IV. 2. Matéria de Direito
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Declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de IRS
A questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade do ato de liquidação em sede de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, assente na controvérsia sobre qualificação do Requerente A... como residente para efeitos fiscais em Portugal, no período em questão.
A análise da matéria em discussão compreende assim o respetivo enquadramento do conceito de residência fiscal, o qual já foi várias vezes objeto de pronúncia por este Tribunal.
Nestes termos, reportamo-nos ao quadro legal relevante no que respeita à determinação da residência fiscal das pessoas singulares.
O art.º 19.º, n.º 1 da LGT estabelece as regras de determinação do domicílio fiscal, definindo que “1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual; (…)”. O artigo não desenvolve a noção de residência habitual, concretizando as regras associadas ao domicílio fiscal. Neste sentido, estabelece que “O domicílio fiscal integra ainda o domicílio fiscal eletrónico, que inclui o serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital, bem como a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de notificações eletrónicas associado à morada única digital e no serviço público de caixa postal eletrónica”. (n.º 2).
Por razões atendíveis de organização administrativa necessárias ao exercício de direitos processuais, prevê-se ainda que “3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (…)” sendo “(…) ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”
Deste modo, “Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional”. (n.º 6).
A distinção fundamental entre os dois conceitos reside no facto de, enquanto o conceito de residência fiscal integra as normas fiscais materiais ou substantivas, as quais determinam a existência e a extensão do poder de tributar, o domicílio fiscal determina, como regra geral, a competência com fins processuais (em razão do território dos órgãos da administração fiscal e dos tribunais tributários). É nesse local que o sujeito passivo pode ser contactável pela administração fiscal.
A este respeito, acompanhamos o entendimento de Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa[1], quando refere a respeito da falta de designação de um representante, que “(…) nada impedirá que o contribuinte, diretamente ou por representante, exerça os direitos tributários, nomeadamente os de reclamação, recurso ou impugnação. Trata-se de garantias constitucionais que não podem ser afastadas por uma mera disposição da lei.”
O conceito de residência fiscal para as pessoas singulares encontra a sua previsão no art.º 16.º do Código do IRS, estabelecendo-se no seu n.º 1 que “São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.”
Socorremo-nos do entendimento constante da decisão arbitral sobre o Processo
n.º 846/2021-T do CAAD, no qual se salienta que “O conceito de residência assume no Direito Fiscal e, em particular, na tributação do rendimento, uma particular importância. Desde logo, (a) agora restringindo a análise ao CIRS, a residência é o critério adoptado para estabelecer o âmbito de aplicação do IRS, sendo os residentes sujeitos a um princípio de tributação de base mundial por contraposição com os não residentes, que apenas são sujeitos a tributação relativamente aos rendimentos obtidos em Portugal (cf. art. 15.º do CIRS). Se o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do CIRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes os indivíduos que “permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa”, já a alínea b), exigindo uma ligação física menos qualificada, uma permanência inferior, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva relevante com o território português. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, isto é, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.”
É, assim, este o normativo aplicável, à luz do qual a questão há de ser apreciada. Verificar se o Requerente A... preencheu os pressupostos e condições previstos no artigo 16.º do Código do IRS, suscetível de determinar a sua residência fiscal em território português. Sendo de salientar que a análise para efeitos de qualificação da residência fiscal é efetuada individualmente, sendo assim aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.
Considerando o disposto na alínea a) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], o Reclamante A... logrou fazer prova de que não se permaneceu em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em 2017. Facto que não seria contestado pela Requerida e seria confirmado através de prova testemunhal, assente no desenvolvimento da própria tipologia de atividade profissional do Requerente A... (piloto aéreo).
A aplicação do disposto na alínea b) [do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS], no qual se estabelece como residente quem “(…) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual; (…)” depende da verificação cumulativa de três requisitos, no ano a que respeitam os rendimentos (no caso, 2017): (i) a permanência em Portugal por um período inferior a 183 dias, com referência ao disposto na alínea a) acima referida; (ii) a disposição de uma habitação; e (iii) a verificação de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual.
A presente alínea exige assim uma ligação física menos qualificada, impondo uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.
Conforme bem se explica na decisão arbitral sobre o Processo n.º 457/202-T do CAAD “Se a qualidade de residente, nos termos da al. a) resulta, automaticamente, de um critério fáctico, meramente numérico, a presença em Portugal, a al. b) exige, pela falta de maior presença no território, um elemento adicional de intenção. O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação. A residência habitual é, assim, igualmente um critério fáctico determinado pela permanência regular (habitual) numa determinada habitação e, onde, como tal se presume ter organizada a sua vida.
Sobre o entendimento do preceito legal, acompanhamos a doutrina oportunamente citada na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 332/2022-T do CAAD: “Importa, então, analisar a verificação do terceiro requisito, a existência de condições que façam supor que a habitação será mantida e ocupada como residência habitual. A este respeito verificamos, contudo, que o legislador não densifica como deve ser aferida a intenção do indivíduo, não fornecendo, igualmente, critérios a partir dos quais o aplicador do direito deva formar a sua convicção quanto ao que se entende por residência habitual.
Na falta de uma definição legal será necessário efetuar uma análise casuística, devendo o elemento volitivo (a intenção de manter e ocupar um determinado local como residência habitual) ser aferido através de manifestações externas de vontade. A intenção de manter e ocupar uma dada habitação enquanto residência habitual deve, desta feita, ser reconstituída a partir de elementos objetivos que façam supor, com clareza, a vontade do indivíduo. Nas palavras de ALBERTO XAVIER “[a] intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual, não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor.” (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário Internacional, 2.ª Edição Actualizada, Coimbra: Almedina, 2007, p. 286).
O referido artigo impõe, assim, a vontade de estar regularmente presente no território nacional, utilizando, para o efeito, uma determinada habitação.
Como sustenta MANUEL FAUSTINO, o referido critério legal “(…) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas.” (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…” op. cit., pp. 124-125 e, no /mesmo entido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02/24/2011, proferido no processo 876/10). Para que exista uma residência habitual deverá resultar claro que a habitação mantida em Portugal, pelas suas características, se destina a uma permanência duradoura e não a uma mera passagem de curta duração (Cf. Alberto Xavier, Direito Tributário…op. cit. 286).”[2][3]
Ora, no que respeita à permanência em Portugal no período em referência, e sem que fosse factualmente controvertido, o Requerente A... apenas se deslocou em férias e viagens de visita à família, afirmando nunca ter ultrapassando ou sequer se aproximando a 183 dias em cada ano, para visitar familiares e amigos. A habitação que o Requerente A... mantém em Portugal, e na qual é residente a sua mulher (aqui Requerente, B...), serve assim apenas o referido propósito.
A este respeito, citamos novamente aquele Tribunal, clarificando que: “Repare-se que a intenção que se pretende aferir, na al. b) do n.º 1 do art. 16.º do Código do IRS, não é uma intenção de, no futuro, ocupar, ou não, a habitação como residência atual, mas sim, como refere MANUEL FAUSTINO uma intenção atual (Cf. Manuel Faustino, “Os residentes…op. cit.” p. 125), que deve ser aferida mediante manifestações externas dessa vontade.” Não haverá qualquer outra forma mais clara ou direta de aferir a intenção de um sujeito passivo do que a vontade manifestada por este (ou em representação deste, por quem tinha poderes bastantes para esta representação), o que não poderá deixar de ser igualmente relevado.
Neste mesmo sentido, Rui Duarte Morais[4] recorda a posição do STA, no Acórdão de 24.02.2011, prolatado no processo n.º 0876/10, relatado por Isabel Marques da Silva, o qual cita e acompanha o referido entendimento de Manuel Faustino.
No caso em concreto, o Requerente A... mantinha, no ano em referência, um contrato de trabalho com a C..., conforme documentação da entidade patronal, pela qual se compreende que a sua residência habitual, durante o período temporal visado, se manteve no Qatar, para cumprimento da própria atividade profissional em causa, prejudicando desta forma o preenchimento cumulativo dos requisitos exigidos para a sua qualificação como residente em Portugal.
Para a análise que aqui se efetua, ficaria provado que, no período entre 15 de abril de 2016 e 10 de janeiro de 2018, o Requerente A... viveu fisicamente separado da sua mulher (a aqui Requerente B...), existindo apenas visitas ocasionais ou por motivos de férias, atenta a circunstância de viver e trabalhar no Qatar.
Sobre a não comunicação do domicílio à administração tributária, nos termos do art.º 19.º,
n.º 3 da LGT, acompanhamos o entendimento exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo n.º 36/2022-T do CAAD, na qual se entende que: “(…) a circunstância de o Requerente não ter comunicado à AT nem a mudança do seu domicílio fiscal, nem a alteração do seu estatuto de residência – no ano de 2017, o Requerente estava registado no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes da AT como residente em Portimão, Portugal (cf. facto provado f))–, não pode fundar qualquer tributação, nem pode substituir-se às regras que definem a residência fiscal. A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário; (…).” O que se mostra aplicável na análise do presente caso.
E continua aquele Tribunal concluindo que “Não tem assim razão a Requerida quando afirma que a prova da residência fiscal do Requerente, no ano de 2017, teria de ser feita através de um “certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido nos termos do art. 4.º da CDT celebrada entre Portugal e aquele país”, sendo que, ainda na perspetiva da Requerida, o “documento denominado Letter of confirmation of residence (…) não pode ser qualificado como um certificado de residência fiscal para efeitos do artigo 4.º da Convenção”; trata-se de um argumento absolutamente formalista e carecido de respaldo legal, pois inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país.
Mais refere que, “Por outro lado, também entendemos que não tem qualquer relevância para a determinação da residência fiscal do Requerente o facto de este ter declarado ser residente em território nacional nas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS, respeitantes ao ano de 2017 (…). Acresce que, apenas o preenchimento dos pressupostos de cada um dos critérios de residência fiscal decorrentes do artigo 16.º do Código do IRS, maxime das alíneas a) e b) do seu n.º 1, permite que uma pessoa seja considerada residente fiscal em Portugal; ou seja, a mera declaração do sujeito passivo não tem a virtualidade de determinar, seja em que sentido for, a sua residência fiscal ou, visto doutra perspetiva, um erro declarativo como o existente no caso concreto não é suscetível de transformar/alterar, seja em que sentido for, uma situação factual subjacente que resulte comprovada.
Relativamente aos rendimentos obtidos em Malta, cuja informação proveio da aplicação do mecanismo de troca de informações em matéria fiscal com aquela jurisdição, acompanha este Tribunal o entendimento legal igualmente exposto na Decisão arbitral prolatada no Processo
n.º 36/2022-T do CAAD. “Acresce, ainda, referir que também o facto de terem sido as autoridades fiscais do Reino Unido a comunicar à Requerida que, no ano de 2017, o Requerente tinha auferido rendimentos naquele país – o que aconteceu no âmbito de uma troca automática de informações realizada ao abrigo da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011 (DAC 1), relativa à cooperação no domínio da fiscalidade e que foi transposta para a ordem jurídica nacional através do Decreto-Lei n.º 61/2013, de 10 de maio –, não tem qualquer influência quanto ao estatuto de residência fiscal que deve ser reconhecido ao Requerente, no ano de 2017, pois a “definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado” e, no caso português, os respetivos critérios são os constantes do artigo 16.º do Código do IRS.
Com respeito ao exposto, importa aqui atender ao disposto no artigo 4.º do Acordo entre a República Portuguesa e o Estado do Qatar para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento (Resolução da Assembleia da República
n.º 51/2012, de 17 de abril) nos termos do qual “1 — Para efeitos do presente Acordo, a expressão «residente de um Estado Contratante» designa: a) Em relação a Portugal, qualquer pessoa que, nos termos da legislação de Portugal, esteja aí sujeita a imposto em razão do seu domicílio, da sua residência, do local de direcção ou de qualquer outro critério de natureza similar, aplicando -se igualmente a Portugal e às suas subdivisões políticas ou administrativas, autarquias locais ou organismos criados por lei. Todavia, esta expressão não inclui qualquer pessoa que esteja sujeita a imposto em Portugal apenas relativamente a rendimentos de fontes localizadas em Portugal; b) Em relação ao Qatar, qualquer pessoa singular que tenha a sua habitação permanente ou o seu centro de interesses vitais ou que permaneça habitualmente no Qatar e uma sociedade constituída ou com o seu local de direcção efectiva no Qatar. A expressão inclui também o Estado do Qatar e as suas subdivisões políticas ou administrativas, autarquias locais ou organismos criados por lei.”
Resulta do referido artigo a qualificação como residente para efeitos fiscais, no que respeita a Portugal, dos termos da respetiva legislação nacional, e, no que respeita ao Qatar, o facto de a pessoa singular manter naquele Estado a sua habitação permanente ou centro de interesses, sem que se exija um certificado de residência fiscal atestando a residência naquele País.
Sobre o entendimento de que, sendo o Qatar um país sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, pelo que o Requerente A... deverá ser considerado como residente fiscal em Portugal, nos termos do disposto no art.º 16.º, n.º 6 do Código do IRS, expomos os requisitos de que depende a aplicação do referido preceito.
Dispõe a norma que, “[s]ão ainda havidos como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português.”
A presente norma consubstancia uma ficção de residência, cujo objetivo se centra no combate à evasão fiscal através da “deslocalização de residência fiscal”. Ora, sendo certo que o Qatar se encontra identificado como um país sujeito a um regime claramente mais favorável (Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro), não se poderá deixar de reconhecer o facto de ter existido uma alteração laboral que determinou uma mudança física/geográfica inerente à execução da própria atividade profissional. Apesar da redação legal indicar a título não exaustivo o exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português, deverá considerar-se que as deslocações podem resultar de outras realidades ou acontecimentos, designadamente trabalho independente. Desta forma, o exercício de uma atividade profissional como a que ocupa o caso concreto aproxima-se dos objetivos subjacentes ao conceito de “razões atendíveis” – de índole substantiva, material – que sempre excecionam a presunção de residência em Portugal.
Lembra Rui Duarte Morais que a “A definição de residente é feita, unilateralmente, pela lei de cada Estado. As convenções internacionais sobre dupla tributação aceitam tal competência (reenviam para a lei interna dos Estados contratantes a definição de residente), limitando-se a estabelecer regras de “desempate” que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respetivas leis) o considerem como tal”[5]. Situação que se afasta do caso concreto, pelo que não cabe aqui desenvolver.
Com base na factualidade apresentada e à luz dos critérios de residência estatuídos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, o Requerente A... não pode ser considerado fiscalmente residente em Portugal, no ano de 2017, o que obsta a que aqui seja tributado relativamente aos rendimentos auferidos no período controvertido.
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Pedido de indemnização por prestação de garantia indevida
A Requerente pede ainda o pagamento de indemnização pelos custos da garantia indevidamente prestada, acrescido de juros, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º, n.º 1 e 2 do CPPT, por ter sido constituída hipoteca voluntária sobre os bens imóveis oportunamente identificados para garante da totalidade da dívida exequenda (€ 57.974,25).
Entende o Tribunal que o pedido de indemnização por garantia indevida (igualmente de juros indemnizatórios) é um pedido dependente, derivado e consequencial que segue necessariamente o regime aplicado à decisão do caso.
A este respeito segue este Tribunal a jurisprudência uniformizada pelo STA no sentido de não atribuição de indemnização por garantia indevida, conforme Acórdão prolatado no processo
n.º 018/20.7BALSB, 11/04/2020 (Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo): “(…) é inequívoco, perante o teor do art.º 53º da LGT e do art.º 171º do CPPT, que para os efeitos indemnizatórios aí previstos apenas são consideradas as "garantias bancárias ou equivalentes". O que se compreende, na medida em que nas garantias bancárias e equivalentes (como é o seguro-caução) o contribuinte suporta forçosamente uma despesa, cujo montante vai aumentando em função do período de tempo durante o qual é mantida, e, portanto, a presença de prejuízos é certa e infalível, porque inerente a este tipo de garantia. E porque a sua quantificação é fácil de fazer, o legislador quis dar ao lesado a possibilidade de obter, de forma imediata e praticamente automática, o reconhecimento do direito indemnizatório, ainda que limitado ao montante máximo previsto no nº 3 do art.º 53º da LGT. Como refere A. LIMA GUERREIRO, em anotação ao art.º 53º na sua "Lei Geral Tributária Anotada", «o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (como o seguro-caução). Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais»
Acresce referir que no mesmo sentido decidiu o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, proferido no processo n.º 0528/12, no que respeita à garantia na modalidade de hipoteca, a qual também não foi tida por equivalente a garantia bancária.
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DECISÃO
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
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Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2021... relativo ao ano de 2017, nos termos da qual se apurou imposto a pagar no valor de € 57.964,25, com as legais consequências;
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Julgar improcedente o pedido de pagamento dos custos da garantia indevidamente prestada, acrescido de juros, nos termos do artigo 53.º da LGT e artigo 171.º, n.º 1 e 2 do CPPT.
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Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
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VALOR DO PROCESSO
Nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 57.964,25 (cinquenta e sete mil, novecentos e sessenta e quatro mil e vinte e cinco cêntimos).
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CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2 142.00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 11 de outubro de 2022
A Árbitra do Tribunal Arbitral
Ana Rita Chacim
[1] Diogo Leite Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª edição, 2012, pág. 199.
[2] Processo n.º 332/202-T do CAAD.
[3] Neste sentido, entende o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão n.º 3/2020 (Série I), de 4 de março de 2020, Processo n.º 1679/13.9BALSB do Contencioso Tributário - Pleno da Secção.
[4] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 3ª edição, 2014, pág. 5.
[5] Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, ob. cit. págs. 7-8.